Batata Séries – Jornada Nas Estrelas Voyager (Temporada 6, Episódio 10), Pathfinder. Uma Nova Esperança.

Um outsider atormentado…

Hoje vamos falar do décimo episódio da sexta temporada de “Jornada nas Estrelas Voyager”, “Pathfinder”. Esse é um episódio muito especial, pois faz uma espécie de crossover com “Jornada nas Estrelas A Nova Geração”. E se caracteriza, também, pelo contato que a Voyager faz com a Frota Estelar, depois de seis anos de viagem, com um promissor vislumbre de contatos futuros.

Mas, como o episódio se desenrola. Reginald Barclay (isso mesmo, o tenente da Nova Geração extremamente inseguro, de imaginação muito fértil e viciado em holodeck), recebe Deanna Troi em sua casa na Terra. Ele diz para a conselheira que ferrou a sua carreira, pois foi dispensado de seus serviços em virtude da sua obsessão por trazer a Voyager de volta para casa. Ele acredita que, com um feixe de partículas ele pode criar um micro buraco de minhoca que possibilitará a comunicação com a Voyager. O problema é que nem seu superior nem ninguém, inclusive o pai de Tom Paris, o almirante Paris, colocam muita fé nele, em virtude de seu passado de vícios em holodecks e de um comportamento marcado pela instabilidade emocional. Mesmo assim, Barclay força a barra e invade seu instituto de pesquisas todas as noites para usar o holodeck, simulando uma vida com a tripulação da Voyager e buscando a solução para o problema de comunicação. Esse foi um dos motivos pelos quais acabou sendo desligado de sua função. Barclay confidencia a Troi que, desde que saiu da Enterprise, ele leva uma vida solitária e acabou usando os hologramas da Voyager como sua nova família, o que o tornou obcecado em salvar a tripulação real.

Uma antiga amiga…

Mesmo proibido de trabalhar em seu centro de pesquisa, Barclay vai lá e o invade à madrugada para tentar estabelecer contato com a Voyager. Confirmando suas previsões, ele consegue gerar o micro buraco de minhoca, mas é surpreendido por seu superior e seguranças enquanto tenta contato. Para fugir, ele entra no local onde mais se sente protegido: isso mesmo, o holodeck simulando o ambiente da Voyager. Lá, ele continua tentando o contato com a Voyager verdadeira, mesmo fugindo do seu superior e dos seguranças. Só que seu superior consegue colocar o núcleo de dobra da Voyager holográfica em rompimento iminente e, para não destruir sua simulação, Barclay precisa encerrar o programa. Fora do holodeck, o almirante Paris aparece e diz que a tentativa de Barclay pode surtir efeito, mas o tenente diz que já tentou e fracassou. É nessa hora que chega a transmissão da Voyager e, depois de alguns ajustes, eles conseguem se comunicar com a nave por um breve momento, já que o micro buraco de minhoca está se fechando. Mas houve tempo suficiente para uma troca de figurinhas: a Voyager passou dados navegacionais, relatórios da tripulação e diários da Voyager, enquanto que a equipe da Terra enviou dados de uma nova tecnologia de hiper subespaço, que vai ajudar a Voyager a se comunicar com a Terra. O almirante Paris tem a oportunidade de conversar com Janeway, o que provoca comoção em Tom. O episódio termina com Barclay conversando com Deanna sobre seus projetos futuros de vida e com a tripulação da Voyager fazendo um brinde para o tal de Barclay, concretizando o sonho dele ter uma nova família.

Mais um bom episódio. Esse crossover foi muito legal, onde Troi e Barclay, num relacionamento de amigo para amigo, psicólogo para paciente, veio muito bem a calhar. Confesso que gosto muito do personagem Barclay e me identifico com ele numa certa fase de minha vida. Muitas pessoas devem também se identificar. Sua insegurança e medo de encarar a realidade tornam-lo o perfeito outsider. Para sobreviver, ele usa o que tem de melhor para encarar o mundo exterior, que é a sua imaginação. E aí, por estar fora do paradigma de impessoalidade, produção e eficiência do sistema (eu me pergunto se no século 24 esse paradigma continuará a existir), ele é marginalizado por seus demais pares. De qualquer forma, Barclay é uma espécie de modelo para muitas pessoas, pois ele mostra como um outsider pode usar de seus próprios meios para viver no mundo, mesmo que haja muitos percalços nisso. Sua obsessão um tanto doentia pode também ser vista pelo lado bom de uma perseverança muito forte, sendo muito seguro de si nesse ponto. Por isso que eu, particularmente, achei que foi uma boa escolha o uso desse personagem, mais visto como um alívio cômico, na tarefa de estabelecer o contato com a Voyager, um ponto chave para a série. Ah, e não podemos também nos esquecer que o ator que interpreta Barclay, Dwight Schultz, era o loucão Murdock do Esquadrão Classe A lá da longínqua década de 80, que passava no SBT. Confesso que fiquei em choque quando descobri isso. Se não me dissessem, jamais perceberia.

Obsessão em salvar uma tripulação…

Assim, “Pathfinfder” é um grande episódio de “Jornada nas Estrelas Voyager”, pelo crossover com “Nova Geração” e pelo bom uso do personagem Barclay num ponto chave da série, valorizando o outsider que é visto como contraproducente e como alívio cômico, onde seus aparentes defeitos acabam se revelando virtudes. Vale muito a pena revisitar esse episódio.

https://www.youtube.com/watch?v=IOtSR3iIS_o

Batata Literária – Passos da Vida

Primeiro, uma luz

Frio, dor, choro…

E logo, algo quente e gostoso

Não me lembro o que aconteceu logo depois

Só palavras vagas, com muito carinho

Depois, as brincadeiras

As primeiras sensações

Risos do fundo do corredor e sofás destruídos

 

Aí, veio a mudança

A rua de barro ficava para trás

Agora, era o apartamento e a praia

Tinha o tal do cinema, também

O macaco gigante e naves espaciais

Destruindo a Estrela da Morte

As saídas às escondidas

E o medo do retorno

 

Mas aí, viria a tal da escola

A obrigação batendo à porta

A descoberta das letras

A descoberta, pelo amigo, da História

E as professoras afetuosas

Tias sem fazer parte da família

Era, ao mesmo tempo, chato e legal

A liberdade imediata restrita

 

Em busca de uma liberdade maior no futuro…

 

Os estudos continuavam

Ginásio, outra escola, de frente para o mar

Mas eu só via as pastilhas da parede do prédio

As paixões começavam a ficar mais ardentes

Só que a timidez sempre estragava tudo

E assim foi no Segundo Grau

Outra escola, mais paixões

Só o conhecimento aplacava minhas tensões

 

Veio as Universidades!

Muitos anos! Muitos anos!

Um nível mais alto!

Perdido e decepcionado!

Mas, pouco a pouco, enquadrado!

Saio de uma, vem a pós-graduação…

Anos de agonia, mas de conquista

E volto para uma segunda graduação

 

Lá, muito aproveitei

E, volta e meia, também chorei…

Ilusão com as pessoas

Que, às vezes, são muito bobas…

E sofrem, também…

Ah! Que eu saia disso!

No fim, a mãe doente

Prenúncio de uma violenta torrente

 

Veio mais alguma decepção

Mas veio uma pessoa

Que me ensinou a direção

Tomei de vez as rédeas da vida

E fiz a mim mesmo

Hoje, tento levar o que sei

A quem ainda começa

Poucos entendem o motivo

 

E se entediam à beça…

 

Pelo menos, o cinema voltou…

E, minha vida, mais uma vez motivou…

Sigo adiante até não haver mais doravante…

Batata Movies (Especial Festival Do Rio 2018) – A Névoa Verde. Uma Colcha De Retalhos Em Busca De Significados.

Cartaz do Filme

Dando sequência às análises de alguns filmes do Festival do Rio 2018, falemos hoje de “A Névoa Verde”, de Guy Maddin, Evan Johnson e Galen Johnson. Taí um filme que podemos chamar de angustiante, pela força de sua montagem. A ideia é criar uma película com fragmentos de muitos filmes, devidamente montados para se buscar algum significado. O pano de fundo é a cidade de São Francisco e uma estranha névoa que paira sobre ela. Alguns acham que o filme foi concebido de forma a homenagear “Vertigo” (“Um Corpo Que Cai”), de Hitchcock.

Uma névoa verde tomando tudo…

Mas, a meu ver, “Vertigo” é somente um dos muitos filmes homenageados aqui. O clima de suspense realmente paira no ar. Muitos trechos de filmes policiais ajudam a montar o conjunto inspirado em thriller. Mas a montagem também pode adquirir contornos altamente surreais, como os diálogos altamente truncados entre atores, que mais parecem uma mordaça na atuação, tornando a coisa muito tensa. Pouquíssimas falas são inseridas no filme, volta e meia com um quê de ironia.

Um clima de suspense…

Às vezes, faz-se um agregado de imagens que trabalham o mesmo tema (carros andando na rua, o mar de São Francisco e sua famosa ponte, pessoas caindo a la “Vertigo”, etc.). Realmente é complicado para o espectador encontrar uma estrutura narrativa coesa que se espelhe no filme. O que mais parece é uma sucessão de temas e ideias que mais parecem uma coleção de easter eggs. Ou referências. A coisa deixa de ser narrativa e parece mais poética, sensorial até.

Lindas estéticas, do preto e branco…

Uma coisa interessante está mais ao final, quando vemos de uma forma bem rápida, praticamente subliminar, os títulos de todos os filmes envolvidos na produção. Tem muita coisa de várias épocas diferentes. Os trechos de alguns títulos são perfeitamente identificáveis no transcorrer da exibição, mas outros títulos realmente se mostram como uma grande surpresa ao final.

… ao colorido…

O que podemos mais dizer? Para o cinéfilo, é uma experiência boa ver o filme, já que podemos testemunhar trechos de muitas obras cinematográficas espalhadas ao longo do tempo, o que nos faz passear por muitas estéticas, do preto e branco ao colorido. Mas o filme também foge do convencional da estrutura narrativa clássica, onde a nossa relação com as imagens é mais livre e direta, e podemos nos relacionar com o materialismo das imagens de uma forma bem mais criativa. Ou seja, essa estrutura “sem estrutura” nos permite fazer uma leitura muito mais subjetiva, criando diferentes afetividades com o que é visto.

A queda. Relação temática e livre com as imagens…

Dessa forma, “A Névoa Verde” é mais uma curiosidade com a qual nos deparamos no Festival do Rio 2018. Uma experiência sensorial pouco convencional que nos torna mais íntimos das imagens, pois elas estão mais vinculadas à referências do que a uma estrutura narrativa coesa e tradicional. Vale a pena dar uma garimpada nesse também.

Batata Movies (Especial Festival do Rio 2018) – Os Olhos De Orson Welles. O Desenhista Por Trás Do Cineasta.

Cartaz do Filme

O Festival do Rio 2018 foi de 1 a 11 de novembro, com cerca de 200 títulos. Ou seja, mais uma encolhida no Festival, que tem se mostrado cada vez mais combalido nos últimos anos. E, infelizmente para mim, não tive a oportunidade de ver filmes que realmente me interessavam pela questão do tempo e do trabalho. Pelo menos consegui assistir a “Os Olhos de Orson Welles”, esse sim um assunto que me chama a atenção, e é com ele que vou abrir a pequena série de análises dos filmes do Festival. Eu me considero até vitorioso por ter assistido a película, já que sua exibição teve uma série de problemas técnicos (filme que travava, legenda eletrônica que sumia e voltava, etc.).

Um homem multimídia para seu tempo…

Mas, do que se trata esse valioso documentário? O diretor Mark Cousins, narrando em primeira pessoa, procurou esboçar um pouco da trajetória de Orson Welles a partir de um grande achado: centenas de pinturas e desenhos pessoais do cineasta. Dialogando com a contribuição de Welles às artes plásticas, Cousins estabelece meio que um diálogo com essa incrível personalidade do século XX, onde muitas cenas de seus filmes ou imagens de arquivo também foram utilizadas. Pudemos ver ali detalhes da juventude de Welles, um pouco da história de sua mãe, uma ativista avançada para o seu tempo e que morreu quando o cineasta tinha apenas nove anos, seus amores, as mágoas que passou quando entrava em conflito com o sistema, etc.

O diretor Mark Cousins

O documentário também dialoga com suas produções cinematográficas, mostrando para o público toda a importância delas. E claro, conhecemos muitos detalhes do que Welles pensava sobre as coisas do mundo e de sua vida pessoal, onde alguns desenhos têm um tom intimista altíssimo, sobretudo na sua relação com as mulheres que amava. Há, inclusive, um trecho do documentário onde Cousins imagina uma suposta resposta de Welles ao próprio Cousins sobre as questões que são levantadas ao longo do documentário.

Beatrice Welles, a filha…

Um elemento que legitima demais tudo o que é apresentado no filme é a presença de Beatrice Welles, filha do cineasta, que é entrevistada e atua como uma espécie de consultora, dando acesso à sua coleção particular sobre o pai, onde podemos ver ainda mais pinturas e desenhos. Outro detalhe interessante é que Cousins tem a preocupação de retornar a locais que tiveram uma importância para Welles, com o intuito de mostrá-los como estão hoje. Em alguns casos, tudo continua como estava, mas em outros, tudo que lá existia já foi apagado.

Alguns de seus desenhos eram pequenas obras de arte…

O que mais chama a atenção nesse filme? É uma coisa que todo fã de cinema já está careca de saber, mas nunca é demais lembrar: Welles era uma força criativa em estado bruto, no sentido de que ele era muito producente e, simultaneamente revolucionário, seja quando produz um Macbeth somente com atores negros para o teatro, seja na sua estética expressionista em “Cidadão Kane”, seja no plano sequência memorável de “A Marca da Maldade”, seja nos ângulos de câmara de baixo para cima que tornavam gigante o protagonista. Podemos dizer que Welles era um homem multimídia de seu tempo, sempre se arriscando e experimentando, falando o que pensava e se engajando socialmente, o que despertava o ódio de pessoas muito importantes, onde William Randolph Hearst foi o maior paradigma.

… mas havia, também, espaço para Caco, o Sapo…

Assim, “Os Olhos de Orson Welles” é um grande documentário que foi exibido no Festival do Rio 2018, pois ajudou a gente a revisitar esse personagem e grande figura multimídia do século XX que foi Orson Welles, através de seus desenhos e pinturas, desconhecidos da maioria das pessoas. Vale a pena dar uma garimpada atrás desse.

Batata Movies – A Outra História Do Mundo. Ressignificações.

Cartaz do Filme

Um curioso filme, que é uma co-produção Uruguai/Argentina/Brasil passou em pouquíssimas telonas por aqui. “A Outra História do Mundo”, de Guillermo Casanova, é um filme que fala de resistência na ressignificação. Um filme onde a imaginação e a criatividade são usadas como armas contra o autoritarismo e a truculência.

Esnal. Sentimento de culpa pela prisão do amigo

O cenário é uma cidadezinha do interior do Uruguai sob a ditadura militar. Um coronel de nome Valerio (interpretado por Néstor Guzzini) faz as vezes da presença opressora do Estado sobre seus habitantes e ordena que os bares sejam fechados às dez da noite. Dois amigos, Esnal (interpretado pelo bom ator César Troncoso) e Striga (interpretado por Roberto Suárez) decidem fazer uma troça com o coronel e roubam os anões de jardim de sua casa. O problema é que Striga é capturado e desaparece nos porões da ditadura, o que deixa Esnal com uma pesada crise de consciência e ele fica recluso no seu quarto por muito tempo. As filhas de Striga decidem tentar trazer Esnal de volta a vida quando a mãe delas põe a casa à venda e vai embora. Esnal, depois do chamado da bela Beatriz Striga (interpretada por Natalia Mikeliunas) sai de sua auto reclusão e decide levar à frente uma nova estratégia de luta: ele propõe ao coronel dar aulas de História Antiga para a comunidade local. Só que as aulas serão uma alegoria da ditadura em que vivem, com Striga sendo o grande personagem histórico que luta contra o autoritarismo.

Boas lembranças do amigo Striga…

O filme é muito divertido, principalmente pela forma inteligente com que Esnal, nas barbas de todo mundo, distorce os fatos de um passado distante, usando muita lábia e uma forma inovadora de trabalhar com o retroprojetor, onde ele faz uma espécie de “animação” com fotografias impressas em transparências, no intuito de “reconstituir” as heroicas batalhas do passado, onde seu amigo Striga está lá como o grande personagem. O filme também lança o artifício do teatro de sombras enquanto o “professor” Esnal entretém seus alunos (aqui, devo confessar que me lembrei muito das sombras usadas no cinema expressionista alemão, o que deu um tom muito solene para a película). Toda essa forma criativa de se combater a ignorância da ditadura dá um tom deliciosamente lúdico para o filme e é sua grande atração.

Um coronel que controla a cidade com mão de ferro…

Quanto ao elenco, devemos dar todo um destaque especial a César Troncoso, que já trabalhou por aqui em “O Vendedor de Sonhos”. Sua presença é muito carismática, sobretudo como o grande contador de histórias que seu professor de História foi. Mas ele também impressiona nos momentos de reclusão de seu personagem Esnal, onde ele mostrou um desespero latente e uma insanidade grotesca, ao brigar com os anões de jardim do coronel que lhe faziam companhia no quarto. Néstor Guzzini também chama atenção por seu coronel Valerio, espelhando bem o lado ridículo e truculento do autoritarismo. Aliás, Guzzini já havia feito uma boa atuação em “Sr. Kaplan”. Só é uma pena que Roberto Suárez tenha aparecido pouco como Striga, mas foi bem quando esteve na tela. Ainda tivemos a participação de nosso ator Claudio Jaborandy fazendo um papel mais secundário de dono de bar.

O filme tem um alto tom lúdico…

Assim, “A Outra História do Mundo” é uma joia do cinema do Uruguai (lembrando sempre que Argentina e Brasil estão em co-produção) que merece toda a atenção dos cinéfilos. Só é uma pena que nossa rede de cinemas não seja suficientemente grande para exibir esse filme em mais salas; De qualquer forma, existem hoje outros meios para se ver tal película. Vale muito a pena dar uma conferida.

 

Batata Séries – Jornada Nas Estrelas Voyager (Temporada 6, Episódio 8). Um Pequeno Passo. Sacrifícios Pela Memória.

A Ares IV em órbita de Marte em 2032…

Dando sequência às nossas análises de episódios da sexta temporada de “Jornada nas Estrelas Voyager”, vamos hoje falar do oitavo episódio, “Um Pequeno Passo”. Podemos dizer que se trata de outro caso de interação entre uma boa história de ficção científica e uma valorização da História e da Memória, o que, na minha modesta opinião, são dois ingredientes que levam a um bom roteiro, mostrando que “Voyager” produziu bons episódios nas temporadas mais próximas do fim, e é um prazer muito grande assisti-los.

O astronauta John Kelly. Luta para deixar informações da missão para a posteridade…

Mas, no que consiste a história? A Voyager encontra uma anomalia espacial, uma elipse de grávitons, uma espécie de corpo massivo que deixa o subespaço e viaja temporariamente no espaço conhecido, voltando novamente para o subespaço. Essa elipse de grávitons é semelhante a que provocou o desaparecimento da nave Ares IV e de seu astronauta John Kelly numa missão tripulada a Marte em 2032 (foi a primeira vez que os humanos tiveram um contato com uma anomalia espacial). Assim, a tripulação da Voyager decide estudar a anomalia e até enviar a Delta Flyer para lá, para espanto de Sete de Nove, que vê um grande perigo nessa missão aparentemente desnecessária. Chakotay e Paris, deslumbrados com a chance de encontrar a antiga nave de 2032, se voluntariam e Janeway sugere à contrariada Sete de Nove fazer parte da missão. Enquanto estão no núcleo da elipse, que é calmo como o olho de um furacão, os tripulantes da Delta Flyer encontram a Ares IV. Mas um asteroide de matéria escura vai de encontro à elipse e a nave precisa sair às pressas de lá. Chakotay, desrespeitando todas as recomendações, tenta levar a Ares IV com o raio trator, mas a Delta Flyer não consegue escapar a tempo da colisão do asteroide, impossibilitando a nave auxiliar e ainda sofrendo uma descarga de plasma, o que deixa Sete de Nove irritadíssima. Para piorar a situação, a elipse voltará ao subespaço em poucas horas.

Uma elipse de grávitons…

A solução será usar a Ares IV e seu conversor de energia para tirá-los de lá. Sete de Nove é designada por Chakotay para pegar o conversor de energia de Ares IV e tentar coletar o máximo possível de registros da nave. Ainda muito contrariada, Sete de Nove vai para a Ares IV e encontra o cadáver mumificado de John Kelly, assim como seus últimos registros, onde o astronauta fazia de tudo para deixar o máximo de informação possível sobre sua experiência, algo que comoveu, e muito, Sete de Nove. Assim, a borg coleta os dados do astronauta morto e pede que Paris teletransporte ela e o corpo de Kelly. O episódio termina com uma cerimônia de lançamento do corpo de Kelly ao espaço (como fizeram com Spock em “Jornada nas Estrelas II, A Ira de Khan”) e com Sete de Nove dizendo lindas palavras em homenagem ao astronauta morto, compreendendo finalmente todo o sentido humano da exploração espacial e de como os predecessores e pioneiros dessa exploração são importantes para as gerações futuras.

Delta Flyer tenta, sem sucesso, rebocar a Ares IV…

Bonita história, não? Essa foi de arrepiar. A ideia da elipse gravimétrica que trafega pelo subespaço (um dispositivo da ficção científica) foi interessante para ligar corações e mentes do passado do século 21 e do presente do século 24 e fazer a ponte histórica e afetiva em torno da ideologia da exploração espacial como virtude humana. Mesmo que perseguir uma distorção gravimétrica seja algo extremamente perigoso, vale o risco de se realizar os esforços de recuperação da memória e do passado. Obviamente, o impulso emocional se faz mais presente que o impulso racional aqui, pois você corre atrás de uma anomalia e da antiga nave mais por uma questão afetiva que lógica, embora também haja lógica nesse processo, que é o de se ter acesso a fontes históricas que ajudem a reconstituir o passado factual.

Sete de Nove “conhece” John Kelly e o verdadeiro sentido da exploração espacial…

O único problema aqui foi a incompreensão de Sete de Nove, que faz parte de uma espécie que assimila culturas mas não as vivencia, tratando-as apenas como bancos de dados. Daí a sua revolta profunda com o comportamento obcecado de Chakotay (nunca vi a Sete de Nove com tanta raiva) que, convenhamos, também extrapolou. Mas o grande momento desse episódio foi, com certeza, a presença de Sete de Nove na Ares IV, testemunhando todos os esforços de John Kelly para coletar o máximo de informações possíveis, com o objetivo de deixá-las à posteridade. Ali, Sete de Nove sentiu na pele o que era ser humano, pois ela via não somente a preservação da memória como o dom humano lógico pela busca do conhecimento, mas também da memória como elemento afetivo, onde o astronauta, por exemplo, coletava os dados com a foto de sua esposa e sua filha sempre por perto. Ligando essas peças, no campo da lógica da pesquisa científica e no campo da afetividade da memória, Sete de Nove entende (ou volta a entender), em seu íntimo o que é ser humano.

Sete de Nove no funeral de John Kelly. Linda homenagem…

Dessa forma, “Um Pequeno Passo” é um grande episódio da sexta temporada de “Jornada nas Estrelas Voyager”, sobretudo porque se analisa o humano tanto do ponto de vista racional quanto do afetivo, não sendo visto isso como algo mutuamente excludente ou dicotômico, mas sim como duas coisas que se complementam. Vale a pena revisitar.

https://www.youtube.com/watch?v=ozYBTCS02rI