Mais uma desse futurista tecladista francês que gosto muito…
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Batata Arts – Tesouros da Batata (126)
Mais outro tesouro…
Batata Movies – Mangue Bangue. Trabalhando O Não Visto.
O Cine Joia de Copacabana promoveu, no mês de agosto, uma exibição gratuita do filme “Mangue Bangue”, com a presença de seu diretor, Neville D’Almeida. Considerado o cineasta mais interditado, boicotado e censurado do país, Neville, ao fazer “Mangue Bangue”, já tinha sofrido com a censura da ditadura militar e tomou uma decisão drástica: fez um filme do jeito que quis e não o submeteu à censura, levando-o para fora do país de forma clandestina para ser finalizado por lá. Nas idas e vindas da vida, o filme acabou no MoMA de Nova York, e ficou por lá muitos anos esquecido, até ser finalmente resgatado. Essa exibição recente promovida pelo Cine Joia tem um quê histórico, pois foi a primeira vez que o filme, produzido no início da década de 70, teve uma exibição pública no Rio de Janeiro.
E o que podemos falar desse filme? Neville, em suas próprias palavras, definiu o cinema como a arte da hipocrisia, onde visões de ordem mais moral, artística e estética ditam as regras. O cineasta, então, procurou fazer um filme mais ligado à realidade nua e crua cotidiana, vista com repulsa por parâmetros mais moralistas e autoritários. Assim, Neville retrata em seu filme a pobreza, a nudez, o consumo de drogas, a luta pela sobrevivência, a decadência humana, mas não com a intenção de agredir o espectador e sim naturalizar e humanizar a realidade cotidiana. O diretor tem a feliz escolha de fazer um filme mudo, onde a linguagem se ampara quase que totalmente na materialidade das imagens, sendo que não temos uma narrativa tradicional de uma história coesa com início, meio e fim, mas sim a explanação de várias situações e ideias, onde as associações entre as imagens dão as cartas.
Temos, por exemplo, cenas de consumo de drogas intercaladas com uma rinha de galos, esta última vista como uma alegoria da luta pela sobrevivência, ou a cena de uma mãe amamentando o filho. É impossível não se lembrar da repercussão, muito atual, e vista como negativa por parte de algumas mentes mais conservadoras, sobre as mães que amamentam seus filhos publicamente. Assim, essas imagens que são alegorias de ideias se aproximam muito, por exemplo de um Mário Peixoto, tal como vimos em sua obra “Limite”. Outro detalhe interessante foi a escolha da trilha sonora, com direito a suaves chorinhos ou até um Beethoven, usados, segundo o diretor, para humanizar imagens muito alvejadas por preconceitos impostos por visões mais conservadoras. Assim, a trilha sonora consegue a façanha de tornar idílicas as imagens de um grupo de travestis mergulhados na miséria, por exemplo.
O único arremedo mais coeso de narrativa estava na história de decadência de um personagem interpretado por Paulo Villaça. Corretor na Bolsa de Valores, ele começa a se sentir mal dentro do pregão (uma alegoria da venalidade do sistema capitalista) e sai de lá, expelindo pela boca jatos e jatos de vômito, terminando por se jogar na rua e numa poça de lama e esgoto, que nada tinha de cenográfica. Na rua, encontra a personagem interpretada por Maria Gladys, que rouba para sobreviver e se droga para ainda viver. É nesse momento que o sorriso volta à Villaça, como se o estilo de vida mais simples (e, por que não, prosaico?) dos menos favorecidos mostrasse a existência de um outro mundo diferente do que ele conhecia.
A jornada do personagem de Villaça prosseguiu até o estado mais anímico possível onde, com a ajuda dos dedos, ele sentia o cheiro de sua cavidade anal e genitália (nas palavras do próprio Neville, no documentário de Mario Abbade, “Quem nunca enfiou o dedo no cu e cheirou?”), terminando por vermos o personagem defecando no mato, se limpando no rio e sumindo no interior da floresta. Ou seja, o humano reprimido pelas convenções do capitalismo e do moralismo conservador se liberta, em todo o seu processo de decadência, tornando-se instinto puro.
Para quem ainda considera Neville, de uma forma bem reducionista, imoral, indecente e asqueroso, “Mangue Bangue” mostra justamente o contrário lá nas entrelinhas. Neville é visceral, sem hipocrisia, podendo ser até agressivo aos mais sensíveis. Mas ele humaniza os excluídos, naturaliza o que é rechaçado pelo conservadorismo moralista, mostrando tudo o que o cinema mais tradicional não tem coragem de mostrar. Sistematicamente atacado e silenciado, Neville não abaixou a cabeça e continuou acreditando em sua arte e visão de mundo. Um cineasta cruelmente relegado ao esquecimento pelo establishment. Esperemos que tal injustiça histórica seja corrigida no futuro e ainda em vida.
Batata Movies – Contato. A Versão de Uma Obra-Prima Para O Cinema.
Vamos hoje recordar mais uma vez das sessões do Cineclube Sci Fi do Conselho Jedi do Rio de Janeiro realizadas no Planetário da Gávea. Certa vez, foi exibido o importante filme “Contato”, estrelado por Jodie Foster e Matthew McConaughey. E por que essa produção de 1997 dirigida por Robert Zemeckis é tão cheia de relevância? Justamente porque se trata de um filme de ficção científica com F maiúsculo, tratando o tema da busca por inteligência extraterrestre de forma sóbria e refinada, sem arroubos de ação ou aventura, como vemos na maioria dos filmes que tratam desse tema. A história dessa película é inspirada no livro homônimo do astrônomo Carl Sagan, famoso na década de 1980 por trabalhar com divulgação científica, produzindo e protagonizando a série de TV “Cosmos”, exibida por aqui pela Rede Globo.
No que consiste a história? Temos a astrônoma Eleanor Arroway (interpretada por Jodie Foster), que tem como objetivo principal em sua carreira buscar inteligência extraterrestre analisando os sinais de rádio emitidos pelos corpos celestes. Ela tem o hábito da comunicação por rádio desde criança, quando operava um rádio amador de sua casa, estimulada pelo pai Ted (interpretado por David Morse), que recebera a recomendação de estimular as aptidões da menina para matemática, física e ciências, após esta passar por um teste vocacional. Mas Eleanor vai sofrer todos os preconceitos da comunidade científica, principalmente na figura de David Drumlin (interpretado por Tom Skerritt), que vê o projeto de Eleanor com ceticismo e até zombaria, cortando todos os apoios financeiros e governamentais que pode e não pode. Mas, um belo dia, no Very Large Array, um conjunto de Radiotelescópios instalados no Novo México, Eleanor finalmente detecta sinal de vida inteligente, situada na estrela Vega, a 26 anos-luz de distância da Terra. Inicialmente, era um sinal que continha uma sequência de números primos, mas que possuía outras informações também. Havia a primeira transmissão de TV feita pelo homem, um discurso de Adolf Hitler na abertura dos Jogos Olímpicos de 1936, que essa inteligência alienígena captou e retransmitiu para a Terra com um ruído implícito, que era constituído de esquemas tridimensionais para se montar uma máquina que fizesse viagens pelo espaço através de “buracos de minhoca”, que são “atalhos” na estrutura espaço-temporal.
Obviamente, a essa altura do campeonato, Drumlin esqueceu seu ceticismo e, com seu poder e influência, tomou as rédeas do projeto, colocando Eleanor para escanteio. Mexendo seus pauzinhos e, usando um discurso que agradava a gregos e troianos, convenceu uma comissão de que ele era a pessoa mais indicada para fazer a viagem. Só que um fanático religioso cometeu um atentado terrorista e explodiu toda a máquina, provocando a morte de Drumlin. Tudo estaria perdido não fosse a intervenção do grande magnata Hadden (interpretado magistralmente por John Hurt), que já vinha dando amparo financeiro a Eleanor e que tinha construído outra máquina igual na ilha de Hokkaido com a ajuda de empresas japonesas, devidamente compradas por ele. E aí, nossa Eleanor, a descobridora do sinal e que fora colocada à margem do projeto por querelas políticas, vai fazer a viagem para encontrar a espécie alienígena em questão.
Ufa! Que história, não? Só essa pequena sinopse já mostra que o filme vale a pena. Mas a película tem outras grandes virtudes. Não falamos do personagem de Matthew McConaughey ainda. Ele é Joss, um homem de formação religiosa, que é uma espécie de conselheiro espiritual do presidente Bill Clinton. E iniciará um “affair” com Eleanor, uma mulher de ciência que não crê em Deus. Logo podemos perceber o velho embate ciência X religião nesse casal e ao longo do filme. Mas essa discussão, ao contrário do que pode parecer, não é feita de forma dicotômica e simplória. Ela é cheia de matizes, pois Joss representa a visão do religioso com suas convicções a respeito de Deus, mas tolerante com o discurso científico, ao contrário do fanático religioso que explodiu a máquina por rechaçar totalmente a ciência (aliás, esse fanático religioso estava a cara do ator alemão Klaus Kinski, que fazia apresentações teatrais dizendo que era Jesus Cristo e que respondia enfurecido às provocações da plateia que o questionava se ele era mesmo Jesus ou não, sendo um grande sucesso, mas isso é outra história). É bem claro que a notícia do conhecimento da existência da inteligência extraterrestre provocou uma polvorosa e tanto. E aí, ficou a questão de quem seria a pessoa mais adequada para fazer a viagem. Eleanor era uma das candidatas, mas foi reprovada, pois não acreditava em Deus, algo em que 95% da população mundial acreditava, não sendo considerada, portanto, uma boa representante da raça humana
Só para colocar um pouco mais de pimenta na discussão, Joss fazia parte da comissão e fez a Eleanor a pergunta de se ela acreditava em Deus, que foi decisiva para sua eliminação. Mas Joss fez tal pergunta, pois ele amava Eleanor e temia que ela jamais voltasse. Aliás, Joss ficou assustado com a entrega de Eleanor ao projeto, chegando ao ponto de aceitar a possibilidade de sacrificar a própria vida em prol da ciência. Aqui, esse comportamento extremo de Eleanor também é visto em alguns grupos fundamentalistas religiosos, só para percebermos como a discussão do filme é rica nesse ponto
Mas como era dito naquela antiga propaganda de facas na tv, “e não é só isso!”. O filme vai mais além nessa questão. Eleanor faz a viagem, vê todos os buracos de minhoca do mundo, vai para Vega e além dos limites da galáxia, onde se encontra com uma suposta entidade alienígena travestida de seu pai, numa reprodução de uma praia em Pensacola, Flórida, com quem ela tinha tido um contato de rádio amador quando criança. Toda essa montagem foi feita, segundo o “pai alienígena” para tornar a coisa mais familiar. Para Eleanor, a experiência, além de científica, foi também pessoal, pois o pai havia morrido quando ela era apenas uma garotinha e ela tentava se comunicar com o pai morto no radio amador.
O grande problema foi que toda a estação de comando da máquina não viu nada disso e Eleanor não trouxe provas concretas de sua viagem, já que sua câmara e sistema de áudio só trouxeram estática gravada. Assim, ficou o discurso dela contra o discurso de quem testemunhou a viagem “de fora”. E aí, a situação se inverteu: assim como Eleanor antes não acreditava em Deus, depois da viagem muitos não acreditavam no que Eleanor dizia. Mas ainda assim, parte do povo acreditou na cientista e passou até a vê-la como uma figura messiânica, como ficou registrado na comovente sequência após o depoimento de Eleanor no Congresso, onde uma multidão a aguardava, com direito até a crianças com doenças graves a esperando para receber uma espécie de “benção”, para a perplexidade total da cientista. Nessa hora, ficaram as sábias palavras de Joss, onde ele disse à mídia que não tinha as mesmas visões de mundo de Eleanor (a científica), mas tanto ciência quanto religião buscavam a verdade e que ele acreditava nas palavras de Eleanor, dando um bonito desfecho para a película.
Uma outra curiosidade foi a participação de medalhões da imprensa no filme como o apresentador Jay Leno ou o Repórter Bernard Shaw, que cobriu a guerra do Iraque, o que deu um certo tom de realismo e autenticidade à história. O próprio presidente dos Estados Unidos na época, Bill Clinton, gravou algumas sequências discursando para o filme, assim como teve sua imagem implantada em CGI com alguns membros do elenco. Aliás, falando em CGI, algo que muito chamou atenção na época em que o filme foi feito foi a sequência inicial, onde “saímos” do planeta Terra juntamente com os sinais transmitidos pelos humanos indo até para fora de nossa galáxia. À medida que nos afastamos do planeta, os sinais falam de situações que estão cada vez mais no passado (os sinais mais antigos já viajaram uma distância maior), até que eles emudecem, após o discurso de Hitler nos Jogos Olímpicos de Berlim, o primeiro sinal a sair da Terra em 1936 e que já viajou a maior distância. A única crítica que pode ser feita a essa belíssima sequência inicial é a respeito dos sinais da década de 1960 que eram escutados no filme nas proximidades de Júpiter e Saturno, quando sabemos que tais sinais só demoram algumas horas para chegar a esses planetas. De qualquer forma, nada disso alterou a beleza e plasticidade da coisa.
Uma questão pode ser levantada aqui. Como seria uma comunicação entre extraterrestres e nós? Tal situação de comunicação descrita no filme seria verossímil? Leonard Nimoy (sempre ele) ao elaborar a história de “Jornada nas Estrelas IV, A Volta Para Casa”, discutiu com alguns cientistas especializados em pensar tais questões como seria uma suposta comunicação entre humanos e ETs. Um deles lhe disse que essa comunicação poderia ser impossível, já que o desenvolvimento de uma espécie alienígena poderia ser tão diferente da nossa que as visões de mundo, as redes neurais, os sistemas de linguagem seriam tão dispares que impossibilitariam qualquer comunicação. E os alienígenas do filme se comunicam por números primos, que faz parte de uma linguagem matemática desenvolvida na Terra. Após a exibição do filme no cineclube, houve um debate com o astrônomo Alexandre Cherman, que defendeu a ideia de que uma comunicação entre alienígenas e terrestres com números primos é algo altamente plausível, dada a peculiaridade desses números (só são divisíveis por eles mesmos e por um) e que essa ideia vale para qualquer lugar do Universo, sendo um sistema de comunicação altamente inteligível e eficiente. Luísa Clasen, a outra palestrante, especializada em Cinema e Vídeo, levantou uma hipótese interessante: mesmo sendo uma espécie alienígena altamente diferente da nossa, ela pode ter estudado os sinais terrestres e entendido um pouco mais as nossas formas de pensar e se comunicar.
Após essas linhas, podemos perceber a grande qualidade que o filme “Contato” tem. A melhor expressão do bom cinema, do filme que faz pensar sobre questões tão atuais, mesmo tendo sido feito há quase vinte anos. Quem ainda não conhece essa película já tem bons motivos para procurá-la. Um excelente programa para quem gosta do cinema como pura expressão de arte.
Luisa Clasen, palestrante
Batata Movies – Filhas Do Sol. Mulheres Na Guerra.
Uma arrebatadora co-produção França/Bélgica/Geórgia. “Filhas do Sol” fala sobre mulheres. Mas não de forma simplória. Estamos aqui no contexto de uma guerra civil, no fragmentado conflito do Oriente Médio, onde populações inteiras matam e morrem por quinhões secos de terra que são seus países. Mas a luta vai a um nível mais profundo. Vemos também a busca pela reconstrução impossível em sua plenitude, de um passado perdido. Vamos precisar de spoilers aqui.
O cenário é o norte do Curdistão. As pessoas daquele país estão em guerra com o Estado Islâmico. Banhos de sangue e carnificinas fazem parte da rotina diária. Uma advogada, Bahar (interpretada pela belíssima e insuperável Golshifteh Farahani), é surpreendida numa festa de sua família pelos membros do Estado Islâmico, que executam todos os seus homens (inclusive o seu marido), sequestram o seu filho pequeno para a causa e ainda mantém a moça, juntamente com várias outras mulheres como escravas sexuais. Bahar vê na TV, enquanto está no cativeiro, que uma antiga professora universitária sua participa de um movimento que liberta essas mulheres e anota um número de telefone que sua professora passa pelo programa de TV. Ela consegue fugir com a ajuda de sua professora e entra na resistência curda contra o Estado Islâmico, liderando um batalhão feminino conhecido como “Filhas do Sol”, composto somente de mulheres que passaram por uma situação igual à dela, lutando na linha de frente. Bahar irá conhecer uma jornalista francesa, Mathilde (interpretada por Emmanuelle Bercot), que irá testemunhar e registrar a ação do grupo. Bahar também tem a esperança de, no meio de todas essas batalhas sangrentas, recuperar o filho sequestrado.
O filme mescla cenas de batalha das Filhas do Sol contra o Estado Islâmico e flash-backs que ajudam a gente a entender a trajetória pregressa de Bahar, desde os seus dias confortáveis de advogada com família estável, passando pelo pesadelo de ser capturada pelo Estado Islâmico, a fuga e a entrada no movimento guerrilheiro. O mais curioso aqui é que o Estado Islâmico considera a morte em batalha uma ida para o paraíso, mas isso não ocorre se o soldado for morto por uma mulher. Logo, a carga simbólica do movimento armado feminino já é uma luta contra o machismo e a misoginia desde o início. E as mulheres ainda têm a oportunidade de “largar o aço” nos seus estupradores e escravizadores. Mesmo lutando ferozmente e combativamente, as guerrilheiras não perdem a ternura, havendo uma forte ligação emocional entre elas, celebradas em cantorias à beira das fogueiras, ao bom estilo da cultura árabe e beduína. Elas também não rechaçam a sua origem muçulmana, apesar de todo o fanatismo do ISIS. E são mais impetuosas e corajosas que os homens. Bahar tem desentendimentos com o comandante do exército masculino que ajuda seu grupo e, muitas vezes, as mulheres combatem sem qualquer ajuda masculina, o que ajuda ainda mais a aumentar o mito em cima de seu heroísmo. E pensar que vemos aqui um filme baseado em fatos reais, com nomes sendo trocados para garantir a segurança das pessoas que ainda estão por lá, lutando no front. Só da gente pensar nisso, já é de arrepiar.
Agora, o desfecho é que pareceu falso, pois Bahar conseguiu encontrar o seu filho. E aí, eu me pergunto: será que isso aconteceu mesmo na vida real, com a vida imitando a arte? Espero que sim. Só deixaria as coisas mais espetaculares ainda.
Dessa forma, “Filhas do Sol” é um programa imperdível e obrigatório, pois fala de um batalhão de mulheres que não se deixou vitimizar num mundo extremamente misógino e machista, indo literalmente à luta. Um filme onde o senso de companheirismo e carinho não se deixa desvanecer nas agruras do campo de batalha. Um filme de Bercot, mas, principalmente, de Farahani essa atriz bela e adorável. Não deixe de ver.
Batata Movies – Coringa. Mais Que Um Problema Individual.
E temos o “Coringa”, estrelado por Joaquin Phoenix. Era um filme muito esperado, envolto em bastante polêmica, pois ele trabalha o tema do psicopata assassino que é menosprezado pela sociedade e sai descarregando sua ira deixando um rastro de sangue, tal como vemos em muitos casos verídicos de serial killers nos Estados Unidos. Assim, parentes de vítimas desses assassinatos em série se manifestaram contra o filme, enquanto que algumas salas de cinema americanas disseram que não iam exibir “Coringa”. Tudo isso acabou gerando mais marketing para o lançamento da película e aumentou em muito a expectativa. Vamos agora falar aqui desse filme, lançando mão dos spoilers, que são necessários para uma análise mais profunda da coisa.
Arthur Fleck (interpretado por Joaquin Phoenix) é um homem atormentado, que tem um sério distúrbio. Ele dá gargalhadas violentas e severas, mas elas não expressam necessariamente que ele está feliz, muito pelo contrário até. Arthur sempre foi um homem que teve uma vida muito sofrida em virtude de seu distúrbio. Ele trabalha numa espécie de agência de palhaços que são contratados para divulgar lojas. Fleck é perseguido pelo seu patrão e por seus amigos, sempre sendo sacaneado por todos. Enquanto isso, Gotham City passa por uma verdadeira convulsão social. Sua elite trata o povo com enorme descaso, os lixeiros fazem greve, a cidade está infestada de ratos. Nesse contexto sombrio, Thomas Wayne (interpretado por Brett Cullen) aparece como um salvador da pátria e candidato a prefeito da cidade. Mas Wayne é um ricaço que tem desprezo pela classe mais pobre.
Ah, sim, Thomas Wayne é pai de Bruce, não podemos nos esquecer desse detalhe. A mãe de Arthur, Penny (interpretada por Frances Conroy) manda várias cartas para Thomas Wayne. Arthur irá descobrir que a mãe teve um caso com Thomas e Arthur seria filho dele. Mas depois Arthur vai descobrir que a mãe era louca e abusava dele durante a infância. Arthur, que já havia matado três homens das empresas Wayne, que importunavam uma moça no metrô e depois começaram a espancá-lo, acaba matando também a mãe. A morte dos três homens ricos no metrô por um homem vestido de palhaço levanta um movimento contra os ricos na cidade e as pessoas fazem manifestações com máscaras de palhaço. Arthur, que não toma mais suas medicações, pois o programa de assistência do governo foi cancelado, caminha a passos largos para a psicopatia total e tem um plano um tanto sinistro quando é chamado para ser entrevistado num talk show, pois um vídeo feito de uma apresentação sua foi parar na TV e o apresentador Murray Franklin (interpretado por Robert De Niro) fará a entrevista com o objetivo de zoar com a cara de Arthur. Mas…
O que mais chama a atenção nesse filme logo de cara? O temor de se justificar as ações dos serial killers é até compreensível, embora eu creia que não se deva silenciar a discussão desse tema, já que esses assassinatos em série são uma conseqüência realmente de um problema mais amplo do que um caso individual isolado. Há uma sociedade violenta que estimula os assassinatos em série quando uma pessoa é maltratada pela sociedade. E isso tem que ser discutido, até para se encontrar uma solução para o problema. Mas o filme foi além disso. Ele foi no âmago de um problema social, onde uma elite rica não tem qualquer apreço ou respeito pelas camadas mais populares, mergulhando Gotham City numa verdadeira convulsão. Sabemos que a cidade de Nova York, lá pelos idos da década de 70 era um local extremamente problemático e violento.
Quando vemos a logo antiga da Warner no início do filme e nos situamos numa Gotham mais retrô, vemos que há uma intenção de associar a cidade fictícia do Batman com essa Nova York caótica da década de 70. E o homicídio de três homens ricos que não tem qualquer caráter por um homem vestido de palhaço é a senha para uma revolta generalizada contra a elite rica. Logo, o Coringa desse filme não é o líder de uma quadrilha, mas uma espécie de bandeira contra a forma atroz que a elite trata as camadas menos favorecidas. O Coringa é menos o serial killer psicopata que mata a torto e a direito do que a personificação de uma revolta social. E isso aparece em sua fala quando ele sente que deixa de ser um João ninguém para ser ouvido pelos mais pobres nos seus atos violentos contra a elite. Há momentos dessa interação entre Coringa e as massas, seja na sequência do metrô onde ele foge da polícia e os policiais são detidos pelos passageiros do trem todos com máscaras de palhaço, seja no momento em que ele é retirado ferido do carro de polícia que o levava para a prisão e que foi abalroado por uma ambulância para poder libertar Arthur. Nesse momento, ele se ergue triunfante e é aplaudido pelas massas nas ruas, justamente depois dele assassinar (ao vivo) Murray na TV. Assim, a história de Coringa não é a do individual psicopata que comete crimes pelas loucuras que sofre da sociedade, mas sim a história de um homem que acaba personificando a indignação de todo um segmento social massacrado, tornando-se assim muito mais perigoso para o establisment.
É claro que esse não é um filme de super-herói como conhecemos. Mas já é disparado a melhor coisa que o casamento DC-Warner fez, sem a menor sombra de dúvida. Esse filme é tão especial que ele deve ser considerado algo à parte, ou seja, não vai cair bem um Coringa interpretado pelo Joaquin Phoenix lutando contra o Batman ou a Mulher Maravilha num futuro filme. Outra coisa que deve ser dita é a força da atuação de Joaquin Phoenix. Às vezes, quando vejo uma obra de um ator ou diretor no cinema, me chega uma espécie de convicção de que aquele ator ou diretor chegou ao seu auge. E que, a partir dali, ele não conseguirá um trabalho tão bom. Eles ainda serão excelentes, mas jamais chegarão à qualidade daquele ápice. Eu senti isso, por exemplo, com Pedro Almodóvar em “Fale Com Ela”. Ali ele chegou ao seu auge e esse filme será insuperável em qualidade. As demais películas de Almodóvar jamais chegarão aos pés de “Fale Com Ela”, onde o diretor explodiu todas as escalas de qualidade. Falo isso agora para Joaquin Phoenix. Na minha modesta opinião, ele chegou ao seu auge com “Coringa”. Phoenix estourou todas as escalas. Sua gargalhada era com um sofrimento explícito, onde o ator conseguia misturar com maestria riso e choro, levando-nos a um sentimento muito angustiante. O esforço que ele fez para compor o personagem, emagrecendo horrores e fazendo uma dança poligonal e esquálida impressionou demais também. A coisa foi tão boa que nem a sua vestimenta de Coringa a la Cesar Romero ficou caricata. Sua atuação no talk show foi perfeita, assustadora e, principalmente, esfuziante, quando ele desabafou perante toda a sociedade os anos e anos de ódio acumulado por ter sido maltratado por tudo e por todos. Sua sanha assassina é direta, sincera e, acima de tudo, contagiante. Papel digno de Oscar, embora a película já tenha conseguido muito mais do que isso, pois ganhou o prêmio de melhor filme no Festival de Veneza. Isso sim é uma coisa impressionante: um “filme americano de super herói” ganhar o prêmio máximo num festival europeu.
Dessa forma, “Coringa” é um programa imperdível, um filme obrigatório, por trabalhar o Universo dos filmes de super-herói de uma forma adulta e muito contundente, despertando uma reflexão que sai do campo do individual para o campo do social. E tem a atuação mais primorosa da carreira de um artista de renome, que é Joaquin Phoenix. Não deixe de assistir a esse filme que te agride e que não te deixa indiferente.
Batata Literária – Lágrima
É tão pequena…
Vinda de algo tão grande
Uma explosão de dor
Uma profunda tristeza
A gargalhada incontida
O laço de ternura
O cisco que machuca o olho
O descascar da cebola
O talento do ator
A indignação perante a injustiça
A manifestação artificial do colírio
A decepção do amor
A conjuntivite melada
A pena
A perda no velório
A descoberta do fim da vida
O desgosto com a ingratidão
O medo
Mas em alguns, ela já secou
Não sentem mais nada
Nada…
Batata Jukebox – Holding Out For A Hero (Bonnie Tyler)
Vamos de Bonnie de novo. Essa não pode faltar!!!