Batata Movies – Comeback. Retorno À Moda Antiga.

                   Cartaz do Filme

Nelson Xavier era um baita ator. Imortalizou-se como Lampião na tv, mas destilava seu talento também no cinema. É o que podemos ver aqui nesse “Comeback”, um filme sobre matadores e chacinas. Uma película que alguns críticos têm rotulado como uma espécie de homenagem ao faroeste. Pode até ser, embora eu creia que, antes disso, esse filme pode ser encarado de outras formas, onde a nossa realidade social brasileira se mostra de um jeito muito mais latente. Um filmão sobre o Brasil em si, com leve verniz de western, talvez.

Amador. Um homem que se vangloria de seu passado

Vemos aqui a história de Amador (interpretado por Xavier), um pistoleiro aposentado que coleciona um álbum de recortes de jornal, cujas chacinas lá noticiadas teriam sido obra dele. Amador tem uma vida difícil, trabalhando para um rico empresário que espalha suas máquinas de caça-níqueis em barzinhos da periferia. Cabe a Amador entregar estas máquinas. Ainda, uma equipe de filmagem procurou Amador para fazer entrevistas para um documentário sobre chacinas. Essa equipe insistiu que Amador providenciasse três metralhadoras para serem usadas nas filmagens. Só que Amador tem dificuldade em arrumar tais metralhadoras com o empresário para quem trabalha. Fica cada vez mais evidente que Amador perdeu o prestígio de outrora. Cansado de tantas pancadas na vida, Amador decidiu tomar uma atitude. Qual atitude foi essa? Chega de spoilers!

    Trabalhando para o dono da comunidade

O filme em si já é uma curiosidade na escolha do nome do personagem protagonista. A palavra Amador aqui é um paradoxo com o profissionalismo do personagem e com o fato de que uma “pessoa que ama” não cometeria chacinas. Foi uma feliz escolha esse nome. A película também atenta para um importante problema social: a violência e as chacinas, colocando-as como problemas de periferia, o que parece soar falso num mundo em que a violência adquire contornos cada vez mais globais. Também soou falso o fato de as chacinas pertenceram mais a um passado e serem menos prováveis hoje, mesmo que por imposição de uma liderança velada local.

A película adquire um tom de certa melancolia ao tratar o personagem principal como uma pessoa já sem qualquer fama e valor, que vive de um passado glorioso como pistoleiro. A glória e glamour do passado de Amador talvez aproxime o filme da referência ao western, mas é muito mais forte na película a referência ao ostracismo do protagonista e até as dúvidas de seu passado glorioso. Nesse ponto, podemos colocar “Comeback” próximo a um western como “Os Imperdoáveis” de Clint Eastwood. Contudo, o filme ainda nos remete mais aos violentos homicídios ocorridos no Brasil na época da ditadura e de suas perversas e tortuosas relações com membros de uma elite que governam suas áreas com mãos de ferro.

             Preparando um documentário…

O desfecho da película é daqueles que nos incomoda, pois tem a famosa cara de anticlímax, ficando a sensação de que a história está incompleta. Aqui, vou lançar mais uma vez a minha hipótese para uma situação dessas: o anticlímax ao final do filme atua como um choque de realidade, afastando-se do cinema como espetáculo (onde sempre é necessário algo de mirabolante e que traga um bom desfecho para o protagonista, lançando mão do happy end) e se aproximando mais do cinema como imitação da vida, onde as desventuras do dia-a-dia se fazem mais presentes e reais, tirando a oportunidade do protagonista de sorrir no final da história. É um final mais injusto e duro, mas também mais interessante e não tão fantasioso como o happy end que aqui cairia mal em virtude do clima sombrio da película.

Assim, “Comeback” é um filme obrigatório, até para nos despedirmos de Nelson Xavier, mas que também é atraente pela sua amargura. Um filme que, sim, lembra de leve o western mas que se remete muito mais à violência urbana da época da ditadura militar. E um filme que faz um convite à reflexão: até que ponto, em dias contemporâneos de violência global, a chacina pode ser considerada uma coisa do passado e um fenômeno isolado, restrito à periferia? O tal comeback procede? Ou as chacinas sempre estiveram por aí, escondidas de nossos olhos? Vale a pena conferir e refletir.

https://www.youtube.com/watch?v=SsFXL9z4kPs

Batata Antiqualhas – Jornada Nas Estrelas. Radiografando Um Longa: A Procura De Spock. (Parte 1)

                   Cartaz do Filme

Falemos do terceiro longa da franquia. Como vimos nos artigos de “A Ira de Khan”, o desejo de se continuar as aventuras da tripulação da Enterprise era premente ao final das filmagens, principalmente porque se percebeu que financeiramente a Paramount estaria dando um tiro no pé caso encerrasse a franquia naquele contexto. Para corroborar essa impressão, o filme havia ido bem nas bilheterias. Nimoy parecia mais por cima da carne seca do que nunca. Tanto que ele pediu a direção do filme, no que foi prontamente aceito (Meyer, o diretor de “A Ira de Khan”, não aceitou dirigir a sequência, pois ficou chateado com as alterações no final do filme; para ele, Spock deveria ter morrido e ponto final). Entretanto, seguiram-se longas semanas de silêncio e nada do projeto ser tocado adiante. Ao ligar para o chefão da Paramount, Michael Eisner, Nimoy foi surpreendido com a alegação de que ele não poderia dirigir o filme, pois ele não gostava do personagem Spock e que a ideia de matá-lo seria do próprio Nimoy, algo que foi desmentido imediatamente pelo intérprete do vulcano. Desfeitos os desentendimentos, as filmagens foram adiante.

                                            Elenco

Só para rapidamente relembrarmos, o filme começa com todas as cenas da morte de Spock em “A Ira de Khan”, para se retomar o gancho. Kirk retorna à Terra com grande parte da tripulação de novatos transferida e ainda sentindo a perda do amigo. Assim, o tom otimista do final do filme anterior se desvanece por completo. McCoy, por sua vez, comporta-se de forma estranha e invade os aposentos de Spock, falando como ele e pedindo para ser levado ao Monte Seleia em Vulcano. Inicialmente, Kirk acha bizarra aquela atitude de McCoy, mas logo entenderá o que está acontecendo quando o embaixador Sarek, pai de Spock, vai à sua casa. Ele interpela Kirk porque o almirante não levou o Katra (alma) de Spock para Vulcano. Kirk disse que Spock não lhe passou o Katra. E aí, observando os arquivos da nave, Kirk conclui que Spock passou seu Katra para McCoy através do elo mental (“Lembre-se”). Assim, os corpos de Spock e McCoy teriam de ir a Vulcano para o cerimonial que daria um fim digno a Spock. Mas o corpo de Spock estava no planeta Gênese, região com acesso restrito imposto pela Federação, onde somente David, o filho de Kirk e a vulcana Saavik estudavam o processo de terraformação. Além disso, a Enterprise, muito danificada e velha, iria para o ferro velho. Kirk, então, terá que violar todas as regras para ir a Gênese e recuperar o corpo de Spock. Mas uma Ave de Rapina Klingon, liderada pelo capitão Kruge (interpretado pelo competente Christopher Lloyd) está no caminho para atrapalhar os planos do almirante. Kruge quer o projeto Gênese para usá-lo como arma. Caberá a Kirk recuperar Spock, que se regenerou ao ser sepultado em Gênese, devido ao processo de terraformação, e enfrentar Kruge.

                                            Kruge

Apesar de não ter sido um filme tão bom quanto “A Ira de Khan”, “A Procura de Spock” tem seus méritos. Em primeiro lugar, deu mais espaço para os klingons nos longas, criando todo um universo para essa espécie alienígena, utilizado inclusive nas séries que viriam. Os inimigos da Terra haviam aparecido apenas no início de “Jornada nas Estrelas, o filme”, onde o capitão da nave era Mark Lenard (o pai de Spock) e os poucos diálogos em Klingon foram feitos por… James Doohan! Isso mesmo, o sr. Scott!!! Em “A Procura de Spock”, foi contratado um linguista para desenvolver o idioma klingon, o mesmo que havia feito o rápido diálogo em vulcano de Spock e Saavik para o segundo filme. A Ave de Rapina, originalmente concebida para os Romulanos, (daí as penas em relevo na carcaça da nave) causou muito espanto, pois lembrava os ombros de um homem musculoso (essa foi a ideia), sem falar que as asas eram móveis. Reza a lenda que Nimoy preferiu usar Klingons a Romulanos, pois os primeiros eram mais teatrais e adequados para trabalhar com uma situação de beligerância que remetia à Guerra Fria (olha ela aí de novo!). Mas a Ave de Rapina permaneceu, é dito, por questões de economia. E, cá para nós, ficou muito bom o design da bichinha! Ainda sobre os Klingons, não podemos nos esquecer do desenvolvimento da maquiagem por Robert Fletcher, que diminuiu as cristas na testa dos Klingons (no primeiro filme elas obscureciam muito os rostos dos atores), mas manteve o estilo. Segundo Fletcher, Gene Roddenberry não gostava dessa maquiagem, pois ele achava que os Klingons deveriam se parecer mais com os humanos, como o era na série clássica. Outras referências, por sua vez, diziam que essas cristas pronunciadas na testa sempre fizeram parte dos anseios de Roddenberry ainda na série clássica. Para finalizar sobre os Klingons, não podemos nos esquecer da excelente e dramática atuação de Christopher Lloyd como Kruge, expressando muito bem o espírito da cultura Klingon e se esforçando para reproduzir as entonações do idioma alienígena recém-criado.

                       Batalhas com klingons

Como “Jornada nas Estrelas” sempre implica em discussões muito vastas, nos vemos na segunda parte desse artigo. Até lá!

Batata Literária – Tudo Se Acaba

Tudo se acaba

Tudo se lava

Tudo se resvala

Nada mais fica

Nada mais sobra

Nada mais cola

Acabou-se a esperança

Não vejo mais temperança

Mergulho em brumas de trevas

Não vejo nada a minha volta

Estou sozinho num mundo de escuridão

A tristeza é a minha única compreensão

Um vulto surge no negro veludo

É um cavalo alado, igualmente escuro

Fantasma maldito vem me assombrar

Fruto de minha própria cabeça, a atormentar

Malogrado é o homem que cria insanamente

Seus próprios demônios, habitantes da mente

O Pégaso enegrecido por mim sobrevoa

Mas, eis que surge uma luz que destoa

É um Pégaso branco, trazendo a esperança

Meu coração se enche de alegria!

Mas, ao olhar a sua face, rápido eu ajo

E enterro a lança da mágoa em seu coração num ato

O ser alado, ferido, expele sangue negro

Volto-me para o Pégaso das trevas

Também o atinjo no órgão vital

Este elimina um sangue branco

Os dois nobres seres a minha frente agonizam

Eles possuem a mesma face!

Um misto de ódio e melancolia

Cuspindo um último suspiro de amargura…

Percebo, então, o significado daqueles seres

Eles são as duas partes de meu eu

Eles são Yang e Yin, um completa o outro

Meu lado bom e meu lado mau, o positivo e o negativo

Ligados pelo cimento da desilusão

Expresso em suas iguais faces

Minha alegria é contaminada pela tristeza

E minha maior alegria é ser triste.

Batata Séries – Finalmente Podemos Falar de Star Trek Discovery.

                                                      Cartaz da Série

E o dia tão esperado pelos trekkers chegou. A série Star Trek Discovery estreou no Netflix e deu nova vida a uma franquia que, pelo menos em questão de séries de TV, já não via algo há um bom tempo. Depois dos três longas da Kelvin Time Line de J. J. Abrams, algo que irritou muitos fãs, havia uma expectativa de que se resgataria um pouco o espírito de Jornada nas Estrelas com a volta do formato para a televisão. Inicialmente prevista para estrear no início desse ano, a série foi adiada e somente chegou aos espectadores no final de setembro de 2017, no formato de dois episódios, dando uma tremenda cara de longa-metragem.

            Michael Burnham, a protagonista

E quais foram as impressões de Star Trek Discovery? Antes de mais nada, será impossível fazer uma análise mais aprofundada sem lançar mão de alguns spoilers. Por isso mesmo, optei por publicar esse artigo depois de alguns dias da estreia. Mas, se por um acaso você ainda não viu os dois primeiros episódios, já fique sabendo que vamos precisar contar algumas coisas aqui. Em primeiríssimo lugar, podemos logo notar duas características básicas. Primeiro, uma característica mais do ponto de vista estético: os efeitos especiais nos remetem muito aos filmes de J. J. Abrams. Se as primeiras imagens nos revelavam uma ponte um pouco mais escura, aqui vemos uma ponte espaçosa como a da Enterprise da Kelvin Time Line, assim como uma iluminação que era muito influenciada pelo espaço exterior, onde a presença de um sistema binário causava uma forte iluminação, dando um efeito bonito de se ver. Os efeitos especiais das batalhas de naves e também das mesmas saindo de dobra, nos remetiam imediatamente aos filmes da Kelvin Time Line. Esperemos que o orçamento da série permita esse bom uso dos efeitos especiais por toda a temporada e não se limite apenas ao cartão de visitas que foi esses dois primeiros episódios. Em segundo lugar, se do ponto de vista estético, a influência dos filmes de Abrams era notória, do ponto de vista do roteiro, sentíamos as velhas e amadas séries de Jornada nas Estrelas pulsando fortemente. Muita coisa estava lá.

                            Sarek está de volta!!!

Víamos, por exemplo, a estreita relação entre a capitã e sua primeira oficial, onde, pela primeira vez, foram simultaneamente personagens femininas. O vulcano Sarek (interpretado por James Frain) também está de volta, e descobrimos que ele possui uma filha adotiva que é da Terra, a primeira oficial em questão, Michael (?) Burnham (interpretada por Sonequa Martin-Green). Alguns fãs podem ficar um pouco mais irritados com esse detalhe de Sarek ter uma filha adotiva, algo que nunca foi mencionado nas séries anteriores, mas se virmos por um outro lado, a presença de Sarek pode ser encarada como um bom fan service que aproxima um pouco mais essa nova série das anteriores. Isso sem falar que Sarek teve a difícil missão de criar um filho meio humano e uma filha totalmente humana. Esperemos que essa relação entre Sarek e Burnham se desenvolva mais e aprofunde a construção dessa nova personagem que é a protagonista da série. Já a capitã Phillipa Georgiou é a consagrada atriz Michelle Yeoh, que ficou conhecida por atuar em filmes voltados às artes marciais como “O Tigre e o Dragão” e até numa película de James Bond (O Amanhã Nunca Morre). Foi uma pena ela ter morrido logo no segundo episódio, pois fez uma dupla e tanto com Martin-Green que daria muito caldo, ainda mais porque havia uma relação de amizade entre as duas, mas também de um certo conflito e de quebra de confiança, pois elas se desentenderam na melhor forma de como se encarar os klingons (a capitã seguia os protocolos da Federação, onde não se deve atirar primeiro, e a Primeira Oficial acreditava que apenas a violência seria uma boa resposta, já que era a única língua que os klingons conheciam). A desobediência de Brunham com relação à sua capitã nos lembra, por exemplo, da relação conflituosa entre Sete de Nove e Janeway em Voyqger. A viagem de Burnham pelo espaço com um traje espacial foi uma outra espécie de fan service, nos remetendo a Primeiro Contato e a Jornada nas Estrelas, o Filme.

      Capitã Phillipa Georgiou

E os klingons? Muito se falou da estética dos alienígenas antes da estreia da série e de como isso ia contra o cânone. Mas, se pararmos para nos lembrar do que aconteceu com os klingons em momentos anteriores, sua aparência nunca seguiu um mesmo padrão. Na série clássica, até por problemas de orçamento e até mesmo das técnicas de maquiagem da época, os klingons tinham uma aparência bem mais humana. Com os longas, o dinheiro e as técnicas mais modernas de maquiagem, os klingons finalmente ficaram com uma aparência mais alienígena, correspondendo aos anseios de Roddenberry desde a década de 60. Agora Star Trek Discovery nos traz klingons numa nova roupagem, bem mais elaborada e rebuscada. Vimos aqui mais uma vez a cultura klingon bem trabalhada, disposta em vinte e quatro casas que seriam unificadas segundo as palavras de Kahless, o maior símbolo religioso dessa cultura. Essa pelo menos era a intenção de T’Kuvma (interpretado por Chris Obi), que tinha um grande poder de persuasão, convencendo os nobres das casas a aceitar inclusive klingons que não pertenciam a casa nenhuma. A morte de T’kuvma, assim como a da capitã, foram perdas a meu ver um tanto graves, pois esses personagens poderiam ser bem desenvolvidos e dar muito mais tempero aos episódios seguintes. A questão dos personagens foi, digamos, um problema aqui, pois os episódios se focaram em poucos personagens, dando aos demais mero status de coadjuvantes de luxo, e ainda assim, dois personagens mais destacados morreram. Ou seja, os próximos episódios com certeza nos revelarão novos personagens que devem ser trabalhados com o mesmo peso que a protagonista, embora o formato mais enxuto do streaming possa ser um empecilho para isso, o que seria uma pena. Ainda falando de klingons, algumas coisas podem incomodar os fãs mais exigentes de fidelidade ao cânone como, por exemplo, um conteúdo excessivamente religioso nas falas de T’Kuvma, assim como a importância que os klingons dão aqui aos corpos de seus mortos, quando nos lembramos nas séries mais antigas que os klingons consideravam os corpos dos mortos “cascas vazias”. Ainda, uma estética um tanto “egípcia” para os klingons, com direito a muitos adereços dourados e até a corpos mumificados em sarcófagos. Entretanto, não creio que isso irá ser um empecilho para os fãs mais antigos aceitarem a série, se tivermos histórias bem desenvolvidas nos roteiros, o que me pareceu o caso nesse episódio duplo que muito lembrou o episódio “O Equilíbrio do Terror” da série clássica.

                            Klingons rebuscados

Por fim, uma curiosidade: ainda não vimos a Discovery. Essa história inicial se desenvolveu em outra nave da Federação., a Shenzhou, que tem, curiosamente, o mesmo nome de uma das naves do programa espacial chinês. Que venha a Discovery  no próximo episódio, algo que vai acontecer, pois a Netflix também está disponibilizando o programa After Trek, um talk show  que analisa o episódio logo após sua exibição, um bom programa para se ver apesar da forma excessivamente americana de ser engraçadinha, pois ele tem muita informação sobre o cânone e ainda promove debates com os atores, produtores e pessoas que tuitam ao vivo. Pois bem, After Trek  já exibiu um trecho do próximo episódio que mostra o interior da Discovery.

                            A nave Shenzhou

Dessa forma, creio eu que Star Trek Discovery não decepcionou (pelo menos nesses dois primeiros episódios) e a integridade estrutural do cânone não foi tão agredida, algo até muito bom para um cânone amparado por 730 episódios e dez longas. Na minha modestíssima opinião, o clima de Jornada nas Estrelas foi resgatado de uma certa forma, ainda mais depois do gosto de cabo de guarda-chuva que o Jar Jar Abrams deixou em nossos corações. Continuarei a assistir e a comentar aqui na Batata Espacial. E você, trekker juramentado, se ficou feliz, continue a assistir. Mas se ficou chateado, se dê mais uma chance, pois creio que a série começou bem e pode melhorar. Vamos ver o que nos aguarda nas próximas semanas. Mas a primeira impressão foi boa.

 

Batata Movies – Pitanga. Lenda E Lendas.

Cartaz do Filme

Um notável documentário brasileiro passou em nossas telonas há alguns meses. “Pitanga”, cujo título já diz tudo, fala de nosso polivalente e multiversátil ator Antônio Pitanga. Os olhos preconceituosos de nossa sociedade podem até rotulá-lo de “marido da Benedita da Silva” ou “pai da Camila Pitanga”, além do já clássico preconceito já clássico da questão racial ou de suas preferências políticas, este último um tipo de preconceito que, aliás, divide cada vez mais nossa sociedade hoje em dia. Mas esse documentário consegue dar um duro golpe (epa!) em todos esses preconceitos e mostra o verdadeiro talento e, principalmente, a figura humana que é esse grande ator.

Foi Camila Pitanga quem dirigiu!!!

O documentário é montado de uma forma extremamente simples e muito feliz. Essa montagem consiste basicamente de Pitanga conversando com todo um rosário de pessoas que participaram de sua vida. E isso alternado com trechos de filmes que ilustravam as conversas. Assim, o próprio Pitanga se tornou o apresentador do documentário e falava de sua vida. Mas a coisa foi feita de um jeito tão informal que nem sentíamos isso. Aliás, parecia que nós, espectadores, estávamos também naquela conversa in loco, o que só ajudou a aumentar ainda mais o clima intimista com o ator.

“Affair” com Maria Bethânia

E quem conversou com a lenda Pitanga? Desde desconhecidos amigos dele até muitas personalidades e lendas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Paulinho da Viola, Maria Betânia (com quem teve um de seus muitos affairs), Sérgio Ricardo, isso somente para citarmos parte do meio musical. Mas Neville D’Almeida, diretor de cinema, também estava lá. Atrizes como Ítala Nandi e Tamara Taxman, responsáveis por momentos muito ternos da película, eram outras personalidades. Mas podíamos ver nos papos uma trinca Ney Latorraca, Pitanga e Jards Macalé, ou até uma conversa na casa de Tonico Pereira ou do saudoso Hugo Carvana. Dá para perceber com todas essas personalidades e pelo nível informal das conversas como esse documentário é muito bom.

Com José Celso Martinez Correia

E qual é a importância de Antônio Pitanga para o cenário artístico brasileiro? Essa é a grande joia do filme, que consegue mostrar isso de forma muito nítida, antes que algum incauto ainda critique Pitanga por puro preconceito. Sua carreira cinematográfica é destrinchada na película e podemos testemunhar que ela é excessivamente prolífica, onde o ator trabalhou com muitos diretores. Muitos de seus filmes abordavam questões raciais e sociais, onde os personagens que Pitanga interpretava eram muito fortes, fazendo o ator se transformar numa espécie de porta-voz dos excluídos. Mas Pitanga não fazia apenas personagens revoltados e ressentidos de sua condição social. Ele também usava um estilo corporal e performático que soava simultaneamente como um grito dos excluídos e uma grande exaltação pelo amor à vida. O homem corria, pulava, rodopiava, gritava palavras de forte impacto. Sua atuação altamente paroxista, sobretudo na parte final de “Câncer”, de Glauber Rocha, me faz lembrar de como o cineasta baiano era classificado de expressionista por Roger Cardinal, um estudioso do assunto. E, creio eu, Pitanga teve participação marcante nisso. Não podemos nos esquecer de sua forte participação em “Barravento” também.

Conversas alternadas com imagens de filmes. Aqui, Pitanga em “Barravento”, de Glauber Rocha

Uma coisa, que estava nas entrelinhas, incomodou um pouco: o estereótipo do afrodescendente como mito sexual. É interessante perceber como uma sociedade racista cria tal mito (a gente viu uma coisa parecida recentemente com Omar Sy no filme “Intocáveis”), algo que acontece tanto com homens quanto com mulheres afrodescendentes. E aí, fica a pergunta: esse mito deve ser encarado com lisonja ou como uma transformação do afrodescendente num mero objeto sexual pelo olhar racista de uma sociedade branca? E, para botar um bom tempero baiano apimentado nessa discussão: o escravo não era um objeto que era comprado e vendido (opa!)? Uma pena que isso não tenha sido questionado, ainda mais porque o documentário nos ajuda a perceber como Pitanga não foi somente importante no meio artístico, mas também na questão social e racial.

Assim “Pitanga” vale muito a pena ser visto, pois ele ajuda a desmistificar estereótipos sobre um ator que tem uma grande importância artística e social em nosso país. E, ainda, é um documentário feito com muito amor e carinho, transpirando ternura em vários momentos. Esse é para ver, ter e guardar.

 

Batata Movies – Feito Na América. O Supersafo.

                 Cartaz do Filme

Tom Cruise está de volta (como esse cara trabalha!), desta vez em “Feito na América” (“American Made”). Esse é mais um daqueles filmes que se baseia numa história real e, nesse caso, nos remete a algumas lembranças do passado, sobretudo no que tange ao que víamos no noticiário internacional dos telejornais lá da década de 80, quando temas altamente espinhosos como o Cartel de Medelín e os escândalos no governo americano que apoiava secretamente os contras da Nicarágua estavam na ordem do dia. Para quem vivenciou a época, esse filme é uma espécie de viagem no tempo, tornando-o muito atraente.

                             Seal, um cara safo

Mas no que consiste a história? Barry Seal (interpretado por Cruise) é um piloto comercial da TWA que tem uma vida pacata, fazendo, volta e meia, algumas coisas, digamos, pouco ortodoxas, como dar um sacolejo num avião de passageiros e alegar turbulência somente para quebrar a monotonia. Para ganhar um troco por fora, Seal contrabandeava charutos cubanos. Um belo dia, ele é sondado por Monty Schafer (interpretado por Domhnall Gleeson), um funcionário da CIA que, percebendo como o nosso protagonista era muito safo, o convoca para uma missão secreta do governo americano: fotografar movimentos guerrilheiros na América Central que recebiam armamento soviético (sim, a Guerra Fria ainda bombava naqueles anos). Seal aceitou a missão, largou uma vida confortável na TWA e partiu para essas missões, digamos, arriscadas. Foi o pontapé inicial para a vida do aviador entrar numa torrente de complicações que ele mesmo arrumou, pois se envolveu com traficantes colombianos que futuramente iriam compor o Cartel de Medelín (Pablo Escobar, inclusive), além de ser forçado pela CIA a enviar armas para os contras da Nicarágua, com o intuito de derrubar o governo sandinista, alinhado com a União Soviética. Ou seja, o homem trabalhava, simultaneamente, para traficantes de drogas e para o governo dos Estados Unidos, ganhando muita, muita grana. O problema é que essas coisas não se encaixavam muito bem… E aí, nosso simpático protagonista poderia se enrolar, e muito. Mas chega de spoilers por aqui.

                          Envolvido com a CIA…

A reconstituição de época do filme está ótima. Figuras como Escobar e o General Oliver North ficaram muito bem caracterizadas na película. Foram hilárias as menções ao presidente Ronald Reagan, onde pudemos ver, inclusive, trechos de filmes onde o ator presidente trabalhou, numa montagem muito engraçada que explicava o contexto em que o presidente tomou posse e suas atitudes de cowboy como o homem mais poderoso do planeta. Essa, sem a menor sombra de dúvida, foi a melhor parte do filme. Mas a coisa não parou por aí. As sequências de voos, onde víamos Seal transportando para lá e para cá armas e drogas, foram muito bem feitas. E, desta vez, Tom Cruise recebeu um papel que cai como uma luva para ele: a do carinha cafajeste, com um sorriso canalha no rosto, ao melhor estilo do “vou armar para me dar bem”. Rolou por aí até uma comparação entre esse filme e “Top Gun”, pelo fato de Cruise pilotar novamente aviões. Mas a comparação para por aí, pois se Maverick era o garotão da Força Aérea em “Top Gun”, ele não era 171 como Seal é agora em “Feito Na América”, alías um título de filme muito apropriado no contexto, quase uma espécie de declaração de mea culpa em virtude das estripulias que os Estados Unidos fazem com o resto do mundo. E devemos nos lembrar de que esse título em português é uma tradução literal do título original, algo que é muito raro de se ver e mais uma prova de que o título do filme cai como uma luva.

                         … e o Cartel de Medelín

Assim, “Feito na América” é mais um bom filme de Tom Cruise. Se algum cinéfilo mais purista acha Cruise um mau ator (categoria na qual não me enquadro), pelo menos uma coisa somos obrigados a admitir: sua prolífica carreira está recheada de filmes de temáticas bem interessantes, indo desde o blockbuster mais convencional até filmes com um pouco mais de conteúdo como este. Por isso é que vale a pena acompanhar o trabalho deste ator, ainda mais porque ele não vai tentar te convencer a seguir a cientologia em seus filmes (pelo menos espero eu). Brincadeiras à parte, não deixe de assistir a “Feito na América”.