Uma cerimônia mais intimista e humana, laureada pela diversidade. Assim foi a festa do 93º Oscar esse ano. A pandemia trouxe várias consequências para a festa do cinema. A primeira foi o atraso das produções dos grandes estúdios que acabou dando mais chance a produções menores e mais independentes deixando uma marca da diversidade entre os indicados. A segunda foi a abertura dada à exibição dos indicados no streaming em virtude dos cinemas fechados, o que deu um acesso maior ao grande público aos indicados (confesso que vi muito mais filmes na poltrona do meu sofá este ano do que nos cinemas nos anos anteriores). Em terceiro, a cerimônia, com um número menor de pessoas, lembrou muito as primeiras cerimônias ainda na década de 20, quando os prêmios eram entregues num jantar para convidados. O espaço da cerimônia – a Estação de Trem Union Station em Los Angeles – também chamou a atenção por sua elegância, singeleza e charme, longe dos teatros opulentos que sempre vimos. Como os atores indicados não puderam levar muitos acompanhantes (na verdade somente um por indicado), os atores estavam “livres” de seus managers e muito mais livres, leves e soltos no tapete vermelho, para a alegria dos jornalistas que os entrevistavam. Cada bloco da cerimônia tinha um mestre de cerimônias diferente, e quando eles falavam dos indicados, geralmente eles se dirigiam aos mesmos, dando um tom muito intimista à noite. A cerimônia também teve outros indicados sendo mostrados em outras localidades na Europa. O que chamou a atenção foi a ordem das premiações, com a estatueta de Melhor Filme não sendo o último Oscar a ser entregue, mas sim a estatueta de Melhor Ator.
E as premiações em si? Podemos dizer que “Nomadland” saiu como o grande vencedor da noite, ganhando as estatuetas de Melhor Filme, Direção e Atriz para Frances McDormand, superando a forte presença de Viola Davis e a jovialidade de Carey Mulligan. É o terceiro Oscar de McDormand, que, apesar de ser mais do que merecido, soou um pouco como um Oscar inesperado, já que ela havia sido premiada mais recentemente. Mas seu trabalho foi realmente arrebatador. Outro Oscar um tanto inesperado dentro dessa linha, mas muito merecido foi o de Melhor Ator para Anthony Hopkins. Riz Ahmed e Chadwick Boseman, com a oportunidade de ser o segundo Oscar póstumo da História, vinham fortes. Mas o talento de Hopkins superou as barreiras da idade e do fato dele já ter ganho um Oscar, embora isso já tenha sido há muito tempo com “O Silêncio dos Inocentes”. “Meu Pai” também teve uma merecida premiação de roteiro adaptado. O roteiro original também foi merecido para “Bela Vingança”, a história que teve um interessante plot twist ao seu final.
A noite de premiação teve alguns indicados previsíveis confirmados. Um deles foi “Druk”, que ganhou o Oscar de Melhor Filme Internacional. Seu diretor, Thomas Vinterberg, emocionou a plateia quando disse que sua filha iria trabalhar no filme, mas morreu dias antes num acidente de carro, onde o motorista que provocou o acidente passava mensagens no celular. Ele fez questão de rodar o filme na escola em que a filha estudava e com seus colegas reais. “Soul” também levou a marca de obviedade, ganhando as estatuetas de Animação e Trilha Sonora. Já Daniel Kaluuya era o favorito para o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, confirmando o prêmio para “Judas e o Messias Negro”, embora eu preferisse a atuação de Lakeith Stanfield no mesmo filme. Kaluuya deixou a mãe, que assistia a cerimônia de Londres, numa saia justa quando ele agradeceu a ela por ter transado com seu pai para ele nascer e poder vivenciar aquele momento. A anciã não sabia onde meter a cara. “A Voz Suprema do Blues” ganhou dois prêmios bem merecidos: figurino e maquiagem e cabelo, onde Viola Davis foi “enfeiada” para fazer sua personagem (eu gostaria de ver Maquiagem e Cabelo para “Era Uma Vez Um Sonho” e figurinos para “Mulan”, mas…). “O Som do Silêncio” ganhou a óbvia estatueta de som e a não tão óbvia estatueta de montagem (acho que “Meu Pai” seria mais merecedor dessa categoria).
E Mank? O campeão de indicações (dez ao todo) somente levou duas estatuetas técnicas: fotografia (onde o preto e branco foi fenomenal) e design de produção, ambas merecidíssimas (embora o Oscar de design de produção para “Meu Pai” também seria muito justo, com tantas mudanças no mesmo cenário para expressar o Alzheimer do protagonista).
O prêmio para Melhor Atriz Coadjuvante foi sintomático dos novos tempos do cinema e da Academia, pois foi vencido por Yuh-Jung Youn, numa mostra de que a renovação dos membros da Academia está mundializando a premiação, não ficando apenas no terreno da premiação de indústria, com o objetivo de se fazer mais dinheiro. Como foi dito ontem na TV por Arthur Xexéo, essa nova visão de mundo do Oscar poderia muito bem dar a premiação à Fernanda Montenegro se “Central do Brasil” estivesse concorrendo hoje. O discurso de Youn foi um dos pontos altos da noite, onde ela brincou muito com a plateia, arrancando risadas. Ela disse que foi um prazer ver Brad Pitt, um dos produtores de “Minari”, pela primeira vez, e perguntou por que ele não apareceu nas filmagens. Disse que não estava lá para concorrer, pois não é melhor que Glenn Close (que disputava sua oitava estatueta e perdeu novamente) e que teve mais sorte que as demais. Disse que sempre viu o Oscar como um programa de TV na Coreia e que, finalmente, estava lá com eles.
As demais premiações: o curta de animação foi para “Se Alguma Coisa Acontecer, Te Amo”, um alerta para as mortes por armas nos Estados Unidos; “Two Distant Strangers” ganhou para Melhor Curta, um filme que mostra um afroamericano sendo morto pela polícia, com isso acontecendo recorrentemente (ao estilo de “Feitiço do Tempo”), com nosso protagonista sempre evitando morrer pela polícia, sem sucesso; “Collete”, um filme sobre uma ex-prisioneira de um campo de concentração voltando ao seu cativeiro depois de muitos anos ganhou o prêmio para curta documentário; “Professor Polvo” ganhou para Documentário longa (embora eu preferisse “Crip Camp”); o sofrível “Tenet” ganhou para efeitos visuais (embora eu preferisse “O Céu da Meia Noite”); e a canção ficou com “Fight For You”, para “Judas e o Messias Negro”.
Fazendo um balanço das premiações, repetiu-se a tendência dos últimos anos de não dar muitos Oscars a somente um filme. A já citada renovação da Academia está humanizando cada vez mais o Oscar, deixando de ser uma premiação americana de indústria para ser uma premiação que tem um enfoque muito maior na mundialização e na arte, o que aproxima o Oscar dos festivais europeus, mais conhecidos por premiar o talento e a arte. Ou seja, podemos terminar essas linhas com a frase batida de que “Há males que vêm para bem”, ou seja, a transformação profunda que a pandemia provocou em nossas vidas mudou também o Oscar, mas para melhor. Que a diversidade e a arte continuem a dar as cartas. E fiquem agora com a lista dos vencedores do Oscar abaixo, junto com os demais indicados.
Veja, abaixo, os vencedores do Oscar 2021 em negrito e grifados:
Melhor filme
- “Meu pai”
- ‘”Judas e o messias negro”
- “Mank”
- “Minari”
- “Nomadland” (vencedor)
- “Bela vingança”
- “O som do silêncio”
- “Os 7 de Chicago”
Melhor atriz
- Viola Davis – “A voz suprema do blues”
- Andra Day – “Estados Unidos Vs Billie Holiday”
- Vanessa Kirby – “Pieces of a woman”
- Frances McDormand – “Nomadland” (vencedora)
- Carey Mulligan – “Bela vingança”
Melhor ator
- Riz Ahmed – “O som do silêncio”
- Chadwick Boseman – “A voz suprema do blues”
- Anthony Hopkins – “Meu pai” (vencedor)
- Gary Oldman – “Mank”
- Steve Yeun – “Minari”
Melhor direção
- Thomas Vinterberg – “Druk – Mais uma rodada”
- David Fincher – “Mank”
- Lee Isaac Chung – “Minari”
- Chloé Zhao – “Nomadland” (vencedora)
- Emerald Fennell – “Bela vingança”
Melhor atriz coadjuvante
- Maria Bakalova – “Borat: fita de cinema seguinte”
- Glenn Close – “Era uma vez um sonho”
- Olivia Colman – “Meu pai”
- Amanda Seyfried – “Mank”
- Youn Yuh-jung – “Minari” (vencedora)
Melhor ator coadjuvante
- Sacha Baron Cohen – “Os 7 de Chicago”
- Daniel Kaluuya – “Judas e o messias negro” (vencedor)
- Leslie Odom Jr. – “Uma noite em Miami”
- Paul Raci – “O som do silêncio”
- Lakeith Stanfield – “Judas e o messias negro”
Melhor filme internacional
- “Druk – Mais uma rodada” (Dinamarca) (vencedor)
- “Shaonian de ni” (Hong Kong)
- “Collective” (Romênia)
- “O homem que vendeu sua pele” (Tunísia)
- “Quo vadis, Aida?” (Bósnia e Herzegovina)
Melhor roteiro adaptado
- “Borat: fita de cinema seguinte”
- “Meu pai” (vencedor)
- “Nomadland”
- “Uma noite em Miami”
- “O tigre branco”
Melhor roteiro original
- “Judas e o Messias negro”
- “Minari”
- “Bela vingança” (vencedor)
- “O som do silêncio”
- “Os 7 de Chicago”
Melhor figurino
- “Emma”
- “A voz suprema do blues” (vencedor)
- “Mank”
- “Mulan”
- “Pinóquio”
Melhor trilha sonora
- “Destacamento blood”
- “Mank”
- “Minari”
- “Relatos do mundo”
- “Soul” (vencedor)
Melhor animação
- “Dois irmãos: Uma jornada fantástica”
- “A caminho da lua”
- “Shaun, o Carneiro: O Filme – A fazenda contra-ataca”
- “Soul” (vencedor)
- “Wolfwalkers”
Melhor curta de animação
- “Burrow”
- “Genius Loci”
- “If anything happens I love you” (vencedor)
- “Opera”
- “Yes people”
Melhor curta-metragem em live action
- “Feeling through”
- “The letter room'”
- “The present”
- ‘“Two distant strangers” (vencedor)
- “White Eye”
Melhor documentário
- “Collective”
- “Crip camp”
- “The mole agent”
- “My octopus teacher” (vencedor)
- “Time”
Melhor documentário de curta-metragem
- “Colette” (vencedor)
- “A concerto is a conversation”
- “Do not split”
- “Hunger ward”
- “A love song for Natasha”
Melhor som
- “Greyhound: Na mira do inimigo”
- “Mank”
- “Relatos do mundo”
- “Soul”
- “O som do silêncio” (vencedor)
Canção original
- “Fight for you” – “Judas e o messias negro” (vencedor)
- “Hear my voice” – “Os 7 de Chicago”
- “Husa’vik” – “Festival Eurovision da Canção: A saga de Sigrit e Lars”
- “Io sì” – “Rosa e Momo”
- “Speak now” – “Uma noite em Miami”
Maquiagem e cabelo
- “Emma”
- “Era uma vez um sonho”
- “A voz suprema do blues” (vencedor)
- “Mank”
- “Pinóquio”
Efeitos visuais
- “Problemas monstruosos”
- “O céu da meia-noite”
- “Mulan”
- “O grande Ivan”
- “Tenet” (vencedor)
Melhor fotografia
- “Judas e o messias negro”
- “Mank” (vencedor)
- “Relatos do mundo”
- “Nomadland”
- “Os 7 de Chicago”
Melhor edição
- “Meu pai”
- “Nomadland”
- “Bela vingança”
- “O som do silêncio” (vencedor)
- “Os 7 de Chicago”
Melhor design de produção
- “Meu pai”
- “A voz suprema do blues”
- “Mank” (vencedor)
- “Relatos do mundo”
- “Tenet”