Batata Séries – Jornada Nas Estrelas Voyager, Temporada 6, Episódio 4, Tinker, Tenor, Doctor, Spy. Um Holograma Em Devaneios.

 

La Donna é Mobile

O quarto episódio da sexta temporada de “Jornada nas Estrelas Voyager” é mais um daqueles que tem o Doutor como protagonista principal. Também pudera, pois creio que o Doutor é, talvez, o personagem mais amado dessa série, e um dos mais amados de toda a franquia. A gente sente isso fazendo a análise dos episódios aqui, onde ele aparece recorrentemente como personagem principal dos episódios.

Devaneios…

Mas, qual é a história que envolve nosso Doutor dessa vez? Vemos aqui o holograma tendo uma série de devaneios, onde geralmente ele tem uma posição central, sendo celebrado por seus colegas pelos seus grandes atos, além de ser cobiçado pelas mulheres da nave, quero dizer, todas elas. Em suma, o Doutor se achava o gostosão em seus devaneios. Ele, inclusive, pediu a capitã para ser uma espécie de capitão holográfico de emergência caso Janeway ficasse incapacitada e a linha de comando não pudesse suprir sua ausência. Mas Janeway  rechaçou essa possibilidade, deixando o Doutor magoado. O grande problema é que um alienígena sondava os pensamentos do holograma e pensou que aquilo tudo fazia parte da realidade.

Um alienígena redondinho…

Essa espécie alienígena costumava abordar as naves e pilhá-las. O alienígena passou ao seu superior a aparente posição central do Doutor e eles organizaram um ataque à Voyager. Mas depois o alienígena percebeu que captava apenas os devaneios do holograma e, para não perder o emprego, entra em contato com o médico para que os dois resolvam aquela situação juntos. Será nessa hora que o Doutor terá que assumir a ponte da Voyager, obviamente sob a orientação de Janeway, que fala com ele através de uma espécie de ponto eletrônico.

Pintando a Sete…

Dá para perceber que esse episódio vai seguir uma linha mais de comédia em alguns momentos. Um holograma que “realiza” grandes atos, com a capitã, Sete de Nove e até B’Elanna dando em cima dele, só para a gente começar a falar das partes engraçadas. Mais hilário ainda é quando o Doutor conclui que seus devaneios são alguma falha em sua programação e, para consertar isso, tais devaneios devem ser levados à público, causando um constrangimento geral (já imaginou, caro leitor, se seus pensamentos mais íntimos sobre determinadas coisas ou pessoas fossem levados a público? Dá para sentir o constrangimento doendo por dentro). Por outro lado, ao se revelar abertamente para todos, algumas pessoas, como Janeway, passaram a entender o Doutor melhor, o que não foi, por exemplo, o caso de B’Elanna, por motivos óbvios. Mas o mais hilário aqui foi o momento em que o Doutor teve que assumir a ponte da Voyager na encenação para os alienígenas. Se em seus devaneios o médico era astuto, perspicaz, corajoso e cheio de virtudes, ao assumir a ponte na vida real, ele “tremeu na base” e tomou uma série de atitudes destemperadas, com sempre Janeway falando “menos, menos” no seu ponto eletrônico. De qualquer forma, ele resolveu a situação batendo o pé fortemente contra os alienígenas, numa atitude altamente arriscada que deu certo sendo, finalmente, heroico como em seus devaneios (e até celebrado por isso!).

Um Doutor Capitão…

Assim, se “Tinker, Tenor, Doctor, Spy” é um episódio que foge à ficção científica, ainda assim é um episódio altamente recomendável de se assistir, pois ele se adequa a outro elemento que é caro a “Jornada nas Estrelas”, que é a comédia, mesmo que nem sempre se perceba muito isso, principalmente nas séries pós TOS. A ideia de se brincar com devaneios fantasiosos foi muito bem vinda. Vale a pena dar uma conferida.

https://www.youtube.com/watch?v=A1mD6wQMgjo

Batata Literária – Fada Safada E O Homem Laranja.

Já passou da hora da Batata Espacial apresentar um conto de minha personagem, a Fada Safada. Ela é uma espécie de construção inspirada em vários personagens: Sininho, do Peter Pan, Jeannie (a Gênio do Major Nelson, lembram?) e qualquer coisa que tenha um quê mais cômico. Ela apareceu numa poesia que escrevi e cheguei a publicar alguns contos dela no Kindle (amazon.com.br). Os contos sempre são em forma de diálogo com seu amo, onde eles têm uma relação, digamos, platônica. A Fada Safada nada tem de safada no estilo da baixaria, muito pelo contrário. A safadeza dela está em colocar seu amo em maus lençóis na sua compulsiva aventura de espalhar o amor pelo mundo. Daí a mocinha de asas de lavadeira, que lança bombas de amor (“ela faz parte do movimento pink block “As Sininhos Comportadas”) e que precisa comer pilhas alcalinas para recompor suas energias (de preferência as pilhas do coelhinho cor de rosa). A Fada Safada está em qualquer lugar onde haja conflito, desde uma briga de casais no apartamento ao lado até a questão árabe-israelense no Oriente Médio e atua com firmeza contra o ódio no coração das pessoas, sempre com um quê infantil. Fiquem agora, com mais uma aventura da Fada Safada.

– Amo!

– Que foi, fada?

– Precisamos fazer outra viagem…

– Ai, meu Deus, de novo??? Por que???

– Tem um homem bobo lá em cima espalhando muito ódio entre as pessoas.

– Como assim?

– Ele manda naquele lugar onde muita gente é rica, e não deixa mais ninguém de lugares mais pobres entrar.

– Hummm, como ele é?

– Ele é laranja…

– Mas fada, a passagem para lá é muito cara… e como vamos entrar, se ele não deixa ninguém entrar lá?

– Ihhh, amozinho, você já se esqueceu da função zim?

– Eu tinha medo que você dissesse isso…

– Por que?

– Aquela que levou a gente para Israel e me deixou com náuseas?

– Isso!!!

– Ai, você não vai usar aquilo de novo, né?

– Ahhh, é rapidinho, você nem vai sentir nada…

– Não, fada, não faz isso não!!!

– Confia em mim, amoznho!!!

– Não, não, não!!!

– ZIIIIIIMMMMMMMMMMM!!!!!

*     *     *

– Ai, ui, ai…

– Tá melhor, amozinho???

– Putz, você fez de novo…

– Sorry.

– E novamente, eu estou todo zonzo e enjoado

– Acho que calibrei mal a velocidade. Foi mal…

– Onde nós estamos?

– No deserto, perto daquele muro feio…

– Ai, cacete, na fronteira? Mas aqui é perigoso.

– Deixa comigo…

– Que cheiro é esse? Gleid Sachê de lavanda de novo?

– Você sabe que eu pego sempre um pouquinho lá no banheiro para fazer o escudo antiódio.

– Assim vou ter que comprar duas latas nas compras do mês.

– Ihhh, você reclama muito! Você sabe que eu só uso um pouquinho em cada missão minha.

– O problema é que você tem feito muitas missões…

– O que eu posso fazer se todo mundo nesse planeta tá pirado?

– Ok, ok. O que vamos fazer agora?

– Tá vendo aquele homem feio de chapéu lá?

– Sim, ele está conduzindo um monte de pessos… cacete! Ele é um coiote!!! Vamos embora daqui!!!

– Não, não, amozinho! Ele tá de conluio com aqueles feios lá

– P-p-polícia de fronteira???? Mas e o homem laranja???

– Esse é numa segunda etapa. Agora, surgiu essa missão mais importante. Aquele tal de coiote vai ganhar dinheiro dos dois lados. Das pessoas e dos feios da polícia de fronteira.

– E o que você vai fazer???

– Adivinha????

– A bomba de amor??? Vai todo mundo desmaiar!!!

– Ai, amozinho, você tá reclamando muito. Toma aqui o capacete magnético!!!

– Como você conseguiu guardar um capacete desse tamanho nesse decotinho???

– Ah, amozinho, sou cheia de surpresas. Você sabe!!!

– É disso que eu tenho medo.

– Vamos lá! Atacar!!!!

*          *           *

-Stop! In the name of love!!!!

– Que carajo és esso? Una chiquita…

– What a fuck???

PLOFT!

*            *            *

– Tá falando inglês agora, é?

– Of course, my dearest!!!

– Bom, e agora, o que a gente faz? Tem mais de cinquenta pessoas desmaiadas…

– Eu trouxe o perfume das onze horas para acordar o povo…

– Daquela flor coloridinha que não tem cheiro?

– Isso mesmo. Vou usar para acordá-los.

– Não entendi nada, mas faz aí o que você tem que fazer.

– Ok, baby…

– Cê tá muito besta…

*            *            *

– Ai, amozinho, que bom que eles já conseguiram fugir daqui e foram para a casa de parentes que já estão há mais tempo nesse país!!!

– Será que eles gostaram da função zim?

– Meu periscópio mágico mostrou que eles ficaram com alguns enjoos, mas vão ficar bem…

– Você tem certeza?

– Claro, amozinho. Eles comem carne seca com pimenta no café da manhã. Relaxa…

– E os policiais e os coiotes?

– Já estão ali acordados, chorando de arrependimento por maltratar as pessoas.

– Eles vão ficar bem?

– Agora sim. Eles estavam mal era antes…

– E agora? O que vamos fazer?

– Adivinha???

– Oh, não…

– ZIIIIMMMMMMMMMMMMM!!!!

*              *                *

– Ai, ui, ai…

– Tudo bem, amozinho?

– Essa droga desse capacete não me protegeu.

– Ah, esqueci de trocar

– E onde ele está?

– Tá na outra metade do meu decote.

– Caramba, não vou nem perguntar

– E nem deve, amozinho. Mulheres têm segredos só seus…

– Tá. Onde estamos agora? Um lugar cheio de grama

– Nosso alvo tá lá naquela casa grande e sem graça.

– Mas é a Casa Branca!!!

– Pois é, né? Não podia ser rosa?

– Isso é em outro país, fadinha…

– Bom, vamos lá. Temos uma missão a cumprir.

*                  *                    *

– Olha lá! O Homem Laranja!

– Vamos fazer logo isso, fadinha. O efeito do Gleid Sachê tá acabando…

*                      *                       *

-Let´s terminate all fucking immigrants and construct an America only for White people!!! Hey, what´s that? A little fucking bitch????

PLOFT! PLOFT! PLOFT!

*                    *                        *

– Ugh, agora eu estava sem capacete nenhum…

– Já acordou, amozinho?

– Sim… é aí?

– Todos esses bobos aqui na coletiva de imprensa estavam desmaiados e já estão acordando.

– Olha só! Eles estão comentando que é uma covardia atacar imigrantes. E que vão escrever em seus jornais textos a favor da imigração.

– Assim, a minha bomba vai se propagar mais rápido…

– E o Homem Laranja?

-Tá ali, ó, chorando ajoelhado em frente a empregada que serve o cafezinho, que é do país do lado. Ele disse que vai dar a ela um cargo no governo.

– E ela vai ter competência para isso?

– Sim, amozinho, ela é formada em Relações Internacionais.

– Ai, que preconceito meu…

– Pois é, amozinho, parece que a bomba não faz mais tanto efeito em você…

– Será que eu estou desenvolvendo resistência à bomba?

– Eu vou tirar essa sua resistência quando a gente chegar em casa…

– Sério? E o que você vai fazer???

– Surpresaaaaaaaa!

*                         *                       *

– Amozinho, estou meio fraca.

– Você quer uma pilha?

– Duas. Mas aqui não tem a do coelhinho cor de rosa, né?

– Não, você sabe que não.

– É que essas pilhas importadas têm gosto de enlatado. Ah, vai duas dessas então

– Vou pegar da câmara de um fotógrafo

– Vai lá. Ele não vai reclamar. Ainda tá sob o efeito da bomba. Olha só como ele chora de arrependimento.

– Mas isso não é roubo, fadinha?

– Ele é da FOX, que já espalhou muito ódio por aí. Acho que não vai fazer mal. Qualquer coisa, pago a multa na Organização das Fadas Unidas.

– Tem isso também?

– Ahhh, tem muita coisa que você nem imagina.

– É nessas horas que eu tenho medo de você.

– Ahhh, amozinho, vai pegar pilha lá para sua fadinha, vai…

*                     *                          *

–  Hummm!!! Chomp, chomp, chomp!!!

– Tá gostoso?

– Chomp, muito, chomp!

– Já dá para a gente voltar para casa agora?

– Sim, vamos lá. Bota o capacete anti zim!

– Colocado!

– ZIIIMMMMMMMMMMM!

*                      *                       *

– Amozinho?

– O que foi?

– Por que as pessoas estão escutando esses malucos todos no mundo?

– Ah, é porque há muito ódio por aí espalhado.

– Não sei seu vou aguentar combater todo esse ódio.

– Acho que você está precisando de umas férias.

– E você me levaria para viajar?

– Claro! Para onde você quer ir?

– Deixa eu ver aqui no mapa… hum, adorei esse aqui: Mianmar!!!

– Mas não é lá que tem uma ditadura que já vigora há décadas?

– Ah, amozinho, a gente espalha amor por lá rapidinho, depois pega uma praia…

– Fadinha!!!!

Batata Movies – Histórias Que Nosso Cinema (Não) Contava. Uma Sólida Colcha De Retalhos.

Cartaz do Filme

Um bom documentário brasileiro. “Histórias Que Nosso Cinema (Não) Contava”, de Fernanda Pessoa, é mais um daqueles filmes que aborda o período da chamada “ditadura civil-militar”, de 1964 a 1985. Só que, dessa vez, a coisa é feita de uma forma bem peculiar. A gente sabe que a produção cinematográfica do período foi marcada pelas chamadas “pornochanchadas”, umas comédias bem chinfrins de conteúdo altamente erótico, embora não tivessem nada de pornográficas. Foi nessa época que o cinema brasileiro ficou estigmatizado com aquela fama de que os filmes eram ruins e somente mostravam sacanagem e palavrões. A pornochanchada foi o gênero cinematográfico mais visto no Brasil durante a década de 70.

Manifestações…

Pois bem. Fernanda Pessoa fez algo bem simples, depois da difícil garimpagem desses filmes, alguns deles perdidos para sempre. Ela fez uma montagem lançando mão desses filmes eróticos para buscar fazer uma película que analisasse a ditadura militar. E qual foi o resultado? De forma surpreendente, essas películas espelham de forma muito perfeita o Zeitgeist (espírito da época) do período. Filmes que eram vistos de forma depreciativa pelos mais intelectualizados abordam assuntos em voga na época, tais como: o desenvolvimento do capitalismo e da modernização nos anos de chumbo, a mentalidade conservadora a mil, a luta armada, a tortura, as ambições materiais de uma emergente classe média, que ansiava por automóveis ou televisões coloridas, um movimento grevista num puteiro, o assassinato de Werner Herzog, a abertura política e a redemocratização.

Sonhos eróticos com peões de obra…

É notável perceber ainda que as pornochanchadas morrem juntamente com o regime ditatorial. Essa correspondência entre esse gênero cinematográfico e o governo autoritário sempre deu à pornochanchada um ar alienante, despertando a libido dos incautos e desviando-lhes a atenção dos casos de corrupção do governo e da privação da liberdade. Porém, esse documentário desmente de forma arrebatadora essa visão e mostra de uma forma bem contundente como os diretores das pornochanchadas usaram esse aparente manto alienante para expressarem de forma muito eloquente suas ideias e opiniões sobre a repressão de um jeito bem crítico.

Saudades de Tereza Rachel…

Esse é um filme que também desperta memórias muito escondidas dentro de nossas cabeças, pois a gente sempre viu algum filme desses, com atores que também se consagraram posteriormente ou caíram num ostracismo total. Nomes como os de Nuno Leal Maia, Paulo Cesar Pereio, Martim Francisco, Costinha, Sandra Bréa, Matilde Mastrangi, Milton Carneiro, José Lewgoy, André de Biasi, Denise Dumont, Stefan Nercessian, Tereza Rachel, Jece Valadão, Rubens de Falco e muitos, muitos outros desfilam por nossas retinas matando nossas saudades, apresentando-nos outras realidades e outros contextos, alguns deles assustadoramente atuais, como o preconceito contra as esquerdas e a forma tendenciosa como a imprensa analisava os fatos, tudo isso denunciado nas… pornochanchadas (!).

A diretora Fernanda Pessoa…

Assim, “Histórias Que Nosso Cinema (Não) Contava” é um documentário essencial, pois ele desmistifica todo o preconceito em cima das pornochanchadas e mostra de uma forma bem marcante como esse gênero cinematográfico genuinamente nacional resistiu contra a opressão do regime, pontuando que esses filmes devem ser estudados com maior profundidade, e abrindo possibilidades para um campo bem vasto de pesquisas em História do Cinema.

Inspiração revolucionária???

É só uma pena que um filme dessa magnitude esteja presente em pouquíssimas salas com horários nem sempre muito acessíveis. Aliás, para que pensar mesmo, não é? De qualquer forma, vale a pena correr atrás e dar uma garimpada por aí, sendo um daqueles filmes para se ver, ter e guardar.

Batata Movies – Benzinho. Arte Que Imita A Vida.

Cartaz do Filme

Um bom filme brasileiro. “Benzinho”, de Gustavo Pizzi, é uma daquelas películas com a qual é impossível não nos identificarmos pelo menos em um momento de nossas vidas. É um filme de sobrevivência do cotidiano. Um filme sofrido, que nos faz chorar, mas também que nos faz rir. Essa co-produção Brasil/Uruguai foi escrita em conjunto por Karine Teles e Gustavo Pizzi, que se separaram durante a produção do filme e levaram a coisa de forma muito profissional até a película sair. O resultado saiu melhor que o esperado, sendo muito aclamado em Sundance.

Uma família apaixonante…

Mas, no que consiste o filme? Temos aqui as desventuras de uma família de classe média, talvez baixa, mas jamais alta. Eles vivem numa casa cheia de problemas, o marido, Klaus (interpretado por Otávio Muller), tem uma papelaria com uma máquina de Xerox, que dá mais prejuízo que dinheiro, a esposa, Irene, a nossa protagonista (interpretada por Karine Teles), vende comida e pequenas bugigangas como lençóis e essa família tem ainda quatro filhos: dois gêmeos pequenos, um jogador de handebol e um tocador de tuba. Como se não bastasse, Irene ainda tem uma irmã, Sônia (interpretada por Adriana Esteves), que sofreu uma surra do marido, Alan (interpretado pelo excelente ator César Troncoso, do cinema uruguaio, sendo essa uma excelente aquisição para o filme).

Karine Teles, simplesmente sensacional…

Todos levam uma vida bem difícil, ao estilo de se “matar um leão por dia”, e vamos nos identificando cada vez mais com os personagens no transcorrer do filme. Há, ainda, outro elemento que joga mais um drama na história. O filho mais velho, Fernando (interpretado por Konstantinos Sarris), é chamado para jogar handebol na Alemanha, o que dá um nó na cabeça de Irene, que não sabe lidar com a situação. Mesmo assim, nossa heroica protagonista consegue levar a vida adiante, chegando até a concluir o ensino médio, mesmo com todas as condições adversas que ela é obrigada a enfrentar.

Um goleiro que vai embora…

Essa película gera uma empatia entre o espectador e os personagens que cresce muito paulatinamente. A gente sempre tem uma despesa inesperada na casa quando algo quebra, a grana falta para arrumar as coisas, a família sempre nutre o sonho da casa própria e de um lugar melhor para se viver. E os obstáculos para se alcançar esses sonhos são, às vezes, intransponíveis. E a gente cansa, desanima, deita no chão e chora, para depois se reerguer e continuar vivendo. E o único amparo que temos é a nossa própria família e aqueles que nos circundam. Mas quando alguém desse círculo, desse time, vai embora, dá um aperto no coração. O filme conseguiu explorar toda essa gama de sentimentos de forma tão magistral que ele acabou sendo sucesso no Festival de Sundance por causa disso.

Adriana Esteves, uma irmã fragilizada…

A cultura anglo-saxônica, notória por sua frieza, que acha simplesmente a coisa mais normal do mundo um filho ir embora de casa para enfrentar a vida ou um idoso ir para um asilo para não incomodar mais a família (eu me lembro que tive um papo desses com um professor meu de faculdade enquanto eu pegava uma carona com ele e fazíamos o trajeto Niterói-Rio), ao se deparar com “Benzinho”, viu que podia expressar sentimentos tão reprimidos como Irene fazia. Houve casos de pais chorando pela saudade dos filhos e de filhos ligando para os pais sentindo fortes saudades, segundo o próprio relato do diretor Gustavo Pizzi. Tal choque de realidade latina em cima dos gringos foi arrebatador e transformou “Benzinho” num grande sucesso por lá.

Uma mãe que quer colocar o filho sempre debaixo de sua asa, não importa o tamanho que tenha…

Mas é óbvio também dizer aqui que esse foi um filme de excelentes atores. Karine Teles esteve simplesmente magnífica como a mãe e esposa que se desdobrava em mil para poder cuidar da família. Seu choro durante a parada onde seu filho tocava tuba, manifestando a saudade do filho que havia ido embora para a Europa é, sem a menor sombra de dúvida, o maior momento do filme e a coisa mais cativante que a gente viu no cinema brasileiro em anos.

Otávio Müller foi magistral…

Otávio Müller, que tem tido participações muito boas em comédias, arrebentou em seu papel dramático de Klaus, indo da esperança do sonho à tristeza da realidade de uma forma altamente eficaz, de jeito a fazer essa ducha de água fria doer dentro do peito da gente. É uma pena que Adriana Esteves, que também teve um ótimo papel e interpretação, tivesse concorrentes tão fortes dessa vez em Müller e Teles. E a presença de Troncoso, o Ricardo Darín uruguaio, só deu mais status a um filme que nos fisga no primeiro minuto de exibição.

Cesar Troncoso, uma ótima aquisição…

Assim, “Benzinho” é uma das grandes provas de que, quando o cinema brasileiro quer fazer bons filmes, ele os faz com muita maestria. Um filme que é um choque de realidade com o qual nos identificamos logo de cara na via crucis dos personagens que abraçamos e amamos, pois nos vemos lá na tela grande. Um filme que é um programa imperdível com o qual sempre vamos nos emocionar, e muito.

Batata Movies – Bergman, 100 Anos. Descrevendo Fielmente Uma Trajetória.

Cartaz do Filme

Um bom documentário passou em nossas telonas. “Bergman, 100 Anos” se propõe a fazer uma trajetória fiel do grande cineasta sueco Ingmar Bergman, que faria cem anos no dia 14 de julho deste ano. A diretora Jane Magnusson decidiu enfatizar o documentário em torno do ano de 1957, quando Bergman levou a cabo seis produções, sendo que, além dos filmes, ele também montou peças de teatro e fez uma produção para a TV, que acabava de chegar ao seu país natal. Esse ano foi marcante, pois Bergman começaria a falar de si mesmo em seus filmes, algo que ele ainda não tinha conseguido fazer. Foi aí que sua carreira alavancou e ele se transformou no Mito do Cinema Mundial que é até hoje, sendo o único a receber “A Palma das Palmas” em Cannes. É importante mencionar aqui que, se você quer saber mais sobre Bergman, você precisa conhecê-lo através de seus filmes, pois sua autobiografia (“Lanterna Mágica”) é, segundo o documentário, cheia de ideias fantasiosas.

Um dos maiores diretores da História do Cinema…

Para comprovar isso, foram exibidos no filme trechos de uma entrevista do irmão de Bergman, que tinha um relacionamento muito difícil com ele, e que foi proibida de ser exibida pelo cineasta na época em que foi realizada. Dá para perceber, pelo depoimento do irmão, como o relacionamento dos dois era tenso. Aliás, já se nota isso na própria autobiografia, onde Bergman fala até da vontade de matar o irmão. Pegando o gancho, o diretor era realmente uma pessoa de trato difícil. E o documentário não teve o menor receio em abordar essa questão. Para isso, foram usados muitos depoimentos de pessoas próximas a ele e imagens de making of de seus filmes, onde ele tratava as pessoas com muita rispidez.

Na locação de “Morangos Silvestres”

E o pessoal ficava quietinho, quietinho, pois ele virara uma espécie de instituição com todo o reconhecimento internacional e seus prêmios. No tocante à vida privada, a coisa foi também turbulenta: ele casou-se várias vezes (fruto de seu passado católico, segundo o irmão) e teve vários filhos, mas nunca se dedicou a qualquer família que montou, por se dedicar integral e compulsivamente ao seu ofício.

Conversando com a morte…

Obviamente, vários de seus filmes foram apresentados e discutidos. E aí tivemos os momentos mais deliciosos do documentário. Fala-se de “Sétimo Selo”, “Morangos Silvestres”, “Persona”, “Gritos e Sussurros”, “Sonata de Outono” (onde ele trabalhou com Ingrid Bergman), “Fanny e Alexander” (onde um dos personagens, um padre, era uma versão para as telonas de seu pai, também um padre), e muitos outros filmes. Mesmo que o diretor fosse uma pessoa geniosa, ainda assim alguns atores que trabalharam com ele diziam que ele gostava muito de profissionais que dessem sugestões para engrandecer o trabalho, numa prova de que o diálogo era possível.

Um homem difícil…

O documentário também se preocupou em dar voz ao próprio cineasta, e assim o filme é recheado de entrevistas do diretor, onde podemos vê-lo falar de seus filmes, de como ele avalia sua vida profissional e pessoal, etc. Dois momentos são marcantes: quando ele fala de sua paixão inicial com uma espécie de lanterna mágica que ele tinha na infância, cujos jogos de luz e sombras fizeram ele ter a certeza de que seria cineasta, e a forma afetiva como ele fez o que ele considera o mais lindo plano fechado de sua carreira em “Morangos Silvestres”. Ali, o duro cineasta sueco, a instituição intelectual de um país, amolece o seu coração e fala com muita ternura de momentos marcantes de sua vida.

Bergman e Bergman…

Assim, “Bergman, 100 Anos” é um documentário imperdível sobre o grande cineasta sueco Ingmar Bergman. Todo fã de cinema de carteirinha deve ver essa obra-prima e, principalmente, deve ter esse documentário assim que ele sair em DVD ou blu-ray. Pois essa obra é aquela do tipo que devemos sempre ter perto da gente para revisitá-la sempre que pudermos. Não deixem de assisti-la.

Batata Séries – Jornada Nas Estrelas Voyager (Temporada 6, Episódio 2), Instinto de Sobrevivência. Dilema Resolvido Na Valorização Do Indivíduo.

 

Um impasse…

E chegamos à sexta temporada de “Jornada nas Estrelas Voyager”, com o curioso episódio “Instinto de Sobrevivência”, onde mais um dilema moral é abordado. É impressionante perceber como os episódios do fim da quinta temporada e início da sexta rezavam por essa cartilha. De qualquer forma, apesar da repetitividade do assunto, o campo de atuação do debate variava, como podemos ver nesse episódio.

Três borgs desligados da coletividade, mas interligados entre si…

A história começa com um flashback de uma cápsula borg caindo num planeta. Dentre os quatro borgs sobreviventes, está Sete de Nove. Eles se desligaram da coletividade, mas ainda mantiveram o link entre eles. O problema é que os zangões começam a ter lembranças de suas vidas pregressas e mostram desejos de sair da coletividade, e Sete de Nove resiste a isso sempre repreendendo-os, seja pela ordem direta, seja pela coerção física.

Sete de Nove diciplina sua matriz…

Anos depois, a Voyager está numa estação markoniana recebendo várias espécies alienígenas para uma espécie de intercâmbio cultural. Um alienígena apresenta a Sete de Nove antigos implantes borgs que lhe pertenciam, o que a deixa interessada. Logo descobriremos que esse alienígena é um daqueles borgs que faziam parte da matriz de Sete de Nove e os demais também estão presentes. Eles têm ainda a capacidade de ler os pensamentos uns dos outros, pois ainda estão ligados mentalmente como ficaram depois de se separar da coletividade. Eles desejam sair desse link e terem as suas vidas como indivíduos. Como Sete de Nove foi a única borg a sair da coletividade e se tornar indivíduo e estava ligada a esse pequeno grupo de borgs, eles acreditavam que ela tinha as respostas para também os retirarem do link. Depois de várias análises do Doutor com relação à situação dos borgs, só havia duas opções: ou eles permaneceriam ligados para o resto da vida, ou os implantes que ainda estavam em seus corpos seriam retirados e eles viveriam como indivíduos, mas por apenas um mês. A decisão ficara a cargo de Sete de Nove, pois os borgs estavam inconscientes depois de Sete de Nove ter sido ligada com eles para se descobrir o que havia acontecido no passado, pois nenhum dos borgs, nem Sete de Nove, lembravam mais. Ao descobrir que Sete de Nove tinha neutralizado a individualidade latente deles e os recolocado na coletividade, os borgs surtaram contra ela e saíram do ar, depois de controlados pelo Doutor. Sete de Nove, depois de um debate com o Doutor, que defendia um resto de vida com os três telepaticamente ligados, decidiu por dar apenas um mês de vida com a individualidade de todos os três intacta.

Agora, esses três ex-borgs querem sua individualidade…

Como dito acima, mais um episódio de dilema moral. Dar aos borgs o que eles queriam (a individualidade) mas somente por um mês de vida, ou um resto de vida onde os três ficariam permanentemente ligados e sofreriam o tormento de escutarem o pensamento uns dos outros? Num primeiro momento, parece óbvio que um mês de vida como indivíduos parece a solução mais lógica. Entretanto, a vida deles não seria mais tão longeva assim. Se da decisão de Sete de Nove foi mais “humanitária” prevenindo seus colegas borgs de um sofrimento por anos e anos, também parece aqui que o individualismo prevalece sobre o coletivismo. É notável perceber como o individualismo permanece como um valor sagrado e inabalável na cultura capitalista ocidental, em detrimento de um pensamento coletivo, geralmente atribuído à manipulações de Estado ou de alguma instituição, como acontecia na Idade Média, quando a Igreja anulava o indivíduo e colocava a todos de forma coletiva na condição de meros pecadores que deviam obedecer aos preceitos da Igreja. A própria série atribui a coletividade a uma espécie – alienígena – os borgs – que é extremamente agressiva. Entretanto, o pensamento coletivo nem sempre pode ser visto como algo negativo, pois ele pode também ser usado pelos indivíduos para lutar contra instituições opressoras. Agora, a questão do episódio sempre recai no individualismo e colocando o coletivo sempre como algo ruim. Sete de Nove, em função do ideal do individualismo, e por uma questão humanitária, desvincula a mente dos borgs mas, ao mesmo tempo, abrevia em muito, a vida deles. Assim, temos o paradoxo de, em nome do individualismo, se tomar uma atitude que destrói o próprio indivíduo. Ou seja, o paradoxo está todo voltado para a ideologia individualista, ao passo que o coletivismo é taxado de forma inquestionável como algo ruim desde o seu início. Será que no século XXIV esses dois polos ainda terão pesos tão diferentes em nossos sistemas de valores? Fica a questão.

Qual será a decisão de Sete de Nove dessa vez???

Dessa forma, “Instinto de Sobrevivência” é mais um episódio de “Jornada nas Estrelas Voyager” que traz o fã à reflexão, embora valorize em demasia um elemento da cultura capitalista ocidental, o individualismo. Vale pela experiência de botar os neurônios para funcionar.

https://www.youtube.com/watch?v=XuwKfD9vp1U