O diretor Jim Jarmusch está de volta, em parceria com o “Kylo Ren” Adam driver, trazendo o bom filme “Paterson”. Um filme sobre escrita e poesia. Mas também um filme sobre cotidiano, regado a pequenas e quase imperceptíveis alterações de rotina. Uma verdadeira aula de como você deve lidar com o dia-a-dia e os problemas que eventualmente surgem em sua vida.
A história em si é muito simples. Vemos aqui a trajetória de Paterson (interpretado por Driver), um motorista de ônibus que vive numa cidadezinha que tem o seu nome e que fica em New Jersey. Nosso protagonista acorda todos os dias em torno das seis e dez da manhã, troca uns beijinhos com sua esposa Laura (interpretada pela estonteante Golshifteh Farahani), vai para seu emprego, dirige o ônibus o dia inteiro, volta para cada, janta com sua esposa, leva o cachorro para passear e para num bar. De segunda a sexta, essa é a rotina de Paterson, que é quebrada em poucos momentos. Nem sempre a conversa no bar é a mesma, diferentes passageiros têm diferentes conversas no ônibus e Paterson, atento a tudo, as registra em sua memória. Mas a principal quebra de rotina na vida de Paterson é o ato de escrever suas poesias. Poesias que não rimam, é verdade, mas que pegam pequenas coisas do cotidiano (uma caixa de fósforos, por exemplo) e as transformam em objetos de arte com grande lirismo por parte do escritor. A esposa de Paterson é outro ponto importante na quebra dessa rotina. Cheia de manias, ela quer, simultaneamente, ser artista plástica, abrir uma empresa de cupcakes ou até mesmo ser uma cantora country, colocando Paterson eventualmente em maus lençóis financeiros. Mas o amor do motorista escritor por sua esposa é tanto que ele é altamente compreensivo com as doideiras dela, que também o apoia muito em sua carreira de escritor. E assim, a vida dos dois vai seguindo ao longo da semana. Só que um acontecimento inesperado quebraria violentamente essa rotina.
O grande barato desse filme está justamente na questão da rotina e da sua quebra, com a poesia atuando como ponte entre esses dois pólos. É do cotidiano que Paterson tira inspiração para escrever seus versos e estrofes. Ou seja, de um local aparentemente estéril em termos de criatividade (a rotina do cotidiano) é de onde sai para Paterson todo um terreno para ele pôr em prática a sua fértil visão de mundo. Somente um artista refinado e sensível consegue tal proeza. E vamos percebendo isso paulatinamente na película, onde nosso protagonista começa a criar seus versos um pouco antes de sair com o seu ônibus, quando tem o raciocínio cortado pelo despachante pessimista da empresa, e o retoma na hora do almoço, quando tem mais tempo para escrever.
É claro que não é apenas a repetição do cotidiano que dá material para Paterson escrever. As conversas dos passageiros no ônibus trazem elementos novos para o motorista. Uma conversa de dois homens contando suas paqueras, um papo de estudantes anarquistas sobre uma importante figura anarquista do passado da cidade, ou até a importância do filho ilustre Lou Costello para a cidade de Paterson, todos estes são elementos que tiram o filme da rotina e trazem novos pontos de reflexão para o escritor, que é apaixonado por um famoso escritor local, William Carlos Williams. Existem até outros elementos que eu poderia mencionar à respeito da quebra de rotina, elementos esses relativamente interessantes, mas chega de spoilers por hora.
E os atores? Golshifteh Farahani foi muito bem numa personagem que, de tão lúdica, beirava o caricato. Ela segurou o rojão bem e comprou a ideia. Convenhamos que sua beleza hipnotizante ajudou bastante, mas a moça é talentosa, não vamos desmerecer a sua atuação em função de sua beleza. Já Adam Driver fez um personagem excessivamente calmo e compreensivo, que eventualmente saía de seu estado letárgico em situações engraçadas do bar. Apesar da excessiva passividade de Paterson, Driver fez a gente gostar do cara, o que é sinal de uma boa atuação.
Assim, “Paterson” é um bom filme, que tem um ritmo lento por viver em função do cotidiano e da rotina, mas cativa e prende a atenção pelos personagens, pelos atores e pela poesia bem escrita, talvez a grande vedete do filme. Vale a pena dar uma conferida em DVD.
“Jornada nas Estrelas, o Filme”. O primeiro longa da série que havia feito muito sucesso na segunda metade da década de 1960 e suas reprises na década de 1970, foi dirigido pelo consagrado diretor Robert Wise, responsável por obras como “O Dia em que a Terra Parou”, “Noviça Rebelde” e “O Dirigível Hindenburg”. Nome à altura da tão esperada ressurreição da franquia, após o fracasso de se tentar levar a série “Jornada nas Estrelas, Fase II” ao ar nas tvs. Reza a lenda que o sucesso de “Guerra nas Estrelas” levou a Paramount a optar por fazer um longa.
Dos seis longas-metragens da tripulação da série clássica, esse talvez tenha sido o mais cerebral e artístico de todos. Para relembrarmos seu enredo, uma imensa nuvem desconhecida, que consome tudo à sua frente, vai em direção a Terra.
O agora almirante James Tiberius Kirk mexe seus pauzinhos para retomar o controle da Enterprise, que passou por dezoito meses de reforma. Para isso, ele terá que rebaixar Decker (interpretado por Stephen Collins), o atual capitão da Enterprise, a primeiro oficial e oficial de ciências, o que provoca conflitos entre os dois.
Enquanto isso, em Vulcano, Spock atinge o Kolinahr, o expurgo total de suas emoções e o alcance à lógica total, mas ao receber a honraria, ele a recusa, pois sentiu uma poderosíssima consciência totalmente lógica em busca de perguntas. Ele se unirá à tripulação da Enterprise, que irá em direção à misteriosa nuvem e desvendar seus segredos.
Mas, o que é essa nuvem? Nela existe uma grande nave espacial, comandada por V’Ger, uma máquina que busca respostas para sua existência. V’Ger busca seu criador e quer transformar as unidades carbono que infestam a Enterprise e a Terra (os humanos) em meros bancos de dados, por serem consideradas mais uma praga do que formas de vida.
Kirk e seus comandados descobrirão que V’Ger é na verdade a Voyager 6, uma sonda enviada pela NASA ao espaço mais de trezentos anos antes, que tinha a missão de coletar dados e enviá-los à Terra (ao seu criador). Por coletar uma quantidade enorme de informações e acumular conhecimentos, a Voyager 6 acabou desenvolvendo consciência. Mas a nave entrou num buraco negro, saindo do outro lado da galáxia, caindo num planeta de máquinas vivas que construiu a nave gigante para que a intrépida Voyager cumprisse sua missão.
E ela retornou a Terra em busca de uma integração (física, inclusive) com seu criador. Como não recebia respostas de seu criador, já que o sinal era antigo demais e não entendido por seus criadores terrestres, a Voyager resolve acabar com todas as unidades carbono que infestam o planeta, entendidas por ela como a causa da obstrução do encontro da nave com seu criador. Nossa tripulação então tentará fazer esse contato.
Essa história foi escrita para ser utilizada em “Jornada nas Estrelas, Fase II”, e enredo semelhante já havia sido utilizado no episódio “Nômade”. O longa quase teve um desfalque grave, pois Leonard Nimoy não queria participar do filme, mas depois de muitos apelos desesperados, ele aceitou. Em contrapartida, a bela Persis Khambatta, que havia interpretado a personagem Ilia na Fase II, participa do filme, assim como o ator David Gautreaux faz uma ponta como comandante da estação Epsilon 9, que foi sugada pela nuvem. Gautreaux seria o novo vulcano da Fase II, Xon, pois Nimoy não se incorporou ao cast da nova série. Xon seria totalmente vulcano e recém-saído da Academia de Ciências de Vulcano, sendo mais um fator para ressaltar o lamento pelo fracasso da Fase II.
Após esse pequeno inventário de informações sobre o primeiro longa de “Jornada nas Estrelas”, eu falarei, no próximo artigo, quais são as principais virtudes desse memorável filme. Até lá!
Um curioso filme brasileiro está nas telonas. “Bingo. O Rei das Manhãs” fala da trajetória de um artista inspirado no personagem real de Arlindo Barreto, que ficaria conhecido como o palhaço Bozo. Barreto fez muito sucesso na antiga TVS (atual SBT) encarnando o palhaço americano e conseguiu bater até a poderosa Rede Globo em audiência. Mas a vida do artista não foi um mar de rosas e ele acabou entrando num período de franca decadência, onde o vício em cocaína foi apenas o primeiro degrau para o buraco. A película falará das meteóricas ascensão e queda de Arlindo de uma forma bem biográfica e direta, não deixando ponto sem nó.
E quem interpreta o palhaço nessa empreitada? Vladmir Brichta, que estava simplesmente sensacional no papel de Augusto Mendes. Foi notável ver como o ator conseguiu dar um grande carisma ao personagem, mostrando a firmeza e obstinação de Augusto em conseguir o papel e depois conseguir dobrar o empresário americano que trouxe um formato de programa dos Estados Unidos que não se encaixava à realidade brasileira. Foi Augusto/Arlindo que, na base do puro improviso, com uma baita presença de espírito, conseguiu reestruturar todo o programa e torná-lo um sucesso de audiência, não sem muita pressão em suas costas, algo que ele levou numa boa. Se Brichta conseguiu ir muito bem nessa faceta do personagem, ele foi igualmente perfeito na fase negra de Augusto/Arlindo, mergulhando em doses profundas de desespero e de decadência. Esse é o tipo de papel que é um verdadeiro presente para a carreira de um ator, pois pode valorizar em muito a sua carreira.
Mas esse presente tem uma faca de dois gumes e deve ser muito bem aproveitado. E Brichta não brincou em serviço. A gente realmente fica impressionado com sua atuação. Um outro destaque é a presença de Leandra Leal, que também conseguiu mostrar muito talento, fazendo o papel de Lúcia, a diretora do programa de TV, que aparentemente tem mais idade que a atriz. Leal foi notável em sua interpretação de mulher mais velha, sendo um verdadeiro deleite vê-la atuando com Brichta. Só esses dois detalhes já justificam o ingresso do filme. Mas a película tem mais atrativos, pois ela está cheia de referências afetivas para nós que vimos o programa do Bozo naquelas manhãs da década de 80 e que estamos na faixa dos quarenta a cinquenta anos. Isso sem falar da trilha sonora da época, carregada de um Rock Nacional com músicas que também tocavam fundo em sua alma, tanto quanto o Opala SS do palhaço. Ou seja, uma reprodução de época muito perfeita e bem cuidada.
Assim, se você cresceu vendo o Bozo na TVS, esse filme é um programa imperdível. E se você não teve a oportunidade de vivenciar aqueles anos, agora tem uma oportunidade ímpar de saber o que perdeu. E ainda há a atuação ótima de Brichta e Leal, assim como uma química entre atores poucas vezes vista em nosso cinema. Não deixe de prestigiar esse grande filme, que vai te fazer rir e chorar. Só não vale falar “Ah, que peninha” no final…
Confesso a vocês que não vejo muitos filmes inspirados em histórias de Stephen King. Apesar de todo o mérito delas, o gênero em que ele escreve nunca me atraiu muito. Só espero não ser tendencioso em minha análise de “A Torre Negra”, o seu último filme (se bem que “It” também já está por aí pelas salas). Apesar de meu pouco interesse, decidi ver a película ao saber que Idris Elba e, principalmente, Matthew McConaughey iriam participar. Assim, tinha um bom motivo para dar uma chegadinha ao São Luiz, no Largo do Machado, para prestigiar o filme.
E quais foram as minhas impressões? Bom, a ideia de luta entre o bem e o mal foi apresentada de uma forma, digamos, interessante. Essa velha receita vem estruturada numa noção de que o nosso Universo é circundado por forças malignas que não conseguem entrar devido à proteção de uma torre negra. Um tal de Homem de Preto (interpretado por McConaughey), mau que nem o Pica Pau, vai tentar destruir essa torre, usando a força vital extraída do cérebro de… crianças (não me pergunte por que…). Ele vive numa espécie de mundo paralelo ao nosso. Cada ataque que a torre sofre traz reflexos nos dois mundos, provocando uma onda de terremotos por aqui. A única pessoa que percebe que há algo de errado é um garoto, Jake (interpretado por John Taylor), que tem sucessivos sonhos com a história da torre, com o Homem de Preto e com um pistoleiro de nome Roland (interpretado por Elba). Os pistoleiros têm como missão proteger a torre das forças maléficas do Homem de Preto. Mas a batalha contra o mal está praticamente perdida. Como o menino está sendo tratado como um doido pela sua mãe e pelo seu padrasto, ele consegue fugir até encontrar um portal para o tal mundo paralelo, onde se unirá com Roland na luta contra o tal Homem de Preto.
A história até tem um enredo interessante mas não empolga muito. Há várias cenas de ação que deixam a coisa um pouco mais atraente, mas mesmo assim não parece ser muito suficiente. Existem algumas coisas que a liberdade poética permite, mas que incomodam como, por exemplo, o fato do Homem de Preto ter poder suficiente para matar uma pessoa apenas com sua vontade mas isso não funcionar justamente com o pistoleiro e o garoto, que é cercado de todo um poder especial. Assim não vale. Os protagonistas tinham que ter algum tipo de vulnerabilidade para com o inimigo e quebrar a cuca para se proteger. A história ficaria muito mais interessante e daria mais status ao personagem de McConaughey, que merecia coisa melhor para interpretar. O Homem de Preto, em sua maldade absoluta, é simplório demais e não deu chance a um ator vencedor de Oscar demonstrar todo seu talento. O pistoleiro de Elba era bem mais interessante, pois ele é o herói que falhou em sua missão e a única coisa que o mantém vivo é o rancor de sua vingança para com o Homem de Preto. Ou seja, ele já esqueceu suas virtudes de herói faz tempo, e elas serão justamente resgatadas por Jake, o menininho puro. De doer também é o desfecho da história, de tão banal que foi e que os spoilers me evitam dizer. Será que no livro do King é a mesma coisa? Espero que não…
Assim, “A Torre Negra” tem até um enredo interessante, mas o desenvolvimento da história não é muito atraente. Uma pena, pois temos dois atores muito bons aqui. Você pode até ir ao cinema por eles mas, de resto, não espere muito mais.