Batata Movies 2 (Especial Oscar 2021). O Homem Que Vendeu Sua Pele. Humano No Valor De Mercado.

O Homem que Vendeu sua Pele - Filme 2019 - AdoroCinema
Cartaz do Filme

Dentre as nossas análises de filmes que concorrem ao Oscar desse ano de 2021, vamos falar hoje de “O Homem Que Vendeu Sua Pele”, que concorre à estatueta de Melhor Filme Internacional (ou a antiga categoria de Melhor Filme Estrangeiro), representando a Tunísia. Para podermos falar desse filme, vamos precisar dos spoilers de sempre.

O Homem que Vendeu Sua Pele e a mulher que não negocia sua visão – Persona  | Crítica Cultural
Ali vai se tornar literalmente uma obra de arte…

O filme narra a história de Sam Ali (interpretado por Yahya Mahayni), um cara que é apaixonado por sua namorada Abeer (interpretada pela deslumbrante Dea Liane). Mas a moça vai conhecer um homem mais rico por meio de sua mãe, que quer arrumar um casamento para ela. Ali, quando estava com Abeer num trem, foi tomado pelo impulso e disse em voz alta para todos os passageiros que faria uma revolução se casando com Abeer. Infelizmente as autoridades encararam isso como uma atitude subversiva (o casal vive na Síria pré-guerra civil) e Ali é preso. Por sorte, o policial que o interroga é seu parente e facilita a sua fuga. Ali terá que fugir para o Líbano e ficar longe de sua amada Abeer. Para piorar a situação, a moça se casa com o tal homem rico, já que a guerra civil explodiu na Síria e ela precisava também sair do país. Enquanto isso, Ali vai com um amigo para vernissages somente para fazer uma boquinha. Numa delas, ele conhece Soraya (interpretada por uma Monica Bellucci loura), que percebe que Ali é um refugiado sírio e não está na lista de convidados, o que leva a um conflito entre os dois. Mas o artista da vernissage fica interessado na condição de refugiado de Ali e lhe faz uma proposta: ele quer fazer uma tatuagem nas costas do moço e transformá-lo numa obra de arte, para mostrar ao mundo que um refugiado não tem livre trânsito pelo mundo, sendo visto de forma preconceituosa e sem valor, ao passo de que uma obra de arte, pelo seu valor de mercado, tem muito mais liberdade de acesso, viajando pelo mundo inteiro, mesmo que sendo apenas um objeto. Ali topa a oferta de emprego, onde ele vai ter que, em troca de um salário e uma moradia em Bruxelas (onde Abeer vive com seu marido), “ficar em exposição” em museus e centros culturais. O que parecia ser uma boa oferta de emprego e uma liberdade vai se transformar num verdadeiro inferno para Ali, pois ele será tratado como um objeto, não tendo uma liberdade como indivíduo ao fim das contas.

Pandora filmes | 'O Homem que Vendeu sua Pele': Oscar 2021! - Pandora filmes
Uma valiosa mercadoria perante os olhos das elites…

O filme é muito instigante, pois ele faz um provocante convite à reflexão, onde o valor de mercado é mais importante que a vida humana. Enquanto que obras de arte podem custar milhões de euros, em virtude de quem as produz, e viajam pelo mundo para ficarem em exposição, muitos refugiados de guerra são proibidos de permanecer em países nos quais buscam asilo político, sendo obrigados a voltar para os países de origem, sendo praticamente uma sentença de morte. Um problema que surgiu em virtude da expansão imperialista do século XIX que mergulhou muitas nações na pobreza e na instabilidade política que leva a guerras somente para enriquecer os países capitalistas desenvolvidos. O valor de mercado de um objeto ser maior que o valor de vidas humanas de continentes periféricos para o capitalismo mundial é só uma prova de como o poder do dinheiro dá as cartas desde sempre. Nosso Ali, num primeiro momento, acha que está tomando uma posição de emancipação, pois o corpo é dele e ele o vende para quem quiser. Entretanto, à medida que a obra de arte em suas costas ficava cada vez mais famosa, mais objetificado seu corpo ficava, a ponto dele ser literalmente vendido para um colecionador e, tempos depois, ser leiloado, perdendo completamente a sua liberdade como indivíduo.

Homem que Vendeu sua Pele, O (2020) | Cineplayers
Uma Monica Bellucci loura…

O filme, apesar de enfocar um tema altamente polêmico, não deixa de ter um bom gosto de comédia, em virtude da irreverência de Ali. E aí, muitos pontos para a atuação de Yahya Mahayni que provocou muitas risadas, inclusive fazendo uma troça com os preconceitos e rótulos. Por exemplo, depois que ele foi leiloado, ele desce do palco e anda em meio à elite rica, causando medo por sua origem muçulmana e, sabendo disso, finge que vai se explodir em meio à multidão, provocando um enorme pânico, para depois cair no chão em gargalhadas. Era a sua catarse e movimento de libertação frente à objetificação de seu corpo. Quando o seu visto de permanência vence na Europa e ele é expulso do continente, ele vê tal situação muito mais como libertadora e de alívio, pois vai voltar à sua terra natal, mesmo que ela esteja dominada pelo Estado Islâmico. O filme ainda tem um interessante plot twist no final, onde há uma história um tanto mal contada, mas nada disso tira a excelência do filme que é muito bom. Eu creio que, talvez uma das categorias do Oscar que mostre a melhor qualidade de filmes é a de Melhor Filme Internacional, já que filmes de todo o mundo concorrem com o que eles têm de melhor e o funil para os cinco finalistas é bem seletivo. Em tempos anteriores à pandemia, a gente podia ver em circuito de cinemas alternativos os candidatos a Oscar de Melhor Filme Internacional de vários países que almejavam uma vaga nos cinco finalistas. E geralmente são filmes de muita qualidade. Druk, que tem duas indicações, parece ser o favorito, já que o Oscar de Melhor Diretor (ao qual o diretor de Druk, Thomas Vinterberg também concorre) deve ir ou para “Bela Vingança” ou “Nomadland”, dando prêmio para uma das diretoras, que, cá para nós, também merecem. Mas a categoria de Melhor Filme Internacional sempre tem excelentes películas que sempre devem ser vistas.

Foto de O Homem que Vendeu sua Pele - Foto 6 - AdoroCinema
Ali vai lutar para reconquistar sua Abeer…

Dessa forma, “O Homem Que Vendeu Sua Pele” é mais uma grande produção que concorre ao Oscar de Melhor Filme Internacional, uma categoria que tem a tradição de sempre mostrar excelentes películas. É um filme que traz uma reflexão interessante sobre a importância dos valores de mercado sobre a vida humana e o faz com um humor que está todo em volta do protagonista, interpretado com muita eficiência.