Dentre as nossas análises de filmes que concorrem ao Oscar nesse ano de 2021, vamos falar hoje de “Quo Vadis, Aida?”, que concorre à estatueta de Melhor Filme Internacional (a antiga categoria de Melhor Filme Estrangeiro). Esse filme representa a Bósnia-Herzegovina. Para podermos falar desse filme, vamos precisar dos spoilers de sempre.
O filme fala da história de Aida (interpretada por Jasna Djuricic), uma intérprete que trabalha para a ONU durante o conflito na antiga Iugoslávia na década de 90. Ela é de origem bósnia muçulmana e as tropas sérvias estão prestes a tomar a cidade de Srebrenica. Os moradores pedem que a ONU defenda a cidade e seu comandante promete que, se os sérvios invadirem, aviões irão bombardeá-los. Mas nada acontece e os sérvios tomam a cidade, provocando a fuga dos seus moradores que vão se refugiar numa base das Nações Unidas. Entretanto, a base não tem tamanho suficiente para todos e uma multidão fica do lado de fora. O comandante sérvio diz que quer conversar com representantes bósnios e acerta com eles uma evacuação para cidades bósnias, tudo sob o olhar complacente da ONU, que não recebe qualquer ajuda de fora para regular a situação. Homens e mulheres são separados nessa evacuação, com os homens sendo massacrados pelos sérvios. No meio de tudo isso, Aida procura esconder seu marido e seus dois filhos do massacre certo. Mas a letargia das Nações Unidas, que nada faz para conter o avanço dos sérvios, é um obstáculo praticamente intransponível.
É um filme muito desesperador e uma espécie de viagem no tempo, quando o conflito da Iugoslávia era diariamente relatado na TV, assim como os casos de genocídio. As imagens chocavam o mundo e a pergunta era sempre a mesma: por que a ONU e a OTAN nada faziam perante o massacre de muçulmanos no caso da Bósnia? Isso quando a gente se lembra que esses massacres não aconteceram somente na Bósnia, mas também na Croácia e em Kosovo, sempre sob o olhar complacente da ONU. Os bósnios somente vão ter alguma voz em tudo isso justamente com esse filme que comentamos agora, décadas depois de tudo ocorrido.
O que é muito complicado nessa guerra em específico é que todas essas nações que se digladiaram na década de 90 eram um país unificado, a Iugoslávia, com essa situação perdurando por décadas. Se a diversidade cultural foi um elemento explosivo na detonação do conflito, isso não impediu que essas pessoas interagissem e se conhecessem, cujos desentendimentos as fizeram inimigas posteriormente. É emblemático o caso do soldado sérvio que foi aluno de Aida, que era professora antes de ser intérprete na guerra. E, mesmo depois do fim do conflito, esses povos continuaram a viver juntos, com Aida retornando a seu lar, que tinha sido ocupado por outra família. Os apartamentos vazios eram um indício de que todos os seus moradores haviam sido mortos na guerra, sendo ocupados por outras pessoas. Aida irá retornar à sua função de professora depois da guerra e o desfecho do filme é muito emblemático: sérvios e bósnios juntos vendo as crianças no teatrinho da escola que cobrem e descobrem seus olhos, como se fizessem vista grossa para todos os massacres e horrores do passado. Ou seja, as disputas e limpezas étnicas (outro termo muito em voga na década de 90 quando se referia ao conflito) não impediram que esses povos continuassem a viver juntos. Mas que fica um gosto muito amargo em tudo isso, ah isso fica.
Dessa forma, “Quo Vadis, Aida” é um forte concorrente ao Oscar de Melhor Filme Internacional, embora Druk pareça o favorito. Pode ser mais um filme convencional de guerra, mas pelo menos dá voz a um povo que foi derrotado e massacrado, algo que é muito importante, pois vai um pouco na contramão da regra geral de que a História é escrita pelos vencedores.