Mais um tesouro!!!
Autor: Carlos Lohse
Batata Movies – Argentina. Viagem Multicultural.
O genial Carlos Saura volta a atacar! Esse brilhante cineasta, que faz musicais com um estilo todo próprio, cheio de muito amor e carinho, e que mostra a cultura viva pulsando em toda a sua existência, volta a Argentina (já havia rodado o espetacular “Tango”) para, agora, falar um pouco do folclore do país vizinho. Aqui no Brasil, a película ficou com o singelo título de “Argentina”, mas o título original em espanhol é “Zonda: Folclore Argentino”, uma referência aos muitos estilos musicais e de dança presentes no país, que vão desfilando ao longo do filme como um rosário multicolorido e multicultural. Aliás, essa é a grande característica: uma mistura extremamente rica de culturas.
Presenciamos a mistura de elementos altamente europeus, indígenas, africanos, gaúchos e muito mais. Canções cujas letras nos falam de temas altamente poéticos como o amor e a natureza, mas que também não se esquecem de uma forte temática de cunho social. Canções que também revelam diferentes ritmos e peculiaridades de cada região em que são produzidas. É de se lamentar, somente, que tais ritmos, danças e canções não tenham sido explicadas mais a fundo. Há pouquíssimas legendas explicativas que definitivamente não saciam a nossa sede de informações. Mas quem já conhece o cinema de Saura de longa data sabe como ele trabalha: ao invés de um enciclopedismo e uma visão mais didática, os musicais se pautam muito mais na experiência sensorial do espectador, que entra em contato direto com o meio cultural em questão, despertando a sua curiosidade para pesquisar o tema mais a fundo posteriormente, tamanha é a sedução de sons e imagens que as películas de Saura despertam em nós.
Os números de dança eram simplesmente sensacionais. Havia desde uma espécie de “variação” do tango, só que dançado com muito mais contato corporal, fortes trocas de olhar dos parceiros e grande sensualidade, passando por “gatinhas” que conseguiam ser simultaneamente lúdicas e eróticas sem serem vulgares, chegando a números onde a cultura gaúcha dava a sua cara.
Havia dois dançarinos já na meia idade que deram um show, principalmente num número onde usavam cordas com bolas em suas pontas. Os caras giravam aquelas cordas numa velocidade que gerava, ao mesmo tempo, um profundo encantamento e uma forte aflição, pois se uma daquelas bolas acertasse a cabeça de um, poderia machucar feio. No filme, nada aconteceu, obviamente. Mas, e nos ensaios? Fica essa dúvida no ar.
O uso de instrumentos musicais também foi marcante. Desde violões até pianos, sendo usados de forma convencional ou pouco ortodoxa, chegando até a instrumentos mais ligados ao folclore local, como tambores de couro animal. Os números de instrumentos musicais foram outra atração à parte, que hipnotizavam e fascinavam.
Assim, “Argentina” é mais uma das pequenas joias de Saura, meticulosamente dilapidada com uma riqueza de detalhes que beira o infinito. Se suas outras produções eram um pouco mais monotemáticas, onde se aborda uma dança ou um estilo musical em particular, dessa vez temos um verdadeiro caleidoscópio cultural onde o folclore argentino foi a grande atração. Tamanha variedade de manifestações artísticas é o testemunho da forte miscigenação cultural da América que aliou de forma criativa elementos locais com influências estrangeiras, sejam da Europa, sejam até da África (!). Isso tornou o musical uma espécie de documentário mais sensorial do que explicativo, que serve como um grande motivador de interesse pela cultura de nosso país vizinho e nos deixa com sede por conhecer um pouco mais de cada flor daquele caleidoscópio. É o cinema em pura expressão de arte, do jeito que Saura sempre soube fazer. E o tipo do filme que você deve ter em sua casa, da mesma forma que você tem um quadro ou um CD de música erudita, ou seja, temos aqui um produto cultural não descartável, ao contrário daquele blockbuster que você consome e depois joga fora. Aqui não. Saura é para ver, ter e guardar.
Batata Movies – Variações De Casanova. Ópera Filmada?
John Malcovich ataca novamente. Ele protagoniza “Variações de Casanova”, escrito e dirigido por Michael Sturminger. Como o próprio título sugere, a ideia aqui não é contar a vida do conhecido mulherengo Giacomo Casanova de uma forma única e engessada, mas sim com variações, embora elas se tornassem pouco visíveis ou demasiado sutis ao longo da película. Tomando como locação o Teatro São Carlos em Lisboa, o filme (e, também, a peça, assinada pelo próprio Sturminger) se desenvolve como um grande teatro e ópera filmadas, embora se faça toda uma brincadeira com a situação, onde, em alguns momentos, haja um toque mais hilário, como na ocasião em que Malcovich, ao início do filme, simula um piripaque, que faz parte da peça, e uma médica do público busca prontamente atender o ator, sendo obrigada a assistir a peça dos bastidores até o intervalo, para não impedir o andamento do espetáculo. Ainda, o filme usava outros espaços do teatro além do palco, onde podíamos ver Malcovich e Veronica Ferres contracenando juntos numa saleta ou em outras dependências. Mas os grandes momentos do filme, sem a menor sombra de dúvida, são as sequências de claro teatro filmado e, principalmente, de ópera filmada, realizadas por cantores líricos profissionais. Tudo isso deu um grande toque de muita plasticidade à materialidade visual do filme, mas também foi um deleite para os que amam ópera e música erudita.
Do que se falou de Casanova? O personagem protagonista já estava numa idade relativamente avançada e pensava em escrever suas memórias. Vemos aqui um conquistador ainda na ativa, mas que se ressentia de alguns atos de seu passado, embora guardasse com carinho na lembrança muitos outros, como o flerte com um castrati, os antigos cantores líricos que castravam seus órgãos sexuais para afinarem suas vozes (no caso, o castrati aqui foi interpretado por uma atriz, o que deu ao personagem um visual de grande androginia). Dos atos mais sentidos, a paixão pela filha de uma antiga amante, amante essa interpretada pela magnífica Fanny Ardant, que apareceu por pouquíssimos minutos, deixando na alma do cinéfilo de carteirinha um gostinho de “quero mais”.
E os atores? Nem é preciso falar muito de Malcovich. Ele esteve genial como sempre, podendo ser dramático, engraçado, sedutor, atormentado, enfurecido quando ele quisesse. Sem falar que ele fazia o próprio Malcovich no filme, seja falando com a amiga que odiava ópera no intervalo da peça (como se os atores circulassem livremente pelo público em intervalos de peças; viva a liberdade poética do cinema!), seja falando com a médica lá do início da película, que era uma fã inveterada do ator e fazia perguntas constrangedoras que Malcovich, sabiamente, respondia com falas da peça (“Como um cavalheiro, responderia à sua pergunta?”).
Veronica Ferres, por sua vez, mostrou-se uma versátil companheira de palco de Malcovich, trabalhando com o ator diálogos que exploravam os traumas de uma relação amorosa descartável bem ao estilo do amante, embora fosse difícil acompanhar os diálogos em virtude do belíssimo vestido vermelho da atriz, com um decote para lá de voluptuoso e generoso, um verdadeiro deleite para os olhos.
Assim, se “Variações de Casanova” caíram mais no lugar comum da ópera e do teatro, ainda assim houve variações, sobretudo na mesclagem das obras que exaltavam o amante com um “suposto” mundo real, onde o próprio Malcovich era personagem. O filme conta ainda com um vistoso figurino e números musicais de muito bom gosto que, entretanto, pode entediar os não iniciados no mundo da ópera, mas é um prato cheio para os amantes dessa nobre arte. É o tipo do filme que você não vê por aí todo o dia e vale a pena a experiência.
Batata Literária – Natal em Weimar (Série Histórica)
Está frio, muito frio
Saio eu com a mamãe para as compras de Natal
As ruas estão cheias de gente
Muito movimento, tudo muito bonito
Roupas, brinquedos e doces nas vitrines
E muitas outras mães com suas filhas
Berlim está linda!
Branquinha com o seu manto de neve
Mas, de repente, ouço um barulho ritmado
Plá! Plá! Plá! Plá!
O que é isso?
Quando vejo, muitos homens juntos aparecem
Todos vestidos de escuro
Rostos sérios e tensos
“O que é isso, mamãe?”, eu pergunto
“Nada, minha filha. Eles só vão acalmar os arruaceiros”.
Não entendi nada
Quem são os arruaceiros?
Por que fazem arruaça? São maus?
“Um dia, você vai entender, filha”, disse-me mamãe
E os homens de escuro correram na avenida
Para longe, mais longe
Até que sumiram
Tudo voltou ao normal
De repente, muitos barulhos fortes!
Bum! Rá-tá-tá! Rá-tá´tá!
“O que é isso, mãe?”
“Fogos de artifício, filha. Viva o Natal!”
Eu olhava para o fim da avenida
Queria ver os fogos, mas…
Só via uma fumaça negra contra a neve branca
Perdi os fogos, mas… Viva o Natal!
Batata Movies – O Processo. Radiografia De Um Impeachment.
Estreou nos cinemas o documentário “O Processo”, de Maria Augusta Ramos. Esse é um filme muito inserido em questões contemporâneas e que trata de um tema extremamente espinhoso: o processo de impeachment de Dilma Rousseff, ocorrido há pouco menos de dois anos. Poucas vezes um filme chegou tão próximo a questões de nosso cotidiano no tempo (as últimas informações presentes no filme se remetem a abril de 2018), dando uma sensação de que vemos algo que “saiu do forno” muito recentemente.
E como foi que a diretora tratou esse tema muito polêmico, capaz de despertar as reações mais inflamadas? Ela simplesmente ligou a câmara e deixou as imagens falarem por si mesmas. Nenhuma interpretação delas, nenhuma leitura. Ela somente se preocupou em registrar o que se passava no Congresso Nacional naqueles meses turbulentos, deixando para o público tirar suas próprias conclusões do que assistia. Ao não descrever o que se passava nem dar uma opinião enquanto realizadora do documentário, Ramos parece ter buscado a intenção da isenção.
Entretanto, todos nós sabemos que ninguém é filho de chocadeira e uma isenção total é algo praticamente impossível. Todos têm um posicionamento, ainda mais nos dias turbulentos pelos quais nós temos passado, e a diretora optou por focar o documentário mais na defesa preparada pela então base governista, mostrando, principalmente, as ações dos senadores Gleisi Hoffmann, Lindbergh Farias e o advogado José Eduardo Cardozo. E, nesse momento, a diretora do documentário se posiciona, assim como isso já ocorreu em outros filmes que têm tratado os dias de instabilidade política do Brasil recente. Outro indício do posicionamento da diretora pode estar na montagem, onde algumas discussões acaloradas no Congresso entre a situação e a oposição eram suprimidas antes de seu final, e ficava na gente a sensação de curiosidade de como aquilo teria acabado.
Agora, uma coisa é certa: o filme é muito esclarecedor em vários aspectos, sobretudo dos lados em que cada conhecido político está, lados esses muito bem definidos hoje em dia. As imagens do plenário da Câmara dos Deputados e do Senado não deixam mentir.
Uma coisa assusta: o tom profético do discurso de Roberto Requião no dia em que Rousseff foi definitivamente afastada. Muitas das coisas que ele falou naquele dia (e coisas muito ruins) acontecem agora e pululam em nossos noticiários.
Assim, “O Processo” é um documentário polêmico sobre um assunto muito complicado que foi o impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Um documentário que tem a coragem de se posicionar politicamente, mas ainda assim tenta mostrar um registro relativamente isento, sem interpretar ou descrever imagens. Foi ligar a câmara e captar o que acontecia, para o público tirar suas próprias conclusões. Um programa imperdível.
Batata Movies – Roda Gigante. Mais Um Woody Allen.
Woody Allen volta à cena com mais um filme, desta vez com o bom “Roda Gigante”. Uma película mais voltada para a tragédia do que para a comédia. Um filme, acima de tudo, inusitado.
Vemos aqui a história de Ginny (interpretada por Kate Winslet), uma dona de casa que trabalha de garçonete num bar e que vive dentro de um parque de diversões, em frente a roda gigante e ao lado de uma irritante barraca de tiro ao alvo, numa decadente Coney Island da década de 50. Um belo dia, uma moça chega ao parque, procurando o marido de Ginny, Humpty (interpretado por Jim Belushi). Trata-se de Carolina (interpretada por Juno Temple), filha de Humpty, que não falava com o pai há cinco anos mas que agora o procura, pois ela se casou com um mafioso e foi obrigada pela polícia a depor contra o marido, sob a pena de ficar na cadeia. Carolina agora é procurada pelos mafiosos e vai se esconder na casa do pai, para o desespero de Ginny, que é infeliz no casamento e ainda tem um filho piromaníaco, fruto de um relacionamento anterior. Como se não bastassem todos esses problemas, Ginny vai se envolver com um salva-vidas, Mickey (interpretado por Justin Timberlake), buscando um certo alívio em sua vida altamente estressante. Até o dia em que Mickey conhece Carolina. Paremos com os spoilers por aqui.
Os últimos filmes de Allen têm sido ou de comédias mornas, de um fim com acentuado anticlímax (caso de “Cafe Society”, com Jesse Eisenberg), ou então de filmes com uma pegada maior de suspense (caso de “O Homem Irracional”, com Joaquin Phoenix), sendo estes últimos de suspense mais instigantes.
Parece que “Roda Gigante” atingiu um meio termo entre esses dois pólos, pois o anticlímax está lá no desfecho (que, obviamente, não direi aqui), mas há, também, uma leve pegada de suspense no caso dos mafiosos. Agora, o grande ingrediente do filme é um drama psicológico profundo, com um leve, e quase imperceptível, humor negro (o filme, definitivamente, não é bem exatamente para rir, embora tenha momentos engraçados), que conta uma tragédia sobre pessoas convencionais de um nível social baixo, cuja desilusão no relacionamento é o mote principal. Há um leve arremedo intelectual no passado de Ginny (que queria ser atriz e tinha alguma experiência em teatro) e Mickey (um cara que fazia pós-graduação e se encantava com literatura), mas isso ficou mais como um elemento para cimentar o relacionamento entre a atriz frustrada e o salva-vidas cheio de frescor (no bom sentido, é claro) e esperançoso no futuro de sua vida.
O filme é muito focado nas angústias de Ginny, uma personagem com a qual rapidamente nos identificamos, muito em virtude do sofrimento explícito de suas angústias (quem não as tem?). A interpretação de uma Kate Winslet envelhecida, mas não menos linda e sensual, com seu uniforme apertado de garçonete dos anos 50, foi simplesmente magistral e, mesmo que não fosse um filme de Woody Allen, o preço do ingresso já valia a pena pela presença da atriz. Outra grata surpresa foi a interpretação (e a volta) de Jim Belushi. Lembrado mais por suas películas de humor regadas à ação (ou vice-versa), Belushi surpreendeu como o marido vaca-brava e rude, mas, ao mesmo tempo, totalmente dependente emocionalmente, o que o fazia ir da bravata à submissão em questão de segundos. Tal complexidade fazia a gente também se afeiçoar com ele.
Asssim, “Roda Gigante” pode ser considerado um bom filme de Woody Allen, depois de uma certa decepção com “Cafe Society”. O diretor, conhecido pelas películas de humor, investiu mais no suspense nos últimos anos, e conseguiu misturar os dois gêneros nessa película relativamente bem. Vale a pena pegar em DVD se você não viu no cinema. E, afinal de contas, é um filme do Woody Allen, que, por seu nome, acaba sendo uma espécie de programa obrigatório para o cinéfilo que se preza.
Batata Jukebox – Pros Que Estão Em Casa (Hojerizah Feat. Toni Platão)
SIMPLESMENTE ANTOLÓGICO!!!!
Batata Arts – Tesouros da Batata (61)
Mais outro tesouro… eu chamo essa de “minha Lilian Gish”…