Batata Literária – A Afeição

Ela é nascida para gostar.

Nascida para adorar.

Nascida para amar.

Em seu coração, não existe espaço para ódio,

a raiva vive em ócio,

o desprezo não é o seu negócio.

Só cultivar o carinho,

prática que vem desde o ninho.

Ela gosta porque confia

nos seus amigos todo o dia.

Essa é a base da amizade,

acreditar no seu amigo com vontade.

Sem medo da traição

você pode abrir seu coração,

amar com convicção,

e se dedicar ao próximo com devoção.

Para ela, tudo é maravilhoso.

Na humanidade nada há de horroroso.

O ser humano usa o racional

para domesticar e aprimorar o emocional.

Ela só ouve os votos dos renascentistas

e as preces dos iluministas,

criaturas extremamente otimistas

que ignoram as vozes dos pessimistas.

Quem é essa dama tão ingênua?

Tão tola e despreparada?

Tão tresloucada?

Ela é a afeição!

Dona de tanta emoção!

Mas ela parece tão feliz!

É, parece que ela fez a escolha certa.

Conseguiu escapar do mal por um triz!

Batata Books – Troopers Da Morte. “Guerra nas Estrelas” Encontra Os Zumbis.

Capa do Livro

A Editora Aleph lançou no ano de 2015 o livro “Troopers da Morte”, de Joe Schreiber (um bom nome para escritor, já que schreiber em alemão significa justamente escritor), que faz parte do famoso Universo Expandido de “Guerra nas Estrelas”, sob o selo “Legends”. Confesso a vocês que esse foi o livro que de cara menos me interessou para ler e somente o fiz agora, depois de esgotar todas as outras possibilidades de leitura. E o porquê disso? É que esse livro mistura “Guerra nas Estrelas”, que mais se aproxima do gênero da fantasia espacial e um pouco menos da ficção científica, com o gênero do terror, mais especificamente no tema dos… zumbis!!! Como não sou muito fã de terror, muito menos de zumbis, protelei a leitura desse livro até o último momento. Por isso, acredito que minha análise desse livro pode ser um pouco tendenciosa.

Mas, vamos lá. Do que se trata a história? Uma nave prisão do Império, a Purgação, se encaminha para uma espécie de penitenciária para entregar quinhentos presos. Entretanto, quando a nave sai do hiperespaço, ela sofre um defeito e não pode seguir viagem numa velocidade satisfatória. Porém, a nave encontra um destroier imperial no espaço, sem formas de vida, algo muito estranho para uma gigantesca nave que pode abrigar milhares de pessoas. Uma equipe da Purgação vai ao destroier para procurar peças que ajudem a consertar a nave prisão. Essa equipe se divide em duas para procurar as peças mais rápido. Mas somente uma dessas equipes retorna à nave de origem. E, ainda, alguns de seus integrantes voltam com sérios sintomas de uma doença grave. A médica da nave prisão, Zahara Cody, de repente vê sua enfermaria repleta de pessoas doentes, já que o grau de contágio da doença é muito rápido e mata a todos. Chega uma hora que pouquíssimos sobreviventes restam, pois estranhamente eram resistentes à doença, e cabe a eles fugir da nave. Mas os mortos acordariam… e com muita fome.

Troopers Zumbis???

Dá para imaginar o resto. Quem gosta desse gênero de terror e zumbis vai se deliciar com as inúmeras perseguições e tensões de um monte de mortos-vivos correndo atrás de você para se alimentar de sua carne viva. Mas, para quem não gosta muito do gênero, essa leitura fica um tanto cansativa e enfadonha. Isso quando não é muito nojenta, pois o autor descreve com destreza toda a repugnância de ferimentos infeccionados, gangrenas, cheiros de podre, cadáveres em putrefação, etc., algo que também cansa. Mas o livro tem uma grande vantagem. Sua leitura consegue ser muito rápida, pois ele é dividido em quarenta e quatro capítulos e um epílogo, divididos em trezentas e vinte e seis páginas, cujos capítulos são relativamente curtos, o que diminui o número de páginas final do livro e torna a leitura bem mais ágil. Eu só tenho tempo para ler dentro de ônibus ou vans (um péssimo hábito, diga-se de passagem, pois faz mal à vista) e meu ritmo de leitura acaba sendo mais lento. Esse livro, no entanto, acabou sendo uma leitura mais rápida que eu previa.

E tome morto-vivo!!!

O leitor pode me perguntar: há personagens do cânone oficial? Sim, há, mas não vou dizer aqui para não dar mais “spoilers”. Entretanto, a aparição deles se faz somente na segunda metade da história, e não foi realmente muito desenvolvida. Parece que o autor optou por dar mais desenvolvimento e ação a seus próprios personagens, o que foi uma pena, a meu ver, pois creio que o fã de “Guerra nas Estrelas” quer ver mais coisas que se remetam aos filmes. Outra coisa que não fica bem clara é onde tal história se situa no tempo de “Guerra nas Estrelas”, ou seja, entre qual e qual episódio. Isso é outro ponto lamentável, que dá a noção de que a trama está solta e descolada de todo o resto, reforçando a aparência de “Legends” da coisa.

Assim, se você é mais fã de terror do que de “Guerra nas Estrelas”, provavelmente vai gostar de “Troopers da Morte”. Porém, se você é mais fã de “Guerra nas Estrelas” do que de terror, talvez se decepcione. Mas, como eu disse ao início desta resenha, pode ser que minha análise seja um pouco tendenciosa. Enfim, somente lendo o livro para você emitir a sua opinião. Eu não curti muito não.

Zahara Cody

 

O Mercador De Veneza. Uma Nova Visão Para O Velho Mundo.

O elenco.  Eduardo Fernandes (em primeiro plano, à direita e de vermelho). Um grande Shylock!

Por Carlos Lohse

Nunca pude muito ir ao teatro, apesar de gostar muito. O maior problema que nos impede a acompanhar essa manifestação cultural em nosso país é o preço. A entrada para uma peça nunca é barata e resta-nos procurar os lugares onde há promoções mais em conta, como os centros culturais bancados pelo governo. Não é à toa que tais lugares sempre estão cheios de gente e precisamos marcar com uma certa antecedência. Esses são problemas que acabam afastando um pouco o grande público do teatro. Por isso, quando pinta uma oportunidade de assistir a uma peça de forma rápida e acessível, não podemos dormir no ponto e deixar passar. Foi exatamente o que aconteceu comigo há uns dias atrás, quando descobri que a Escola Estadual de Teatro Martins Penna, no centro do Rio, lá pertinho do Campo de Santana, estava exibindo gratuitamente a peça “O Mercador de Veneza”, de William Shakespeare, como uma espécie de Trabalho de Conclusão de Curso de uma das quatro turmas da Escola. Essa escola de teatro, que funciona num prédio tombado de 1835, onde nasceu o Barão do Rio Branco, é a mais antiga da América Latina (foi fundada em 1908 por Coelho Neto, durante a administração do então prefeito Souza Aguiar) e revelou talentos como Procópio Ferreira, Tereza Raquel e Denise Fraga. Com todo esse background que a Escola tem, acabei indo lá dar uma conferida.

Michelle Rocha, imponente!!!

Bom, do que se trata a peça de Shakespeare? Temos aqui um judeu que é desprezado pelos cristãos da cidade de Veneza, mas que se torna credor de um deles, e ficou acordado que, caso o cristão não pagasse a dívida, o judeu teria o direito de lhe arrancar uma libra de carne. Pois bem, a dívida acaba não sendo paga e o judeu vai exigir na justiça o tal pedacinho de carne do corpo do cristão. Mas os meandros e interpretações da justiça cristã invertem completamente o jogo, arruinando o judeu. Devemos nos lembrar de que Shakespeare, sendo um autor renascentista, era um crítico do Antigo Regime e das tradições medievais cristãs, como ficou aqui bem assinalado o preconceito que os cristãos tinham contra o judeu e todo um clima de animosidade envolvido. Paralela a essa trama principal, existiam pequenas histórias de pares amorosos que buscavam se unir, a despeito das rígidas convenções sociais da época.

Apesar de ser uma peça escrita há séculos, os alunos da Escola de Teatro Martins Penna, dirigidos por Marcos Henrique Rego, deram uma leitura moderna para o espetáculo, com direito a alegres números musicais, muito humor, uma animada interação com o público, onde o destino de uma das personagens é debatido pelas atrizes, que param de atuar e iniciam uma conversa onde pedem, inclusive, a opinião do próprio público, e muitas críticas para lá de oportunas com relação ao nosso momento político atual. Cabe dizer aqui que a Escola, por ser estadual, sofre enormemente com a falta de recursos e os atores, mais a equipe da Escola, fizeram um esforço hercúleo para conseguir promover a execução da peça, chegando até a arrecadar algumas contribuições do público, sendo passando caixinhas durante a peça ou vendendo doces, salgadinhos e refrigerantes. Tive a oportunidade de assistir à peça duas vezes, sendo que uma delas no dia do encerramento da temporada, quando o clima de comoção entre os atores era muito forte, com vários deles brotando muitas lágrimas dos olhos. Definitivamente é algo muito triste ver uma Escola desse naipe, com uma equipe tão competente, profissional e, principalmente, com muito amor naquilo que faz, passar por tamanhas dificuldades. A turma que encenou “O Mercador de Veneza” conseguiu concluir o seu curso. Mas há ainda outras turmas que precisam concluir o curso e sofrem com a crise econômica e a situação caótica do governo estadual. Greves e ocupações, inclusive, tiveram que ser feitas para chamar a atenção para a situação calamitosa da Escola.

Daniel Vargas (esquerda) e seu personagem Antônio. Interpretação muito sóbria.

Para falar mais algumas palavras sobre o elenco, cabe fazer aqui alguns destaques. Em primeiro lugar, para o ator Eduardo Fernandes, que interpretou Shylock, o judeu. Sua atuação foi marcante e muito vigorosa, lembrando muito Al Pacino, que interpretou o mesmo personagem para a versão dessa peça no cinema. Fernandes conseguiu colocar com perfeição toda a mágoa e o ressentimento de seu personagem, por ele fazer parte de um setor marginalizado pelos cristãos da época, sendo o artista que mais causou impacto e mais impressionou. Outro destaque é a ótima atriz Michelle Rocha, que fez Nerissa, a criada da personagem Pórcia. Ela também muito impressionou por seu forte viés cômico, despertando muitas gargalhadas do público. Com seu grande talento e carisma, seus momentos de atuação controlavam totalmente o ritmo da peça, sendo responsável, em grande parte, pela roupagem mais moderna ao qual foi proposta essa versão de Shakespeare, ainda mais porque sua presença no palco ocorreu em boa parte do espetáculo. Ainda, falemos de Jamal D’Izéte, que interpretou vários personagens, o que lhe deu a chance de mostrar sua versatilidade. Jamal fez desde um reflexo feminino no espelho, cheio de trejeitos efeminados que despertaram muitas risadas, indo até o juiz do julgamento da peça, quando interpretou um papel altamente sisudo e austero, sendo eficiente em todas as matizes de personagens que fez. Isabelle Nassar é outro caso de versatilidade, pois, apesar de fazer apenas uma personagem, Pórcia, a principal personagem feminina, ela teve momentos cômicos inesquecíveis com Michelle Rocha, fazendo caras e bocas que nada tinham a ver com o estereótipo da mocinha donzela. E, de quebra, fez, também com Michelle Rocha, um papel masculino com muita eficácia, sendo essa a principal dupla da noite. Esses foram alguns dos nomes que se destacaram no elenco, que ainda contou com a sobriedade de Daniel Vargas, a leveza de Vinicius Coelho, a doce e forte presença de Kiara Luz, o grande talento musical de Mário Meireles, a beleza e olhar carismático de Maia Camelo, a versatilidade de Fernanda Oliveira e muitos outros atores que elevam o nome da Escola Martins Penna a um patamar muito digno, apesar de açoitada violentamente por esses dias de crise.

Assim, apesar de todo o momento negativo, foi muito gratificante assistir ao “Mercador de Veneza” na Escola de Teatro Martins Penna, pois deu gosto de ver toda uma geração de novos e talentosíssimos atores desabrochando. Torço muito para que todos eles atinjam o estrelato num futuro próximo. Poucas vezes a gente pode presenciar tanto amor empregado naquilo que se faz. E que a Escola Martins Penna consiga sobreviver a esse momento de turbulência e volte a voar em brancas nuvens para continuar revelando talentos tão grandiosos quanto pudemos ver em sua adaptação de “O Mercador de Veneza”. Que haja a formação de mais turmas.

Isabelle Nassar (Pórcia) e Mário Meireles (Bassânio), o par romântico principal

Batata Literária – Mudo e Falado (Debate Interminável)

Filme mudo ou falado,
filme falado ou mudo,
eis um debate acalorado,
eis um debate que explica tudo.
Os amantes da tecnologia preferem o falado,
os amantes do cinema preferem o mudo.
O som! Atrapalha ou ajuda a imagem?
Que dúvida paira nessa nossa viagem!
Nos primórdios não havia o som.
A pantomima era uma constante,
a linguagem se baseava na imagem
de forma elaborada e nada pedante.
Em terras tropicais houve uma tentativa
de se levar o som à nova arte imaginativa
atores e atrizes de revista ficavam atrás da tela
cantando em plenos pulmões uma melodia singela.
Anos depois, chegou o vitaphone.
Grava-se o som no disco
e coloca-o no gramofone.
Pronto! O som chegou ao cinema!
Mas a sincronia ainda não era um estratagema!
Tal problema só foi resolvido
quando o sistema movietone os técnicos haviam conseguido
e finalmente o som foi estabelecido.
Desde então o debate começou.
Criticam o som Vinícius e Charlot.
Cinema falado como teatro filmado
só podia dar errado.
Mas o som conquistou o seu espaço,
a tecnologia entra fria como aço,
o som explica a materialidade visual
e o cinema nunca mais foi igual.