Batata Literária – Na Fortificação (Série Histórica)

Não posso dormir!

Tenho que tomar conta do Forte!

Se eu, porventura desmaiar

Os gentios virão novamente

E, mais uma vez, roubarão a comida

E preciso estar abastecido sempre

Para servir as naus quando elas chegarem

De meu distante Portugal

 

Ah, Portugal!

Quantas saudades d’aquém mar!

Lugar onde há civilização!

E estão minha mãe e meu pai!

E, principalmente, está a minha Violeta!

Prometida a mim e que me ama!

Como é belo o Tejo!

Como são belas as vilas do interior!

 

Mas, por hora, devo esquecer minha casa

Minha realidade nesse momento é o além mar

Essa terra estranha… quente, úmida!

Cheia de plantas e animais exuberantes

Mas também coberta de gentios selvagens

E mosquitos… muitos mosquitos!

Não aguento mais essa tortura!

Mas ainda tenho quatro meses sozinho pela frente

 

Está escuro

Ouço todos os barulhos… será que são eles?

Vejo movimentos nas matas… são eles!

Pego minha arma! Vou apontar!

Atirei!  Corram, miseráveis!

Um ficou no chão. Uma grande mancha sai dele

É seu sangue cheio de pecados, contaminando a terra já contaminada

Te mandei para o inferno, besta desalmada!

Batata Movies – Zama. Um Homem De Seu Tempo.

Cartaz do Filme

Uma co-produção Argentina/Brasil/Espanha passou em nossas telonas. “Zama”, de Lucrecia Martel, é uma história fictícia sobre uma realidade bem antiga: a da América Latina em dias coloniais. Um filme que é permeado de uma certa fidedignidade histórica, embora ele incomode um pouco em alguns momentos.

Um elegante funcionário público…

Vemos aqui a trajetória de Don Diego de Zama (interpretado por Daniel Giménez Cacho), um oficial da Coroa Espanhola dotado de certo prestígio, mas lotado num rincão de fim de mundo, ali para os lados da Argentina e Uruguai. O homem busca uma transferência para um grande centro, mas esbarra em alguns obstáculos, como um filho ilegítimo com uma índia e o fato de ter, entre seus protegidos, um escritor de um livro considerado proibido. Desesperado, Zama busca uma atitude drástica: ele sai em caça a um bandido local, Vicuña Porto (interpretado pelo nosso Matheus Nachtergaele), com o objetivo de buscar um prestígio derradeiro. Mas nem sempre o que se planeja é o que acontece por fim.

Um cruel bandido…

Esse filme tem dois elementos que chamam a atenção. Em primeiro lugar, é uma película que aponta para o cotidiano colonial, onde costumes europeus se mesclam com a cultura local. Vemos toda a coisa de se ser um funcionário público colonial dentro de uma retórica de Antigo Regime, onde havia uma concentração excessiva de poder na figura da autoridade pública. A prática do clientelismo (troca de favores) também era muito presente, onde Zama, na esperança de obter o tão almejado cargo num grande centro, fazia tudo o que o governador exigia. Mas Zama também estava inserido numa realidade colonial local que o tornava vulnerável, sobretudo no já citado relacionamento com uma índia, cujo filho ilegítimo era um estorvo para ele. Sua atitude voyeur de espreitar mulheres nuas no banho de rio era também uma espécie de fraqueza que a realidade local o submetia, embora sua reação fosse exemplar numa retórica de Antigo Regime. Ao fugir do flagrante de sua espreita ao banho feminino, Zama é perseguido por uma das mulheres nuas que quer lhe tirar satisfações. Nesse momento, o funcionário público afirma a sua autoridade e dá um tapa no rosto da mulher, lembrando muito bem quem é que manda ali.

Um encontro cheio de surpresas…

O segundo elemento da película que salta aos olhos é a impressão de alguns estereótipos que temos sobre aqueles tempos pretéritos. Se o filme traz uma certa fidedignidade histórica ao analisar a figura de Zama como um funcionário público inserido na lógica de Antigo Regime de seu tempo, o filme também parece carregar nas tintas com relação à rótulos. No nosso senso comum, os dias coloniais parecem ser “piores” que os nossos. E o filme reza um pouco por essa cartilha. Tudo parece decadente, miserável. Há, por exemplo, um prostíbulo com negros e animais usados para práticas sexuais, como se tudo fosse altamente normal e corriqueiro. Confesso que nunca tive em mãos um estudo histórico sobre tal tema, mas o filme (que é baseado numa história de ficção, devemos nos lembrar) parece forçar excessivamente essa visão decadente e depravada. Outra coisa que incomoda um pouco é a forte decadência de Zama naquela sociedade, cuja mobilidade social era algo mais raro de ocorrer do que hoje. Sua queda foi muito acentuada e violenta, sendo esse mais um caso onde parece se carregar nas tintas.

Belíssima fotografia…

E os atores? Daniel Giménez Cacho deu muita elegância ao personagem de Zama. Se o filme pode ter exagerado em alguns momentos, a atuação de Cacho foi bem contida e calculada, o que deu elegância e, por que não usando um trocadilho, “nobreza” ao personagem. Já Nachtergaele arrasou como sempre. Aparecendo mais na parte final da película, a caçada a Vicuña Porto, parte essa a mais interessante, nosso ator conseguiu transpirar uma crueldade atroz, confirmando a tese de que, dentro de uma visão maniqueísta, se havia algum “vilão” naquela região, esses eram os portugueses e brasileiros, que queriam de alguma forma se intrometer no fluxo de prata peruana para a Europa. Sim, meus amigos, os argentinos estão cobertos de razão à nosso respeito nesse ponto.

Lucrecia Martel na direção…

Assim, “Zama” é um filme que consegue ser contraditório. Se por um lado traz uma certa fidedignidade histórica, por outro parece também carregar nas tintas sobre o passado colonial latino-americano. Somente essa curiosidade já merece a atenção do espectador. No mais, temos a oportunidade de presenciarmos dois talentos na atuação: Daniel Giménez Cacho e Matheus Nachtergaele. Vale a pena dar uma conferida.

Batata Movies – Tudo Que Quero. Trekkers Entenderão.

Cartaz do Filme. Vida longa e próspera!!!

Um filme muito singelo e fofo em nossas telonas. “Tudo Que Quero” é, antes de tudo, uma película muito humana, muito tocante. Em segundo lugar, é um prato cheio para qualquer trekker, apinhado de referências que somente os fãs de “Jornada nas Estrelas” vão pescar logo de cara. Em terceiro lugar, temos atrizes do quilate de Dakota Fanning (sim, ela cresceu desde “Guerra dos Mundos”!!!), Toni Collette (a inesquecível e sempre amada Muriel) e Alice Eve (a Dra. Carol Marcus de… “Jornada nas Estrelas, Além da Escuridão”!!!). Com esse curto preâmbulo, já dá para perceber que o filme promete.

Wendy. Vivendo em seu mundinho trekker…

Mas, no que consiste a história da película? Temos aqui a trajetória de Wendy (interpretada por Fanning), uma moça na casa de seus 21 anos e que sofre de autismo. Ela está internada numa clínica sob tratamento ministrado por Scottie (interpretada por Collette). Wendy obviamente tem dificuldades de relacionamento e se fecha no seu mundinho, onde “Jornada nas Estrelas” tem uma parcela muito grande de sua atenção. Ao descobrir que haverá um concurso de roteiros de “Jornada nas Estrelas” para os fãs, a moça decide escrever sua história. Mas um imprevisto a impedirá de colocar o roteiro no correio para participar do concurso. E aí, com a cara, a coragem e seu cachorrinho de estimação, Wendy parte sozinha para Los Angeles com o objetivo de entregar o roteiro pessoalmente para a direção do concurso. É desnecessário dizer que essa viagem será feita com muitos percalços e a mocinha terá que se descobrir para superar todas as dificuldades.

Explosões de paroxismo…

Esse é um filme em que Fanning rouba a cena quase que completamente. A jovem atriz convence muito em sua interpretação de autista, robótica e repetitiva em alguns momentos, e com explosões paroxistas de desespero em outros. Sua beleza de mulher feita não apagou sua beleza infantil angelical, constituindo uma boa mistura estética. Mas o seu talento não se ancora em sua beleza, sendo espontâneo acima de tudo, fazendo com que a personagem conquiste o espectador desde o primeiro momento. A gente compra a ideia da menina, a gente torce por ela e sofre com ela. É como se a atuação de Fanning nos impregnasse totalmente e nos prendesse ao mundinho de sua personagem. O misto de obstinação e de fragilidade de Wendy nos apaixona fortemente.

Sofrimento da irmã…

Quanto às atuações de Collette e Eve, ambas foram bem. A última convenceu com o sofrimento de longa data provocado pela doença da irmã caçula. Já a primeira teve o paradoxo de ser uma terapeuta compreensiva e uma mãe relativamente opressora.

Em busca de seu sonho…

As referências ao Universo Trekker são uma atração à parte, que divertem demais os iniciados e, infelizmente, a ameaça de spoilers não me permite dizer. Digo, inclusive, que o grande momento do filme é uma referência ao Universo Trekker, que provoca uma situação muito terna e fofa, de fazer qualquer trekker ir às lágrimas (confesso que devo estar carregando nas tintas, pois me identifiquei demais com a personagem). De qualquer forma, o roteiro é quase que um personagem à parte na película e que ajuda muito a se entender a psique de Wendy e o seu relacionamento com sua irmã, Audrey (interpretada por Eve). Só para dar uma palhinha bem rápida, a história se passa num planeta árido e desértico, com o Capitão Kirk à beira da morte e Spock, seu primeiro oficial e amigo, tentando salvá-lo. Esse enredo inicial tem muita coisa a ver com a vida e os sentimentos de nossa protagonista e fica bem claro como a confecção do roteiro funcionou como uma espécie de terapia para a moça.

Uma terapeuta meio bolada…

Dessa forma, “Tudo Que Quero” é um filme, sobretudo, para trekkers, mas não apenas para trekkers. Se os fãs de “Jornada nas Estrelas” vão se deliciar com as referências, esse também é um apaixonante filme de atrizes, com um destaque todo especial para Dakota Fanning, que nos arrebata do primeiro ao último minuto. Programa imperdível.

 

Batata Movies – Vingadores, Guerra Infinita. Thanos Malthusiano.

Cartaz do Filme

E estreou o tão esperado “Vingadores, Guerra Infinita”, com novamente a Marvel produzindo um grande filme, embora eu confesse que o filme me incomodou, talvez pela pegada altamente sombria da película. Antes de mais nada, vou logo dizendo que esse texto está repleto de spoilers. Não é a toa que estou o publicando com pouco mais de uma semana de exibição. De qualquer forma, se você ainda não viu o filme, é melhor voltar aqui quando já tiver assistido à película.

Thanos, um vilão muito poderoso…

Vamos lá. Bom, a sinopse todo mundo já conhece. O vilão Thanos precisa das seis joias do infinito para se tornar a criatura mais poderosa de todo o Universo e fazer todos de gato e sapato com um mero estalar de dedos. É claro que, para enfrentar um vilão extremamente poderoso, tivemos a presença de praticamente todos os heróis da Marvel, com a (sentida) ausência do Homem Formiga. Infelizmente, todos os heróis não lutaram exatamente juntos, numa batalha totalmente épica, mas sim em núcleos isolados, embora eles não tenham necessariamente deixados de ser épicos. Uma coisa deve ser dita aqui: houve várias situações paralelas, em locais (e planetas) diferentes, o que exigiu uma certa atenção do espectador. Mas como o filme teve a grande virtude (como todos os filmes da Marvel) de prender constantemente a atenção do espectador, a coisa se fez de forma relativamente tranquila. Ainda, o filme, apesar do clima pesado, manteve a pegada de humor, sobretudo nas situações em que personagens de dois núcleos diferentes interagiam, como quando vimos Groot e o Capitão América se conhecendo. O não abandono do humor nessa situação extrema não comprometeu o filme, ao contrário do que poderia parecer. Nos poucos momentos em que o humor desandou um pouco foi nas participações dos personagens dos Guardiões da Galáxia, onde tivemos diálogos bem bobinhos, a ponto de deixarem um Stark e um Strange da vida completamente estupefatos, mas que também contaminava as falas engraçadas desses personagens. Tudo bem, a pegada dos Guardiões da Galáxia é outra, mais bobinha e engraçadinha mesmo.

Dr. Estranho e Homem de Ferro. Choque de egos…

Uma coisa que chamou demais a atenção foi a motivação de Thanos em acumular tanto poder com as joias do infinito. Sua argumentação se baseava na premissa de que o Universo é finito e seus recursos também. Logo, o aumento das populações dos planetas provocaria um colapso que somente poderia ser solucionado com a execução de metade dessas populações. E ele se vangloriava de levar essa tarefa a cabo, uma tarefa que ninguém mais tinha coragem de fazer. Impossível não fazer uma comparação direta com Thomas Malthus, um economista britânico que viveu entre os séculos XVIII e XIX, e sua famosa teoria que dizia que a população pobre crescia em progressão geométrica e a produção de alimentos crescia em progressão aritmética. Logo, a única forma de resolver esse problema de escassez seria através de um controle populacional onde, obviamente, os pobres pagariam o pato.

Malthus, o Thanos real…

O governo não deveria dar qualquer assistência aos pobres, pois assim eles morrem e a proporção entre pessoas e comida se equilibra novamente (pode-se dizer que, quem critica hoje programas como o Bolsa Família ou reclama que o dinheiro dos impostos arrecadados são para sustentar “vagabundos” tem uma visão considerada neomalthusiana). Só que Thanos, a uma certa passagem do filme, falava que, ao sacrificar as metades das populações dos planetas, faria isso sem privilegiar ricos ou pobres. Seria Malthus ainda pior do que Thanos? Eu não queria estar por perto se Malthus tivesse as seis joias do infinito em sua manopla.

Thor e os Guardiões da Galáxia…

Falando ainda em Thanos, a atuação de Josh Brolin, mesmo com toda aquela capa meio virtual, foi de uma força tremenda, não somente pelas porradas que ele dava, mas também por acreditar piamente que sua visão genocida era totalmente necessária para salvar o Universo. E, ainda, ele, volta e meia apresentava uma visão respeitosa para com seus oponentes, sobretudo Tony Stark e Wanda, sobretudo no episódio da morte de Visão (chamou muito a atenção o afago que ele faz na cabeça de Wanda antes de conquistar a última joia). Agora, foi algo arrebatador a sua relação com Gamora, num misto de amor e ódio, que culminou com o sofrimento (sincero) de sacrificar sua filha para obter a joia da alma. Essa humanização de um vilão ultrapoderoso e imbatível foi um dos grandes momentos do filme.

Homem Aranha e sua roupa iradíssima…

Na parte dos heróis, algumas coisas também chamaram a atenção. O traje do Homem Aranha, por exemplo, estava com aquelas pernas mecânicas implantadas por Stark. O diálogo de Thor e Rogers, falando de barbas e penteados, foi engraçado. Confesso que gostaria de uma participação maior de Steve Rogers no filme. De qualquer forma, foi bom vê-lo em Wakanda (na minha modesta opinião, o que a Marvel tem de melhor nos filmes solo são os três filmes do Capitão América e o Pantera Negra). Agora, uma coisa ficou muito clara aqui. Cada filme de herói da Marvel, mesmo que tenha pontos em comum com os outros, tem uma pegada própria. Isso ficou muito claro quando os personagens interagiam ou havia mudanças de um núcleo para outro, como se a gente tivesse uma espécie de mosaico de tudo o que vimos da Marvel nos últimos anos. Nesse ponto, o filme ficou bem construído, pois essas diferenças de cada personagem poderiam não ter dado muito certo se não fossem bem trabalhadas.

Pantera Negra e Wakanda como campo de batalha…

E o desfecho? Bom, pode-se dizer que a opção pelo vilão ter vencido a guerra e os mocinhos terem perdido foi muito boa, pois se chutou o “happy end” para escanteio. De fato, essa solução engrandece o filme, mas aqui surgiu um pequeno problema. Se tem reclamado por aí que as mortes têm sido desvalorizadas, pois hoje se matam heróis e eles são ressuscitados num piscar de olhos. E, agora, mais do que nunca, se lançará mão desse expediente, pois morreram muitos heróis. E a Marvel não quer perder dinheiro com a franquia, obviamente. Mas ficou uma pulga atrás da orelha: será que todos voltarão à vida, ou alguns realmente foram de forma definitiva? Essa dúvida (e angústia) somente aumentava à medida que víamos os heróis virarem cinzas. Devo confessar que, quando disse que o filme me incomodou, o foi principalmente pela parte dolorosa de ver muitos heróis morrendo (eu sou adepto daquela opinião, meio antiquada para os padrões de hoje, eu sei, de que o herói não deve morrer). Isso deu uma agonia e uma cara de tacho ao fim da exibição, com um Thanos sorridente vendo o pôr-do-sol depois de ter vencido sua guerra.

Steve Rogers, com barba…

Ficou aquela sensação de “já acabou?”. E, dessa vez, até os créditos finais nos meteram uma rasteira, sem cenas por toda a sua extensão, somente com uma aparição de Nick Fury (que também desmanchou) mandando uma mensagem para a… Capitã Marvel (!). Confesso que não conhecia essa super-heroína, mas o que se tem falado por aí é que ela tem muito poder. Outro detalhe interessante está nos heróis que sobreviveram. Bruce Banner, que não se transformou em Hulk por todo o filme, deve voltar com força total como o monstro verde no próximo filme (pelo menos assim espero!), assim como Stark e Rogers terão que fazer as pazes de qualquer jeito. Quanto a trazer os mortos para a vida, Thanos já até deu a dica: é só usar a joia do tempo (o problema vai ser tirar a manopla da mão dele, embora os heróis tenham quase conseguido nesse filme). E seria muito legal ver o Thor descer o cacete (ou o machado) no Thanos (ele quase conseguiu aqui).

Capitã Marvel vem aí???

Assim, “Vingadores, Guerra Infinita”, é mais um filmaço da Marvel, muito sombrio, pois os heróis encontraram um inimigo muito poderoso, e a derrota foi avassaladora. Haverá uma volta por cima total? Ou algumas marcas permanecerão? Confesso que não li os quadrinhos para saber como tudo se processou, se bem que nem sempre o cinema toma o mesmo rumo das histórias dos quadrinhos, alterando-as ao seu bel prazer. Até Thanos retornar (como foi prometido no final derradeiro do filme) esse incômodo vai ficar coçando o fundo de nossas mentes. Aquelas cinzas até agora estão provocando uma sensação desconfortável. Mas esse filme é um programa para lá de obrigatório.

Batata Movies (Revival) – O Mordomo da Casa Branca. Quem não vive para servir não serve para viver.

Cartaz do Filme

A Batata Espacial vai fazer um revival e resgatar alguns filmes que foram exibidos há alguns anos. Essa é a seção Batata Movies, com o selo revival. Hoje começamos com o bom filme “O Mordomo da Casa Branca”.

Cecil, chegando ao seu novo emprego…

A América como ela é. Conservadorismo, direita e racismo travestidos de democracia somente para os brancos WASP (sigla em inglês para a expressão branco, anglo-saxão e protestante). Essa é a impressão inicial do filme “O Mordomo da Casa Branca” (The Butler), estrelado pelo “Academy Award Winner” e excelente Forest Whitaker. Vemos aqui a história de Cecil Gaines, um menino negro do sul dos Estados Unidos que trabalha como empregado numa fazenda que cultiva algodão. O filho do proprietário da fazenda estupra a mãe de Cecil (interpretada por uma gorda e deformada Mariah Carey que, praticamente entrou muda e saiu calada do filme) e, não satisfeito, ainda mata o seu pai, numa mostra de que a vida dos negros da primeira metade do século XX nos Estados Unidos estava totalmente à mercê dos brancos e suas vontades.

Um mordomo dedicado…

O menino é então adotado pela matriarca da fazenda (interpretada pela veterana artista Vanessa Redgrave) que o inicia na criadagem e na arte de servir. Depois de alguns anos, ele abandona a fazenda, pois, como adolescente, já não tem a proteção que a criança negra da Casa Grande tem e, para não ser assassinado, ganha o mundo. Ao tentar assaltar uma confeitaria, é flagrado pelo empregado negro que o acolhe e lhe dá oportunidades de trabalhar no comércio, sempre servindo as pessoas. Daí, sua carreira se desenvolve até chegar a ser mordomo da Casa Branca. A vida, que pareceria um mar de rosas a partir daí, tem ainda muitos lances dramáticos, como a crise conjugal na vida de Cecil que a dedicação ao emprego provoca (a esposa de Cecil é interpretada pela multimídia Oprah Winfrey) e as severas crises de relacionamento entre Cecil e seu filho mais velho, Louis (interpretado por David Oyelowo). Louis decide estudar no sul dos Estados Unidos e se torna politicamente engajado, estando ligado a Martin Luther King num momento, e aos Panteras Negras em outro, indo para a prisão várias vezes, para desespero de sua família, que assiste tudo à distância. Seu pai, em contrapartida, procura não se engajar politicamente para garantir seu emprego de mordomo, engolindo todo tipo de humilhações para poder sustentar a família.

Mordomos muito elegantes…

Tudo isso tendo como pano de fundo a história dos Estados Unidos ao longo do século XX, principalmente no que tange à questão racial. O filme tem um grande mérito: aborda o racismo em toda a sua intolerância, agressividade e violência, onde o próprio espectador sente-se agredido ante à tantas situações ultrajantes que os brancos impõem aos negros. As posições de pai e filho também são relativizadas no filme. Fica bem claro que o pacifismo de Martin Luther King é valorizado e a violência dos Panteras Negras é condenada (ao melhor estilo manifestação pacífica X “Black Blocs” que vimos nos últimos tempos) ao encontrarmos Louis jantando na casa dos pais com sua namorada num gigantesco penteado “black power” e soltando arrotos à mesa, num comportamento que choca os pais inseridos numa vida burguesa, apesar do racismo que sofrem. Por outro lado, o próprio Martin Luther King valoriza os procedimentos do pai mordomo de um envergonhado Louis, dizendo que conquistar a confiança dos brancos e os conhecer a fundo também pode ser visto como uma estratégia de luta (impossível não comparar tal situação com a dos escravos no Brasil Colonial que, em algumas situações, se aproximavam dos seus senhores, conquistando-lhes a confiança, ao denunciar planos de fuga de escravos, por exemplo, ganhando prêmios como comida extra no almoço, um pedacinho de terra para plantar e viver com a família no engenho e até a sua liberdade). Apesar dessa relativização, pai e filho somente se aproximam quando o Cecil pede demissão de seu emprego e também se engaja politicamente com o filho.

Cecil e sua esposa…

Como todo o filme americano que se preza, o “happy end” está garantido, com a apoteose “we can” de Barack Obama, numa espécie de vitória final dos negros na sociedade americana. Outra nota curiosa do filme é o desfile de presidentes americanos, onde a constante é o conservadorismo e o racismo, exceção aberta a Kennedy e, talvez, Eisenhower. Jimmy Carter somente em imagens de arquivo é uma ausência sentida. Talvez o episódio da embaixada dos Estados Unidos no Irã em 1979 tenha sido contundente demais para o seu já combalido carisma. A caracterização de Alan Rickman na pele de Reagan, assim como a de Jane Fonda na pele de Nancy Reagan impressionam. Destaques também para Cuba Gooding Jr. e Lenny Kravitz (!), que trabalhavam na equipe de mordomos.

Excelente caracterização do casal Reagan

Dramas pessoais e história da América. Racismo e luta pela liberdade. Bom elenco e interpretações primorosas. Tudo isso faz de “O Mordomo da Casa Branca” um bom filme.

 

Batata Literária – Um Homem Chamado Hans (Série Histórica)

Como eu vim parar aqui?

Até hoje me pergunto!

Vivendo no meio desses selvagens sem alma

Nessa terra desconhecida e hostil

Eles me arrancaram as roupas

Os insetos atacam meu corpo sem piedade

Fico cheio de coceiras e febres

E o calor é insuportável!

 

Apesar de não possuírem alma

Os selvagens formam grupos

Eles entram em guerra

Usam armas primitivas

Se matam como bárbaros!

E, como se não restasse mais nada

Eles devoram seus prisioneiros

Para minha estupefação e horror

 

Toda essa situação me dá muito medo

Já até me convenci de que estou condenado

Condenado ao mundo de Lúcifer, ainda em plena terra

Mas ainda não perdi as esperanças totalmente

Espero que, um dia, eu saia daqui

E volte para a civilização lá na Europa

Nunca mais verei essas caras morenas malignas

E penas, não quero vê-las nem mesmo nos pássaros

 

Apesar de toda minha angústia

Eu devo confessar

Uma selvagem me cativou

Ela quer toda hora comigo brincar

Faz da rede sua alcova

E começa comigo os jogos sexuais

O forte calor dispara minha libido

E, nos braços dela, esqueço minha desgraça

 

Um dia, os europeus me acharam

E, mais tarde, me levaram

Estava livre, afinal

Sairia daquele ciclo infernal

Mas uma coisa ficou para trás

Aquela selvagem

Apesar de seu amor animal

Em minha partida, seu choro foi de humanidade abissal