Batata Movies – Lady Macbeth. A Mulher Na Sociedade Conservadora.

                 Cartaz do Filme

Um intrigante filme passou em nossas telonas. “Lady Macbeth”, inspirado na obra de Nicolai Leskov, é uma daquelas películas que, apesar de contar uma história que muito entretém o espectador, traz novamente o convite à reflexão, sobretudo no que se refere ao papel da mulher na sociedade inglesa conservadora do século XIX. Esse é o tipo de história em que precisamos procurar o que está nas entrelinhas, onde tudo pode parecer uma coisa, mas acabar sendo outra.

                             Uma moça recatada

Qual é o enredo dessa intrigante trama? Katherine (interpretada Florence Pugh) é a esposa de um dono de mina. O homem comprou uma fazenda junto com a mulher dentro e a odiava mortalmente, a ponto de sequer querer encostar nela para ter um filho. E isso ainda deixava a moça malvista pelo sogro, que dizia que ela não cumpria as obrigações de esposa, não gerando uma criança. Um belo dia, o marido partiu para as minas e Katherine, que nem sair de casa podia, começou a andar pela propriedade. Nisso, ela se envolveu com um dos empregados da fazenda, Sebastian (interpretado por Cosmo Jarvis) tendo tórridas noites de sexo. Cansada de toda aquela opressão, Katherine passou a lutar contra tudo isso, usando métodos, digamos, pouco ortodoxos e, por que não, diabólicos até. Paremos aqui com os spoilers.

O que mais perturba nesse filme? É justamente a forma como Katherine se rebela contra o conservadorismo da sociedade em que vivia. Ela não teve qualquer tipo de escrúpulo, não diferenciando mais o certo do errado, no melhor estilo “os fins justificam os meios”. Inicialmente, suas ações atingiam em cheio seus algozes e víamos os atos como uma manifestação libertadora, achando até graça de alguns desfechos trágicos. Mas, com o tempo, a gente vai percebendo que Katherine ou pirou na batatinha de vez, ou é perversa e inescrupulosa demais e não mais passamos a apoiar seus movimentos. Fica então a questão: se a moça enlouqueceu, ela pode ser vítima da sociedade ultramachista e conservadora em que vivia; mas se Katherine fez tudo de forma fria, calculista e deliberada ela, além de não ser uma vítima, ainda foi demonizada a ponto de corroborar a visão ultramachista de perfídia feminina. Agora, qual direção a história deliberadamente toma? Prefiro deixar isso nas mãos do espectador, embora eu tenha a desconfortável sensação do uso da segunda opção por parte do autor, o que é uma pena.

                       Uma serviçal aniquilada

Uma personagem que muito chama a atenção é uma das serviçais da casa, interpretada por Naomi Ackie. Negra e totalmente submissa, ela se transformou numa espécie de joguete nas mãos de sua patroa. Se num primeiro momento, Katherine a usava para desafiar as rígidas convenções sociais da época, por exemplo, convidando sua serviçal para jantar à mesa junto com ela, a empregada também acabou sendo vítima de sua falta de escrúpulos. Ou seja, se o filme e a sua história pode fazer movimentos na direção de uma maior libertação da mulher, a película, por outro lado, não rompe com a hierarquia de classes. Katherine ainda é uma patroa que tem a vida de seus subalternos nas mãos, inclusive a de seu amante, um dos empregados da fazenda. O livro no qual se inspira o filme pode tomar ou um viés conservador ou um viés altamente crítico do conservadorismo, ao mostrar explicitamente todos os males que esse conservadorismo provoca, embora eu deva repetir que as atitudes de Lady Macbeth totalmente imorais do ponto de vista ético, ainda perturbem muito.

No mais, o filme tem boas virtudes técnicas, sobretudo a boa fotografia e boas tomadas externas (a paisagem é realmente muito bonita) e um lindo figurino de nossa protagonista que, quando não está nua (e eu não reclamo em nada das generosas formas da atriz!), veste um lindo vestido azul que é um álibi perfeito para o seu papel de esposa recatada.

                     A patroa e o empregado

Assim, “Lady Macbeth” (não é à toa que a referência a Shakespeare é altamente oportuna) é uma película muito intrigante que permite mais de uma interpretação. Desafia ou não desafia o machismo? Mas uma coisa parece ser certa: as classes sociais devem ficar em seu devido lugar. Vale a pena dar uma conferida em DVD.

https://www.youtube.com/watch?v=Ui8se5pwnMs

Batata Literária – Redução de Amplitudes

Quão altas estão minhas amplitudes!

Quantas vicissitudes!

Oscilo entre o triste e o muito triste

Felicidade não bota dedo em riste!

Dívidas, problemas, preocupações!

Desânimos e falta de emoções!

Estou cansado de tudo isso!

Procuro buscar em vida novo compromisso!

Quero um foco certeiro

Um objetivo maneiro

Estabilizar as tristezas

Não mais temer as incertezas

Se mexer e ver o que vai dar

E, na felicidade, ainda acreditar

Libertar-me da maldita rotina

Assim como a presa foge da rapina

Vamos apagar as mágoas do passado!

Vamos nos libertar do ranço desmesurado!

Chega de dor!

Chega desse maldito torpor!

Quero viver, quero respirar!

Quero voltar a amar!

Amar sem medo da decepção!

Sem cair de cabeça na frustração!

Daí é necessário o equilíbrio

Nem feliz demais, nem triste demais

Assim, evito meu martírio

E não me atormento com tormentas banais

Redução das amplitudes, penso eu

Pois meu sofrimento ninguém mereceu

Só assim, da letargia irei sair

E ressuscitarei para todo o meu porvir…

Batata Movies – Atômica. Um Videoclipe Sem A Cereja.

 

                                 Cartaz do Filme

E estreou “Atômica”, um filme que era cercado de grande expectativa. O trailer prometia muito! Charlize Theron encarnando uma agente secreta inglesa totalmente louraça e descendo a porrada num monte de homens. Mais empoderamento feminino impossível. O trailer também era altamente provocante, pois nossa loura dava uns pegas numa linda morena. Como se não bastasse, James McAvoy também apareceu no trailer como parceiro de Theron. Isso sem falar nas boas presenças de John Goodman (que dispensa apresentações) e Toby Jones (que já trabalhou em filmes da franquia da Marvel como “Capitão América”). Ou seja, tinha tudo para ser um filmaço.

       Uma louraça com a cara da Debbie Harry

E as expectativas foram correspondidas? Mais ou menos. “Atômica” teve um roteiro um tanto descontínuo, onde cenas de ação altamente explosivas mais ao final da película dividiram a trama com partes bem mais morosas, onde a história ficava até um tanto confusa. Tudo girava em torno de uma lista secreta de espiões que vazou em Berlim no ano de 1989, bem nos dias que antecediam a queda do muro. O MI6 (Serviço Secreto Britânico) tinha como objetivo recuperar a lista antes que ela caísse nas mãos da KGB, o que poderia prolongar a Guerra Fria em mais uns quarenta anos. Assim, nossa agente Lorraine  Broughton (interpretada por Theron) vai a Berlim onde ela deve se encontrar com seu contato, David Percival (interpretado por McAvoy). Só que, ao chegar a Berlim, ela já cai nas mãos da KGB e as cenas de porrada, bomba e tiro começam. O problema é que a história quis ser, além de um filme de ação convencional, uma trama de espionagem e suspense, onde vários jogos de gato e rato, assim como traições implícitas rechearam a história, e a solução de tais tramoias tornou a coisa um tanto enfadonha. Sei lá, acho que o peixe vendido no trailer foi o de um filme de ação mais tradicional, regado a CGIs e entretenimento puro, e o que se viu no filme não foi o mesmo, o que pode ter decepcionado um pouco o espectador (eu vi até uma pessoa abandonando o filme no meio da sessão que assistia no São Luiz 3). Outra coisa que muito decepcionou foi que a película tinha uma baita duma trilha sonora, com hits da época do naipe de um “Major Tom” e um “99 Luftbaloons”, chegando ao auge com um “Under Pressure”. Isso deu à película uma grande cara de videoclipe, de balanço irresistível para quarentões e cinquentões. Mas é imperdoável que “Atomic”, do Blondie, não estivesse na trilha sonora. Cacilda, um filme cujo título original é “Atomic Blonde” e Charlize Theron com a cara da Debbie Harry tem que ter “Atomic” em sua trilha sonora, mesmo que seja nos créditos finais! Esse foi um erro imperdoável que lamentei profundamente. Ainda tive alguma esperança de escutar um leve arremedo de “Atomic” nos créditos finais (fui o último a sair da sala) mas, nem assim…

                James McAvoy. Boa participação.

Pelo menos, o filme foi provocador.  Colocar a protagonista do filme em tórridas cenas de sexo explícito com uma agente francesa foi algo muito corajoso até para os padrões de hoje, ainda mais quando nos lembramos de que esta é uma co-produção Estados Unidos, Alemanha e Suécia, anglo-saxã demais para tocar em tal assunto num circuito comercial. E ainda mais que a agente francesa foi, ninguém mais, ninguém menos que Sofia Boutella, que ficou famosa como a múmia de Tom Cruise, onde já havia chamado bastante a atenção. Dessa vez, tivemos mais chance de vê-la atuando e, se seu talento como atriz é relativamente mediano, sua beleza ajudou em muito a recuperar o interesse pelo filme.

                         Um flerte e tanto…

Assim, “Atômica” infelizmente acabou decepcionando, pois os trailers traziam grandes expectativas, mas o filme acabou mostrando algo um pouco mais fraco. Mais ação, menos trama e a mesma dose de sensualidade poderiam ter talvez trazido um resultado bem melhor. Uma pena, mas vale dar uma conferida assim mesmo.

https://www.youtube.com/watch?v=Jc0_8kW8IGA

Batata Movies – Dupla Explosiva. Vale Mais Pela Comédia.

                  Cartaz do Filme

Um filme de ação com cara de comédia está em nossas telonas. “Dupla Explosiva” é o clássico filme de “porrada, bomba e tiro”, mas que é muito mais interessante por seu conteúdo altamente cômico. E isso amparado por um elenco estelar: Ryan Reynolds (cuja presença ficou muito mais valorizada por onde ele passa depois de “Deadpool”), Samuel Jackson (que dispensa apresentações) e as gratas surpresas de um Gary Oldman, o versátil ator português Joaquim de Almeida e, principalmente, Salma Hayek, que andava meio sumida e que, apesar da idade, ainda tem uma beleza para lá de estonteante.

                            Uma baita química!!!

No que consiste a história do filme? Michael Bryce (interpretado por Reynolds), um agente de segurança de gente muito importante, sempre foi impecável em seu trabalho. Até que um dos seus clientes acaba assassinado, o que o colocou no limbo, conseguindo apenas trabalhos menores. Ele será chamado por Amelia Roussel (interpretada por Elodie Yung) para proteger Kincaid (interpretado por Jackson), um assassino profissional que é testemunha-chave para condenar um ex-presidente da Bielorússia (interpretado por Oldman), acusado de genocídio. O problema é que o tal ex-presidente tem todo um rosário de capangas e assassinos que vão perseguir nossos protagonistas até ao inferno, se for preciso, com o objetivo de matar Kincaid. Aí, o resto todo mundo já sabe. Mas o detalhe aqui está no relacionamento entre Bryce e Kincaid, que foi, digamos, um tanto turbulento no passado, o que vai provocar muitas risadas nos espectadores.

                 Muito bom ver Hayek de volta!!!

O filme definitivamente gira em torno de Reynolds e Jackson, como não podia deixar de ser diferente. A química entre os dois foi perfeita, com um carisma maior por parte de Jackson. Ele meio que engoliu Reynolds durante a película. De qualquer forma, Reynolds também esteve bem. O personagem talvez não ajudasse muito, já que ele era metódico, certinho e, como dizem hoje em dia por aí, cheio de “mimimi”. Já Jackson era um supersafo da vida, com os “Motherfuckers” de sempre, o que provocava muito mais impacto. Duas naturezas tão antagônicas ajudaram a compor um bom relacionamento entre os dois, que começou com turbulências muito engraçadas, mas que pouco a pouco deram lugar a uma aproximação e entendimento melhor entre eles.

Com relação ao vilão, ele apareceu muito pouco e fez o bandidão mau e impiedoso clássico, o que é uma pena, pois um talento como o de Oldman sempre pode ser melhor aproveitado, se bem que, num filme desse tipo, não existe muito espaço para isso, pois o vilão é mau e somente isso. Podemos dizer que Oldman fez seu “feijão com arroz” direitinho. Já Joaquim de Almeida é aquele talento que todos nós cinéfilos que acompanhamos o cinema europeu já conhecemos de eras. Mas o cinema americano insiste em criar estereótipos e mais uma vez deu um papel de mau caráter a Almeida, o que eu particularmente acho uma coisa muito chata e reforça os argumentos de Ricardo Darín em não ceder às tentações de Hollywood. Salma Hayek interpretou a esposa de Kincaid, e fez o estereótipo da mulher latina fogosa e violenta clássica. Como era algo sem saída, Hayek caiu de cabeça no papel e o fez de forma tão caricata que isso caiu como uma luva no gênero de comédia do filme. E, cá para nós, como foi bom ver Hayek de novo com sua beleza irresistível! Só isso já valeu o ingresso!

                  Oldman. Vilão convencional.

Apesar do rosário de estereótipos, “Dupla Explosiva” é um filme altamente recomendável pois, mais do que um filme de ação, é uma ótima comédia feita por um elenco muito bom e traz atores que estavam meio sumidos nas telonas. Só é lamentável que esse filme tenha passado em tão poucas salas e com poucos horários, o que reflete a carência de salas de cinema numa cidade de escala nacional como o Rio de Janeiro. Quem não tiver a chance de ver no cinema, pode depois procurar no DVD.

https://www.youtube.com/watch?v=aJ6H9WWHN6Y

Batata Antiqualhas – Jornada Nas Estrelas. Radiografando Um Longa. O Filme (Segunda Parte).

 

Wise, Rodenberry, Shatner, Kelley e Nimoy. Pérola de bastidor.

Quais são as grandes virtudes de “Jornada nas Estrelas, o Filme”? Em primeiro lugar, o filme se aproxima de uma das propostas da série, que é a de fazer uma ficção científica intelectualizada. Víamos alguns episódios que acompanhavam esse esquema. Era colocado um problema inicial, que geralmente ameaçava a integridade da nave e da tripulação, e quebrando muito a cabeça, nossos personagens buscavam a solução para sair daquela enrascada que o desconhecido colocava à sua frente. Eu me lembro de um episódio em que era encontrado um buraco no espaço e, ao entrar para investigar, eles se depararam com um enorme ser vivo em formato de ameba gigante, que sugava toda a energia à sua volta, inclusive da Enterprise. A partir daí, a tripulação passava o resto do episódio procurando uma forma de sair dali. Nesses momentos, a série se aproxima da ficção científica da melhor qualidade.

Um elo mental que revela inquietações.

Ainda seguindo a linha de ficção científica requintada, a insistência em Kirk de colocar a nave em dobra, com o seu reator de dobra ainda defeituoso, enfiou a Enterprise num buraco de minhoca (forte distorção espaço-temporal provocada por um intenso campo gravitacional, ou no caso do filme, pelo reator de dobra em mau funcionamento), onde a velocidade aumentava de forma descontrolada, criando uma violenta distorção espaço-temporal que impossibilitava a reversão da dobra. Quanto maior a velocidade, mais lentamente a tripulação se comportava. Por que isso?

Vulcano na versão original de 1979.

Na Teoria da Relatividade Especial de Einstein, existe o chamado “paradoxo dos gêmeos”, onde dois irmãos gêmeos (Ulisses e Homero) participam de uma experiência. Ulisses fica sentadinho na sua cadeira no planeta Terra, enquanto que Homero pega uma nave espacial e viaja a velocidade da luz. Para Homero, que viaja a altíssima velocidade, o tempo passa mais lentamente, ao passo que, para Ulisses, o tempo passa normalmente. Assim, quando Homero retorna à Terra, a viagem para ele passou, digamos, poucos dias. E para Ulisses, que ficou sentadinho aqui na Terra, a viagem durou muitos anos. Dessa forma, Homero ainda está jovem e Ulisses está velhinho. Já que há esse paradoxo, como seria a visão que Ulisses teria de Homero dentro da nave quando ela estivesse à velocidade da luz? Ulisses veria Homero se mexendo muito lentamente. É o que vemos dentro da Enterprise, quando ela está em altíssima velocidade num buraco de minhoca. Agora, no filme esse paradoxo só ocorre quando o sistema de dobra está com defeito, é claro!

Vulcano digitalizado na versão do diretor: seguindo os storyboards originais.

E adivinhe quem o conserta? Lógico, meu caro, é o Spock, que toma o lugar de Decker como oficial de ciências sem que o já rebaixado personagem reclame, ao contrário do que ele fez com Kirk. Como disse um dos produtores do filme, “Jornada nas Estrelas sem Spock (e Nimoy) é a mesma coisa que um carro sem rodas”.

Enterprise no buraco de minhoca. Paradoxo dos gêmeos na materialidade das imagens.

Falando em Spock, é o momento oportuno de falar de sua cena de choro na “versão do diretor” do longa. A lágrima do Vulcano por V’Ger tem grande carga simbólica, pois é o reconhecimento de seu dilema razão X emoção que aparecia na série clássica, jamais confirmado por ele. Por ser meio humano, meio vulcano, reconhecer suas emoções era visto como um sinal de fraqueza pelo oficial de ciências, que sempre lançava mão de argumentos lógicos para dissimular suas manifestações emocionais. Essa característica, aliada à sua retórica altamente refinada, sincera e irônica tornaram, a meu ver, o personagem Spock um dos mais amados de todos os tempos. É comovente ver o sentimento de compaixão de Spock por V’Ger, exatamente pelo fato do vulcano se identificar com a máquina, cuja lógica e raciocínio não são suficientes para completar sua essência. O vazio de emoções e a falta de respostas a questões tão metafísicas como “O que eu faço no mundo?”, ou “Qual é a razão de minha existência?” tornam a vida de V’Ger incompleta e desalentadora e parece que Spock passa pelos mesmos dilemas, assim como todos nós, que também buscamos respostas para essas perguntas e, volta e meia, também passamos por momentos de instabilidade emocional.

McCoy dando uma bronca em Kirk, após ele forçar a barra com a tripulação exigindo o sistema de dobra.

A viagem solitária de Spock num traje espacial com força de propulsão ao longo da nave de V’Ger é curiosa, pois o vulcano encontrava todas as informações acumuladas pela nave ao longo de sua viagem. Ao presenciar uma imagem de Ilia, que foi absorvida por V’Ger e que enviou uma sonda em formato de Ilia para interagir com a tripulação da Enterprise, Spock tenta fazer um elo mental. Mas a sobrecarga de informação é tanta que ele fica inconsciente. Durante o elo mental, vemos o rosto em agonia de Spock com várias imagens sobrepostas passando muito rapidamente por sua face. A solução do filme está lá (quem é V’Ger). Se colocarmos o aparelho de DVD quadro a quadro, vemos imagens da Voyager e das figuras humanas desenhadas em seu disco de ouro preso à fuselagem da nave. Típica mensagem subliminar.

Spock e sua viagem insólita pela nave de V’Ger.

Por fim, o primeiro longa de “Jornada nas Estrelas” é altamente kubrickiano, tanto do ponto de vista estético quanto do ponto de vista do enredo. Esteticamente, o interior da nave de V’Ger se aproxima em alguns momentos do caleidoscópio da viagem warp de David Bowman ao se aproximar do monólito. Do ponto de vista do enredo, assim como Bowman interage com a espécie alienígena para criar um novo ser híbrido, a mesclagem final de Decker, Ilia e V’Ger cria também um novo ser, onde essa fusão se manifesta de forma até mais profunda do que em Kubrick, pois liga com total harmonia o racionalismo exacerbado de V’Ger com a emoção e amor de Decker e Ilia.

Fusão de Decker e Ilia com V’Ger. Nova espécie, assim como em Kubrick.

Concluindo estas linhas, volto a confirmar que “Jornada nas Estrelas, o Filme” é um longa a altura de todo o carisma e sucesso dessa série que é um verdadeiro fenômeno cultural, pois aliou ação, humor e entretenimento a um aguçado debate intelectual. E tudo isso na TV e numa cultura de massa taxada de burra pela escola de Frankfurt, composta de pensadores como Adorno e Walter Benjamin. Que bom que toda regra tem sua exceção!

Nave de V’Ger. Outra manifestação kubrickiana.

E não deixem de rever abaixo a antológica abertura do filme onde três cruzadores klingons enfrentam a nuvem de V’Ger. Só lembrando que o capitão klingon é Mark Lenard, o ator que interpreta Sarek, o pai de Spock.

Batata Comics – Terrível Obsessão. A Mediunidade Volta Agora Na Turma Da Mônica Jovem.

                    Capa da Revista

Voltemos a falar de quadrinhos. E voltemos a falar de Turma da Mônica Jovem. Definitivamente, os personagens de Maurício de Sousa são apresentados aqui de forma diferente do que vemos nos quadrinhos, digamos, mais tradicionais de turminha, até porque temos aqui um público-alvo diferente: adolescentes (e aí até a temática nerd tem o seu espaço) e, por que não, o público adulto. Tal elemento gera uma forma inteiramente nova de se ver a Turma da Mônica e que parece que tem dado muito certo, pois a “primeira temporada” da revista rendeu cem números e já estamos no oitavo número da “segunda temporada”.

                                       Sarah, a moça médium

Mas no que a história desse número em especial chamou tanto a atenção? Essa é uma história que envolve a questão da mediunidade e, quando temos tramas desse naipe na revista, a aparição da personagem Sarah é uma grande pedida, pois ela tem uma forte mediunidade, a ponto de ver e conversar com os mortos, cujo amigo Victor é uma espécie de conselheiro. Sarah, que já apareceu em outro número da revista (número 86 da “primeira temporada”), é uma moça atormentada, pois não pode usar seus “poderes” para evitar todas as coisas ruins que vê e que pressente, já que seu amigo Victor a adverte que ela não deve interferir e deixar que o curso dos acontecimentos siga naturalmente. Quando Sarah vê um espírito maligno ameaçando um velho tocador de realejo numa pracinha, temos o início de uma trama onde os personagens de Maurício de Sousa vão ter que lutar contra essa força maligna sobrenatural sem a ajuda de Sarah, que se sente cada vez mais culpada em não poder ajudar e quer tomar uma atitude perante a isso, sempre sob os olhos reprovadores de Victor, seu amigo do além.

           Uma história instigante e muito adulta

Não é a primeira vez que Maurício de Sousa aborda o tema do espiritismo, sem ser as histórias do Penadinho. Quem acompanhava há muito tempo as revistinhas da Turma da Mônica sabe que, lá em meados da década de 80, foi produzida a história “As Emoções Bárbaras”, onde um espírito evoluído que não precisa mais reencarnar (dentro da visão kardecista) pede às entidades ainda mais superiores que ele possa “regredir” e voltar à Terra para sentir novamente as “emoções bárbaras” (fome, sede, frio, alegria, raiva, tristeza, pena, etc.). Ele recebe autorização para retornar ao nosso mundo, ainda que brevemente, e sentirá essas emoções novamente com a turminha da Mônica, retornando ao paraíso mais tarde, esquecendo todas as emoções bárbaras, exceto por uma: a saudade que sentia pela turma. Essa história altamente adulta e utópica para o público-alvo da revista (ou seja, o infanto-juvenil) ganhou prêmios e é muito lembrada com carinho pelos fãs. Pois bem. Desta vez, os roteiristas e editores optaram novamente por uma história de conteúdo mediúnico, entretanto com uma visão altamente distópica. A entidade em questão provoca destruição, pois está tomada pelo rancor e ódio, não conseguindo se afastar do plano material e fazer a jornada para o plano espiritual. Caberá à Mônica “libertar” esse espírito obsessor, com a lição de moral implícita de que, ao guardar raiva e rancor, você não apenas faz mal a si mesmo, mas também pode espalhar esse mal para as pessoas que o cercam. Lição mais kardecista que isso impossível. De qualquer forma, a história é pesada e leva com muita maestria o “lado negro” do espiritismo.

Outro detalhe interessante é que esta revista não está ligada apenas à personagem Sarah, que apareceu num número anterior, mas também a outra história da Turma da Mônica Jovem (números 81 e 82 da primeira temporada), onde um dono de circo macabro escravizava um grupo de mutantes e a Mônica para transformá-los em atrações. Essas referências a outras revistas são muito instigantes e fazem mais ou menos a mesma coisa que vemos em séries de TV como “Jornada nas Estrelas” e muitas outras, ou seja, é uma fórmula que dá certo e que tem sido muito bem aproveitada nessa fase dos quadrinhos de Maurício de Sousa.

Assim, “Terrível Obsessão” é mais uma história da Turma da Mônica Jovem que merece a atenção dos colecionadores e do grande público. O espiritismo é revisitado, mas agora sob uma visão distópica. Vale muito a leitura.

“As Emoções Bárbaras”. Relação com o espiritismo não é de hoje para Maurício de Sousa