Batata Movies – O Orgulho. Uma Estranha Forma De Se Relacionar.

Cartaz do Filme

A figura do advogado e da instituição do direito sempre foi vista com uma certa desconfiança. Volta e meia rola uma piadinha de advogado aqui, uma história complicada sobre a forma como um juiz deu uma sentença ali, recentemente, o judiciário de nosso país tem sido muito criticado por certas decisões tomadas e por aí vai. Lanço mão desse pequeno preâmbulo para justamente contextualizar o filme que será analisado aqui hoje, “O Orgulho”, uma produção franco-belga que traz o consagrado e sempre eficiente Daniel Auteuil e a grata surpresa Camélia Jordana. Esse filme fala sobre a retórica dos advogados, apresentada aqui de uma forma, no mínimo estranha para nosso inocente senso comum.Vamos, mais uma vez, ter que lançar mão dos spoilers aqui.

Uma dupla improvável…

Neïla Salah (interpretada por Jordana) é uma moça de origem argelina que tem origem humilde e decide empreender a carreira de advogada. Mas no primeiro dia de aula ela chega atrasada e, perante um grande anfiteatro lotado, é humilhada pelo professor Pierre Mazard (interpretado por Auteuil), inclusive com frases de conotação racista. Os alunos denunciam o professor, que já tem um histórico de muitas confusões por sua rispidez e, dessa vez, não tem jeito, será submetido a um conselho disciplinar. O diretor da Universidade sugere então a Mazard que, para limpar um pouco a sua barra, ele treine Neïla para um concurso de retórica que a Universidade já não ganha há muito tempo. A contragosto, Mazard irá levar a cabo a tarefa, para o estranhamento de Neïla. Será daí que surgirá uma forma dos dois chegarem à amizade.

Humilhação e racismo

Meio clichê, não?  O problema foi como se estabeleceu o relacionamento entre os dois. Mazard continua sendo ríspido com a moça e ainda assim ela o aceita, já que ele a convence que essa rispidez faz parte da própria retórica do direito e se indignar com a mesma seria algo, digamos, patético e infantil. Ao naturalizar tal tratamento pesado como uma espécie de regra geral do direito, a coisa fica um tanto quanto estranha. É claro que o treinamento não ficou só nisso. Ela aprendeu várias técnicas de persuasão inspiradas em Schopenhauer, que se revelaram muito úteis. O problema é que havia coisas consideradas um tanto belicosas como, por exemplo, a parte em que Mazard ensina uma técnica de persuasão que consiste em ofender ostensivamente o seu antagonista. Foi uma série de xingamentos mútuos que eram engraçados mas ainda assim estranhos, embora a gente até entenda que o advogado tem que ter muito jogo de cintura para persuadir, sendo racional e com muito tato no momento certo, mas também muito firme quando se precisa. Creio que o problema de todo o estranhamento provocado por tais práticas é que a componente polêmica do racismo e da imigração entram no discurso, e tais coisas têm provocado muitos problemas na Europa, inclusive atentados terroristas, parecendo pouco adequado abordá-las da forma que vimos, constituindo-se numa química que pode até ser meio perigosa. Não que eu censure o filme, mas a autocrítica às vezes precisa ser usada um pouco, já que vivemos tempos um tanto difíceis.

Um clima pesado…

Entretanto, se houve essa química perigosa, também rolou uma boa química entre os atores que fizeram os papéis protagonistas. Auteuil dispensa apresentações e foi odioso em todo o seu esplendor, mas também desperta muita comoção ao se relacionar com a sua estudante, sobretudo nas cenas do metrô, as mais deliciosas do filme. Agora, que grata surpresa foi Camélia Jordana! Ela é profundamente apaixonante e esteve à altura de Auteuil de forma notável, não deixando a peteca cair em nenhum momento. Parecia que ela já tinha anos e anos de carreira e sua presença é muito marcante. A gente entra no cinema sem saber quem é a moça e sai fã incondicional e ansioso por vê-la no seu próximo filme, dada a forma impactante como atua.

Curso de retórica. Retratação…

Assim, “O Orgulho” a princípio pode parecer um filme clichê sobre o professor que transforma a vida da aluninha, mas o problema é que essa transformação se faz de uma maneira um tanto inusitada, envolvendo elementos como os problemas da imigração e do racismo na Europa, trazendo aí uma componente um tanto explosiva, mas ainda assim original. Pudemos também matar a saudade de Auteuil. Mas o grande mérito foi apresentar Camélia Jordana em nossas telonas num papel de impacto. Surge uma nova estrela que, espero, brilhe muito ainda. Vale a pena dar uma conferida.

Batata Movies – O Banquete. Decadence Sans Elegance.

Cartaz do Filme

Um filme brasileiro muito tenso e doloroso. “O Banquete”, de Daniela Thomas, é um filme sobre a condição humana e todo um maquiavelismo (no mau sentido da palavra) envolvido. É uma película que mostra até onde as pessoas podem chegar quando elas atacam outras. É um filme que mostra quanto o humano pode ter um comportamento degradante e revoltante.

Uma mesa muito sinistra…

A história do filme é relativamente simples. Um jantar, promovido por Nora (interpretada por Drica Morais) e seu marido (interpretado por Caco Ciocler) tem como objetivo comemorar os dez anos de casamento de dois amigos, Mauro (interpretado por Rodrigo Bolzan) e Bia (interpretada por Mariana Lima). O jantar terá outros convidados. Mas antes mesmo de todos os convidados chegarem, já percebemos que as coisas não vão muito bem. O casal anfitrião já briga, com o marido bêbado e a esposa dizendo que ele fez uma imensa besteira que destruiu suas vidas.

A anfitriã…

À medida que os convidados chegam, o clima somente piora, com todos em volta da mesa ricamente adornada, lançando indiretas e fazendo uma série de comentários cada vez mais ácidos e cínicos com o passar da noite, regada a muita bebida. Paulatinamente, o cinismo passa para observações mais agressivas e, quando chegamos ao auge desse lamentável espetáculo, as agressões verbais e até físicas é que dão o mote da coisa. Esse grupo de pessoas está entrelaçado emocional e profissionalmente. E todo e qualquer motivo, seja ele emocional ou profissional, é legítimo para atacar o outro.

Um garçom que também se envolve…

O histórico de entrelaçamento dessas pessoas nunca fica totalmente desvelado para o espectador, que deve se contentar com fragmentos aqui e ali. Mas isso não prejudica a gradativa torrente de agressividade entre os membros do banquete. Outra coisa que chama a atenção é o seu pano de fundo: estamos em plena época da presidência de Fernando Collor de Mello e um artigo de Mauro contra o presidente o levará para a prisão, já que ainda vigora a lei de imprensa da época da ditadura militar.

Um jornalista que irá preso…

Mas esse é somente um elemento que vai acrescentar mais tensão a algo extremamente já tenso, que é o relacionamento venenoso entre os “amigos” de longa data. O filme também parece adquirir tons de crítica às elites hegemônicas do país, que se acham no direito de  conduzir o processo político, mas já estão tão apodrecidas que nem se entendem entre seus membros. Aqui as palavras de ordem são magoar e machucar seus desafetos o máximo que podem, seja com sarcasmo, seja com linchamento moral, seja com agressividade pura e simples.

O sarcasmo em todas as idades…

E, para expressar tanta agressividade, é óbvio que todos os atores foram bem, embora fique aqui a impressão de que todos eram cínicos, como se o cinismo fosse um personagem independente que se incorporasse nos demais personagens em maior ou menor grau. Essa característica cínica atribuída a todos os personagens prejudica um pouco as coisas, pois parece que todos são planos nessa característica em específico, embora pudemos ter visto matizes nas características dos personagens.

A diretora Daniela Thomas

Assim, “O Banquete” é um filme um tanto poderoso e muito desgastante para a cuca do espectador, que fica por uma hora e quarenta e quatro minutos sendo bombardeado por cinismo, sarcasmo, agressividade e situações constrangedoras. Mas ainda assim é um filme extremamente necessário, pois ele ensina de forma categórica tudo o que NÃO devemos fazer quando nos relacionamos com outras pessoas, mesmo que elas nos tenham ferido em nosso íntimo. Vale a pena dar uma conferida.

Batata Literária – Fantasia de Arco-Íris.

Dizem que minhas cores são em número de sete!

Mas isso é uma grande mentira!

Na verdade, seis é o real número inconteste!

Sete é o número cabalístico que a alma revira!

Da natureza, represento todas as maravilhas

A candura, a beleza, até a paz das famílias

Sou, também, o símbolo das minorias

Que lutam para impor suas singelas sabedorias

 

Mas, como eu de fato apareço?

Sou, no fim das contas, um grande efeito visual!

Provoco em todos um grande apreço

Pois minha exuberância foge do banal

Eu sou luz branca decomposta

Por pequenas gotículas de água no ar

Torno-me luzes de cores, de vivacidade imposta

Uma grande explosão de alegria a celebrar!

 

E o céu, o meu grande coadjuvante?

Ele nunca quer ser insignificante

Perante ao meu grande espetáculo!

Volta e meia, faz do azul seu grande tentáculo

E tenta competir comigo

Sempre é mal sucedido, meu frustrado amigo

E torna-se negro e cinza, de um só arremate

E melhor para mim fica todo esse contraste

 

É, meus caros, não adianta

Minha beleza é inigualável

Minha delicadeza ninguém suplanta

Sou formado da curva mais admirável!

Sou o grande arco-íris das chuvas de fim de tarde

Que traz ao mundo o gigantesco alarde

De que a natureza é sábia na sua obra

E produz todas as grandezas sem demora!

Batata Movies – Egon Schiele, A Morte E A Donzela. Vida Breve.

Cartaz do Filme

Uma bela produção Áustria/Luxemburgo de 2016 passou somente de forma recente. “Egon Schiele, A Morte e a Donzela” pode ser encarado como uma cinebiografia do famoso pintor, que teve uma vida muito breve, diga-se de passagem. O filme fez um recorte falando dos oito últimos anos de vida do artista, onde parte deles se passaram durante a Primeira Guerra Mundial. Um filme que mostra o espírito livre e transgressor de Schiele, considerado por muitos um pedófilo e um depravado. Para podermos analisar o filme, vamos precisar lançar mão de alguns spoilers.

Um artista de vida muito efêmera…

A película começa com um Schiele (interpretado por Noah Saavedra) já doente em 1918, vítima da gripe espanhola. O filme, então, faz um flashback e nos joga para 1910, onde o artista faz seus esboços de mulheres nuas em seu ateliê, usando como primeiro modelo sua irmã Gerti (interpretada por Maresi Riegner), que é menor de idade. O artista segue sua rotina de pintar mulheres nuas e vai colecionando modelos ao longo de sua curta vida, tendo vários relacionamentos um tanto efêmeros e metendo os pés pelas mãos quando lida com as mulheres. Ele ainda recebeu uma acusação de sequestro de menores e de mostrar pornografia para menores de idade, o que quase o levou à prisão por vários anos. Sem dinheiro a maior parte da vida, precisava vender seus quadros e esboços para sobreviver.

Em ação, com as mulheres…

O filme consegue dar um bom apanhado dos últimos anos do pintor e não pensa duas vezes em apontar incoerências de Schiele. Se ele se dizia um artista que devia ter liberdade para divulgar sua arte e ter um estilo de vida que era baseado num amor livre, por outro lado, ele teve uma postura deveras conservadora com sua irmã, pois como tutor da menina ele não permitiu que ela casasse sendo menor de idade e mesmo grávida. Ainda, ele não tinha uma postura considerada correta com as mulheres que o cercavam, destruindo corações e forjando casamentos em função de seus interesses pessoais. Ou seja, o filme reconhece o talento do pintor enquanto artista, mas também lembra que ele é uma figura humana que tem seus defeitos como todo mundo. Aliás, esses defeitos são responsáveis pelo título do quadro (“A Morte e a Donzela”) que está também no título do filme. Mas não darei o spoiler disso.

Relacionamentos turbulentos…

Pelo fato de Schiele pintar mulheres nuas, esse é um filme onde podemos ver muitas cenas de nudez, mas pouca ou quase nenhuma cena de sexo, ficando a impressão do interesse puramente artístico em cima da nudez, embora o artista se relacionasse com algumas de suas modelos.

… que trazem inspirações…

Noah Saavedra interpretou de forma bem satisfatória o artista, exibindo todas as suas contradições. Mas devo confessar que gostei mais de Maresi Reigner. A atriz  esteve muito bem como a irmã do pintor, mostrando traços bem infantis ao início da película, mas mudando a sua atuação para mostrar o amadurecimento de sua personagem com o passar do tempo. Tal mudança, por exemplo, não é vista em Schiele, cujo tempo parece não passar.

Livre para sua arte, conservador para sua irmã…

Assim, “Egon Schiele, a Morte e a Donzela” é uma boa cinebiografia sobre um artista consagrado, cujas obras de arte hoje valem milhões de dólares. Mesmo sendo um gênio na sua área, o filme teve a coragem de expor seus defeitos. Um filme sobre um artista que esteve à frente de seu tempo.

Batata Comics – Venom, De Volta Ao Lar. Um Simbionte Tenta Se Redimir.

Capa da Revista

Aproveitando a onda da estreia de Venom nos cinemas daqui a algum tempo, a Panini faz um ótimo lançamento da revista do (anti) herói, “Venom, De Volta Ao Lar”, reeditando os números 1 a 6 da história de Mike Costa e arte de Gerardo Sandoval, Juanan Ramirez e Iban Coello. Pode-se dizer que tanto o roteirista quanto os responsáveis pela arte estão de parabéns, pois temos em mãos uma história muito instigante e bem finalizada em suas imagens, onde vemos um Venom muito mais sinistro do que o habitual.

Lee Price, o coisa ruim em pessoa…

A história começa com um pequeno prólogo que traz informações sobre o personagem que já devem ser manjadas para alguns, mas nunca é demais repetir: Peter Parker, sem perceber, se funde a um simbionte alienígena, pensando que que experimentava um novo uniforme. Mas ele percebe que fica com um comportamento agressivo com o novo traje e o rejeita. O alienígena da espécie klyntar então se sente abandonado e traído num mundo estranho e desconhecido. Entretanto, a criatura, quando estava fundida com Peter Parker, teve acesso ao seu código genético e adquiriu todos os poderes do Homem Aranha, dando esses poderes (escalar paredes, gerar teias organicamente, etc.) a futuros hospedeiros. Além disso, a própria espécie klyntar tem seus poderes, tais como a invisibilidade e o transmorfismo. O simbionte teve vários hospedeiros, alguns virtuosos, outros nem tanto. Aqui, o hospedeiro é Lee Price, um sujeito, digamos, pouco virtuoso, que é contratado para trabalhar para uma organização criminosa liderada pela Gata Negra. O relacionamento entre os dois será um tanto turbulento, mas não menos turbulento que o relacionamento entre Lee e o simbionte. Este último, por incrível que possa parecer, não quer mais sair matando pessoas por aí a torto e direito, ao contrário de seu amigo hospedeiro, que é um assassino sádico. Assim, vemos a curiosa situação do simbionte e seu hospedeiro em constante conflito, onde o primeiro tenta evitar que o segundo se transforme em Venom. Porém, o envolvimento de Lee com a Gata Negra e o mundo do crime faz com que ele constantemente passe por situações muito escabrosas, onde sua vida está ameaçada e assim o simbionte e seu hospedeiro serão obrigados a fazer a fusão, muito a contragosto por parte do simbionte, diga-se de passagem. Realmente, é algo que chama muito a atenção o alienígena em si se recusar a matar. Concebido originalmente como a coisa maligna que despeja ódio e agressividade em seus hospedeiros, parece que a fusão com seres humanos fez mal ao simbionte e ele constatou que são sim os humanos muito mais odiosos e agressivos do que se imaginava, usando de forma totalmente amoral os poderes do alienígena. Os mais puristas podem até torcer o nariz para esse “simbionte bonzinho”, mas creio que levantar tal bandeira já é algo altamente válido, pois atenta para a discussão do verdadeiro sentido do que é ser humano. Somos realmente uma “obra de arte” ou somos de uma má índole capaz de provocar inveja em seres menos desenvolvidos que nós (se eles tivessem essa capacidade de sentir inveja)? Agora, uma coisa chegava a ser muito engraçada na revista: volta e meia, víamos uma miniatura da cabeça de Venom sussurrando no ouvido de Lee, funcionando como uma verdadeira espécie de consciência do hospedeiro protagonista.

Gata Negra, um tesão só…

Assim, “Venom, De Volta Ao Lar” é um bom lançamento da Panini para os fãs desse sinistro e obscuro herói. E é apenas o primeiro número. Confesso que as minhas expectativas para os próximos números são de que a gente possa conhecer melhor o Universo de hospedeiros da espécie alienígena klyntar, além de ver mais histórias com Eddie Brock, o hospedeiro original (após Peter Parker, obviamente). E que continuemos tendo bons roteiros e traços artísticos dignos desse personagem aterrorizante. Serve como uma ótima prévia para o filme, valendo a atenção do fã de quadrinhos mais exigente.

Um Venom muito mais assustador…

Batata Movies – Camocim. Uma Cabo Eleitoral Que Me Representa.

Cartaz do Filme

Um documentário brasileiro surpreendente. “Camocim”, de Quentim Delaroche, analisa o processo eleitoral da pequena cidade de Camocim de São Félix, no interior de Pernambuco. Temos aqui a eleição para prefeito e vereadores, que divide a cidade nos “azuis” e nos “vermelhos”, independente da ideologia dos partidos políticos. Na verdade, vemos uma disputa de dois grupos pelo poder, o que pode gerar brigas e até mortes. Tal cenário tem sido visto por alguns como uma espécie de “sinal dos tempos” do turbulento processo político brasileiro dos últimos anos. Entretanto, quem conhece um pouquinho a vida de cidades do interior sabe que a forma como uma eleição local é conduzida tem origens muito anteriores a isso e pode ser vista como uma espécie de prolongamento das relações clientelistas e opressoras da República Velha (1889-1930). E em Camocim não é diferente.

Mayara Gomes, uma cabo eleitoral idealista…

De qualquer forma, o documentário elenca seus protagonistas. Será acompanhada aqui a trajetória da campanha de um candidato a vereaador, César Luceno, e sua fiel escudeira, a cabo eleitoral Mayara Gomes. Aqui, a protagonista principal será Mayara, uma jovem de apenas 23 anos e que está na política por idealismo puro, indo totalmente na contramão de qualquer coisa que se pensa genericamente sobre política no Brasil. Mayara é uma personagem totalmente fascinante e, por que não dizer, apaixonante. Mostrando uma maturidade, serenidade e, sobretudo, muita destreza e consciência, ela leva seu oficio de cabo eleitoral com uma seriedade mordaz.

Uma campanha…

Sua experiência no processo político já é suficiente para que ela não se deslumbre e seja ludibriada por políticos de interesses escusos. Ou seja, ela já passou por essa decepção e diz que, se o político que ela apoia no momento se perder na ganância (em suas próprias palavras) ela partirá para outra alternativa como já fez no passado, pois ela quer fazer melhorias na sua cidade e para a sua população. Ao ver pessoa tão jovem e tão cheia de esperança num meio em que a gente, na maioria das vezes, vê como totalmente podre e sem qualquer credibilidade, a gente até volta a nutrir um pouco perspectivas de dias melhores.

Clima festeiro…

Mas não é somente a personagem de Mayara que chama a atenção. A conversa entre os jovens da cidade também nos mostra algo surpreendente, pois eles estão muito antenados com o contexto político local, sabendo como os grupos se comportam, quem matou quem na disputa pelo poder, quais são os interesses de fulano e beltrano em vestir o vermelho ou o azul, etc. Há também aqueles que trabalham na campanha de determinado candidato (muitas vezes por obrigação e sob a ameaça de perder o emprego), mas que irão votar em branco ou nulo nas eleições. Ou seja, eles usam o clientelismo como estratégia para obter pequenos bens pessoais (a manutenção de um emprego ou a obtenção de um emprego temporário), mas isso não quer dizer que sejam pessoas alienadas. E o voto branco ou nulo é, no entender deles, a forma de protesto que podem fazer contra toda aquela jogatina política em que a cidade se transforma.

… e guerreiro…

Curioso, também, é ver o clima de campanha, dentro de perspectivas totalmente festivas e carnavalizantes. Qualquer comício é motivo para trios elétricos, festas, queimas de fogos, etc., embora as tensões nunca deixem de estar presentes, onde vemos cabos eleitorais dos dois lados agredindo-os uns aos outros no ambiente festeiro, isso quando não tem um policial pronto com suas balas de borracha no meio da multidão.

Mayara Gomes e o diretor Quentim Delaroche

Assim, “Camocim” é um documentário definitivo para que a gente possa compreender mais como é a relação do brasileiro com a política. Se nas cidades de interior, a coisa toma contornos de rivalidade futebolística, o clientelismo e os interesses escusos também regem as tensões. E, no meio disso, um pequeno oásis de esperança manifesto na figura de Mayara Gomes, que é a única ali a levar o processo político a sério. Vale muito a pena dar uma conferida.