Batata Movies – Deadpool 2. Reinventando-se.

Um dos muitos cartazes do filme.

E estreou o novo “Deadpool”. Confesso que fiquei um pouco temeroso com essa continuação, em primeiro lugar pela conhecida “Maldição da Sequência”, onde, na grande maioria das vezes, a sequência de um filme é pior do que o primeiro E, principalmente, pelo fato de que, desta vez, o super-herói não era uma mais uma novidade para o grande público. A forma como Deadpool foi apresentado e o forte tom de humor negro do primeiro filme foram coisas surpreendentes a meu ver. Como seria agora que o super-herói já era conhecido? Como seria a pegada do humor, que geralmente é algo muito difícil de se fazer?

Um casal apaixonado (filme família)

Bom, para falarmos desse filme, os spoilers infelizmente serão necessãrios. Nosso herói (interpretado por Ryan Reynolds) está muito deprimido, pois perdeu a namorada depois de um ataque de gangsters à casa em que moravam. Depois de tentar o suicídio, sem sucesso, já que ele se regenera constantemente, é acolhido na mansão dos X-Men por Colossus. Para espairecer, ele se torna uma espécie de “X-Men estagiário” e, em sua primeira missão, ele toma contato com o jovem Russell (interpretado por Julian Dennison), um garoto gordinho cheio de ódio no coração que tem o poder de lançar chamas com as mãos e sair explodindo tudo por aí. Por uma, digamos, falta de habilidade de Deadpool de lidar com a situação, ele e Russell vão parar na cadeia.

Cable, um excelente personagem com o toque de Josh Brolin…

Lá, eles serão perseguidos por Cable (interpretado por Josh Brolin), um homem que veio do futuro para matar Russell sob o argumento de que ele se tornará uma pessoa muito perigosa (a esposa e a filha de Cable foram incineradas por Russell em dias ainda vindouros). Como Deadpool não sabe de nada, ele busca salvar o garoto e o pau quebra entre Deadpool e Cable. Mas o filme ainda vai ter algumas reviravoltas que não vou falar aqui.
Bom, à respeito de meu temor no primeiro parágrafo, quando disse que não me sentia seguro se a sequência poderia ser considerada boa por não se tratar mais de uma novidade, o início do filme me trouxe um pouco de receio. Parecia que ia ser mais sem graça mesmo.

Russell, muito ódio no coração…

Mas, paulatinamente, o humor deixou de ser sem graça e passou a funcionar muito bem, brincando com o poiticamente incorreto e sendo humor bem negro em alguns momentos, como a sequência da descida de para-quedas da X-Force. Meio que se ri de nervoso de toda aquela situação, tamanho o grau de inusitado ali. Outro ponto bizarro aqui, e que parece ter sido mais explorado nesse filme, foi o poder de regeneração de Deadpool, que possibilitou que nosso personagem fosse espezinhado ao máximo, sendo seu corpo quebrado, torcido, partido ao meio, e sempre se regenerando (parecia até personagem de desenho animado que é massacrado continuamente e volta novinho em folha).

Cala a boca, Deadpool!!!

Outra situação em que se ria de nervoso. Ou seja, o humor negro do filme é altamente agressivo e ácido, da mesma forma que ocorreu na primeira película, se reinventando e não deixando a peteca cair.

Dominó, uma sortuda de respeito…

Não faltaram piadas de bom gosto e de gosto duvidoso com os X-Men, assim como foi feita uma troça com a classificação indicativa do filme passar de 18 para 16 anos, essa sim uma excelente jogada de marketing, já que isso foi ventilado pela mídia antes da estreia. Além disso, o filme sempre teve boas e instigantes cenas de ação que, em Deadpool, definitivamente não são a atração principal, dado o grande grau de inusitado do humor do filme.

X-Force!!!!

Uma boa surpresa foi Josh Brolin no papel de Cable. Sua atuação foi muito boa, confirmando todo o seu talento exibido interpretando Thanos em “Guerra Infinita”. Mesmo sendo considerado um personagem sisudo e sério, as boas falas e a interpretação de Brolin encaixaram bem Cable na história (sem qualquer trocadilho infame), gerando uma ótima química com Deadpool, que o sacaneava constantemente, além de haver situações para lá de constrangedoras, onde Cable reagia com um “Jesus”, tipo “não acredito no que vejo ou no que ouço”, o que foi muito engraçado.

Posições inusitadas (tem hora que parece pornochanchada…)

Assim “Deadpool 2” conseguiu manter o nível do primeiro filme, mesmo que não tenha sido mais uma novidade. A pegada de humor negro se renovou, com uma dose de surreal e inusitado, e o universo desse herói ganhou novos personagens que podem dar muito caldo em eventuais sequências, sobretudo Cable, com a boa interpretação de Josh Brolin. Nosso herói de duplo sentido (no bom sentido) vale a pena a sua visita ao cinema.

Batata Movies – O Sacrifício Do Cervo Sagrado. Crendice Superando A Razão.

Cartaz do Filme

Você conhece aquelas pessoas que costumam “rogar praga” nos outros? Volta e meia, a gente escuta um ou outro caso de um espírito de porco assim. Pois é, esse é justamente o tema do filme “O Sacrifício do Cervo Sagrado”, dirigido por Yorgos Lanthimos, onde o místico atropela a vida de pessoas que sempre se pautaram pelo racional. Devo confessar que, para me fazer mais claro aqui, vou precisar lançar mão de alguns spoilers.

Steven, um médico racional

Vemos aqui a história de Steven Murphy (interpretado por Colin Farrell), um renomado cardiologista casado com uma médica também bem sucedida, Anna Murphy (interpretada por Nicole Kidman). Eles vivem num mundo rico e perfeitamente racional, o que faz com que o casal trate seus filhos de forma muito fria e onde as regras bem cumpridas são o mote principal. Mas um pequeno detalhe irá causar muita turbulência nesse mundo aparentemente perfeito. Steven volta e meia se encontra com Martin (interpretado por Barry Keoghan), um adolescente com um comportamento no mínimo estranho, meio letárgico, meio receoso com o que Steven pensa sobre ele. Aos poucos, Martin vai entrando na família de Steven. Mas o que parecia ser um adolescente inseguro vai se revelar uma verdadeira ameaça quando Martin “roga” uma espécie de praga para a família de Steven: se ele não escolher um membro de sua família para matar, toda a família morrerá, com seus membros ficando inicialmente doentes, passando por outros problemas de saúde, até chegarem à morte.

Anna, uma médica racional

Martin rogou essa praga em Steven, pois o pai do garoto foi operado pelo médico e acabou morrendo. Havia uma suspeita não confirmada na película, de que Steven havia operado o pai de Martin depois de tomar umas bebidinhas e teria feito a cirurgia um pouco bêbado, o que teria matado o paciente. Para um homem de ciência como Steven, tal ameaça de Martin poderia até parecer uma bobagem, mas a coisa começa a ficar muito esquisita depois que seu filho caçula adoece e fica sem sentir suas pernas. Daí para a frente, o filme se torna uma grande jornada ao inusitado.

Martin, o rogador de pragas…

Esse, definitivamente, é um filme que trabalha dois pólos de forma bem dicotômica e antagônica: a superstição e a razão, com a primeira subjugando totalmente a segunda. A família inteiramente racional, sem qualquer pingo de emoção, que se transforma até em um bastião de arrogância e frieza robótica, é atingida em cheio por uma praga supersticiosa rogada de forma totalmente irracional. A situação inédita à qual a família é submetida faz com que ela não tenha qualquer ideia de como vai lidar com a adversidade, levando muitas vezes a situações em que seus membros saem completamente do controle. É um filme onde o irracionalismo prevalece em grande parte da exibição, quase sendo um personagem.

Martin se envolve com a filha da família…

E os atores, como foram? Colin Farrell foi muito bem, todo artificial como seu personagem exigia. Entretanto, as explosões emocionais, de tão intensas, destoavam um pouco do resto de sua interpretação, ficando um tanto caricatas. Kidman, por sua vez, conseguiu jogar um pouco melhor com essa variação frieza/emoção, pois sua personagem parecia ter mais interesse em resolver o problema e encarava a situação de uma forma, digamos, mais prática. O jovem ator Barry Keoghan foi um tanto plano, onde as nuances de sua atuação pareciam ser mais auxiliadas pelas falas. Só foi de se lamentar a curta e fugaz participação de Alicia Silverstone no papel da mãe de Martin. Com pouquíssimo tempo de tela, a impressão que se deu é de que a moça está no ocaso de sua carreira. Triste fim para quem já foi um dia a Batgirl.

O conflito entre o racional e o irracional…

Assim, “O Sacrifício do Cervo Sagrado” é um daqueles filmes que chamam a atenção pela sua dose de inusitado e pela sua clara afronta a cultura racional, que é subjugada por uma superstição. Para dar mais essência à mensagem do filme, o elenco de medalhões ajudou muito, sendo este também um filme de atores. É uma curiosa experiência assistir a esse filme, que aborda uma temática que não se vê todo dia por aí, sendo que essa película vale a pena uma visitinha.

Batata Literária – Sem Culote (Série Histórica)

É hoje, cidadãos!

Vamos destruir a grande prisão!

Lá sofrem nossos irmãos

Que clamam pela Revolução!

Chega de luxos para os nobres

Agora, é a vez dos pobres!

Maldita seja a Bastilha!

Prisão que ao nome da França humilha!

 

Mas a batalha será dura!

Soldados armados nos esperam!

Lutemos, portanto, com bravura!

Pois só os vencedores as páginas da História carregam!

Trazemos conosco os ventos da liberdade!

E, para todos, a igual oportunidade

São tempos de guerra e sangue derramado

Mas nada temamos, pois temos o povo ao nosso lado!

 

Começa a contenda!

Avance à toda, não se arrependa!

Atire nos soldados!

Mate os desgraçados!

Nossa terra renasce

Há luta pela justiça em toda a parte!

Finalmente, tomamos a malograda cadeia!

Agora, vamos apagar mancha tão feia!

 

Para baixo, paredes de pedras!

Símbolos do mal por eras!

Chegou a vez dos  miseráveis

Que colocarão a França em caminhos mais ágeis

Pobre Majestade!

Não pode mais fazer alarde!

Marchemos, meus companheiros!

A pátria está livre dos ardilosos e sorrateiros!

Batata Movies – Coragem! As Muitas Vidas De Dom Paulo Evaristo Arns. Vivendo Como Pregava.

Cartaz do Filme

Quando falamos do posicionamento da Igreja Católica no que se refere aos dias da ditadura militar, logo dois nomes nos vêm à cabeça: Dom Paulo Evaristo Arns, Cardeal Arcebispo de São Paulo, e Dom Eugênio Sales, Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro. Sempre ficou um tanto pontuado que os dois tinham posições muito definidas. O primeiro assumiu uma postura mais combativa, lutando pelos pobres e contra a opressão, e o segundo mais antenado com o sistema vigente da época. Há alguns anos, essas duas posições foram revistas e relativizadas. Há quem diga que Dom Paulo tenha participado de algumas reuniões com os militares para conversar sobre os atos do governo golpista no que se referia aos presos políticos (como eles seriam tratados, por exemplo) e outros dizem que Dom Eugênio escondeu em casa pessoas perseguidas pela repressão politica. Polêmicas à parte, foi lançado o bom documentário “Coragem! As Muitas Vidas de Dom Paulo Evaristo Arns”, de Ricardo Carvalho, que tem o objetivo de traçar a trajetória do famoso Cardeal Arcebispo e seus inúmeros atores sociais naqueles dias tão turbulentos da ditadura militar.

Um cardeal de coragem…

O filme é uma verdadeira homenagem ao Cardeal Arcebispo e à sua luta pelos menos favorecidos, não buscando cair em qualquer tipo de polêmica. É um documentário estruturado de forma bem simples e convencional, narrado por Paulo Betti, e formado por entrevistas de pessoas da família, amigos, conhecidos, além de muitas fotografias, entrevistas e depoimentos do próprio Dom Paulo, onde podíamos sentir todo o seu espírito combativo e energia, manifestos sempre na palavra “coragem”, que ele entoava a todos que encontrava.

Sempre de bom humor, mas combativo nas horas certas…

Sem a menor sombra de dúvida, os momentos mais dramáticos do filme eram aqueles em que Dom Paulo combateu a ditadura abertamente, visitando presos que eram torturados, enfrentando cara a cara altas autoridades (o Cardeal chegou a promover um encontro entre Golbery do Couto e Silva, general estrategista do governo no mandato de Médici, e parentes de desaparecidos da ditadura militar, além de um encontro tenso com o próprio Médici, que lhe rendeu o fechamento da rádio onde Dom Paulo mantinha um programa diário) e participando dos mais variados movimentos sociais que sempre eram violentamente reprimidos pela polícia (deu-se a entender no filme que, não fosse a presença do Cardeal, a polícia poderia ter promovido verdadeiros massacres contra esses movimentos sociais).

O fatídico encontro com Médici…

Ao divulgar e distribuir uma cartilha sobre os direitos humanos analisados à luz do cristianismo, Dom Paulo foi acusado pelos mais conservadores de estar defendendo bandidos (já vi esse filme mais recentemente). Mas Dom Paulo rebatia. No programa Roda Viva, ele disse que Jesus foi acusado de estar com meretrizes, bandidos e todo o tipo de ralé da sociedade. Pelo menos, Dom Paulo foi acusado de estar apenas com bandidos. E lembrou que aqueles que querem punir bandidos são os mesmos que não dão emprego para a pessoa ter uma vida minimamente digna e não cair na bandidagem. E que isso está sendo visto.

Apoiando causas sociais…

Uma curiosidade foi a que o Cardeal tinha um relacionamento melhor com os papas do que com a Cúria Romana, tratada no documentário como realizadora de práticas que a deixam vista como um verdadeiro poder paralelo e que age de forma extremamente conservadora. Num dos depoimentos de Dom Paulo, ele deixa bem clara essa posição meio que litigiosa contra a Cúria Romana.

Um dos fatores que deixaram o documentário bem rico foi o fato de que o Cardeal era também jornalista e ele usou a mídia como ninguém para divulgar suas ideias e tocar os seus projetos, chegando ao ponto (inusitado, visto por alguns) de dar entrevista em revista masculina e até participação especial como ator numa novela da extinta TV Tupi.

Indo onde estavam os menos favorecidos…

Assim, “Coragem! As Muitas Vidas de Dom Paulo Evaristo Arns” é mais um daqueles documentários obrigatórios, pois mostra a vida de um religioso realmente de muita coragem, que enfrentou forças opressoras que voltam a nos assombrar nos dias de hoje. O documentário nos ajuda a contextualizar um pouco que forças são essas. Programa imperdível.

Batata Movies – Mulheres Divinas. Lutando Por Um Direito.

Cartaz do Filme

Uma produção suíça passou em nossas telonas. “Mulheres Divinas”, dirigido por Petra Biondina Volpe, fala da luta das mulheres daquele país pelo direito de voto feminino, algo obtido somente no ano de 1971 (!). Já é muito surpreendente que um direito tão básico tenha sido autorizado tão tardiamente num país capitalista ocidental. Mas, mais surpreendente do que isso, foi como o filme abordou a questão, pois ele se passa numa aldeia do interior da Suíça, onde o conservadorismo se manifestava em todos os pontos do vilarejo, o que fez o espectador sentir com muito mais intensidade todos aqueles dias de repressão pelos quais as mulheres passavam.

Nora, uma mulher que começa uma luta…

A história tem como protagonista Nora (interpretada por Marie Leuenberger), uma dona de casa bem casada, com dois filhos, que se dedicava às tarefas domésticas e queria trabalhar fora, mas era impedida pelo marido, que evocava a lei que dizia que o marido dava a palavra final nos assuntos particulares da família. Ela também ficou horrorizada com a prisão da filha de seu cunhado por sair com o namorado e fumar maconha. Num belo dia, enquanto ela estava numa cidade um pouco maior, recebeu panfletos que faziam campanha pelo direito de voto para as mulheres. Inconformada com o extremo machismo de sua aldeia de interior, Nora vai começar a questionar esse poder masculino, iniciando uma campanha a favor do sufrágio feminino. Mas isso traria muitos problemas para ela, sendo o seu grupo hostilizado por todos os homens da cidade. A moça também sofre dentro de casa, sendo hostilizada pelo sogro, marido e até os próprios filhos.

Tal luta vai provocar turbulências sérias com o marido…

O filme segue uma fórmula há muito batida, de luta pelos direitos, onde vemos o nascimento do movimento, as pequenas conquistas iniciais, o aumento do número de membros do grupo, o contra-ataque do oponente, geralmente feito de forma violenta, e a volta por cima no final. Mas o mais interessante aqui é que o comportamento conservador de uma aldeia provinciana da Suíça é contraposto com imagens tais como toda a liberação sexual de Woodstock, foguetes Apolo indo à Lua e manifestações feministas em cidades maiores da Suíça.

Participando de novas experiências…

A impressão que se dava é a de que a aldeia é eleita uma alegoria da própria Suíça e de como ela ficava atrasada no tempo frente aos avanços externos. Outra alegoria curiosa aconteceu quando Nora via um globo terrestre com os filhos e, ao estar com o dedo em cima do Oceano Pacífico, ela se lembrava das criaturas que viviam nas fossas abissais, a quilômetros de profundidade, onde o escuro e silêncio totais estavam presentes. Tais criaturas são completamente insensíveis ao mundo exterior, assim como os habitantes da pequena aldeia, que se recusavam a ver o mundo à sua volta e continuavam chafurdando na lama do conservadorismo.

Enfrentando toda uma cidade…

Um outro elemento que chama a atenção é o humor presente no filme, algo um tanto difícil de se ver numa produção de origem mais teutônica, principalmente porque esse humor consegue dialogar bem com a plateia daqui e ajudar a nos identificar com os personagens.

É hora de empunhar a bandeira do voto feminino!!!

Assim, “Mulheres Divinas” é um filme que fala de uma importante luta por direitos ocorrida tardiamente num país capitalista ocidental e ainda chama a atenção pelo diálogo entre tradição e modernidade, com simpáticas pitadas de humor. Vale a pena dar uma conferida.

Batata Movies – Submersão. Cada Um Afogado Em Seus Problemas.

Cartaz do Filme

Wim Wenders está de volta em grande estilo com seu filme “Submersão”. E eu digo isso, pois o renomado diretor alemão trabalha com dois atores de peso: James McAvoy e Alicia Wikander, tendo, ainda, a excelente participação de Alexander Siddig, o Doutor Bashir de “Jornada nas Estrelas, Deep Space Nine”, para delírio dos trekkers de plantão que tiveram a oportunidade de ver a película.

James e Danielle se conhecem num hotel…

A história fala de um jovem casal de namorados, James More (interpretado por McAvoy) e Danielle Flinders (interpretada por Wikander), que se conhecem num hotel em período de férias. A relação é altamente idílica e sentimental, no bom sentido da palavra. Mais do que o amor físico, está um amor mais da alma, onde duas pessoas que se conhecem rapidamente e tiveram muito pouco tempo para estarem juntas, encontraram uma alta afinidade, mesmo que elas exercessem ofícios bem diferentes: James é uma espécie de agente que investiga ações do Estado Islâmico na África, e Danielle é uma cientista que estuda vida subaquática a grandes profundidades.

Logo rola uma terna química entre os dois…

Apesar dos ofícios altamente díspares, podemos dizer que há algo em comum entre eles, pois ambos estão submetidos a um risco de vida profundo, como se a “submersão” do filme fosse justamente estar afundado até abaixo do pescoço para cumprir tais ofícios e o risco envolvido compensasse a execução de tais tarefas, dada a importância dos objetivos a serem alcançados. O problema é que os empregos de nossos protagonistas os impõem ao isolamento um do outro, o que provoca muita dor no casal. Mas o mais lindo de tudo é que tal isolamento é justamente o que estimula o casal a lutar contra o estado de submersão, pois eles batalham para estar juntos novamente. E aí está toda a poesia do filme, coalhada de momentos de flashback do casal junto, momentos muito breves e efêmeros que confortam as almas de nossos personagens nos momentos mais dolorosos da submersão.

Mas, infelizmente, a vida nos prepara algumas surpresas…

Não preciso dizer aqui que esse é mais um filme de atores bem dirigidos. Apesar de muito diferentes, as situações passadas pelos dois personagens prendiam a atenção do espectador do início ao fim. James passava por uma situação extremamente traumática, ao ser prisioneiro dos jihadistas do Estado Islâmico.

Vikander, em todo o seu talento, fez a gente sofrer junto com ela…

Torturas, prisões e a incerteza de ser ou não executado a qualquer momento mergulhavam o espectador numa torrente de angústia. Uma leve tentativa de relativização do elemento cultural ocidental e muçulmano foi brevemente realizada, mas os efeitos dos últimos atentados na Europa fez com que o estereótipo do muçulmano como fanático terrorista acabasse prevalecendo, embora tivéssemos a ótima presença de Alexander Siddig, fazendo, também pudera, um médico, o Doutor Shadid (trekkers entenderão).

Alexander Siddig, em seus momentos, arrebentou (Aêêê, Doutor Bashir!!!!)

Sua interpretação, contida e, igualmente, espontânea, dava legitimidade à sua luta, mesmo nos momentos mais radicais e nos enchia de empatia mesmo quando o personagem reconhecia que não concordava com tudo na sua luta contra o Ocidente e que já se sentia um condenado à morte. Já McAvoy convence na barbarização de seu personagem que, entretanto, não desistia de sair daquela situação de refém. Seus diálogos com o jihadista que insistia em convertê-lo foram primorosos. Vikander, por sua vez, convenceu muito com o sofrimento de sua personagem pela ausência do seu amado, o que chegou a comprometê-la profissionalmente, mas com a moça dando a volta por cima e conseguindo empreender a sua missão arriscada, apesar da dor reprimida. Mais uma atuação muito boa dessa atriz que se impõe por seu talento.

Wim Wenders dirige James McAvoy…

Assim, “Submersão” é mais um bom filme de Wim Wenders que conta com ótimos atores de um porte de James McAvoy, Alicia Wikander e Alexander Siddig. Uma história de romance, com muitos devaneios existenciais, mas que amarra muito bem duas histórias de vida que se conheceram muito rapidamente e de forma efêmera. Cada personagem estava afundado em sua própria submersão e era isso que os ligava e cimentava as suas relações. Um interessante filme que vale a pena uma conferida.

Batata Movies – A Livraria. O Inferno São Os Outros.

Cartaz do Filme

Uma co-produção Espanha/Reino Unido/Alemanha passou em nossas telonas. “A Livraria” é um filme sobre sonhos e destruições. Um filme que deixa evidente aquela máxima de Sartre de que “O Inferno são os outros”.

Florence, uma viúva superfofa que quer abrir uma livraria…

Do que se trata a nossa história? Estamos numa pequena cidade do interior da Inglaterra, no ano de 1959. Florence Green (interpretada pela fofíssima Emily Mortimer) é uma jovem viúva que tem, dentre suas virtudes, o hábito pela leitura. Ela compra um antigo imóvel da cidade e pretende transformá-lo numa livraria, mesmo que a população local não tenha o mesmo gosto que ela tem pelos livros. Só que tal empreendimento não será fácil, pois Violet Gamart (interpretada por Patricia Clarkson) é uma moradora da cidade com poder suficiente para fazer o que quiser por lá. E ela deseja usar a casa de Florence para transformá-la num centro de artes. Caberá, agora, à viúva, a enfrentar a mulher mais poderosa da cidade para manter de pé o seu sonho de continuar com sua livraria. Mas essa não será uma tarefa nada fácil.

A moça consegue realizar seu sonho…

Esse é um filme, acima de tudo, de atores. Emily Mortimer faz uma protagonista à altura, pois sua doçura e delicadeza, regada à muita determinação, provocam uma empatia imediata no espectador. O simpático tema do gosto pela leitura (tão vilipendiado por aí e até no próprio filme por alguns personagens) é um elemento adicional que muito ajuda na construção da personagem principal. A veterana Patricia Clarkson, mesmo aparecendo pouco, e funcionando mais como uma ameaça velada que tramava sub-repticiamente, tinha uma enorme presença como antagonista quando tinha as suas cenas.

Logo, logo, aparece uma inimiga…

A doçura de Mortimer, aliada a antipatia de Clarkson provocou a clássica mocinha totalmente boa vs vilã totalmente má, sendo algo um tanto simplório, mas não menos instigante nessa situação. Há um elemento extra no filme, a presença do personagem Edmund Brundish (interpretado pelo eficiente Bill Nighy), um homem que perde sua esposa e se refugia em sua casa, lendo compulsivamente.

Edmund, um leitor compulsivo…

Seu relacionamento com a livreira trará toda uma suavidade à película, responsável talvez pelos melhores momentos de todo o filme, já que Nighy foi de uma elegância atroz, e a química com Mortimer funcionou maravilhosamente bem. É bem verdade que a película não se restringiu a apenas estes poucos personagens.

Uma química sensacional entre Edmund e Florence…

Outras figuras interessantes surgiram ao longo do filme, mas todas elas tinham algo em comum, que era estarem atreladas ao conservadorismo e esquema de poder da cidade, seja de forma voluntária, seja de forma compulsória. Alguns personagens eram menos interessantes e outros mais, sendo um deles decisivo num ponto chave do filme. Mas pararei aqui com os spoilers para não estragar surpresas.

Sempre tem um &*¨%$#@ para implicar com a gente…

Assim, “A Livraria” pode até não ser um daqueles filmes que fará grande diferença em sua vida, mas vale a pena dar uma conferida, pois é uma película com boas atuações, que tem uma atmosfera um tanto prosaica, mas que pode esconder o pior do ser humano, e um filme, acima de tudo, com um quê muito fofo que estimula o amor pela leitura, algo um tanto raro de se ver hoje em dia.