Dentre as nossas análises de filmes de Fritz Lang em sua fase alemã, vamos falar de “A Mulher Na Lua” (“Frau Im Mond”, 1929). Esse é um filmaço de Fritz Lang. Além da sua longa duração (cerca de duas horas e quarenta e nove minutos), “A Mulher Na Lua” é uma ficção científica surpreendente, pois foi um filme que buscou fazer uma ficção científica o mais coerente possível, mas também com alguns devaneios. Para se ter uma ideia, o filme teve consultoria científica e tocou, em paralelo, o desenvolvimento de um projeto onde um foguete de verdade (não tripulado, obviamente, e de dimensões bem mais reduzidas que os de hoje) seria lançado no dia de lançamento do filme. O filme teve como consultor científico o pioneiro da astronáutica Hermann Oberth, que tinha como ajudante um jovem de nome Werhner Von Braun, que mais tarde seria responsável pelo Saturno V, o foguete que realmente levaria o ser humano à Lua. Infelizmente, o foguete não foi lançado no dia da estreia do filme, mas “A Mulher Na Lua” estimularia muito a pesquisa e desenvolvimento de foguetes. Para podermos falar desse filme, vamos liberar os spoilers de noventa e um anos.
O plot é o seguinte. O cientista Wolf Helius (interpretado por Willy Fritsch) visita seu antigo professor, Georg Manfeldt (interpretado por Klaus Pohl), que vivia num humilde apartamento e na miséria depois de ter sido ridicularizado pela comunidade científica por defender que havia ouro na Lua e que uma viagem até nosso satélite natural seria possível. Ele desenvolveu toda uma teoria a respeito, que agora estava sendo cobiçada por uma grande instituição financeira. Essa teoria ficaria sob a guarda de Helius, que a colocaria em seu cofre em casa. Mas essa instituição financeira conseguiu roubar a teoria escrita pelo cientista e obrigou Helius a fazer a viagem conjuntamente com um de seus representantes, o sinistro Walter Turner (interpretado por Fritz Rasp). Também tomariam parte na viagem o professor Manfeldt e o casal de cientistas amigo de Helius, Hans Windegger (interpretado por Gustav von Wangenheim) e Friede Velten (interpretada por Gerda Maurus). Completa a tripulação o garoto “clandestino” Gustav (interpretado por Gustl Gstettsenbaur). Depois de uma grande cerimônia para o lançamento, o foguete parte para a Lua, soltando seus estágios e tudo, viajando por trinta e seis horas até pousar em nosso satélite artificial. Uma vez chegado lá, o professor Manfeldt sai do foguete primeiro, pisando na superfície lunar com um escafandro, mas descobre que há atmosfera no satélite. Ele anda até uma caverna e encontra ouro, mas cai num buraco e morre. Turner o segue e consegue encontrar outro pedaço de ouro, tentando voltar para a Terra sozinho no foguete, deixando os demais tripulantes na superfície. Mas seus planos são descobertos e, depois de uma luta corporal e uma troca de tiros. Turner morre. Entretanto, um dos tiros atingiu os cilindros de oxigênio do foguete, o que significava que um dos tripulantes teria que ficar na Lua. Helius e Windegger (que estava meio surtado da vida) tiraram a sorte no palitinho e Helius venceu. Gustav armou um acampamento para Windegger ficar. Mas Helius decidiu ficar no lugar do amigo e deu-lhe uma bebida com tranqüilizante para ele dormir. Helius deu as instruções para Gustav pilotar o foguete e desceu para a superfície da Lua. Depois que o foguete partiu para a Terra, Helius foi para o acampamento e encontrou Friede que, apesar de noiva de Windegger, sempre esteve apaixonada por Helius. Fim do filme.
O que podemos dizer de “A Mulher Na Lua”? Em primeiro lugar, a ficção científica impressiona, e muito. As cenas da Lua (que precisaram de quarenta caminhões de areia das praias do Mar Báltico para simularem o deserto lunar) lembram muito as imagens reais da superfície da Lua, à despeito da atmosfera, do ouro e das poças ferventes que vemos no filme. Mas muito mais impressionante e realístico foi o lançamento do foguete na Terra. O deslocamento do foguete do hangar para a plataforma de lançamento lembra demais os lançamentos reais, à despeito do foguete ser colocado numa piscina para aguentar o seu peso com o deslocamento da água. Chamou muito a atenção a contagem regressiva, a separação dos estágios durante o lançamento do foguete e os nossos astronautas tendo que suportar a pressão da força G e a necessidade do foguete atingir a velocidade de escape da gravidade da Terra, que realmente é de onze quilômetros por segundo. A situação de gravidade zero durante o voo também é lembrada, onde os personagens tinham que encaixar os pés em alças durante o voo. Gustav chega a “flutuar” num momento do filme. Nessas horas, a gente se pergunta: até onde “A Mulher Na Lua” influenciou nos lançamentos reais de foguetes? Devemos nos lembrar que esse é um filme de 1929, feito décadas antes dos lançamentos reais de foguetes, e vimos a contagem regressiva nele. Vendo esse filme, me lembro demais da discussão de como Jornada nas Estrelas influenciou o futuro antecipando, por exemplo, o uso de celulares e tablets. Parece que todo o cerimonial, estética e antevisão de um lançamento de foguete em estágios, sujeição do corpo humano à aceleração e à ausência de gravidade foram exibidos nesse filme, com os cientistas de décadas posteriores influenciados pelo que vimos na película de Lang lá do final dos anos vinte.
E a “Mulher Na Lua” em si? Apesar dela estar no título do filme, a sua posição na missão é altamente periférica. Parece que o empoderamento feminino aqui só chegava ao máximo a isso. O simples ato de Friede já estar numa missão perigosíssima, como o próprio Helius dizia (como ele era apaixonado por Friede, não queria de jeito nenhum que a mesma se submetesse a uma missão tão perigosa) parecia ser suficiente para um ato feminino pioneiro e de vanguarda. Um empoderamento feminino que se manifestava no vestuário. Se no início do filme, a moça, em seu noivado, vestia um delicado vestido branco, na missão, sua vestimenta era deveras masculinizada, com direito a uma gravata e a uma calça bem larga, que escondia suas formas femininas. Seria como se a moça, ao tomar para si uma tarefa atribuída aos varões, precisasse se vestir como tal. Pelo menos, ela filmou a superfície da Lua em toda a sua riqueza de detalhes (impossível não se lembrar de Leni Riefensthal), já que Friede era uma renomada cientista.
Dessa forma, se “A Mulher Na Lua” mostrou um empoderamento feminino com as limitações culturais da época, por outro lado, vimos uma ficção cientifica que, apesar dos devaneios como a presença de atmosfera na Lua, teve uma consultoria científica que alguns diriam que anteviu o futuro, e outros diriam que deu as bases para a construção do próprio futuro. Ver uma contagem regressiva de um lançamento de um foguete décadas antes do primeiro foguete ser realmente lançado é algo, no mínimo, perturbador. E veja o filme na íntegra abaixo, legendado em português.