Vamos continuar a conversar sobre os filmes que concorrem ao Oscar neste ano de 2021. “Uma Noite em Miami”, da Amazon Prime, concorre a três estatuetas: Melhor Ator Coadjuvante para Leslie Odom Jr., Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Música (ou canção). Para podermos falar desse filme, vamos precisar dos spoilers de sempre.
O filme se passa na noite de 25 de fevereiro de 1964, onde houve um encontro fictício entre Cassius Clay (interpretado por Eli Goree), Malcolm X (interpretado por Kingsley Ben-Adir), Jim Brown (jogador de futebol americano, interpretado por Aldis Hodge) e Sam Cooke (músico, interpretado por Leslie Odom Jr.). Tal encontro, organizado por Malcolm X, seria para que eles pudessem estabelecer parâmetros em comum na luta das negros pelos direitos civis na década de 60. O encontro comece de forma muito amistosa e cordial. Mas, aos poucos, as diferentes visões de mundo vão tornando a noite muito tensa. O principal fator de tensão, que chegou às vias de fato inclusive, foi o desentendimento entre Malcolm X e Sam Cooke, com o primeiro achando que o segundo tinha a música como um instrumento muito valoroso para a causa, mas Cooke somente fazia música para agradar a brancos. Cooke rebatia esse argumento dizendo que sua música lhe dava uma independência financeira e fazia os brancos colocarem dinheiro nas mãos dele, além de fazer também músicas mais militantes. Outro fator de discórdia, rapidamente sanado, foi entre Clay e Malcolm X. O primeiro havia se tornado campeão mundial dos pesos pesados naquela noite, com apenas vinte e dois anos, se convertendo ao islamismo por intermédio de Malcolm X. Entretanto, Malcolm X estava se desligando do movimento islâmico ao qual fazia parte, pois não concordava com alguns procedimentos deste, querendo fundar seu próprio movimento e Clay seria um bom chamariz para fiéis. Clay se sentiu usado e somente se reconciliou com Malcolm X depois de muita conversa. Já Jim Brown pensava em seguir a carreira de ator no cinema, mas Cook achava que ele devia continuar a seguir sua carreira no futebol americano, pois negros só receberiam pequenos papéis nos filmes. Ou seja, cada um apitava na vida particular do outro, pois essas vidas particulares estavam entrelaçadas com uma causa maior, que era a luta pelos direitos civis. Mas o mais interessante nessa conversa conflituosa foi ver como nossos personagens reviam suas posições e mudavam (ou não) as suas convicções.
O filme se passa a maior parte do tempo dentro de um quarto de um pequeno hotel, onde esses quatro personagens reais se encontram e aparam suas arestas. Se Leslie Odom Jr. recebeu a indicação para Melhor Ator coadjuvante, devemos dizer que todos os atores foram excelentes em seus papéis e transpiravam carisma. Fiquei muito impressionado com a atuação de Kingsley Ben-Adir, que fez um Malcolm X muito sereno, mas também muito perturbado e transtornado com as perseguições que sofria dos brancos, praticamente antevendo sua morte. Ele também conseguia ser explosivo ao expor o seu ponto de vista e desabar quando sentia que o desentendimento atrapalhava o andamento das coisas, se debulhando em lágrimas na frente de Jim Brown. Aldis Hodge, o ator que interpretou Jim Brown, foi o mais centrado de todos ali, expondo suas ideias e pensamentos de forma bem clara e concisa, sem entrar no cavalo de batalha dos conflitos. Eli Goree talvez tenha recebido a tarefa mais fácil, pois fazer um Clay caricato em suas fanfarronices pode ser algo muito adaptado para um overaction. Mas ele não ficou apenas na fanfarronice e foi inseguro (como todo jovem de vinte e dois anos o é) e terno nas horas certas. Odom Jr. foi sem dúvida o mais carismático de todos e merece a indicação a ator coadjuvante de longe, com um personagem muito seguro de si e que não levava desaforo para casa.
Dessa forma, “Uma Noite em Miami” é mais um filmaço que concorre ao Oscar que merece demais a nossa atenção, pois aborda um tema nevrálgico na cultura dos Estados Unidos (a questão da luta pelos direitos civis) e conta com um elenco que trabalhou muito bem e com muito carinho os seus personagens. É um show de atuação do início ao fim.