Até o próximo domingo, rola na internet o FestCômico, um festival de filmes considerados de humor, com o grande público tendo acesso gratuito aos filmes. No meio de uma extensa lista, temos o documentário “Desarquivando Alice Gonzaga” (2017), que conta a trajetória da filha do criador dos estúdios da Cinédia, Adhemar Gonzaga. Em quase uma hora e meia de exibição, podemos ver Dona Alice mostrando e realizando a grande paixão de sua vida, que é arquivar e catalogar coisas e objetos, sobretudo sobre a Cinédia e a História do Cinema Brasileiro, mantendo um poderoso acervo até hoje. A história de Dona Alice e da família Gonzaga se confunde com a própria História do Cinema Brasileiro, pois Adhemar Gonzaga editou a revista Cinearte, que militou pelo cinema brasileiro de 1926 a 1942, além de produzir filmes como Barro Humano e criar o estúdio da Cinédia num terreno em São Cristóvão.
O documentário mostra Alice Gonzaga descortinando o farto arquivo da Cinédia e contando para nós não somente a História do Cinema Brasileiro como também a sua história pessoal e a de sua família, falando, por exemplo, do preconceito da avó, que era mãe de Adhemar, com o meio artístico; a complicada história de sua mãe, a atriz Didi Viana com a família de Adhemar (o que acabou afastando mãe e filha); a exibição de muitos trechos de filmes brasileiros e, quando não os havia, a exibição de suas fotos praticamente intactas; a forma e o estilo de como vários diretores brasileiros trabalhavam, etc. Ou seja, temos aqui um documentário em tom bem enciclopédico, sem perder de vista o tom intimista. Dona Alice até hoje arquiva reportagens e fotos sobre o cinema brasileiro, mantendo-se muito ativa em seu oficio que praticamente aprendeu desde muito criança, quando passava as férias na Cinédia e ajudava o pai a organizar as coisas nos estúdios. Mas ela realmente se tornou mais dedicada à preservação da memória do cinema depois que teve uma discussão com Adhemar, que já estava no fim da vida, sobre o valor dos filmes e o sacrifício em fazê-los.
Apesar desse documentário estar presente num festival de filmes cômicos, não o encaro como uma comédia. A graça da coisa pode até residir no comportamento de Alice em arquivar e armazenar tudo, como se fosse uma espécie de mania (o documentário começa com as caixas dos restos mortais da família organizados por ela em data crescente de morte no mausoléu da família, ou seja, até os parentes mortos ela arquivou). Mas graças a essa “mania”, muito da História do Cinema Brasileiro está bem preservado e arquivado, sobretudo a sua coleção de revistas Cinearte. O trabalho de Alice Gonzaga de preservação da memória do Cinema Brasileiro é valiosíssimo e será um grande legado para as gerações futuras que vão querer estudar a História de nosso cinema, tão combalida pela falta de preservação da memória. Realmente, já estava na hora de se fazer um documentário para mostrar ao mundo a importância de Alice Gonzaga para a preservação da memória do cinema brasileiro.
Dessa forma, “Desarquivando Alice Gonzaga” é um documentário obrigatório para aqueles que são cinéfilos e que estudam a História do Cinema Brasileiro. Ter a oportunidade de ver a própria Alice Gonzaga falando do arquivo que ajudou a criar é uma oportunidade ímpar e é muito bom que tal coisa tenha ficado registrada no documentário como uma espécie de legado para as próximas gerações. E fique com o documentário completo abaixo