Dentre os filmes da fase americana de Fritz Lang, falemos de sua segunda produção nos Estados Unidos, “Vive-se Só Uma Vez” (“You Only Live Once”, 1937). Esse é um filme que traz Sylvia Sidney de volta fazendo uma parceria com Henry Fonda, que deu muito certo, diga-se de passagem. Para podermos falar desse filme, os spoilers de oitenta e três anos.
O plot é o seguinte. Eddie Taylor (interpretado por Henry Fonda) está saindo da prisão pela terceira vez, sendo advertido que, caso volte por algum crime, será provavelmente condenado à morte. Praticamente ninguém tem esperanças de que ele se recupere, exceto sua namorada, Joan Graham (interpretada por Sidney). Os dois procuram começar uma vida nova, onde eles vão dar entrada na compra de uma casa e Taylor começará um emprego numa transportadora como motorista. Mas um único atraso num dia de trabalho foi suficiente para que seu patrão o botasse na rua, muito em função do preconceito contra Hnery ser um ex-presidiário. Pouco tempo depois, acontece um assalto a um banco com bombas de gás lacrimogênio e seis pessoas morrem. O chapéu de Eddie aparece como uma espécie de prova. Ele procura Joan e diz que é inocente, com o seu chapéu sendo utilizado por um ex-comparsa de crimes para incriminá-lo. Eddie diz que precisa fugir mas Joan acha que ele precisa se entregar, já que é inocente. Ele se entrega, mas acaba sendo condenado à morte, não querendo mais falar com Joan. Mas esta vai visitá-lo na prisão, proposta a qualquer coisa para ajudá-lo. Eddie pede então que ela traga uma arma para ele. Joan consegue a arma mas não consegue entregá-la, pois fica retida no detector de metais. Um padre amigo de Eddie, que está com ela na visita, consegue convencer os policiais a não revistá-la e, depois que saem do presídio, o padre pede que ela entregue a arma. Mas Eddie conseguirá um revólver com um amigo de prisão e faz um médico de refém. Quando os dois estão na porta da prisão, prestes a saírem, é chegada uma mensagem ao diretor do presídio, com um indulto a Eddie, pois o verdadeiro culpado do assalto a banco apareceu, sendo realmente o ex-compassa de Eddie, que apareceu morto no fundo de um rio com o carro forte (ele sofrera um acidente na fuga). Mas Eddie não acredita nisso e acaba alvejando seu amigo padre, matando-o. Ao sair da prisão, ele acaba sendo ferido pela polícia e vai procurar Joan. Os dois tornam-se fugitivos da polícia, com Joan grávida, dando à luz durante a fuga. Joan ainda consegue se encontrar com sua irmã para entregar o bebê para pegar a criança de volta depois que atravessarem a fronteira. Mas os dois são alvejados e mortos pela polícia quando já estavam bem perto. Moribundo, Eddie escuta uma voz dizendo que ele finalmente está livre.
Esse segundo filme de Lang nos Estados Unidos mostra a continuação de Lang de sua preocupação com questões sociais do país que ele começava então a trabalhar. Dessa vez, vemos aqui a impossibilidade de alguém que cometeu crimes e delitos de recomeçar a sua vida mesmo depois que cumpre sua pena, pois a sociedade, eivada de todo um preconceito contra ex-criminosos, não acolhe aqueles que querem se recuperar. O próprio Lang instiga o espectador a lidar contra seus próprios preconceitos quando do momento do assalto ao banco, onde não sabemos se podemos confiar ou não nas palavras de Eddie, que alega sua inocência. Afinal de contas, ele já foi condenado três vezes, parecendo pouco provável que nosso protagonista falasse a verdade. Mas, realmente Eddie não mentia e era inocente, desta vez sendo condenado injustamente à morte. O grande problema é que ele já estava tão barbarizado por tudo o que havia ocorrido que ele não acreditava mais que havia recebido um indulto, matando uma das poucas pessoas que ainda confiava nele, o seu amigo padre, para sacramentar toda essa tragédia social. Mas a coisa ainda poderia piorar, pois Eddie e Joan foram implacavelmente caçados pela polícia, sendo mortos como animais bem próximos da fronteira. Ou seja, se Lang ainda opta pelo “happy end” em “Fúria”, em “Vive-se Só Uma Vez” o desfecho é trágico. Nunca houve escapatória para Eddie. Se ele tentava recomeçar sua vida de forma digna e honesta, a sociedade não o permitiu, tratando-o de forma bárbara. E, quanto mais maltratado Eddie o era, mais ele caía na barbárie, o que somente retroalimentava a barbárie da sociedade contra ele, levando tudo a um beco sem saída, onde a morte era a única alternativa. Lang assim mostrava mais uma vez seu pessimismo com relação ao humano.
Dessa forma, “Vive-se Só Uma Vez” é uma grande obra de Lang, mostrando todo o seu talento e sua visão de mundo pessimista em Hollywood, mais afeito a histórias assépticas e felizes com o objetivo de entretenimento. O realismo cru de Lang seria uma grande contribuição para o cinema americano e mundial, lançando uma série de películas reflexivas. Infelizmente, não temos esse filme na íntegra. Fiquemos com o trailer abaixo.