O Festival do Rio 2019 começou tardiamente em virtude das dificuldades econômicas e o período nefasto que atravessa nosso país. Ainda assim, no melhor sentido da palavra resistência, mesmo um tanto combalido, o festival aconteceu. E um dos filmes em cartaz foi o enigmático “Deus É Mulher e Seu Nome é Petúnia”, que é uma película sobre machismo numa Macedônia de contornos ainda medievais, lançando mão de um forte tom de denúncia. Um filme que tem elementos que chegam às raias do odioso. E um filme totalmente necessário. Vamos lançar mão de spoilers aqui.
Vemos aqui a trajetória de Petúnia (interpretada por Zorica Nusheva), uma moça na casa dos trinta anos que trabalhou apenas como garçonete e é formada em História. Ela vive em Stip, uma pequena cidade da Macedônia, e tem uma entrevista de emprego arrumada por uma mãe rigorosa, que a vê com um certo desprezo. A entrevista se revela um desastre total, pois o possível patrão inicialmente insinua um assédio sexual e depois a humilha como mulher e por ser gorda. Revoltada, Petúnia anda pelas ruas e encontra, no rio local, um ritual religioso com o padre ortodoxo lançando uma cruz ao rio gelado onde os homens da cidade irão disputá-la. Quem pegar a cruz terá boa sorte e prosperidade. O problema é que somente homens podem participar do ritual. E Petúnia, numa atitude totalmente inusitada, se joga ao rio e acaba pegando a cruz. Isso irá dar uma confusão de proporções colossais, com a polícia batendo à porta da moça e a levando para a delegacia. Como se trata de uma violação de uma tradição religiosa mas nenhuma lei secular foi desrespeitada, os policiais têm uma verdadeira batata quente nas mãos, precisando resolver o problema, mas não podendo prender Petúnia. A situação se agrava quando os homens que participavam do ritual da cruz tentam invadir a delegacia para agredir Petúnia, numa verdadeira caça às bruxas, sendo alguns deles presos. Petúnia somente consegue o apoio de uma repórter de TV que tenta denunciar a situação medieval pela qual a moça passava.
Esse é um filme que mostra, de forma contundente, a forma desprezível como a mulher é tratada em sociedades que se apegam a tradições religiosas em alguns rincões da Europa, onde as mesmas são proibidas de participar de rituais exclusivamente masculinos. Ou seja, é mais um caso de filme onde a tradição é vista como vilã, num momento do mundo em que grupos conservadores e de direita tomam cada vez mais frente. E a constatação de como um tema que fala de harmonia e amor como a religião ajudam a potencializar tanto ódio e preconceito em situações específicas.
Apesar do tema pesado (o filme é vendido como uma comédia, mas ele pode ser muito tenso em várias passagens), optou-se por um happy end onde Petúnia sai da delegacia com sua cruz pela porta da frente e a devolve, de livre e espontânea vontade, para o padre, o que pareceu soar um pouco falso. De qualquer forma, ainda assim a película serviu como uma reflexão profunda sobre o conservadorismo de um país como a Macedônia, gritado a plenos pulmões pela trama como ainda muito medieval.
Dessa forma, “Deus É Mulher e Seu Nome é Petúnia” é mais uma película que é um reflexo dos tempos sombrios que passamos referentes aos avanços dos grupos conservadores pelo mundo e que precisam ser denunciados aos quatro ventos. Uma película um tanto pesada, mas absolutamente necessária.