Vamos dar sequência às impressões sobre “Han Solo: Uma História Star Wars”.
Nossos heróis vão para o percurso de Kessel e roubam o coaxium, não sem sair sob uma saraivada de tiros. A mina de coaxium era o paradigma da opressão, com várias espécies escravizadas (inclusive robôs), e a missão acaba despertando uma rebelião, gritada a todo volume por L3-37, que libertou os robôs. Chewie também se desvencilha do grupo e liberta wookies aprisionados. O lance mais dramático foi a morte de L3-37, que revelou a curiosa relação íntima de Lando com sua robô. Ainda, durante a fuga de Kessel, a rota é bloqueada por um destróier Imperial.
Dessa forma, era necessário que uma rota alternativa fosse encontrada, até porque o coaxium também tinha que ser refinado o mais rápido possível para não explodir. Perseguido por caças Tie, Han começa o que, na minha modesta opinião, é a grande sequência do filme: a famosa rota de Kessel feita em 12 parsecs (ou seriam 14?). Para isso, o núcleo de dados de L3-37 foi acoplado à Millenium Falcon, com L3-37 fazendo parte da nave daquele momento em diante. Han, então, sai da rota convencional, toda sinalizada, e mergulha na nebulosa, que contém vários asteroides em seu interior. Perseguido pelos Tie Fighters, Han vai se desviando dos asteroides. Quando um Tie Fighter colide com um dos asteroides e explode, a referência vem logo à cabeça: estamos assistindo a um revival de “O Império Contra Ataca”, quando Han e Leia fogem da perseguição dos Ties num campo de asteroides.
Até a música de fundo é a mesma. Han se livra do último Tie Fighter com um truque que ele aprendeu com um colega das ruas que não deu certo e provocou a morte do amigo. É claro que no caso de Han irá funcionar. E, ainda de acordo com as referências de “O Império Contra Ataca”, não podia faltar o monstro gigante, que persegue a nave. Aqui, outra referência: em “O Império Contra Ataca”, Leia dá um grito depois que vê um bichinho voador batendo na janela da Millenium Falcon.
Agora, há um grito coletivo de todos os tripulantes quando eles veem um monte de olhos da criatura gigante em cima deles. Para piorar a situação, eles estão bem perto do poço gravitacional, que puxa o bichão, depois que ele engole uma cápsula de fuga, estrategicamente disparada por Han. O que salva a Millenium Falcon de ser engolida pelo poço gravitacional é uma gotinha de coaxium bruto que lhes dá a energia necessária. É claro que, antes de escapar, a nave dá aquela famosa pifadinha que vimos tantas vezes com Han interpretado por Harrison Ford. À respeito disso, há outro lance curioso: quando L3-37 ainda estava viva, ela mostra um momento de falha ao acessar seu banco de dados das rotas de navegação, dando um ligeiro tapa em sua cabeça para voltar a funcionar. Parece que essa falha de L3-37 passou para a nave quando seu banco de dados foi acoplado à Millenium Falcon, sendo a explicação para as famosas pifadinhas que a nave dá na trilogia clássica. A sequência da rota de Kessel ainda teve um desfecho grandioso, com Han passando a Millenium Falcon com por uma fenda na nebulosa, da mesma forma que ele fez com o speeder na fábrica de naves de Corellia.
No próximo artigo, vamos falar dos momentos decisivos do filme: a revelação da verdadeira identidade de Enfys Nest, a (não) entrega do coaxium a Dryden Vos, a surpreendente aparição de Darth Maul e muito mais. Até lá!
Dando sequência às análises da mostra “Nouvelle Vague Soviética”, na Caixa Cultural no Rio de Janeiro, falemos hoje do ótimo filme “Quando Voam as Cegonhas”. Produzido em 1957, com duração de 97 minutos e dirigido por Mikhail Kalatozov. Esse é um dos melhores filmes da mostra, abordando um tema já muito conhecido aqui no cinema ocidental: a Segunda Guerra Mundial, tema esse que pode, com toda justiça, ser também abordado pelo cinema soviético, já que a Rússia foi o país que mais perdeu vidas nas duas guerras mundiais. Na Primeira Guerra Mundial, foram perdidas de nove a treze milhões de pessoas, sendo que três milhões delas foram russas. Já na Segunda Guerra Mundial, foram perdidas de cinquenta e cinco a sessenta milhões de pessoas, sendo que vinte e cinco milhões foram russas.
Mas, do que se trata a história? Vemos aqui um casal fortemente apaixonado, Boris (interpretado pelo ótimo Aleksey Batalov, que também está em outro filme da mostra, “Nove Dias de um Ano”), e Veronika (interpretada por Tatyana Samoylova). Esse casal será separado pela guerra, com Boris se alistando voluntariamente para o front.
O problema é que, por uma série de desencontros, eles não conseguem se despedir. Com o início da guerra, a casa de Veronika é bombardeada e ela vai morar na casa de Boris. Só que um primo do rapaz pega Veronika à força durante outro bombardeio. Os dois acabam se casando, o que provoca um tremendo mal estar entre Veronika e a família de Boris. A própria moça se culpa por tudo o que aconteceu e não consegue viver bem com toda essa dor. E aí fica a expectativa do que se vai fazer quando Boris voltar do front. Se ele voltar… Vamos precisar lançar mão dos spoilers para podermos analisar melhor o filme…
Essa é uma película temática já um pouco batida (a questão dos relacionamentos que se desfazem em virtude da separação promovida pela guerra) mas, ainda assim, muito complexa, pois a situação deve ser analisada de todos os ângulos.
O senso comum machista joga toda a culpa pelo imbróglio no colo da mulher, como sempre ocorre, mas se analisarmos a situação de Veronika, além de ela não ter certeza de que Boris retornaria, ela ainda teve uma relação não consentida com o primo de Boris, que a pegou à força. Ou seja, para esconder a vergonha do estupro e salvar sua honra, ela preferiu assumir uma relação com o primo e fazer o casamento, sendo igualmente rechaçada pela família. Ou seja, ela estava entre a cruz e a caldeirinha. Só é interessante notar como certos valores ditos mais tradicionais e burgueses aparecem nessa sociedade socialista, numa prova de que algumas permanências são vistas na sociedade revolucionária.
De qualquer forma, o mau caratismo do primo se revelou e Veronika se livrou dele. A moça, que esperou por seu Boris por toda a guerra acabou tendo confirmada, no dia da chegada do vitorioso Exército Vermelho, a notícia da morte de Boris no front. E aí, tivemos talvez um dos melhores desfechos da História do Cinema, onde Veronika, não sabendo a quem distribuir as flores destinadas a Boris, recebe a sugestão de distribuí-las a quem ela acha que merece, com a moça dando as flores para a multidão que recebia os soldados, ou seja, o povo russo.
Tal desfecho arrancou aplausos da plateia que lotava a sala do Cinema 2 da Caixa Cultural. Vale a pena ressaltar aqui que a mostra tem presenciado uma boa presença de público, sendo isso uma grata surpresa e, talvez, um sinal dos tempos turbulentos que temos vivido.
Assim, “Quando Voam as Cegonhas” é um daqueles filmes inesquecíveis que tocam fundo na nossa alma. Um filme com bons atores, linda fotografia, movimentos frenéticos de câmara meticulosamente calculados nas cenas de desespero de Veronika, e uma história instigante e reflexiva, com um lindíssimo desfecho. Vale a pena procurar por esse filme. Fiquem agora com o magnífico desfecho desse filme, legendado em inglês.
Vamos hoje continuar a falar das impressões de “Han Solo: Uma História Star Wars”.
O filme dá sequência, avançando três anos no tempo e mostrando Han num cenário de batalha, com cenas de guerra e uma vestimenta toda inspirada na Segunda Guerra Mundial, o que deu um tom de veracidade à película. Nada de stormtroopers branquinhos e assépticos. A gente via uma guerra suja mesmo, no meio do barro e com pessoas sendo pulverizadas e mortas de forma implacável. Nós víamos inclusive soldados imperiais andando até dentro de trincheiras, ao bom estilo da Primeira Guerra Mundial. Confesso que a gente se lembra um pouco de Rogue One nesse pequeno momento, o que é um grande trunfo para o filme. Vai ser nesse ambiente altamente caótico que Han conhecerá Thomas Beckett (interpretado por Woody Harrelson), um exímio pistoleiro do Exército Imperial que tem toda uma série de trejeitos que Han terá mais tarde nos filmes clássicos. Nosso protagonista quer se aliar a Beckett, mas este o rechaça, pois Han nota que Beckett não é um militar, mas sim uma espécie de mercenário, algo que fascina Han. Só que o aspirante a contrabandista se dá mal ao tentar chantagear Beckett e acaba preso com uma fera que não come há três dias.
Tal fera não coloca medo no público, pois todo mundo já sabe quem é: Chewbacca (interpretado agora pelo jogador de basquete finlandês Joonas Suotamo). Aqui, aparece outro lance que despertou uma certa polêmica: Han falando a língua de Chewbacca para planejar uma fuga. Alguns acharam a coisa um pouco boba. Vou novamente em defesa do filme e digo que achei tudo muito divertido, bem ao espírito dos filmes mais antigos que tinham lances muito cômicos, daqueles de despertar gargalhadas, muito bem encaixados na ação. O Han falando o idioma de Chewie também serviu para dar uma química imediata à dupla que é antológica no Universo de “Guerra nas Estrelas”.
Conseguindo levar a fuga adiante, Han avista a nave de Beckett e implora para que os dois sejam levados, o que acaba acontecendo. Han e Chewie, então, passam a fazer parte do grupo. Há um momento aqui que tem que ser destacado, quando todos estão em volta de uma fogueira conversando uns com os outros e se conhecendo, sendo um bom momento de construção dos personagens.
O grupo terá uma grande operação a fazer: roubar um vagão inteiro de coaxium. Essa será a segunda sequência de ação do filme, onde há a tentativa de roubo do vagão, a disputa com os mercenários liderados pelo pirata Enfys Nest (os piratas são mais uma referência ao Universo Expandido) e a subsequente explosão do vagão quando este colide com uma montanha. A ação acabou por desmantelar o grupo de Beckett, sobrando apenas Solo e Chewie com ele. Mas esse não era o problema maior: a carga de coaxium era para o líder do Sindicato do Crime Aurora Escarlate, Dryden Vos (interpretado pelo “Visão” Paul Bettany). Os sindicatos do crime são mais outra referência ao Universo Expandido. Vos é, simultaneamente, paternalista e cruel, e não aceita fracassos. Beckett, Solo e Chewie terão que se explicar com Vos em seu gigantesco Iate e lá Solo reencontra Qi’ra, agora como subordinada de Vos.
O grupo traça um plano para roubar coaxium bruto, um material extremamente volátil e perigoso, que vai precisar ser refinado rapidamente para não explodir. O problema é que esse coaxium bruto está num planeta na rota de Kessel (touché!), que passa dentro de uma nebulosa com um poço gravitacional muito intenso (mais conhecido como buraco negro em nossa galáxia). Será necessária uma nave cargueiro bem rápida para a missão. E aí, Qi’ra tem a pessoa certa para isso. Isso mesmo, caro leitor: Lando Calrissian (ou melhor, Landonis; pois é, seu nome original é revelado), um personagem também muito interessante e muito bem trabalhado aqui, a começar pelas referências que Qi’ra nos fornece: uma pessoa elegante, de bom gosto. Há o famoso jogo de sabacc (o jogo de sabacc é mais uma referência ao Universo Expandido) entre Solo e Lando (interpretado por Donald Glover que, ao contrário do que muita gente tem pensado por aí, não tem rigorosamente nada a ver com o Danny Glover), e, diferente do que imaginávamos, foi Lando quem tomou a nave de Solo, com o manjado truque de carta na manga.
De qualquer forma, é aí que Qi’ra e Beckett aparecem e conseguem convencer Lando a usar a Millenium Falcon na missão do roubo de coaxium por uma bagatela de 25% dos lucros. Aqui, surge um personagem bem interessante, até seguindo a linha de robôs interessantes de “Guerra nas Estrelas”: L3-37, uma robô “fêmea” (interpretada por Phoebe Waller-Bridge) será a co-piloto de Lando, tendo duas características especiais: ela tem um mapa de navegação da galáxia muito completo (o que impede de sua memória ser apagada) e ela é uma ferrenha defensora dos direitos dos robôs a terem seu próprio livre arbítrio e a não se submeter à autoridade de seres vivos. Essa segunda característica é muito marcante, pois ela nos remete imediatamente a Isaac Asimov e às suas histórias de robôs lá de meados das décadas de 40 e 50. Em algumas histórias de Asimov, os robôs eram tratados com muita discriminação pelos seres humanos, de uma forma parecida com a que brancos tratam determinados grupos étnicos como os negros ou asiáticos.
Essa visão preconceituosa do robô como elemento subalterno se repete em “Guerra nas Estrelas”, embora aqui os robôs tenham bem mais personalidade. Se C3-PO aparece como uma figura submissa, parecendo ser controlado pelas três leis da robótica de Asimov e é praticamente espezinhado por figuras como o próprio Han Solo, R2-D2 é muito mais atrevido e ativo, salvando o dia (e a vida) dos humanos em várias situações. Sua personalidade só não é mais atrevida e forte porque ele fala através de uma sequência de bips incompreensíveis. O robô que exibirá essa linha totalmente atrevida será o K2SO de “Rogue One”, onde a gente compreende muito bem o que ele fala e a sua personalidade, sem falar que seu carisma dava a nós uma empatia imediata com ele (muita gente por aí diz que a “morte” mais sentida de “Rogue One” foi justamente a de K2SO). Pois bem, L3-37 consegue ir além: ela não somente tem personalidade forte e não tolera o preconceito dos humanos, mas também se torna uma espécie de ativista que luta pelos direitos de seus pares. E aí, mais uma vez, a gente se curva à importância cultural de “Guerra nas Estrelas”: se Asimov canta a pedra lá nas décadas de 40 e 50, falando de um preconceito de humanos contra robôs, “Guerra nas Estrelas” desenvolve o tema através de personagens robôs que, gradativamente vão enfrentando essa empáfia humana e se afirmam, mostrando muito carisma e encantando o público, numa mostra de que a saga cada vez mais deixa de ser uma fantasia espacial infantil blockbuster para se tornar algo mais maduro, capaz de abordar temas altamente reflexivos.
No próximo artigo, vamos falar do roubo propriamente dito do coaxium e da famosa corrida de Kessel. Até lá!
E estreou “Han Solo: Uma História Star Wars”, um filme esperado com uma certa expectativa e muito temor por parte dos fãs, já que as notícias referentes às filmagens não eram muito boas: trocas na direção, refilmagens, a necessidade de um coach para o ator que interpretava o protagonista, etc. Pode-se até dizer que havia um clima de desânimo no ar por parte de alguns e de “vamos ver no que deu” por parte de outros. Confesso que fiquei no segundo time, acreditando na afirmação de Mark Hamill de que os spin-offs seriam mais interessantes do que os episódios em si, ainda mais depois de alguma decepção com o Episódio VIII. Agora, passada a estreia e algumas idas ao cinema para se tornar mais íntimo da película, finalmente chegou a hora de se colocar as impressões aqui, lembrando sempre de que precisaremos dos spoilers para uma análise mais aprofundada e fundamentada.
E o que podemos falar em primeiríssimo lugar? Contrariando as expectativas mais pessimistas, “Han Solo” foi um bom filme. Uma boa película de aventura para apresentar um dos personagens mais cafajestes e atraentes de “Guerra nas Estrelas”. Um filme que conseguiu acrescentar, de uma forma bem harmônica, elementos do Universo Expadido e do cânone unificado pós-Disney, o que torna a história atraente para uma maior gama de fãs com um grau relativamente alto de exigência.
O filme já começa no planeta natal de Han (interpretado por Alden Ehrenreich), Corellia, que se especializa na construção de naves espaciais, informação presente no Universo Expandido. Os tempos de juventude de Solo o mostram sobrevivendo nas ruas e submetido aos caprichos de Lady Proxima (interpretada por Linda Hunt), uma espécie de lacraia gigante que controla todo o submundo de Corellia. Solo e sua namorada Qi’ra (interpretada por Emilia Clarke) tentam fugir de Proxima com uma pequena amostra de coaxium, o combustível dos motores hyperdrives, ou seja, os motores que viajam à velocidade da luz, sendo muito potentes e, consequentemente, de um potencial explosivo enorme.
A fuga de Han e Qi’ra das (muitas) garras de Lady Proxima é responsável pela primeira cena de ação do filme, onde uma perseguição com speeders se dá nas ruas de Corellia e conhecemos todo um ambiente altamente poluído e industrializado, o que nos dá uma noção de como a vida de Han poderia ser difícil naquele ambiente. Han e Qi’ra chegam ao espaçoporto, mas somente Han consegue fugir, já que Qi’ra é capturada pelos capangas de Proxima. Han promete voltar, mas ainda é perseguido no espaçoporto. Para poder despistar os stormtroopers, ele acaba se alistando no serviço militar imperial, pois também tinha o desejo antigo de pilotar uma nave. Aqui, podemos abrir um parênteses para falar de algumas coisas. Em primeiro lugar, mais uma referência ao Universo Expandido, pois lá há a menção de que Han fazia parte do corpo militar do Império.
Em segundo lugar, vemos como aparece o nome Solo: o militar que o alistava lhe deu esse nome depois que Han alegou não ter ninguém, que era sozinho. Algumas pessoas não gostaram muito dessa origem do nome. Eu particularmente a achei bem interessante, pois casa um pouco com o lado errante do personagem, onde sua vida vai sendo traçada pelo acaso, pelo sabor dos acontecimentos. Nada melhor do que um lance casual para explicar a origem de seu nome.
No próximo artigo, vamos ver como Han se encontra com Tobias Beckett, que se tornaria um exemplo de vida, e com Chewbacca. Até lá!
Ainda dentro da mostra “Nouvelle Vague Soviética” da Caixa Cultural, vamos falar hoje de “O Início de Uma Era Desconhecida”. Esse é um filme de 1967 e de 75 minutos, que conta duas histórias conduzidas por diretores diferentes. A primeira história, “Anjo”, dirigida por Andrey Smirnov, fala de um grupo de camponeses que viaja de trem durante a guerra civil entre russos brancos e russos vermelhos (1918-1921).
Só para recordar, após a Revolução Socialista de Outubro de 1917 e da subida dos bolcheviques ao poder (os russos vermelhos), os russos adeptos do capitalismo e do Czar deposto Nicolau II (ou seja, os russos brancos) se uniram a uma força estrangeira de quinze países capitalistas que temiam que o socialismo avançasse entre seus trabalhadores e ameaçasse a estabilidade de seus governos, deflagrando a Guerra Civil de três anos contra a Rússia, terminando com a vitória dos russos vermelhos mas mergulhando o país numa profunda crise econômica.
Houve até casos de canibalismo em virtude da falta de comida, algo com o qual os países capitalistas fizeram troça, dizendo que “comunista come criancinha”. A situação piorou mais ainda depois que os países capitalistas, derrotados pela guerra, fizeram um bloqueio econômico à Rússia que teve o nome de péssimo gosto de “cordão sanitário”.
Mas, voltando ao filme após esse pequeno parênteses histórico, o ano é 1920 e, no grupo, há um membro do Partido Comunista que se vê como uma autoridade sobre aquele punhado de pessoas. O problema é que as pessoas não o vêm muito como autoridade, o que gera alguns conflitos naquele grupo. A situação ir´se agravar, pois eles são capturados pelos russos brancos, vistos como os verdadeiros vilões da história, esses sim maus como um Pica-Pau, cometendo as piores atrocidades possíveis. Essa foi uma história bem curta e pouco desenvolvida.
A segunda história, intitulada com algo parecido como “Roda Elétrica”, foi dirigida por Larisa Shepitko, e teve uma duração um pouco maior com um clima, digamos, mais prosaico. Ela conta a trajetória de um estudante que levava a ideologia do partido a uma comunidade assolada pela seca. Lá, ele vai se deparar com a desesperança de um povo e a fé que ainda sustentava o pouco de esperança em poucas pessoas, algo conflituoso com a ideologia marxista ateia.
Mas o estudante vai encontrar um homem que usa o motor de uma moto como um gerador elétrico. O rapaz, então, vai tentar usar o motor da moto como uma espécie de bomba para puxar água do subsolo para salvar a comunidade da seca e trazer a redenção para o povo.
Dois filmes, duas histórias e o socialismo como personagem redentor, com uma leve crítica a esse personagem na primeira história. Esse é o perfil de “O Início de uma Era Desconhecida”, mais um dos filmes da mostra “Nouvelle Vague Soviética”, da Caixa Cultural. A Batata Espacial encontrou o filme completo, só que, infelizmente, sem legendas. Ele é reproduzido integralmente aqui para que o caríssimo leitor possa ter uma ideia.
Falando novamente da mostra “Nouvelle Vague Soviética”, ocorrida no fim do mês de maio e início do mês de junho na Caixa Cultural, vamos hoje analisar o bom filme “Nove Dias De Um Ano”, de 1961. Essa película de duração de 111 minutos foi dirigida por Mikhail Romm, considerado um mestre da cinematografia em seu país, e veio com uma proposta, digamos, ousada: os protagonistas eram nada mais, nada menos que físicos nucleares, trabalhando para o governo soviético. O objetivo deles era conseguir detectar nêutrons ao desmembrarem átomos, algo que traria avanços enormes na direção da construção da Bomba H russa e também para gerar uma fonte praticamente limpa e inesgotável de energia.
Dessa forma, o filme se passa em sua parte num Instituto de Física Nuclear, com altas discussões científicas. Mas se engana quem acha que vai ver uma boa película de ficção científica. Aqui esse gênero funciona mais como um verniz do que realmente é a essência: temos aqui uma verdadeira história de drama e, por que não, de amor, configurando um triângulo amoroso entre o físico Goosev (interpretado por Aleksey Batalov) que lidera as pesquisas na detecção de nêutrons, uma física chadada Lyolya (interpretada por Tatiana Lavrova) e um físico teórico chamado Ilya Kulikov (interpretado por Innokentiy Smoktunovskiy, esse lembra muito o Christopher Waltz no seu jeitão de ser!) , cujos cálculos serão indispensáveis na detecção.
O problema é que, para levar adiante a pesquisa e chegar na sonhada detecção de nêutrons, Goosev se deixa tomar fortes doses de radiação, o que afeta violentamente a sua saúde, colocando-o em risco de morte. Lyolya, que estava indecisa entre Goosev e Ilya, acaba optando por casar com o primeiro e fica infeliz com a rotina do casamento, não achando ser uma perfeita casada (uma leitura bem burguesa, a meu ver), ao passo que Goosev não dava muita bola para a esposa, por estar obcecado por sua pesquisa.
E, no meio disso, llya dava umas incertas, até por ser também indispensável para a pesquisa, colocando esse relacionamento a três num equilíbrio instável, somente para usar um jargão mais de físico. Assim, a grande vedete da história não era a pesquisa em si, mas esse curioso e civilizado triângulo amoroso, regado a um drama de padrões um tanto burgueses para uma sociedade socialista (ou, pelo menos, a ideia que os capitalistas têm de sociedade socialista) e muita, muita radioatividade.
Aqui muito chama a atenção o trabalho dos atores, que conduziram muito bem o filme e que criam uma ótima empatia com o público. A gente compra a serenidade de Goosev, a sensibilidade e fragilidade de Lyolya, e a simpatia meio cafajeste de Ilya. A interação entre esses personagens faz o filme fluir levemente e a gente nem percebe os 111 minutos da película passando, de tão fácil que fica de acompanhar a história. Os personagens agradam e convencem muito.
Assim, “Nove Dias Em Um Ano” é um bom filme da mostra “Nouvelle Vague Soviética”. Um filme de bons atores, com um verniz de ficção científica, mas que é, na verdade, um bom drama conduzido por uma história bem escrita e que nada deixa a dever aos dramas cinematográficos ocidentais. E aqui na Batata Espacial, você tem a oportunidade de assisti-lo na íntegra, com legendas em inglês.