Um filmaço da fase americana de Fritz Lang. “Casamento Proibido” (“You and Me”, 1938) já seria um grande filme simplesmente pela presença da fofíssima Sylvia Sidney, mas a película tem outros atrativos sendo, sobretudo, um filme de forte conteúdo social. Para podermos falar sobre esse filme, os spoilers de oitenta e dois anos estão liberados.
O filme fala da trajetória de um casal, Helen (interpretada por Sidney) e Joe (interpretado por George Raft). Os dois são colegas que trabalham numa loja de departamentos. E têm algo em comum: os dois tiveram um passado de crimes, cumpriram pena na prisão e estão em liberdade condicional. Essa coincidência aconteceu, pois o patrão dos dois, o senhor Morris (interpretado por Harry Carey) acredita que quem passou pela cadeia fica marcado pela sociedade e ninguém quer dar uma segunda chance, ou seja, um novo emprego. Morris decidiu então empregar em sua loja de departamentos somente pessoas que estejam em liberdade condicional para dar essa segunda chance, para desespero de sua esposa, que pensa como a maioria da sociedade e vê os ex-presidiários com suspeita. Joe teve um passado de crimes violento e decidiu sair do emprego e da cidade para se afastar de seus antigos companheiros de crime, que constantemente o chamavam para voltar às antigas atividades ilícitas. Mas ele desiste de ir embora depois que Helen disse que o amava. Os dois se casam imediatamente, embora não o pudessem fazer, já que estão na condicional. Ainda, Joe não sabe do passado de crimes de Helen, que esconde isso dele de todo o jeito. Joe começa a desconfiar de Helen, inicialmente achando que ela tem outro, mas depois sabendo de seus amigos de crime que ela tinha também um passado negro. Irritado com as dissimulações de Helen, ele decide voltar para seus colegas de crime e assaltar a própria loja do Sr. Morris, em que trabalhava. Mas Helen, que já estava grávida de Joe, diz tudo ao Sr. Morris, que espera os bandidos com um monte de seguranças e a própria Helen na loja. O Sr. Morris dá um esporro federal nos ladrões, que são todos os seus empregados, e deixa Helen sozinha com eles, à pedido da própria moça. Aí, ela começa uma explicação aos bandidos de que o crime não compensa, sob risadas gerais e começa a fazer num quadro negro todo um conjunto de contas, ao bom estilo de “colocar tudo na ponta do lápis”, para ver se o que cada bandido que participaria do assalto ganharia, pois somente um percentual do roubo iria para a quadrilha, isso sem falar em gastos com um carro para a fuga, caminhões para transporte do roubo, suborno dos seguranças, etc. etc. Ao fim, a quantia que cada um teria seria irrisória, isso sem falar que eles voltariam a ser procurados pela polícia. Todo mundo ficou com uma tremenda cara de tacho, e Joe, muito enfurecido, gritava com ela, que foi embora. Os próprios ladrões disseram que “todo homem tem o direito de gritar com uma mulher (ê 1938!), mas não na frente dos outros”. Joe grita com eles também e sai à toda revoltado. Com a cabeça mais fria, ele pega um perfume na loja, paga na caixa registradora e o leva. Mas quando chega ao apartamento que dividia com Helen, esta já foi embora e lhe deixou uma carta de despedida. Desesperado, vai ao agente da condicional e ainda descobre que ela está grávida. Sem saber o que fazer, vai aos seus amigos de bandidagem que procuram Helen pela cidade toda, até a descobrirem num Hospital, onde dava à luz. O filme termina com um happy end clássico, onde o casal se reencontra, com um monte de bandidos o cortejando.
O grande barato de “Casamento Proibido” é a questão social que Lang levanta, vista também em “Vive-se Só Uma Vez”: como recolocar na sociedade aqueles que já cumpriram suas penas e estão em liberdade condicional? O trailer do filme enfoca demais essa questão e Lang criou um casal bem simpático para o grande público ter empatia com quem vive nessa condição. Mas Joe era um homem de passado violento, algo difícil de se desvencilhar. Assim, ele era muito duro contra mentiras e omissões, agindo de forma exagerada contra uma doce Helen, tornando Joe um verdadeiro trouxa, com a ajuda do machismo latente da época. Mas se Helen era doce e frágil, também vimos o seu momento de empoderamento, ao denunciar o assalto ao Sr. Morris e depois ainda explicar aos seus colegas (a maioria trabalhava na loja) por que não compensava trocarem seus empregos por um assalto, provando tudo por a mais b. Essas atitudes de Helen fazem a gente amar Sylvia Sidney com todas as nossas forças nesse filme. E a coisa vai soando cada vez mais simpática, pois, mais ao final da película, os próprios colegas de crime de Joe se transformam numa espécie de alivio cômico na ajuda em fazer o casal ficar junto novamente, o que deu a condição de que o filme tivesse um happy end que não fosse fora de contexto. Assim, Lang consegue fazer um filme que trabalha uma temática social de uma forma leve e suave, não muito tensa.
Dessa forma, “Casamento Proibido” é um dos filmes mais simpáticos de Lang, pois usa o trunfo de Sylvia Sidney, trabalha uma temática social altamente pertinente e adéqua um happy end a uma situação de humor mais ao final do filme. Veja o filme neste link, acionando as legendas, ou em inglês, ou num português sofrível: https://www.youtube.com/watch?v=bVrv-bQoWEc&t=109s