Dando sequência às nossas análises de filmes que concorrem ao Oscar 2021, vamos hoje falar de outra produção na Netflix, intitulada “Professor Polvo”, que concorre à estatueta de Melhor Documentário. Para podermos falar desse filme, vamos precisar dos spoilers de sempre.
O filme fala de Craig Foster, um cineasta que levava a sua vida de uma forma pouco satisfatória e desanimada. Ele vai começar a praticar mergulho nos mares do sul da África para pesquisar a vida marinha. Um belo dia, ele encontra uma espécie de massa de carne envolta em conchas e, quando se aproxima, a massa larga as conchinhas, sendo ela um polvo fêmea camuflado. A partir daí, Craig vai diariamente, pelo espaço de quase um ano, mergulhar no mesmo local em que encontrou a polvo fêmea e estudar a sua vida. Logo vai surgir uma espécie de ligação afetiva entre ele e a polvo fêmea, que vai tocar sua mão com os tentáculos e ficar grudado nele. De uma forma muito cuidadosa e gentil, Craig observa, sem fazer qualquer interferência, a vida do polvo fêmea, que precisa fugir de pequenos tubarões predadores e, ao mesmo tempo, ela mesma ser uma predadora, caçando peixes, caranguejos e lagostas. Craig percebe com o tempo que a polvo fêmea tem uma inteligência notável para a sua espécie, criando rapidamente estratégias de defesa para fugir dos ataques dos tubarões e, ao mesmo tempo, criando outras estratégias para conseguir comida. Craig também testemunha algo que parece inimaginável, que é ver a polvo fêmea brincar com um cardume de peixes que nada bem acima dela, se colando afetivamente no peito de Craig depois disso, sendo a última vez que os dois teriam um contato físico. Depois de quase um ano, Craig testemunha seu acasalamento e a proteção que ela faz a seus ovos, definhando rapidamente. Com o nascimento dos filhotes, a polvo fêmea, moribunda, finalmente serve de comida aos tubarões e morre, fato que deixou Craig muito abalado emocionalmente, mas também o deixou aliviado, pois a tarefa do mergulho diário e da procura pela polvo fêmea diariamente estava se tornando algo muito cansativo.
Que bom que Craig não se cansou antes, pois a gente consegue ver aqui um grande documentário sobre a sobrevivência de um ser vivo praticamente líquido no meio marinho, que pode ser muito rico mas também pode ser muito inóspito. As imagens da “floresta” de algas debaixo d’água são impressionantes, assim como de toda a fauna marinha que vemos no filme, numa explosão de formas que beiravam o abstrato e cores muito fortes e vivas. A polvo fêmea é o personagem do filme em toda a sua plenitude, cujas estratégias de sobrevivência no ambiente em que vivia eram surpreendentes, só não sendo mais surpreendente a forma como a polvo fêmea variava essas estratégias, ainda mais quando sabemos que seu sistema cognitivo é mais atuante nos tentáculos do que no cérebro, com o polvo aprendendo essas estratégias por puro instinto. No caso do ataque do tubarão, a polvo fêmea não somente se cobre de conchas como arruma um jeito de se grudar na parte mais segura do tubarão para ela, que é o seu dorso, enganando-o completamente.
Dessa forma, “Professor Polvo” é mais um bom documentário que concorre ao Oscar. O mais impressionante aqui é ver como um ser que, aparentemente, não tem uma “inteligência” muito desenvolvida é capaz de estabelecer várias estratégias de sobrevivência e, ainda por cima, saber variá-las na hora certa, praticamente usando de forma muito sofisticada os seus instintos. Vale muito a pena dar uma conferida.
Dando sequência às nossas análises de filmes que concorrem ao Oscar 2021, vamos falar hoje de mais uma película que está no Netflix, “Crip Camp, Revolução Pela Inclusão”, que concorre à estatueta de Melhor Documentário. Para podermos falar sobre esse filme, vamos precisar de spoilers.
Vemos aqui a história da luta dos portadores de necessidades especiais por acessibilidade nos Estados Unidos durante as décadas de 70 e 80. Mas tudo começa no início da década de 70, quando vários portadores de necessidades especiais se conheceram no campo Jened, uma espécie de colônia de férias para portadores de necessidades especiais que funcionava de forma experimental, onde vários hippies administravam o campo. Lá, esses portadores finalmente conheceram a inclusão social e eram tratados com o respeito que sempre mereceram, não sendo vistos como um peso ou com pena. Os hippies deram aos portadores uma vida muito feliz, com direito a esportes, música e até amor livre, o que gerou uma “epidemia” de piolhos na região do púbis. O Campo Jened seria o balão de ensaio para criar toda uma geração de portadores de necessidades especiais que teria um papel de muita importância na luta pelos direitos civis, reivindicando a acessibilidade em universidades, hospitais, prédios públicos, etc. A luta foi muito tortuosa e inglória, com direito a ocupação de prédios públicos por muitos dias e viagens à Washington para pressionar políticos, inclusive o próprio presidente dos Estados Unidos na época, Jimmy Carter. Aliás, o filme deixa bem claro que, independentemente do partido político que o presidente fizesse parte, o trato com os portadores de necessidades especiais nunca foi satisfatório, com leis que não eram aprovadas e, quando aprovadas, não eram cumpridas. Essa luta continua até hoje e, mesmo com a idade avançada, a geração do Campo Jened ainda tem um papel fundamental nessa luta.
É um documentário simplesmente maravilhoso. Produzido, dentre outros, por Barack e Michelle Obama, podemos ver imagens caseiras em preto e branco do Campo Jened e de como sua geração se forjou naquela época. Surgia em destaque a figura de Judith Heumann que, desde cedo, tomou uma posição de liderança no campo, fazendo uma votação entre as pessoas para se ver o que elas queriam no almoço. Vai ser Judith que, na idade adulta, irá encabeçar todas as lutas pelos direitos civis dos portadores de necessidades especiais, onde a ocupação do prédio público por mais de vinte dias será o ponto alto do documentário, pois tais portadores necessitam de cuidados especiais e, mesmo com todas as dificuldades, eles não arredaram o pé, recebendo a solidariedade e ajuda de vários grupos na luta pelos seus direitos, como os Panteras Negras. Depois de muita luta, eles conseguiram dobrar o governo e conseguiram o direito a acessibilidade, o que tornou possível que muitos deles pudessem até sair para trabalhar. Mas ainda há muito o que fazer, com os portadores tendo que vencer todos os preconceitos que a sociedade tem sobre eles, como o fato de serem encarados como não produtivos numa sociedade que exige tanto que as pessoas produzam como a capitalista. Outra forma de preconceito foi vista no caso de Denise Sherer Jacobson, que, ao sentir fortes dores abdominais, foi operada de apendicite pelo médico, mas o apêndice estava normal. O motivo pelo qual Denise sentia dores foi uma gonorreia que ela contraiu, mas o médico não acreditava que ela podia ter uma vida sexual, por ser portadora de necessidades especiais e, portanto, “feia”. Denise vai superar isso voltando a estudar e fazendo um mestrado em sexualidade.
A geração de Jened e a forma como ela foi tratada no campo ganham ainda mais importância quando vemos um hospital que cuidava dos portadores de necessidades especiais, com uma carência enorme de funcionários, sendo uma câmara de horrores, onde os pacientes viviam nus, sujos com fezes e urina e altamente subnutridos, pois havia pouca gente para alimentá-los, o que os levava a um definhamento total. Apesar de tudo isso ser denunciado na mídia, o mito dos portadores serem pouco ou nada producentes ainda imperava na sociedade, o que dificultava e muito a luta deles.
Ao fim do documentário, vemos os membros da geração de Jened que ainda estão vivos (muitos deles morreram cedo) voltando ao terreno onde era o campo, que não existe mais e onde há uma construção. Antigos amigos que se reviam tinham um carinho muito grande entre si e para com o lugar. Denise chega a dizer que queria beijar o chão de onde existia o campo, numa prova de que aquela experiência de inclusão foi importante para a vida de muita gente, não somente as que viveram no campo, mas também a de muitos portadores de necessidades especiais que foram beneficiados com as leis aprovadas em virtude da luta da geração de Jened.
Dessa forma, “Crip Camp, A Revolução Pela Inclusão” é um película obrigatória, pois conta a bonita história da luta dos portadores de necessidades especiais feita por uma geração que teve a grande experiência de inclusão no Campo Jened, organizado por um setor marginalizado pelos setores mais conservadores da sociedade, que são os hippies. A gente se emociona e tem um carinho todo especial por esses personagens reais.
Dando sequência às análises de filmes que concorrem ao Oscar, vamos falar hoje de “Festival Eurovision da Canção. A Saga de Sigrit e Lars”, que está no Netflix e concorre à estatueta de Melhor Música. Para podermos falar desse filme, vamos precisar dos spoilers de sempre.
Vemos aqui a história de dois amigos de infância da Islândia, Sigrit (interpretada por Rachel McAdams) e Lars (interpretado por Will Ferrell). Os dois sempre tiveram vontade de seguir a carreira musical, à despeito da reprovação do pai de Lars, Erick (interpretado por Pierce Brosnan). Na idade adulta, os dois formam um grupo e tocam num barzinho da cidadezinha onde vivem. O sonho de Lars é ganhar o Festival da Canção Eurovision representando o seu país, a Islândia, e tenta isso à todo custo, sem perceber que Sigrit é completamente apaixonada por ele. Para isso, eles precisam ganhar o Festival da Canção em seu país. Quem organizava o Festival já tinha uma cantora como favorita (interpretada por Demi Lovato), sendo um jogo de cartas marcadas, e chamaram o grupo de Sigrit e Lars somente para fazer figuração. A apresentação deles é justamente depois da favorita e é um desastre total. Lars fica muito deprimido e nem vai a uma festa com todos os concorrentes num iate depois da apresentação. Sigrit o acompanha em sua fossa e os dois veem o barco explodir com todos os concorrentes, incluindo a favorita, irem pelos ares. Os dois acabam se tornando o único representante da Islândia no Eurovision e vão para a Escócia, onde o concurso é realizado. Os músicos de cidadezinha do interior vão então conhecer todo um mundo novo, onde a parceria, amizade e futuro namoro dos dois podem ser seriamente ameaçados.
Esse é um filme que Will Ferrell é um dos produtores e pode-se dizer que talvez esse tenha sido o filme em que Ferrell mais acertou. Ele era simplesmente impagável em Saturday Night Live e a gente esperava que sua carreira no cinema fosse pelo mesmo caminho. Entretanto, as comédias dele acabaram sendo bem abaixo das expectativas. De qualquer forma, em “Eurovision” parece que ele finalmente acertou a mão e fez um Lars que conseguia ser bem mais engraçado que seus outros personagens no cinema. Ainda assim, ele não conseguiu superar a atuação de Rachel McAdams nesse filme, que estava simplesmente sensacional. Ela consegue fazer uma menina bobinha de interior com muita inocência, mas ao mesmo tempo, muita graça, fazendo o espectador rir com ela. Sua crença nos elfos vai render a melhor piada do filme disparado.
O filme também vai ter uma espécie de videoclip com vários participantes dos concursos Eurovision de anos anteriores. É um filme que flui bem em sua cerca de duas horas, uma diversão mais para distrair a cabeça, mas uma película bem simpática, que dá prazer em assistir. O filme não deixa de dar uma reflexão ao espectador. Assim como vimos em “Soul”, nem sempre a gente deve levar nossos objetivos a ferro e fogo para, caso não consigamos alcançá-los, a frustração não vir de uma forma arrebatadora. O importante é aproveitar a vida em cada momento e sentimento. É nesse espírito que McAdams “canta” a música que acabou recebendo a indicação ao Oscar. E seria interessante ver esse simpático filme receber tal premiação.
Assim, “Festival Eurovision da Canção. A Saga de Sigrit e Lars” é mais um interessante filme que concorre ao Oscar desse ano. Uma comédia leve e engraçadinha onde Will Ferrell talvez mais tenha acertado a mão em sua carreira no cinema. Um filme com atuação marcante de Rachel McAdams. E um filme que faz um convite a uma reflexão sobre como a gente deve levar a vida. Vale a pena dar uma conferida.
Dando sequência às nossas análises de filmes que concorrem ao Oscar desse ano de 2021, vamos falar hoje de mais uma produção da Pixar que está na Disney + : a animação “Dois Irmãos”, que concorre à estatueta de Melhor Animação. Para podermos analisar esse filme, vamos lançar mão dos spoilers de sempre.
O filme fala de um mundo de elfos, centauros, unicórnios e outras figuras mitológicas. No início, todas as coisas eram feitas com mágicas, mas a descoberta da ciência trouxe a tecnologia e as práticas mágicas ancestrais foram esquecidas. Nesse mundo dominado pela ciência, vemos dois irmãos elfos: Ian e Barley. Ian é mais novo e está chegando à vida adulta, cheio de inseguranças e metas ainda a cumprir para se tornar uma pessoa mais descolada. Já Barley é mais velho, muito expansivo, adora RPG e magia e tem um grande coração para com seu irmão. O pai deles morreu quando Barley ainda era uma criança e Ian não tem lembranças dele. Os dois encontraram uma carta do pai, que também gostava de magia, e tinha uma mágica que o reviveria por um dia. Barley, que gosta de fazer mágicas, pegou uma espécie de cajado com uma gema na ponta deixado pelo pai e tentou trazê-lo de volta, mas não conseguiu, para a decepção de Ian. Este vai tentar fazer a magia e consegue, mas a gema explode quando o pai ainda estava pela metade. Ian e Barley então vão atrás de outra gema para restaurar inteiramente o pai, mas eles precisam fazer isso até o pôr-do-sol do dia seguinte, quando o encanto termina e o pai vai desaparecer. Detalhe: a metade do pai vai junto com eles, o que só vai trazer mais situações inusitadas e atrapalhadas.
O filme faz uma mistura entre nosso mundo real e um mundo de elfos e figuras mitológicas, o que torna a coisa muito divertida. O ritmo da animação também é muito intenso e engraçado, com Ian sempre precisando fazer as mágicas para superar os obstáculos dessa busca pela gema, orientado pelo irmão Barley. Ian, que se considera um fracassado, pois não consegue cumprir as metas de uma lista que criou para se tornar uma pessoa adulta e mais descolada, vai cumprindo todas essas metas quando da busca pela gema com o irmão, numa jornada onde ele acaba se reinventando e aprofundando a relação com Barley, com Ian no início o achando muito inconveniente.
Se pudermos fazer uma comparação com “Soul”, outra animação da Pixar que concorre ao Oscar desse ano, “Dois Irmãos” nem traz uma questão mais reflexiva como “Soul”, mas, por outro lado, puxa muito pela aventura, ação e diversão, sendo uma animação que flui muito mais rápido e é altamente atrativa aos olhos do espectador. A gente realmente se diverte, e muito, com a saga de Ivan e Barley pela gema, com o objetivo de restaurar totalmente a figura do pai, nem que seja por apenas alguns momentos.
Dessa forma, “Dois Irmãos” é uma animação que de repente nem vai ganhar o Oscar, mas traz uma história muito cativante e engraçada, cheia de lances de ação, além de externar o amor entre dois irmãos elfos, por mais diferentes que eles sejam um do outro nos seus comportamentos.
Dando sequência à nossa análise dos filmes indicados ao Oscar, vamos falar hoje de uma produção que está na Disney +, intitulada “O Grande Ivan” e que concorre a estatueta de Melhores Efeitos Visuais. Para que a gente possa analisar essa película, vamos precisar dos spoilers de sempre.
Vemos aqui a história de Ivan, um gorila que é uma atração de um cirquinho de shopping, juntamente com outros animais. O dono do cirquinho era um sujeito chamado Mack (interpretado por Bryan Cranston), que via as suas atrações perderem o interesse da audiência à medida que deixavam de ser novidade, com Mack constantemente precisando se reinventar, sempre passando por problemas financeiros. Ele compra um filhote de elefante para ser uma nova atração. Mas Stella, a elefanta mais velha do circo, acaba morrendo e pede a Ivan que ele não deixe o filhotinho de elefante no cativeiro a sua vida inteira. Ivan vai então, com a ajuda de seu amigo vira lata Bob, libertar a bicharada do circo para uma nova vida de liberdade. Mas outros problemas surgiriam para atrapalhar esse plano.
O filme, por incrível que pareça, é baseado numa história real de um filhote de gorila que foi capturado na selva muito novo e que foi criado por uma família, até que o tamanho do gorila impossibilitou que ele ficasse na casa dos seus donos, parando no tal circo de shopping. O grande detalhe é que o gorila recebeu uma caixa de lápis de cera e papel e fez uns desenhos que as pessoas entenderam como uma vontade do gorila de voltar à natureza e à liberdade, desfraldando uma campanha para libertar o bicho que deu certo, com o gorila vivendo hoje numa espécie de reserva.
Os efeitos especiais lembram o “live action” que vimos na nova versão de “Rei Leão”, onde, com CGIs, vemos os animais conversando uns com os outros. Se em Rei Leão a coisa não deu muito certo, pois víamos animais selvagens como hienas e leões brigando, parecendo mais um daqueles documentários sanguinários de animais comendo uns aos outros no Discovery Channel, em “O Grande Ivan” a coisa ficou um pouco mais lúdica, com os animais mais calminhos e fofinhos. O filhotinho de elefante lembrou muito a doçura e a fofura do live action de “Dumbo”, por exemplo. O único animal que ainda expressava alguma agressividade e selvageria era o próprio Ivan, mas isso para fazer tipo na apresentação ao público, sendo um personagem muito calmo e sereno no resto do filme.
O filme tem um baita de um elenco. Vemos Cranston atuando na película, mas os animais digitalizados têm as vozes de astros como Sam Rockwell, Angelina Jolie, Danny DeVito e Hellen Mirren. É mais um daqueles filmes que tem como alvo o público infantil, ensinando as crianças (e os adultos) a não manter os animais em cativeiro, dando o direito à liberdade para eles. Uma coisa fofinha, engraçadinha e não vai além disso.
Dessa forma, “O Grande Ivan” é mais um filme que concorre ao Oscar, mas não creio que ele seja o favorito à estatueta de efeitos visuais, até porque a gente tem coisa mais interessante a ser vista nesse quesito em “O Céu da Meia Noite”. A história é engraçadinha, mas não empolga muito. Pelo menos os animais antropomorfizados são bem mais simpáticos que em “Rei Leão”.
Dando sequência às nossas análises de episódios de Jornada nas Estrelas, revisitemos Voyager no quarto episódio da primeira temporada, intitulado Fagia.
Qual é o plot desse episódio? A Voyager se aproxima, por indicação de Neelix, de um planetóide Classe M rico em dilítio. Quando o grupo avançado desce ao planetóide, suas cavernas parecem totalmente naturais aos olhos do grupo, mas na verdade há toda uma construção com uma espécie alienígena. Neelix, em sua busca por dilítio, encontra um dos alienígenas, que o alveja com uma pistola de raios. Chakotay e Kim o levam para a enfermaria e o Doutor, depois de sedá-lo, constata que Neelix não tem mais seus pulmões e morrerá em cerca de uma hora, depois que a oxigenação que o Doutor fez no corpo de Neelix acabar. A única opção é Neelix ter implantado seu pulmão de volta. Janeway, Tuvok e Kim voltam ao planetóide para isso e descobrem a construção depois de perceberem uma diferença de temperatura nas rochas e desfazer o campo de força com um phaser.
O Doutor, usando o padrão de Neelix do teletransporte, cria um pulmão holográfico para mantê-lo vivo, mas em estado vegetativo. Kes, que está na enfermaria, aceita essa intervenção, pois a alternativa é a morte de Neelix. A implementação do pulmão holográfico é um sucesso. Neelix recobra consciência e ele fica sabendo de sua condição. Sua reação é ele zoar o teto da enfermaria e perguntar para o Doutor se ele não sabe cantar (olha só, no quarto episódio da primeira temporada). Mal humorado, o Doutor não responde às brincadeiras. Neelix demonstra ciúmes para com Kes, pois Paris está a apoiando nessa situação drástica. Kes diz que Neelix esta com medo do que está acontecendo e que não é para ele se preocupar.
O grupo avançado descobriu um laboratório e os tricorders mostram que os sinais de dilítio vêm desse laboratório, que tem uma série de órgãos guardados, mas os pulmões de Neelix não estão lá. Janeway descobre que uma forma de vida esteve no laboratório há poucos minutos e o grupo avançado vai atrás dela. Eles encontram o alienígena, que consegue fugir para a sua nave e entrar em dobra. Janeway ordena o teletransporte do grupo avançado e a perseguição à nave em dobra máxima. O alienígena deixou para trás um dispositivo que parece ter a função de extrair órgãos de seres vivos.
Neelix fica muito ansioso por estar preso ao pulmão holográfico e começa a hiperventilar. O Doutor é obrigado a sedá-lo e chama Kes para acalmar o talaxiano. Kes pergunta se o Doutor está bem e ele se mostra incomodado por ser uma unidade médica de emergência que não está preparada para amparar psicologicamente um paciente na condição de Neelix. Kes diz ao Doutor que ele está indo muito bem e que pode aprender, com sua experiência a suprir essa deficiência.
A nave perseguida pela Voyager sai de dobra e entra num asteróide. Janeway decide levar a Voyager também para o interior do asteróide. A nave entra numa grande câmara dentro do asteróide e eles veem várias imagens da Voyager e da nave alienígena, que são uma espécie de reflexão das naves originais. As naceles de dobra da Voyager passaram a ter a sua energia drenada pela câmara. Kim acha as coordenadas e Janeway manda dar um tiro de phaser enfraquecido nessas coordenadas somente para identificar a nave alienígena e não provocar danos na Voyager caso o phaser ricocheteie e atinja a nave. Eles acham a nave com dois sinais de vida e Janeway ordena que se trave o teletransporte neles. Eles são os vidianos, que precisam roubar órgãos de outras espécies, já que são atacados por microorganismos que consomem seus corpos. Janeway pede o pulmão de Neelix de volta, mas ele já foi enxertado em um dos vidianos. Os vidianos falam que a capitã não pode entender a situação, pois os vidianos eram um povo educador e amante das artes e teve que tomar atitudes tão deploráveis para poder sobreviver. Janeway diz que, agora está numa escolha muito difícil, pois não sabe como vai escolher entre a vida de Neelix ou do vidiano, pois isso é deplorável na cultura dela. Ela, inclusive, por estar muito longe da Terra, nem pode prendê-los e levar a julgamento. Assim, ela só tem uma alternativa, que é deixar os vidianos irem embora. Mas, caso eles voltem para roubar órgãos, ela vai responder enérgica e mortalmente. O vidiano que está com o pulmão de Neelix, diz que quer ver o talaxiano, pois a medicina dos vidianos é muito avançada e pode fazer algo. Janeway concorda. Os vidianos percebem que um pulmão pode ser doado para Neelix com todas as adaptações necessárias que eles sabem fazer. Kes se oferece para a doação. A operação é um sucesso e o episódio termina com o Doutor dizendo a Kes, ainda no leito da enfermaria, que ele conseguiu a autorização de Janeway para treinar a moça como assistente de enfermaria. A ocampa agradece ao Doutor e o Doutor agradece a ela, pois a moça o fez pensar em muitas coisas. Fim do episódio.
O que podemos falar do episódio “Fagia”? Em primeiro lugar, temos um excelente episódio aqui. Devo confessar uma coisa: sempre gostei muito do Neelix. Apesar de muitas pessoas acharem que o talaxiano é um chato, ele tem um espírito altamente altruísta e, na minha modesta opinião, ele é o personagem que encarna com mais perfeição os ideais utópicos da Federação, pois sempre está às ordens para ajudar a todos. E aí, vemos Neelix preso numa cama de enfermaria e isso pode acontecer para o resto da vida. É Jornada nas Estrelas trabalhando, mais uma vez por metáforas, questões da vida real, pois sabemos da existência de pacientes em estados vegetativos e fica a questão de se praticar ou não a eutanásia neles. No caso de Neelix, ele desejou a sua morte ao invés de ficar num estado vegetativo. E o Doutor, um holograma com uma multiplicidade de programas médicos, não sabia como tratar de forma mais humana um paciente nessa situação. O toque para isso veio justamente com Kes, que ajuda o Doutor a lidar com essa situação e, consequentemente, ele quer a Ocampa por perto, para ser a sua assistente na enfermaria. Ou seja, foi um baita dum episódio de construção desses três personagens (Neelix, o Doutor e Kes). Hoje, sabendo o que aconteceu com a personagem Ocampa na série, a gente lamenta muito que Kes não tenha dado certo na série depois que vemos um episódio tão bem escrito como esse.
Mas o episódio foi além. A introdução dos vidianos na série trouxe junto um pesado dilema moral que é a reflexão principal do episódio. Tidos como uma civilização amante da educação e das artes, a bactéria que destrói o corpo dos vidianos os mergulhou numa barbárie imperdoável na luta pela sobrevivência, que é roubar órgãos de outros seres para garantir a manutenção de seus corpos. Janeway entende a situação dolorosa dos vidianos e lamenta profundamente o que aconteceu com eles, mas não dá para perdoar a atitude de destruir a vida de um ser vivo para salvar a de outro. E a força das circunstâncias a obrigou a fazer escolha semelhante, o que a deixou profundamente revoltada com a espécie vidiana, a ponto dela ameaçá-los de morte caso se deparasse com eles de novo. È a distopia dando o ar de sua graça em Voyager já no seu quarto episódio. A situação é tão dramática e sem solução aparente que até o vidiano que recebeu o corpo de Neelix aceita a pena de morte caso seja a solução da querela. Só que isso não alivia a complexidade da questão, não havendo uma saída que não provoque dor. Qualquer que seja a opção para tentar resolver o que vemos vai provocar alguma dor em algum lugar. Um problema praticamente insolúvel, que foi muito bem pensado antes de ser escrito (foi um episódio escrito por Skye Dent, Brannon Braga e Tim de Haas).
Dessa forma, podemos dizer que “Fagia” é um episódio de excelente qualidade de Jornada nas Estrelas Voyager, pois fez um bom trabalho de construção de três personagens (Neelix, Kes e o Doutor) e ainda levantou uma reflexão de uma questão de ordem moral completamente insolúvel, num dilema que não nos deixa alheios e que mostra Janeway nos primeiros passos para uma distopia na série. Esse episódio merece demais ser revisto, dada a sua grande qualidade.
Dando sequência à análise dos filmes indicados ao Oscar 2021, falemos hoje de “Soul”, que está na Disney + e concorre a três estatuetas: Melhor Animação, Melhor Som e Melhor Trilha Sonora, além de vencido os globos de ouro de Melhor Animação e Trilha Sonora. Para podermos falar desse filme, vamos precisar dos spoilers de sempre.
Vemos aqui a história de Joe, um professor de música que trabalha numa escola e tem o sonho de ser um grande músico de jazz. Essa oportunidade aparece e ele fica radiante, não percebendo o bueiro aberto no meio da rua e caindo nele, indo para o mundo dos mortos. Não aceitando a sua situação, ele tenta voltar à vida, indo na contramão e acaba parando por acidente numa espécie de “mundo pré-vida”, onde almas que estão prestes à nascer precisam de mentores, ou seja, pessoas que tiveram grandes feitos em vida, para estabelecer qual é a missão delas aqui na Terra quando nascerem. Joe acaba sendo confundido com um desses mentores e é designado para ele uma alminha conhecida como 22, que não quer nascer de jeito nenhum, pois acha tudo na vida muito chato. Joe vai tentar ensinar algo para ela, mas conclui que sua vida era muito chata para ensinar algo. 22 fica interessada em Joe, pois ele quer voltar a viver mesmo tendo uma vida muito desinteressante. Eles vão para o espaço dos místicos, que estão vivos, mas que viajam na maionese, voltando ao planeta Terra quando chamados à realidade. Recebendo a ajuda de um deles, Joe acha seu corpo convalescendo num hospital, com um gato na cama. Ele se joga com a 22, mas Joe fica no corpo do gato e 22 fica no corpo de Joe. Ele precisa ir para sua primeira apresentação como músico de jazz e 22 terá que fazer isso, em seu lugar, sempre acompanhado de seu gato. Entre muitos contratempos aqui e ali, 22 começa a pegar gosto pela vida e não quer devolver mais o corpo de Joe a ele.
Essa é mais uma animação da Pixar e levanta questões muito interessantes para reflexão. A mais importante delas é: qual é o nosso propósito aqui na Terra? Temos alguma missão para cumprir nessa vida? Quais são as nossas aptidões para cumprirmos a missão certa? Ou não devemos nos preocupar com isso e simplesmente levarmos a nossa vida da melhor maneira possível, dentro de nossas possibilidades? Joe colocava muita expectativa em transformar a sua vida profundamente assim que ele conseguisse fazer a coisa a que se propôs, que era se transformar num grande músico de jazz. Mas, ao conseguir isso, ele percebe que sua vida continuará a mesma de quando ele a considerava vazia. Ou seja, aquele velho e surrado provérbio do “só se leva dessa vida a vida que se leva” cai como uma luva aqui. E o mais importante é você levar a sua vida da melhor forma que se puder, não se obrigando a cumprir seus objetivos e expectativas a ferro e fogo. Sempre é bom estabelecer objetivos e metas na vida, mas não será o fim do mundo se você não conseguir cumpri-las, pois isso tudo pode gerar obsessão e frustração.
A gente sabe aqui que as animações da Disney e da Pixar sempre são praticamente pule de dez para ganhar Oscars. E isso tem acontecido, creio eu, não somente pela qualidade das animações, mas também pelas histórias e reflexões que elas nos trazem, sempre de uma forma lúdica e divertida, já que são mais destinadas ao público infantil. “Soul” vai por esse mesmo caminho, ao abordar questões tão universais e acaba se tornando uma animação que nos dá uma lição de como tocarmos nossas vidas. Além disso, tivemos uma super trilha sonora que merece demais o Oscar, regada a muito jazz.
Dessa forma, “Soul” é mais uma animação da Pixar que vem como favorita ao Oscar desse ano, vindo com uma fórmula muito forte, que é fazer uma animação de qualidade atrelada a uma linguagem lúdica, que aborda a reflexão de um tema profundo, aliado a uma trilha sonora muito boa, regada a muito jazz.
Dando sequência às nossas análises de filmes que concorrem ao Oscar desse ano de 2021, falemos hoje do Documentário “Time”, da Amazon Prime, e que concorre à estatueta de Melhor Documentário. Para falarmos desse filme, vamos precisar dos spoilers de sempre.
O filme fala de Fox Rich, uma mulher que, juntamente com seu marido Rob, no início da década de 90, tinha uma loja temática de Hip-Hop, mas tempos difíceis fizeram o casal tomar uma atitude desesperada: assaltar um banco a mão armada. Como resultado disso, os dois foram presos, sendo condenados a sessenta anos de prisão, sem qualquer direito à condicional. Mas Fox conseguiu um acordo para cumprir a pena em doze anos, conseguindo a liberdade, algo que o marido não quis fazer, permanecendo na prisão e preferindo recorrer. A partir daí, o que vemos é toda uma luta de Fox em criar os seis filhos e lutar para tirar o marido da penitenciária.
O filme levanta uma questão. Até que ponto o sistema carcerário americano é uma continuidade do que era a escravidão para os afro-descendentes? Isso é levantado, pois Rob foi condenado a sessenta anos de prisão sem qualquer direito a um relaxamento. Fox divulgava sua história e levantava essa questão em palestras que fazia na Igreja Evangélica que frequenta. Quando surge uma chance de seu marido sair antes do tempo, esperando a deliberação de um juiz, Fox liga diariamente para os órgãos competentes (ou não), numa esperança que vai varando nem os dias, semanas e meses, mas anos, o que enerva Fox, embora isso não a deixe perder o seu foco e continuar nessa luta incessante, bem ao estilo “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”.
Com imagens de vídeo da família intercaladas com filmagens para o documentário, vemos uma ida e volta no tempo, onde nada parece mudar muito para Fox nessa tarefa de criação solo dos filhos. É um pouco angustiante a gente ver os filhos de Fox bem pequenos nas imagens mais antigas de VHS e crescidos nas imagens mais atuais, sempre com um totem de papelão do pai em tamanho natural olhando para eles, como se isso fosse uma espécie de pequeno conforto para suprir a ausência do pai e do marido. Mas Fox fez bem o seu dever de casa e um dos filhos acabou na Universidade, estudando ciências políticas para entender melhor todo o contexto das leis, inspirado na situação em que o pai se encontra.
O filme parecia que ia se concluir em aberto, com Fox continuando sua luta para libertar o marido e cuidar dos filhos, já que estamos vendo aqui uma história real e não um filme de enredo que termina num happy end. Mas, contrariando as expectativas, Rob acabou mesmo sendo libertado durante a produção do documentário e temos aqui um happy end improvável que acabou se realizando. Mesmo que Fox tenha sua crença religiosa numa Igreja Evangélica, a moça recebe seu marido na saída da prisão com um traje bem afro, até porque ela também segue uma crença mais ligada à sua ancestralidade. Os filhos que nasceram depois da prisão de Rob acabam o recebendo em casa pela primeira vez, junto com os filhos mais velhos, que há muito não viam o pai (eram crianças pequenas quando ele foi preso). E o velho totem de papelão finalmente foi queimado no lixo, como se purgasse as duas décadas que mantiveram a família sem pai.
Dessa forma, “Time” é mais uma produção que concorre ao Oscar que merece ser vista, pois vivenciamos toda a dificuldade de uma mãe e esposa em criar os filhos e, ao mesmo tempo, alertar a sociedade para a situação dos afro-descendentes no sistema carcerário como uma espécie de continuidade da escravidão nos Estados Unidos. Personagens reais que nos cativam pelo seu sofrimento autêntico.