Dentre as nossas análises de filmes da fase alemã de Fritz Lang, falemos hoje de “Metrópolis” (“Metropolis”, 1927), talvez o mais famoso filmes de Fritz Lang. Essa foi uma grande superprodução da UFA que, infelizmente, não teve o retorno esperado. O filme foi muito mutilado para a sua exibição nos Estados Unidos, em virtude de sua longa duração e de alguma censura, o que fez com que a versão completa se perdesse para sempre, ficando muito desconexa e de difícil compreensão. Mesmo assim, a grande plasticidade de suas imagens transformou “Metrópolis” numa lenda. Em 2008, foi divulgada ao mundo a descoberta de uma cópia praticamente completa em Buenos Aires e hoje podemos ver “Metrópolis” muito próximo do que foi sua exibição de estreia em Berlim, a 10 de janeiro de 1927. Para podermos falar desse filme, vamos liberar os spoilers de noventa e três anos.
O plot é o seguinte. No ano de 2026, há uma grande cidade futurista chamada Metrópolis, com uma população de sessenta milhões de habitantes. A enorme cidade é controlada por máquinas que ficam abaixo da terra, onde operários têm uma jornada desumana de trabalho de dez horas diárias. Eles vivem numa cidade operária abaixo das máquinas. Os filhos da elite de Metrópolis se divertem nos jardins eternos, por serem artificiais, e têm uma vida privilegiada, regada à muito prazer. Um deles é Freder (interpretado por Gustsv Fröhlich), filho do grande patrão da cidade, Joh Fredersen (interpretado por Alfred Abel). Um dia, enquanto Freder se diverte com uma das moças à disposição do varão, surge uma linnda moça humilde chamada Maria (interpretada por Brigitte Helm), com muitas crianças maltrapilhas, que são as filhas dos operários. Maria diz às crianças que aquela elite estarrecida são seus irmãos. Freder imediatamente se apaixona pela moça e vai atrás dela, mas descobre a realidade insana das máquinas e da exploração sobre os operários. Ele vai conversar sobre isso com seu pai, que não demonstra a menor compaixão. Com a ajuda de Josaphat (interpretado por Theodore Loos), Freder vai procurar Maria e seus irmãos, enquanto que o pai ordena ao sinistro mordomo (interpretado por Fritz Rasp) que vigie o filho. Há, também, um cientista, Rotwang (interpretado por Rudolf Klein-Rogge) que disputou, no passado, com Joh Fredersen o amor de uma mulher chamada Hel, e ele perdeu. Mas Hel morreu ao dar à luz Freder. Inconformado, Rotwang cria para ele uma mulher mecânica (também interpretada por Brigitte Helm), mas Fredersen pede que Rptwang dê ao robô a forma de Maria para manipular os operários. Esse plano se mostrará trágico, com conseqüências muito destrutivas.
Esse filme, eivado de uma estética expressionista, é considerado por alguns especialistas do cinema alemão como já fora da fase expressionista. Lang se dizia realista ao invés de expressionista. Mas muitos elementos do expressionismo estão lá: o claro/escuro, a interpretação antinatural dos atores, a arquitetura muito ornamentada da grande metrópole, as sombras atuando como personagens, a indignação com a exploração capitalista. Freder é um personagem-chave aqui. Ele surge como o novo homem expressionista que vai ao contato de seus irmãos mais pobres para libertá-los da tirania. Entretanto, Freder será influenciado e guiado pela doce e angelical Maria, que, ao invés de propor uma ruptura entre capital e trabalho, propõe a (impossível) união pacífica entre esses dois pólos. A frase que manifesta essa união no filme é “Entre a mente que planeja e as mãos que constroem, tem que haver um mediador, e esse deve ser o coração”. Assim, Freder, eivado de uma conotação até messiânica, promove essa união entre capital e trabalho com um relutante aperto de mão entre Joh Fredersen e o capataz dos operários. O próprio Fritz Lang dizia que não gostava de “Matrópolis” por seu final “falso”. Muitos outros historiadores e estudiosos do cinema condenavam o filme, às vezes até com adjetivos depreciativos. Freder parece fazer uma jornada no filme. No início, ele busca um novo homem expressionista, com uma nova visão de mundo e ansioso pela justiça social. Mas, ao ser manipulado por Maria, ele chega ao novo homem nazista, onde os operários voltam a ter uma postura passiva frente ao patrão por inteira responsabilidade de seu filho e, muito mais de Maria, que acalmava as massas com a profecia da vinda do mediador. Thea von Harbou, que assina o roteiro, teria simpatia com os nazistas, e estes, sobretudo Goebbels, diriam que é necessário conquistar o coração do povo e mantê-lo. Assim, o filme se constitui de duas camadas: a Expressionista-Social e a da Nova Objetividade passiva e conformista que flerta com o nazismo, estilo artístico surgido posteriormente ao Expressionismo. Se Lang não atingiu sua maturidade política nesse filme, as condições turbulentas da República de Weimar não tardariam em acelerar esse processo de maturação e nosso diretor seria muito mais competente nas entrelinhas em “M, O Vampiro de Dusseldorf”, de 1931.
Dessa forma, se “Metrópolis” imortalizou Lang pela grandeza da produção, por outro lado, esse é um filme de estética Expressionista que tem uma narrativa que se adéqua mais à Nova Objetividade. Um produto cultural nas fronteiras de duas tendências artísticas. Não deixe de ver o filme na íntegra legendado em português abaixo.