Batata Literária – Caminhos da Ira.

Vamos agora fazer a pior das viagens

A viagem às entranhas do ódio

Ninguém quer começar tal tortura

Mas todo mundo cai de cabeça, num sopetão

É só aparecer uma ocasião

O ser humano é uma máquina de amar

Mas, mais do que isso, ele sabe odiar

E, quando começa, não consegue mais parar

 

Por que o homem tanto odeia?

É mais fácil odiar?

É mais fácil destruir?

Essa é uma doença que tanto permeia

O cérebro do homem que se deixa levar

O homem, que o ódio deixa consumir

Senhoras e senhores, a viagem terá grossas turbulências

Provocadas por muita raiva e todas as suas maledicências!

 

Mas, quem sofre mais nessa história?

Aquele que odeia ou aquele que é odiado?

No fim das contas, ódio não traz vantagem ilusória!

O melhor remédio, talvez, é ser perdoado

Mas o perdão requer muita coragem

Principalmente se você é a vítima de grande sacanagem!

É muito fácil sentir raiva, a tudo detestar

Difícil mesmo, é saber relevar

 

Essa viagem, num limbo te coloca

Rios de tristeza, soluços em compota

Busquemos sair dessa alma de piche

Cheia de caprichos e muito fetiche

Livremo-nos dos oceanos de rancor

Que provocam em nós profunda dor

Vamos voar por Universos mais amplos

Para aproveitarmos melhor o que nos resta de anos

 

Batata Movies – Os Incríveis 2. Sociedade Tradicional?

Cartaz do Filme

A Disney volta a atacar e trouxe, nesse meio de ano, a continuação de “Os Incríveis”. Antes de mais nada, devo confessar que não vi o primeiro filme, mas pretendo preencher essa lacuna em breve, principalmente depois de ter visto o segundo. Em segundo lugar, quero dizer que esta animação segue o alto padrão das animações da Disney, que conseguem ser muito engraçadas e cativantes. E o mais curioso é que ela realmente tem uma pegada de filmes de super-heróis que estamos tão acostumados a ver por aí, constituindo-se numa espécie de sátira a esse novo gênero de ação, o que faz o grande público se identificar mais ainda com a película. Façamos agora uma análise da animação, lembrando sempre que os spoilers serão necessários aqui.

Tentando resgatar a honra dos super-heróis…

O filme já começa com uma questão: os super-heróis são proibidos de trabalhar em virtude de provocarem um estrago quando lutam com seus arqui-inimigos (já vi isso em algum lugar). Mas um grande empresário quer voltar a tornar os heróis populares e, para isso, ele vai pedir a ajuda da mulher-elástica (a mãezona da família Incrível) para levar a cabo tal tarefa. Como os heróis estão proibidos de trabalhar e estão em grave situação financeira, o senhor Incrível (o maridão) apoia a esposa nessa iniciativa, que fica relutante em deixar tudo em casa para o pai tomar conta (afinal de contas, cuidar de três filhos – uma criança pequena, uma adolescente problemática e um moleque totalmente espoleta – não deve ser fácil).

A mamãe vai trabalhar…

Mas, como a necessidade faz o monge, a Senhora Incrível vai ao trabalho e se torna uma celebridade, enquanto o paizão passa poucas e boas com seus filhos, principalmente o menorzinho, que passa a ter 17 (!) superpoderes. Ainda, surge um inimigo muito poderoso, que consegue hipnotizar as pessoas para fazer coisas bem do mal, com o intuito de sabotar o programa de revalorização dos heróis.

… e o papai fica em casa…

O desenho traz umas questões interessantes. Essa coisa dos heróis proibirem de trabalhar para não colocar em risco a vida das pessoas a gente viu no “Batman Vs. Superman” e até nas histórias dos X-Men, onde há a perseguição aos mutantes. Aqui, o desenho faz uma troça com isso, pois se o super-herói não pode trabalhar e fica desempregado, como ele vai pagar as contas da casa, já que os heróis aqui são de uma família média americana? Ou seja, o desenho pega uma coisa que a gente vê na ficção altamente fantasiosa de filmes da DC e da Marvel e a trata,digamos, com uma pitada de choque de realidade, o que torna a coisa engraçada. Mas esse choque de realidade vai mais além, pois esse é um filme sobre família? Mas qual família? Uma mais moderna? Ou uma mais tradicional? A grande piada do filme é o paizão ficar em casa cuidando dos filhos e a mamãe sair para trabalhar. O senhor Incrível, ao ficar em casa, cuidando dos filhos, e tendo uma imensa dificuldade em fazer isso, indica que o “seu lugar” é trabalhar fora, e a senhora Incrível, acostumada à dupla jornada de trabalho, é a mais apta a ficar em casa, sendo esse o “seu lugar”?

E despertam os poderes do Zezé!!!

Ainda, fica muito clara numa parte do filme que o sucesso da Mulher Elástica incomoda o maridão que está dentro de casa. É claro que o filme faz piada e troça com tudo isso, que são traços de uma sociedade tradicional. Se a gente leva por esse lado, o filme tem um quê progressista. Mas incomoda um pouco essa visão de que o pai não consegue levar a cabo as tarefas domésticas, como se isso fosse “coisa de mulher”. Ou seja, atribuir a eficiência de determinadas tarefas a um gênero ou outro é uma coisa que incomoda e que o filme, de uma certa forma, não questiona tanto, exceto pelo sucesso da Senhora Incrível em seu ambiente profissional. De toda a forma, quem consegue salvar o dia são justamente as crianças, também consideradas “incapazes” de fazerem tarefas adultas, outro estereótipo de uma sociedade mais tradicional que, aí sim, será questionado aqui em toda a sua plenitude. E, também pudera, quem tem o Zezé com 17 superpoderes, não precisa de mais nada.

Crianças salvam o dia…

Assim, “Os Incríveis 2” é mais uma baita animação da Disney que só aumentou a minha curiosidade com relação a “Os Incríveis”, além de fazer troça com as histórias de super-heróis que povoam o cinema e nosso imaginário, fazendo um divertido diálogo entre a fantasia e a realidade. No mais, o desenho também serve para levantarmos questões sobre parâmetros sociais mais tradicionais e de como eles estão sendo revistos. Tal levantamento de questões só espelha a qualidade dessa ótima animação. Vale a pena dar uma conferida.

https://www.youtube.com/watch?v=vU01tvOJMn0

Batata Movies – Primavera Em Casablanca. Libelo Contra A Intolerância.

Cartaz do Filme

Uma co-produção França/Marrocos/Bélgica passou em nossas telonas. “Primavera em Casablanca” (“Razzia”), dirigido por Nabil Ayouch, é mais um daqueles filmes que abordam a questão do Oriente Médio e da intolerância. O terreno de atuação da película será a cidade de Casablanca, no Marrocos, onde veremos cinco histórias cujos personagens se encontram ao longo da narrativa. Vamos ver aqui o professor de ciências que não pode dar aula no idioma de seu povoado e sim em árabe, além de ficar sujeito às regras educacionais do Estado Teocrático, a mulher escultural que engravida e aborta o feto, pois tem um marido possessivo, o dono de restaurante judeu que é obrigado a conviver com os árabes, o rapaz que quer ser cantor e tem Freddie Mercury como ídolo e a menina de classe média alta que nutre um amor homossexual.

Uma mulher que desafia convenções…

Todas essas pessoas terão que conviver numa sociedade muçulmana que parece implodir com a crise econômica, em meio a muitas manifestações de estudantes que não conseguem se encaixar no mercado de trabalho. Ou seja, como se não bastasse a turbulência pela qual passam, esses protagonistas também vão ter que encarar a turbulência do próprio país, embora elas não pareçam ligar muito para isso, já que seus problemas pessoais são bem mais imperativos.

Um judeu (esquerda) e seu empregado de origem muçulmana…

As histórias não são contadas de forma estanque e elas acabam se mesclando no tempo e no espaço. A história do professor, por exemplo, se passa em 1982, e a da mulher que aborta, assim como as demais se passa em 2015. A narrativa acaba por intercalar essas histórias, se bem que a da mocinha de classe média aparece mais na segunda metade do filme, enquanto que as demais se intercalam ao longo de toda a película.

Um professor que tem que superar o radicalismo e ignorância…

É curioso perceber que, mesmo com histórias tão diferenciadas, o ritmo do filme consegue ser um tanto lento, pois se parece que, com esse ritmo, o diretor busca mergulhar toda a narrativa numa vibe mais reflexiva, onde se faz a crítica do conservadorismo do Estado Teocrático de forma bem presente. Esse também é um filme onde devemos prestar bastante atenção nos nomes dos personagens, pois um personagem mais secundário de uma história pode aparecer em outra num papel de um pouco mais de destaque.

Um amante do Queen…

O filme deixa outra mensagem: a de que a intolerância e a violência podem contaminar até as mentes mais livres e tolerantes. Isso fica muito marcante mais ao final do filme, mas os spoilers me impedem de entrar em mais detalhes.

Assim, “Primavera em Casablanca” é mais uma película que lida com a questão da intolerância e convida o leitor a uma boa reflexão. As cinco histórias, por seu caráter altamente diferenciado, dão exemplos bem desafiadores a um Estado Teocrático mais tradicional, o que torna o filme em si muito interessante e iconoclasta por natureza. Vale a pena assistir a essa película que também tem um certo quê poético, seja nas músicas do Queen, seja nas referências ao filme “Casablanca”.

Batata Movies – Uma Casa à Beira Mar. Resgatando Um Mundo Destruído Em Meio Ao Caos.

Cartaz do Filme

Uma interessante produção francesa passou em nossas telonas. “Uma Casa à Beira Mar”, de Robert Guédiguian, é um filme que mescla presente com passado, em mais um diálogo entre a tradição e a modernidade, onde, desta vez, a última dá os tons de vilã. É um filme também sobre relacionamentos familiares e como tempos de inocência podem ser convertidos em tempos de amargura, sendo que a única forma de se sanar isso é reunindo os entes queridos separados pelas circunstâncias para sentar e conversar sobre suas frustrações e dores.

Três irmãos numa missão dolorosa…

A história se passa numa pequena localidade próxima a Marselha que outrora fora um bonito balneário, mas hoje está mais decadente que nunca. Poucos e antigos moradores ainda resistem e, por isso mesmo também compartilham dessa decadência. Um deles, Maurice, sofre um derrame e fica paralisado, olhando para o infinito, mas ainda consciente. Seu filho, Armand (interpretado por Gérard Meylan) chama seus dois irmãos, Angèle (interpretada por Ariane Ascaride) e Joseph (interpretado por Jean- Pierre Darroussin) para conversar sobre a situação do pai e o que fazer numa possível morte do mesmo com relação ao espólio da família. Esses três irmãos então aproveitarão a situação para aparar as arestas do passado e resolver suas diferenças, já que o afastamento os impediu disso.

A irmã que volta muitos anos depois…

A gente muito se identifica com a situação do filme, pois em muitas famílias os irmãos se afastam quando começam a viver suas próprias vidas, não superando as rusgas do passado. Fica bem claro na película que ali não há vilões ou mocinhos. Todos são humanos e vítimas das circunstâncias. O ato de um culpar o outro ou apontar defeitos somente amplifica a dor em todos.

Tentando manter vivo o restaurante do pai…

E a única saída para isso é cada um escutar o lado do outro e tentar compreender a dor do próximo. Só esse pequeno detalhe já faz o filme ser uma grande obra, pois há muita gente por aí nessa situação. E a película faz isso de uma forma, digamos, civilizada, onde uma leve animosidade entre os irmãos paulatinamente vai se transformando numa situação de maior ternura e entendimento.

O professor amargurado…

Como foi dito acima, o filme retoma o já batido tema da tradição e da modernidade, tendo a última como vilã. A crueza dos tempos modernos é implacável com a pequena vila à beira mar, agarrada aos últimos bastiões de tradição. A ideia de Maurice em fazer um restaurante familiar, simples e barato vai de encontro às modernas brasseries, e não vai adiante. A crise econômica afunda ainda mais o lugar e as pessoas passam necessidades, às vezes tomando medidas extremas por não aguentar mais humilhações. E o filme aborda também outro sério problema nesses tempos mais modernos. Por estar próxima ao mar,.a vila sofre com o problema dos imigrantes que atravessam o Mar Mediterrâneo para tentar a sorte na Europa. E, por isso mesmo, os irmãos recebem a visita do exército francês, onde um oficial negro (e provavelmente, descendente de imigrantes) tem agora a função de capturá-los. Todos esses fatores nocivos da modernidade acabam unindo os irmãos e os reconciliando com o passado como direção.

Espaço para novos recomeços…

E os atores? Que primor! Pudemos ver algumas figurinhas carimbadas do cinema francês contemporâneo, como a competente Ariane Ascaride, fazendo uma atriz cujo passado trágico a oprimia, e o excelente Jean-Pierre Darroussin como o antigo ativista político que se compadece de tempos onde o estilo de vida capitalista moderno e burguês oprime todo o resto, tornando-o extremamente amargurado e sarcástico. Não podemos nos esquecer também do terceiro irmão, interpretado por Gérard Meylan, um verdadeiro guardião da tradição, totalmente identificado com o espaço onde vive, sendo o único que zela por sua manutenção. A construção desses personagens dá todo um toque especial à película.

… e para reconciliações…

Assim, “Uma Casa à Beira Mar” é mais um filme francês de qualidade que passou em nossas telonas. Uma película que aborda um tema muito caro a muitas pessoas (as complicadas relações familiares) e que também fala do antigo embate entre tradição e modernidade. Um filme que é muito digno de atenção.

Batata Séries – Jornada Nas Estrelas Voyager (Temporada 5, Episódio 26), Equinox. Obsessões, Ódios E Erros De Avaliação.

 

Um capitão com sérios desvios éticos…

O último episódio da quinta temporada de “Jornada nas Estrelas Voyager” nos revela mais uma interessante discussão ética e como a obsessão e a revolta podem levar a atitudes destemperadas. “Equinox” é um episódio duplo que começa no fim da  quinta temporada e termina no início da sexta.

Tramoias com a sua tripulação que resultam em motim…

A história começa com uma nave da Federação em frangalhos, a Equinox, no Quadrante Delta e atacada por uma espécie alienígena que parece o Geleia dos Caçafantasmas. A Voyager detecta o pedido de socorro da Equinox e vai em seu auxílio. As duas naves combinam seus escudos para evitar o araque alienígena, mas paulatinamente as criaturas conseguem enfraquecer os escudos. Janeway conhece o capitão da Equinox, Rudy Ranson, que diz a ela que sua nave também foi vítima, assim como a Voyager, do zelador, sendo arremessada para o Quadrante Delta. O capitão alega que fez melhorias no sistema de dobra que encurtaram a viagem. Mal sabe Janeway que tais melhorias foram feitas usando os alienígenas como uma espécie de gerador de energia, provocando a morte de milhares deles. Não é à toa que os alienígenas perseguem a Equinox impiedosamente. É claro que o ambiente entre os tripulantes da Voyager e da Equinox não será mais o mesmo e, sabendo que, podendo dar mais um salto que levará a Equinox para a Terra em poucas semanas, usando os corpos dos alienígenas como combustível, o capitão Ranson rouba o gerador de escudos da Voyager além de sequestrar Sete de Nove, deixando a nave da capitã Janeway à mercê dos alienígenas.

Alienígenas assustadores que são vítimas…

Na Equinox, Sete de Nove consegue criptografar o acesso ao motor de dobra da Equinox e detém a mortandade dos alienígenas. Ranson exige que Sete de Nove dê os códigos de acesso. O Doutor, que também está na nave, tem as subrotinas éticas retiradas e ele começa a tentar extrair a informação de Sete de Nove à força, nem que isso custe a vida dela. Depois de deter os alienígenas, Janeway lança uma caçada contra a Equinox, onde ela não esconde a sua raiva e desejo de vingança, atravessando a linha ética várias vezes, sendo alertada por Chakotay. Como consequência, Janeway tira Chakotay de seu posto. Por outro lado, Ranson se arrepende de seus procedimentos e retorna à Voyager. É nesse momento que parte da tripulação da Equinox se amotina contra seu capitão. Ranson consegue se isolar e transporta parte de sua tripulação, Sete de Nove e o Doutor, enquanto a Equinox é atacada pelos alienígenas e mata os amotinados. Com a Equinox a um passo da explosão, Ranson a afasta da Voyager e se sacrifica junto com a sua nave.

Uma capitã enfurecida…

O episódio tem elementos interessantes. Em primeiro lugar, a discussão ética de se sacrificar vidas para salvar outras. Ranson tenta justificar o injustificável, dizendo que precisou ceifar vidas dos alienígenas, pois a Equinox sofrera muitos ataques no Quadrante Delta e estava em condições subumanas, tornando-se imperativo seu retorno para a Terra no menor espaço de tempo possível. Mas Janeway ficou firme em condenar o genocídio. Quanto a isso, parece que não há muita discussão. O que dá mais pano para a manga foi a inversão das atitudes dos dois capitães. Enquanto Ranson reavalia seus erros e volta atrás, levando a Equinox de volta à Voyager para se entregar, Janeway fica tão revoltada com a atitude e a fuga de Ranson que passa a agir obsessivamente, extrapolando a sua autoridade e tomando atitudes impensadas. Ou seja, Janeway, na sua ânsia de punir a Equinox pela falta de ética, acaba também chutando a ética para escanteio, chegando a fazer tortura psicológica num dos tripulantes da Equinox. Tal alerta fica aqui: mesmo as supostas mentes “evoluídas” do século XXIV podem mergulhar na barbárie quando provocadas, sendo a violência um veneno que te ataca de dentro para fora e tem consequências devastadoras.

Punição a quem viola a ética da Federação…

Assim, “Equinox” é um grande episódio de Voyager que mostra a inversão ética de dois capitães que têm o mesmo problema: fazer uma viagem de volta que dura décadas. Ranson violou a ética cometendo genocídio e Janeway violou a ética em seu abuso de autoridade. Um motivado pela inconsequência, outra motivada pelo ódio. Mais um episódio que levanta uma boa reflexão.

https://www.youtube.com/watch?v=HDggs-x55MU

Batata Literária – Passeando No Leblon.

Entro agora numa dimensão estranha

É o bairro dos figurões

Esse lugar se imortalizou nas novelas

Cujos personagens se comportam de forma tacanha

Nesse mundo só há lugar para os bonitões

Nenhum espaço para os pobres e suas sequelas

As caras são branquinhas, todas rosas

E as elites são refinadas, cheias de bossas

 

Quando ando pelas ruas

Elas são todas limpinhas

O poder público mostra das suas

E cuida do bairro como uma de suas princesinhas

Tudo aqui parece um conto de fadas

Paraíso das pessoas abastadas

Tristeza não existe nesse mundo

A vitalidade supera a tristeza do moribundo

 

Volta e meia, vejo um rosto mais escuro

Ele está uniformizado, cheio de crianças patéticas

Quando olho ao fim da rua, próximos ao muro

Estão outros rostos negros, cuidando das manutenções elétricas

Além de negros, esses rostos são tristes

Escravos contemporâneos, tomando dedos ristes

De brancos róseos e solenes

Ofensas humilhantes e inconvenientes

 

Pois é, o lindo e perfeito paraíso

Pode refletir mazelas ancestrais

A paz, travestida num branco sorriso

Esconde velhos problemas banais

Por mais lindo que possa parecer um bairro

Não adianta, sempre haverá a desigualdade social

Para os ricos, a lama é a das quadras de saibro

Para os pobres, só lama de material fecal