Ainda em nossa série de indicados ao Oscar, vamos falar hoje do esperado “O Destino de uma Nação”, com Gary Oldman em excelente atuação como Winston Churchill, que lhe rendeu um Globo de Ouro de melhor ator de drama este ano. A película também concorre a seis estatuetas (Melhor Filme, Melhor Ator para Gary Oldman, Melhor Figurino, Melhor Maquiagem, Melhor Fotografia e Melhor Design de Produção). Este é mais um filme histórico sobre a Segunda Guerra Mundial que tem o cuidado de mencionar, quase ao final dos créditos finais que, embora tenha se baseado numa história real, pode ter alguns momentos fictícios.
Qual foi o recorte temporal dessa película? Foi justamente no ano de 1940, quando o nazismo avançava na Europa e estava às portas do Oceano Atlântico, com todo o exército inglês encurralado no litoral francês pelas tropas nazistas. Eram 300 mil soldados e não havia como a Marinha Inglesa resgatar todos esses homens. Em meio à violenta crise, o Primeiro Ministro Neville Chamberlain renuncia e é necessário um nome para um governo de coalizão entre os partidos majoritários do Parlamento Inglês. E esse nome era o de Churchill, por incrível que pareça um político turrão, extremamente grosso, comilão e beberrão, que havia cometidos sérios erros no passado. Ele vai ter a dura tarefa de conduzir a Inglaterra nesse momento extremamente espinhoso, onde era seguidamente pressionado pelo seu gabinete de guerra a assinar um acordo de paz com a Alemanha. Mas Churchill se recusava terminantemente a isso.
É um filme que fala da guerra e de política, mas que está muito focado na figura humana desse político que virou uma verdadeira lenda. Infelizmente os spoilers me impedem de falar um pouco mais. Entretanto, podemos dizer aqui que talvez tenhamos visto o melhor desempenho da carreira de Gary Oldman, irreconhecível com uma maquiagem bem realista.
Uma menção especial deve ser dada a Kristin Scott Thomas, que fez Clemmie, a esposa de Churchill, a única que conseguia segurar o vulcão que era o marido. Outro nome conhecido do elenco é o de Ben Mendelsohn (o Diretor Krennic, de Rogue One) no papel do rei George VI. Devido à natureza rude de Churchill, o filme tem momentos de comédia muito vivos, o que servia para aliviar um pouco todo o drama provocado pela responsabilidade do cargo e pela situação extrema da guerra.
Com relação à reconstituição de época, ela foi um pouco prejudicada pelo cenário do filme, que se passava na maioria das vezes dentro de escritórios e de repartições públicas gerando um ambiente um tanto opressor. O próprio Parlamento Inglês foi reconstituído com uma iluminação com fortes tons de claro e escuro, algo que chamava muito a atenção do espectador, como se todo aquele ambiente pesado reproduzisse com fidelidade o estado de espírito das pessoas que tinham que conviver com o cotidiano da guerra. Só é pena que a película ficou praticamente presa ao ano de 1940 e seu desfecho tenha sido demasiadamente abrupto, bem ao estilo “Ué, já acabou?”. Mas seria complicado, do jeito que o roteiro foi estruturado, colocar mais alguns anos na história do filme.
Assim, “O Destino de uma Nação” é mais um bom filme que está aí nesse início de ano, já premiado pelo Globo de Ouro e com boas expectativas com relação ao Oscar. Um filme que consagra Gary Oldman, que reproduz mais uma vez o contexto da Segunda Guerra Mundial, que tem um cenário opressor e pitadas muito boas de humor, sem falar que essa película tem uma ligação histórica com outro bom filme de Segunda Guerra Mundial do ano passado, “Dunkirk”. Vale a pena dar uma conferida.
Steven Spielberg e John Williams. Estes dois nomes estão atrelados a vários filmes de sucesso. Mas, e se adicionarmos Tom Hanks e Meryl Streep a esse conjunto? Teremos “The Post: A Guerra Secreta”, mais um filme que está na lista dos indicados ao Oscar e que concorre a duas estatuetas (Melhor Filme e Melhor Atriz para Meryl Streep, mais uma indicação; Streep é a recordista de indicações, vinte e duas ao total). Esse é um filme que fala sobre imprensa e a sua liberdade de publicar o que quiser, até documentos confidenciais do governo americano (como assim?).
Bem, o Post em questão é o famoso jornal The Washington Post, da capital americana (ou estadunidense, como queiram). Temos Kay Graham (interpretada por Streep), a dona da empresa que administra o jornal, e Ben Bradlee (interpretado por Hanks), o principal editor. O filme começa de uma forma um tanto lenta e enfadonha, falando mais do dia-a-dia do jornal e de acordos comerciais empreendidos pela empresa. A coisa começa a esquentar quando o The New York Times, concorrente do The Washington Post, encontra trechos de um estudo encomendado pelo governo americano que indicava que a vitória americana na Guerra do Vietnã já era considerada algo inviável desde meados da década de 60 (o filme se passa no ano de 1971, em plena Guerra do Vietnã e durante o governo de Richard Nixon, ou seja, nas piores condições possíveis para a manutenção de um Estado democrático). Após a publicação da matéria, o The New York Times recebeu uma espécie de repressão do governo, sendo estritamente proibido de continuar a publicar sobre o assunto. O Post, então, toma as rédeas da investigação, e encontra uma versão do estudo que, se não é completa, tem mais páginas (cerca de quatro mil). Entretanto, publicar aquela história estava configurado pela justiça como desacato e poderia provocar as prisões de Graham e Bradlee, assim como praticamente pôr um fim à empresa do The Washington Post. Assim, fica o dilema: publica-se a matéria ou não? Como ficam o poder autoritário de Nixon e a liberdade de imprensa nesse processo?
Podemos considerar esse como mais um dos filmes históricos de Spielberg que, como a grande maioria de todos os filmes históricos (inclusive os de Spielberg) é provavelmente apenas baseado em fatos reais, onde um molho especial pode ter sido colocado aqui e ali para tornar a história mais emocionante. De qualquer forma, a película presta um grande serviço em virtude do fato de mostrar como a democracia pode ser frágil no seio de um país que se diz o maior defensor da democracia e da liberdade, ou seja, os Estados Unidos. E isso ainda mais num período tão sombrio quanto o governo Nixon e a Guerra do Vietnã. Agora, realmente fica uma coisa um tanto difícil de engolir ver a imprensa, considerada o “Quarto Poder”, ser retratada como uma paladina da liberdade a serviço dos governados quando já tivemos tantos exemplos de justamente o contrário. Esse é um problema nos filmes históricos de Spielberg: em nome do espetáculo, ele acaba transformando a narrativa do filme em algo maniqueísta, com a imprensa representando o bem e o governo americano representando o mal. Talvez o filme ganhasse mais se tal discurso fosse um pouco mais relativizado. Por exemplo, no caso do estudo sobre a Guerra do Vietnã, até concordamos que esse documento confidencial fosse divulgado. Mas, e se o The Washington Post tivesse acesso a um outro documento cuja divulgação provocasse um grande prejuízo, por exemplo, para as pessoas simples do povo? Aí ficaria a questão: até onde o bom senso e a autocrítica dos jornalistas dialogariam com a liberdade de imprensa? Creio que o filme ficaria muito mais interessante se tal questão fosse levantada. Entretanto, como ele foi baseado numa história real e um outro documento secreto não apareceu…
Creio que não preciso dizer nada a respeito das interpretações dos atores. Mais uma indicação de Oscar de Melhor Atriz para Meryl Streep, que roubava a cena sempre que aparecia. Mas eu creio que Tom Hanks teve uma presença maior aqui, fazendo um firme editor de jornal de meia idade e com uns gestos um tanto rudes, não parecendo em nada com o ator que conhecemos (quando um ator fica muito diferente, até parecendo outra pessoa, ao interpretar um personagem, podemos atestar todo o seu talento e perceber como ele é bom). Ainda, tivemos uma boa história a ser contada, o que ajuda muito na aceitação do filme pelo espectador. Outro detalhe interessante, e que serve de curiosidade nos dias de hoje, é de como um jornal era produzido, sem qualquer tecnologia digital e com o uso de tipos de metal nas prensas. Essa foi uma parte bem legal do filme.
Assim, “The Post: A Guerra Secreta”, é mais um dos candidatos ao Oscar que está nas nossas telonas, coroado de medalhões como Spielberg, Streep, Hanks e Williams. É mais um filme histórico de Spielberg, que adequa um pouco o factual ao espetáculo, sendo um pouco maniqueísta, mas que traz um convite à reflexão, onde a gente se questiona se os chamados “defensores da democracia” são tão democráticos assim. Como todo candidato ao Oscar, é um programa imperdível.
Dando sequência aos nossos artigos de filmes indicados ao Oscar, falaremos hoje de “Corra!”, escrito e dirigido por Jordan Peele. Esse filme está indicado a quatro estatuetas (Melhor Filme, Melhor Ator para Daniel Kaluuya, Melhor Direção e Melhor Roteiro Original). Peele teve a ideia brilhante de misturar dois gêneros que, aparentemente, não têm nada em comum, mas que se encaixaram como uma luva aqui: o filme de terror, com uma pegada mais de suspense, e o filme de temática social que aborda a questão do racismo.
Vemos aqui a história de Chris (interpretado por Kaluuya), um rapaz negro que tem uma namorada branca, Rose (interpretada por Allison Williams). Os dois fazem uma viagem de fim de semana para a casa dos pais da moça para que eles conheçam o novo namorado. Chris fica um tanto ressabiado, pois a região para onde vão tem um notório histórico de racismo. Mas Rose assegura que não há problemas, pois seus familiares foram eleitores do Obama. Ao chegar lá, Chris encontra uma família, a princípio simpática, mas, aos poucos, ele começa a se sentir muito desconfortável com as leves insinuações racistas nos argumentos de todos. Para piorar a situação, os pais vivem numa espécie de propriedade rural onde todos os empregados são negros. E esses empregados agem de uma forma muito estranha, ora letárgica, ora estabanada. Isso acontece também com os outros negros que vivem na região, como Chris pôde atestar numa festa promovida na casa. Isso é apenas o início de uma trama para lá de macabra.
Eu disse acima que a ideia foi genial, pois conciliar o gênero de terror com o racismo tem tudo a ver e aproxima essa temática social de um público mais blockbuster na forma do entretenimento e não via documentários ou filmes considerados mais reflexivos, que às vezes podem ser vistos como chatos por esse tipo de público, embora nunca possamos rotular ou generalizar. Colocar racistas como criaturas abomináveis enfoca totalmente o ponto de vista dos negros e coloca o espectador junto da posição deles, que tanto sofreram com as práticas racistas nos Estados Unidos. Ver todo o processo pelo qual Chris passa é desesperador e parece que sofremos junto dele, o que justifica sua indicação ao Oscar de Melhor Ator, embora sua interpretação às vezes tenha parecido um pouco plana, como no misto de surpresa e sarcasmo que ele fazia ao identificar uma situação de racismo na família de Rose.
Ele esteve muito melhor nos momentos de agonia e de desespero. Outro ator que merece destaque foi o divertido LilRel Howery, que faz o amigo de Chris, Rod, um segurança de aeroporto que é especialista em teorias da conspiração, sendo que, no caso de Chris, todas elas deram certo, por mais inusitadas que fossem. Rod funcionou como um bom alívio cômico, embora sua visão estereotipada de negro (que fala gírias e palavrões) incomode um pouco justamente num filme que fale sobre racismo. Apesar desse porém, seu personagem funcionou muito bem no filme e trouxe todo um molho especial para a coisa.
Assim, “Corra!” é um filme imperdível (procure nas locadoras ou internet, pois nos cinemas daqui ele já passou e saiu de cartaz) que merece, a meu ver, pelo menos a estatueta de roteiro original. Seria muito legal se ganhasse também o melhor filme, ainda mais com um gênero tão pop como terror. Sabemos que o Oscar é um prêmio de indústria, onde a grana fala mais alto. Mas, para nós que somos cinéfilos românticos, não custa nada torcer. Esperemos a noite da premiação.
Nimoy encontrava-se novamente entre dois sentimentos. Um, de desconforto, pois Spock iria morrer. E outro, de enorme entusiasmo por participar de uma história promissora e mais fiel ao espírito da série clássica. Desde já, ele sentiu diferenças com relação ao filme anterior. O vestuário não era mais cinzento, mas com uniformes de cores bem vivas (vinho e branco) que, entretanto, saíam do lugar quando os atores se sentavam, sendo necessário que eles ajeitassem as jaquetas sempre que se levantavam, detalhe que seria crucial na cena da morte de Spock. O primeiro longa tinha, nas palavras do próprio Nimoy, uma influência de “2001, Uma Odisseia no Espaço”, resgatando o misterioso do espaço. Já o segundo filme se chamaria “A Terra Desconhecida”, pois Meyer tirou esse título de uma citação de “Hamlet, de Shakespeare: “Mas esse temor do que existe após a morte, a terra desconhecida, de cujas fronteiras nenhum viajante retorna, intriga o desejo e nos faz suportar os males que já temos melhor do que se nos voltássemos para outros que não conhecemos…”. Bárbaro! Essa excelente ideia de Nicholas Meyer numa alusão à morte de Spock mostrava bem o nível de intelectualidade de “Jornada nas Estrelas”. Mas, segundo Nimoy, “forças superiores” mudaram o título para “A Vingança de Khan”, que foi alterado para “A Ira de Khan” quando foi anunciado que o novo filme de George Lucas se chamaria “A Vingança de Jedi”, também alterado depois para “O Retorno de Jedi”. Hoje sabemos que o título “A Terra Desconhecida” foi utilizado para o sexto longa da série. Além da morte de Spock, a vida também seria tratada através do projeto Gênese, que era de provocar uma terraformação, dando vida à matéria morta. O filme também traria discussões sobre a passagem do tempo e do envelhecimento. Efeitos especiais? Estes ficariam mais em segundo plano desta vez.
Uma pegadinha foi feita para “amolecer” o público. O início do filme mostra o teste “Kobayashi Maru”, onde a cadete vulcana Saavik faz uma simulação como a capitã de uma nave sob ataque klingon. O teste não tem saída e mede a reação dos cadetes a uma situação de morte iminente. Os comandados de Saavik na simulação são os tripulantes da Enterprise e eles, pouco a pouco vão morrendo. Como Spock cai morto, ficou a impressão de que a morte de Spock era de mentirinha. Kirk até pergunta a Spock ao fim da simulação: “você não morreu?”. Mas, como sabemos hoje, a morte estava guardada para o final. Para o vilão, Harve Bennett, que havia visto todos os 79 episódios da série clássica, escolheu Khan, e pensou o longa como uma continuação do episódio “Semente do Espaço”. O que teria acontecido àquela raça humana geneticamente superior do passado (década de 1990, que estava em estado criogênico numa nave) deixada num planeta para recomeçar a vida? O grande vilão e oponente da Enterprise, era interpretado por Ricardo Montalbán, ator latino que impressionava naquela época por fazer o gentil e refinado senhor Rourke da série televisiva “Ilha da Fantasia”, com seu terno branco impecável e sempre acompanhado por seu ajudante anão Tatu. De repente, ele aparece com trajes de um bárbaro, torso musculoso (segundo Nimoy, do próprio Montalban) à mostra e de gestos ora rudes, por seu espírito conquistador, ora refinados, por ser também um intelectual. Um inimigo realmente à altura e que chamou muito a atenção. No filme, é nítida a passagem de Khan de um conquistador com traços de cavalheiro, que na sua obsessão de se vingar de Kirk, vai enlouquecendo gradativamente até a demência total, quando explode a nave que havia sequestrado, a Reliant, com o torpedo gênese, somente para destruir a Enterprise.
Mas o mais importante em “A Ira de Khan” é que a velha química entre os atores da série clássica estava de volta, sobretudo na tríade Kirk, Spock e McCoy, talvez pelo fato do filme abordar o tema do envelhecimento de Kirk. McCoy chega a dizer para o agora almirante, no dia de seu aniversário: “Pegue logo o comando de uma nave espacial antes que você envelheça de verdade”.
No próximo artigo, falaremos mais das filmagens de “Jornada nas Estrelas II, a Ira de Khan”. Até lá!
O décimo-segundo episódio de “Jornada nas Estrelas Discovery” prossegue a saga do Universo Espelho, onde parece que fica bem claro que esse foi o melhor arco da primeira temporada, cheia de problemas e sub-arcos. Esse é um episódio marcado, basicamente, pela descoberta, ao seu final, do que muitas pessoas nas redes sociais já desconfiavam: de que Lorca era do Universo Espelho e todo aquele clima negativo da Discovery era consequência do comportamento tacanho de seu capitão. Mesmo assim, devemos nos lembrar de que a Federação deu também algumas mostras do comportamento errático de Lorca, principalmente quando foi dito que a mesma caçava tardígrados para colocar a tecnologia do motor de esporos em outras naves da Federação em virtude da guerra. Esse ainda não é um comportamento condizente com os procedimentos da Federação Unida de Planetas, constituindo-se num furo de roteiro. Assim, nem essa revelação de Lorca ser do Universo Espelho conseguiu sanar todos os problemas que vimos na série. Pelo menos, rolou uma trairagem entre Lorca, a Imperatriz e Burnham, onde a monarca via Burnham como uma filha, Lorca como seu braço direito e como pai de Burnham, onde depois, com esta mais crescida, sendo seduzida por Lorca, agora também uma espécie de garanhão. Só queria saber onde os biscoitos chineses e os pingos se encaixam em todo esse fuzuê.
Esse também foi um episódio marcado pelo encontro de Burnham com a Imperatriz Georgiou, que teve algo que gerou muita polêmica entre os fãs. Bem ao início do encontro com a Imperatriz, essa pede a Burnham para escolher um kelpiano. Como os kelpianos eram vistos como escravos no Universo Espelho, Burnham pensou que a escolha era apenas para esse propósito. Mas, na verdade, o kelpiano era o prato principal da janta entre Burnham e a Imperatriz. Assim, podemos dizer que Burnham comeu um alienígena da espécie do Saru. Alguns fãs levaram isso numa boa, outros acharam demais. Sei não, mas o trauma em Burnham provocado por esse “canibalismo” humanoide vai ter muito pouco tempo para ser desenvolvido quando toda uma gama de questões terá apenas três episódios para ser resolvida até o fim da temporada. Aliás, esse novo formato de série (com quinze episódios de cerca de quarenta e cinco minutos) parece fazer com que as coisas tenham que ser logo resolvidas, tornando a coisa um tanto que jogada e pouco desenvolvida. E, ainda mais, como ficou parecendo que muita coisa foi sendo mudada ao longo dos episódios (guerra klingon, tardígrados, Mudd, Universo Espelho), como se os produtores estivessem tateando o rumo certo ao longo da produção dos episódios, deu-se a impressão de que tudo ficou ainda mais jogado. A gente espera que, na segunda temporada, haja uma espécie de arco único e uma coesão maior, pois vários arcos numa temporada funcionariam melhor se isso fosse no formato antigo de série (cerca de vinte e cinco episódios numa temporada).
Uma coisa que não encaixou bem na minha cabeça foram as negociações entre Burnham e a Imperatriz. A Burnham do Universo Espelho estava conspirando para tomar o poder da Imperatriz e, por isso a mesma iria executar a primeira. Foi aí então que Burnham abriu o jogo e disse que era do Universo Prime e que precisava dos dados da Defiant para voltar. A Imperatriz disse que tais dados não seriam úteis, pois quando a tripulação da Defiant passou de um Universo a outro, ela enlouqueceu. Foi aí que Burnham disse que a Discovery passou de um Universo a outro com outra tecnologia, e entregou de bandeja o motor de esporos à Imperatriz na negociação para a Discovery voltar ao Universo Prime. Cá para nós, tem que ser muito trouxa para se fazer isso. Outra coisa que incomodou bastante foi associar a sensibilidade à luz como uma característica dos humanos do Universo Espelho para explicar essa característica em Lorca no início da temporada. Nos outros episódios de Universo Espelho na Série Clássica, em Deep Space Nine e em Enterprise, essa característica de fotofobia jamais apareceu, em mais uma forçada de barra dos roteiristas de Discovery.
Tivemos, ainda, dois momentos menos interessantes. A parte em que Stamets volta à vida mas que, enquanto ele estava em coma, conheceu seu contraparte do Universo Espelho e falou com um Culber do além. Aqui, o fator principal foi ver que a rede micelial foi corrompida pelo Stamets do Universo Espelho, que queria usá-la em benefício próprio, e isso estava provocando a destruição de todas as coisas. Caberá ao Stamets do Universo Prime achar um jeito de salvar a rede micelial que, aparentemente, não tem mais salvação. Aqui fica a grande curiosidade: será que essa rede micelial, até por não existir na série clássica, irá mesmo a pique e Stamets não conseguirá salvá-la, o que encaixaria redondinho no cânone, ou os roteiristas da série ainda vão tentar salvar a bichinha e trazer mais problemas? Na minha modesta opinião, acho que essa rede micelial deveria ser riscada do mapa logo de uma vez, até porque toda a sua concepção é muito forçada, até para a liberdade poética de uma ficção científica, pois imaginar um tecido vivo que permeia todo o Universo quando sabemos que o espaço sideral é o lugar mais inóspito que existe para se manter a vida (repito que fazer um motor que usasse a matéria escura no Universo seria muito mais plausível) é um pouco demais. Que esses micélios sejam enterrados de vez, pois eles já estão enchendo o saco, e a boa e velha dobra espacial ressurja, em coerência com o cânone.
O outro momento menos interessante, adivinhem qual foi? Isso mesmo, Tyler! O infeliz todo amarrado lá na enfermaria, gritando que é um klingon, etc. Os médicos não sabem o que fazer com o pobre diabo. Saru vai à cela de L’Rell para perguntar se ela pode aliviar o sofrimento e, entrega, também de bandeja, à klingon a informação de que está no Universo Espelho (ai, ai). A klingon diz que Voq se sacrificou espontaneamente pela sua ideologia e que isso é guerra. Aí, Saru perde a paciência e, no melhor estilo “Toma que o filho é teu”, coloca Tyler junto com ela na cela. Aí, a klingon decide ajudar e diz que o processo possa ser revertido. Espero que a primeira coisa que L’Rell faça em Tyler é consertar a língua dele, até para ele parar de falar “Khalexxxx”. Os klingons dessa série precisam de fonoaudiólogos klingons do cânone, para falar klingon na pronúncia correta.
Bom, agora faltam apenas três episódios para o fechamento das muitas pontas soltas da temporada. Como Lorca vai interferir na volta (ou não) da Discovery para o Universo Prime? Ele vai tomar o trono? Tyler voltará ao normal e cairá nos braços de Burnham? E nossa protagonista? Parará com seus monólogos fora de hora e ficará, pelo menos, um pouco menos trouxa? Stamets conseguirá salvar a rede micelial? E Saru? Ele mandará Burnham fazer aquilo que rima com o nome dele e será o capitão da Discovery? Muitas emoções até o final. Só espero que os roteiristas não usem uma reação interfásica para explodir tudo de uma vez…
Um filme muito bom e louco em nossas telonas. “Artista do Desastre” ganhou o Globo de Ouro de Melhor Ator para musical ou comédia (James Franco) e concorre ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado. É um filme sobre um filme que entrou para a História do Cinema como a pior coisa já feita para as telonas e que se transformou numa espécie de cult movie. O ator James Franco, interessado pela trajetória de vida do realizador da bizarra película “The Room”, Tommy Wiseau, decidiu contar essa história para nós. Ele assina a direção e protagoniza Wiseau no filme.
A história de “Artista do Desastre” começa num teatro, onde um ator excessivamente tímido é escovado pela sua professora perante toda a turma. Esse ator é Greg Sestero (interpretado por Dave Franco, irmão de James Franco) e sai do palco derrotado. A professora então se vira para os outros alunos e lhes pergunta se alguém pode fazer ali uma atuação em que não haja no aluno qualquer medo de exposição. Eis que se levanta Tommy e ele começa a gritar, espernear, subir a escada e se jogar. Isso encantou Greg, que se aproxima de Tommy, pedindo-lhe dicas de como vencer a inibição. Será apenas o começo de uma grande amizade, onde Greg vai cair de cabeça. Ele abandona a casa da mãe e vai com Tommy para Los Angeles tentar a vida artística, mas os dois não conseguem muita coisa. Eis que Tommy decide então escrever um roteiro e rodar um filme por conta própria. O cara tem muito dinheiro, mas ninguém sabe como. A partir daí, vemos o dia-a-dia das gravações numa torrente para lá de surreal, onde a vida imita a arte.
Esse é um filme todo focado em James Franco, que esteve simplesmente sensacional. Essa, provavelmente, foi uma de suas melhores atuações da carreira, pois Tommy Wiseau era um total porra louca, extremamente carente e que parecia não ter a menor ideia do que estava fazendo, mergulhado numa dislexia total. O filme, que é muito engraçado ao seu início, se torna um bom drama com o passar da película, pois todo o lado frágil de Tommy aparece, assim como todo o seu atrito com a equipe de produção, onde tivemos situações bem cabeludas. É, sem dúvida, um personagem difícil de interpretar, mas o trabalho de Franco fez com que Tommy cativasse mais e mais o espectador. Dave Franco foi bem, mas não com a mesma intensidade que seu irmão, servindo apenas como uma espécie de escada para o protagonista principal. De qualquer forma, rolou uma boa química entre os dois, que toma ares de legitimidade quando sabemos que temos dois irmãos atuando. Foi um relacionamento legal de se ver, com altos e baixos, como todo relacionamento da vida real.
Impossível não mencionar que esse também é um filme para os amantes do cinema em geral, pois fala do dia-a-dia de uma filmagem e de como uma pessoa que só tem a vontade e nenhum conhecimento sobre a realização de uma película (mas com muito dinheiro) empreende o seu sonho de escrever um roteiro, atuar e dirigir um filme. A gente, que gosta muito de cinema, se vê um pouco ali.
O filme também nos brinda com imagens de “The Room”, comparadas com as filmagens de “The Room” simuladas em “O Artista do Desastre”, numa tela dividida. Lá, pudemos ver os verdadeiros Tommy e Greg e comparar o trabalho dos irmãos Franco com o original “The Room” nos próprios takes.
Assim, “Artista do Desastre” é verdadeiramente um programa imperdível que estreou em nossas telonas. Mais um filme que concorre ao Oscar mas, acima de tudo, um grande trabalho de James Franco, que coroa a sua carreira e que é fruto da compra de uma boa ideia. Não deixe de ver.
Mais um filme concorrente ao Oscar. “Me Chame Pelo Seu Nome” concorre a quatro estatuetas (Melhor Filme, Melhor Ator para Timothée Chalamet, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Música Original). Esse é um daqueles filmes que fala da formação de um adolescente, tanto do ponto de vista intelectual quanto afetivo. Com o tempero especial de que haverá um relacionamento homossexual que envolve esse adolescente que se descobre à cada dia.
O contexto é a Itália de 1983, onde um casal ítalo-americano de professores universitários de ascendência judia recebe, no período de férias, alunos que foram seus bolsistas de pós-graduação, para uma espécie de estágio de pesquisa acadêmica em História da Arte. Elio (interpretado por Chalamet) é o filho desse casal e tem uma vida bem idílica na suntuosa casa dos pais, regada a muita intelectualidade e muitas menininhas. A grande curiosidade todo ano é a de como será o próximo aluno que os pais receberão. E nesse ano de 1983, chega Oliver (interpretado por Armie Hammer, o novo cavaleiro solitário, lembram?), um sujeito grandão, de porte atlético, que sabe muito das coisas e parece ter uma certa arrogância que irrita um pouco Elio. Mas, pouco a pouco, essa impressão vai desaparecendo à medida que Elio se aproxima mais de Oliver e começa a se insinuar para o aluno do pai. A diferença de idade não impede o relacionamento afetivo entre os dois, para a tristeza das menininhas que cortejam os dois rapazes. Mas os dois somente aprofundam mais e mais o caso amoroso, regado à muito afeto, atração física e debates intelectuais sobre arte e muitos outros temas, tudo isso sob o olhar complacente dos pais que aceitam numa boa essa forma de relacionamento. O único problema é que esses namoricos de verão são muito efêmeros, deixando apenas uma lembrança e uma dor.
O filme consegue tratar tudo isso com uma suavidade enorme, não sendo algo considerado agressivo nem nas cenas de sexo entre os dois. A gente estranha um pouco o clima excessivamente zen da película, pois geralmente os filmes que abordam a temática homossexual vêm carregados de conflitos e a gente espera que, em algum momento, alguma turbulência afete todo aquele idílio.
Mas isso não acontece, e vemos como Elio acertou na loteria ao ter pais tão compreensivos e abertos para a sua opção sexual. Assim, o que menos importa aqui é a história, mas como se processa todo esse ambiente poético e idílico que transpira sensibilidade no DVD, já que não temos mais o filme de 35 mm passando no projetor. De qualquer forma, é interessante ver a indicação de melhor ator para um profissional tão jovem como Chalamet, não deixando de ser merecida.
Assim, vale a pena dar uma conferida em “Me Chame Pelo Seu Nome”, mesmo que seja um filme de ritmo bastante lento. O que importa aqui é a parte poética e sensível de um relacionamento que é visto com muito preconceito por certos setores da sociedade, algo que ajuda a diminuir um pouco todo esse preconceito, já que tal relacionamento, além de ser colocado de uma forma muito terna, ainda é exercitado num ambiente muito compreensível. E tudo isso no ano longínquo de 1983, sendo algo a se refletir, perto do que vemos hoje em dia por aí em nosso país cada vez mais atrasado e odioso.
Agora que já temos os indicados ao Oscar, vamos falar de alguns deles. Comecemos pelo curioso filme húngaro “Corpo e Alma”, o grande vencedor do Festival de Berlim do ano passado, e que era pule de dez para ser indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, sendo um forte concorrente (embora “Square, a Arte da Discórdia”, já resenhado aqui, seja também um concorrente à altura, por ter vencido Cannes).
O que podemos falar desse filme? Sua história é, no mínimo, original, com pitadas leves de surrealismo. Tudo se passa num… matadouro, onde o filme não poupa esforços em mostrar todo o cotidiano de trabalho desse lugar, o que significa que veremos bois sendo mortos e preparados para o consumo humano, o que não deixa de provocar um certo remorso em comedores de carne, embora a gente não possa se esquecer de que tudo ocorre em função de uma cadeia alimentar. Filosofias à parte, temos nesse matadouro, dois personagens principais: Endre, o diretor financeiro do matadouro (interpretado por Géza Morcsanyí) e María, uma funcionária recém-chegada, responsável pelo controle de qualidade (interpretada pela bela Alexandra Borbély).
A moça é bem rigorosa na avaliação da qualidade das carnes e pouco sociável, tendo dificuldades até em ser tocada por outras pessoas (ela é muito arredia ao toque humano). Já Endre decidiu dar um tempo nos relacionamentos com as mulheres depois de algumas decepções. Essas duas figuras, altamente travadas para relacionamentos, formarão um inusitado casal. E como os dois vão se aproximar? Depois que ocorre um roubo de remédios no matadouro (que estimulam o apetite sexual dos bois), foi feita uma investigação com uma avaliação psicológica. A psicóloga, diga-se de passagem, com muito sex appeal, pergunta aos funcionários sobre os sonhos que têm durante à noite, e descobre que Endre e María têm o mesmo sonho: que são cervos e se encontram próximo à um lago numa floresta congelada. A partir daí, esse casal extremamente tímido irá se aproximar gradualmente, com idas e vindas, algumas vezes estimulantes, outras vezes traumáticas.
Um filme do leste europeu é sempre um pouco difícil de digerir, já que trata-se de povos com uma cultura um pouco diferente da nossa, cujos hábitos e formas de comportamento nos causam uma certa estranheza. Mas creio que esse filme chamou muito a atenção justamente pelo inusitado da história, tornando-a universal e superando as barreiras culturais. O próprio comportamento de María, que simulava as conversas que ia ter com Endre, usando saleiros como personagens ou até mesmo os bons e velhos playmobils, fazia a gente ter uma afeição com a personagem (quem nunca foi inseguro em matérias de relacionamento amoroso, que atire a primeira pedra). E aí, na hora da conversa mesmo, alguma coisa sempre dava errado. Quer tema mais universal do que esse? Eu creio também que, a interpretação dos atores ajudou muito. O casal de atores conseguiu uma interpretação contida e suave, sem a aparência robótica que os povos do leste europeu nos passam. Esse, também, foi um grande trunfo para o filme.
Assim, se você não viu “Corpo e Alma”, vale a pena dar uma corridinha aos cinemas antes da noite da premiação do Oscar, pois essa é uma daquelas películas que valem bastante à pena. Uma história inusitada, surreal, engraçada, e com a qual nos identificamos, mesmo vindo de uma cultura tão distante para nós como a húngara. É legal dar uma conferida.