Dando sequência às nossas análises de filmes que concorrem ao Oscar nesse ano de 2021, falemos de “Druk, Mais Uma Rodada”, que concorre a duas estatuetas: Melhor Filme Internacional (ou o antigo Melhor Filme Estrangeiro) e Melhor Direção para Thomas Vinterberg. Para que possamos analisar esse filme,vamos precisar dos spoilers de sempre.
Vemos aqui a história de Martin (interpretado por Mads Mikkelsen), um professor de História que está desanimado da vida. Ele mantém um relacionamento frio e distante com sua esposa, além de não estar mais motivado para dar aula. Numa festa de aniversário com três amigos seus que são professores na mesma escola em que Martin leciona, um deles sugere uma estranha tese: a de que um ser humano precisa de uma determinada dosagem diária de álcool para viver bem. Eles decidem, conjuntamente, levar a cabo essa experiência, o que vai ser uma novidade para Martin, que nem bebia muito. No início, tudo parece ir às mil maravilhas: as aulas dos professores tornam-se mais interessantes, eles ficam muito mais sociáveis no ambiente de trabalho, Martin consegue melhorar a sua relação com a esposa. Entretanto, a vontade constante de experimentar novas bebidas e a ideia de manter o nível de álcool no sangue constante durante todo o dia até as oito da noite acaba levando os quatro amigos para o perigoso caminho do alcoolismo. Para piorar a situação, eles começam a esconder bebidas dentro da escola para manter o nível etílico dentro dos padrões que almejam. E aí vemos a vida dos quatro professores descendo ladeira abaixo, com cada situação individual passando por um problema específico. Um dos amigos terá um desfecho trágico e agora eles vão precisar parar com a experiência que se revela uma verdadeira faca de dois gumes.
Com um plot desse calibre, o leitor pode pensar que o desfecho do filme é muito triste. Mas, apesar do fim trágico de um dos professores, surpreendentemente temos um happy end aqui, pois a parte positiva da experiência – a maior sociabilidade dos professores no ambiente escolar, sobretudo com seus alunos – rendeu bons frutos, já que eles prestavam exame para a faculdade ao fim do ano e a didática etílica rendeu ótimos resultados. Confesso que fiquei surpreso com isso, pois todos os filmes que vejo com Mads Mikkelsen atuando (e não foram poucos, o acompanho desde o Manifesto Dogma 95, lançado justamente por Vinterberg e Lars Von Trier) seu personagem se ferra fragorosamente no final, algo meio parecido com o que acontecia com Ricardo Darín em alguns filmes. Ver um personagem de Mikkelsen tendo um happy end deu até uma certa sensação de alívio.
A película tem um certo tom de comédia em alguns momentos (há várias imagens de arquivo de políticos bêbados ou bebendo, onde Boris Yeltsin, pau d’água internacional de marca maior, foi o grande ícone), o que ajuda a fazer o filme fluir bem, assim como os momentos de leveza dos professores se relacionando bem com os alunos por causa da bebida. Mas a decadência dos quatro, batendo nas perigosas portas do alcoolismo, propiciaram momentos muito pesados, como a DR dolorosa entre Martin e sua esposa. A transformação desses quatro personagens do céu ao inferno tem o talento dos atores e o dedo da direção, que teve indicação bem merecida. Só lamento não poder dizer se “Druk” é pule de dez para ganhar o prêmio de Melhor Filme Internacional, uma categoria que sempre vem com concorrentes muito fortes, pois o cinema mundial aqui passa por um severo processo de afunilamento até que se escolham os cinco filmes principais.
Dessa forma, “Druk, Mais Uma Rodada” é mais um bom filme que concorre ao Oscar. Sempre é bom ver Mads Mikkelsen trabalhando no cinema de sua cultura local, onde ele tem o status maior de estrela. E o consumo de bebidas alcoólicas foi tratado aqui de uma forma um tanto singular, onde se apontam os prós e contras do consumo etílico.