Um filme francês pouco convencional. “O Retorno do Herói” traz novamente Jean Dujardin, tão consagrado em “O Artista”, fazendo uma comédia. E uma comédia daquelas bem escrachadas, como poucas vezes vemos nas produções francesas que chegam por aqui. Me arrisco até a dizer que esse filme lembra um pouco o besteirol da década de 80 aqui no Brasil, que chegou ao teatro e à televisão. Isso seria, então, um problema no filme? Não, muito pelo contrário até.
A história da película se passa na França de 1809, onde Charles-Grégoire Neuville (interpretado por Dujardin) pede a mão de Pauline (interpretada por Noémie Merlant) em casamento. Entretanto, ele é chamado para a guerra e promete escrever para a moça. Só que nenhuma carta chega até Pauline, que fica inconsolável. A irmã de Pauline, Elisabeth (interpretada por Mélanie Laurent), revoltada com a patifaria de Neuville, começa a escrever cartas para Pauline assumindo a identidade do militar. Como a mentira já estava indo longe demais, Elisabeth dá um ponto final à farsa, escrevendo uma carta onde Neuville estaria cercado por tropas inimigas e na iminência de morrer. Pauline, depois de chorar rios de lágrimas de forma esganiçada, se casa com outro pretendente. Tudo parecia bem até que Neuville retorna e se traveste de grande herói, aproveitando toda a história criada por Elisabeth. Para que toda a mentira não seja revelada, Elisabeth e Neuville fazem uma espécie de acordo, digamos, turbulento, pois Elisabeth precisava esconder a mentira que ela própria inventou.
Uma coisa que muito chama a atenção no filme são as requintadas locações e figurinos. E aí, o contraste vem quando todo o humor escrachado se manifesta. Parece mesmo que a gente assiste a um programa da “TV Pirata” ou do “Casseta e Planeta Urgente”. E tudo funciona muito bem, pois há tiradas bem engraçadas e até antenadas com o que se tem passado em nossos dias, tais como a discussão de se a mulher deve ou não ganhar a mesma quantidade de dinheiro que um homem. Entretanto, o filme não é composto apenas de situações engraçadas e rápidas. A história em si, um tanto batida e já conhecida (a do vigarista que assume uma identidade falsa e se torna o gostosão da sua área, precisando se virar para manter a farsa) é contada aqui de uma forma cativante, que prende a atenção do público.
Os atores também ajudam. Dujardin, que faz boas comédias (mas também dramas; lembremo-nos de “A Conexão Francesa”), consegue fazer um cafajeste muito engraçado com o qual simpatizamos bem rápido, não sendo algo forçado. Laurent, a irmã séria e que precisa lidar com mau caratismo de Neuville, consegue ser uma boa “escada” para Dujardin e tem também os seus momentos de maior atenção, quando ela tem uma crise histérica que fica muito engraçada ou num jantar onde ela precisa desviar a atenção de um general de Neuville. Noémie Merlant é uma grata surpresa. No papel mais coadjuvante de Pauline, a moça consegue roubar a cena, seja nas explosões de choro como a pretendente abandonada, seja nas explosões de raiva da esposa, ou nas explosões de libido da amante, com tendências masoquistas. Pode-se dizer que Merlant é a grande surpresa do filme.
Por mais curioso que possa parecer, o filme tem em seu ponto mais alto o depoimento de Neuville para o citado general do que é estar no campo de batalha. Com um semblante fechado, ele conta com detalhes todos os horrores da guerra, o que arranca lágrimas das pessoas que estão na mesa (isso acontece durante um jantar). E aí, podemos ver os olhos marejantes dos atores com expressões petrificadas, num momento de grande emoção e plasticidade.
Assim, “O Retorno do Herói” é uma comédia um tanto despretensiosa, mas que dá muito certo pelo seu conteúdo de besteirol que destoa do requinte das locações e figurinos. Um filme de personagens bem construídos e, sobretudo interpretados por bons atores. E um filme com um trunfo que vai além de Dujardin: a boa presença de Noémie Merlant. Vale a pena dar uma conferida.
Mais um filme argentino. “O Futuro Adiante” tem o privilégio de trazer a belíssima Dolores Fonzi entre suas duas protagonistas (a outra é a atriz Pilar Gamboa). Mas, e a história do filme? Bom, não tem nada de muito espetacular. Ela mostra a trajetória da amizade de duas mulheres, da puberdade à separação e às duas filhas que parecem que vão dar continuidade à amizade. De qualquer forma, o filme é dividido em três momentos, cuja duração parece que os contemplou de forma muito equânime. Na adolescência, vemos as meninas muito unidas, com pouquíssimo espaço para desentendimentos. É uma coisa meio lúdica, com tremenda cara de Malhación, o momento mais fofo e tranquilo da película. O segundo momento, entretanto, já mostra algumas rusgas.
Tudo até começa relativamente bem, com Romina (interpretada por Fonzi) recebendo Florencia (interpretada por Gamboa) em sua casa para ficar uns dias. O relacionamento de Florencia com um mexicano ligado ao meio artístico está em frangalhos. Já Romina está bem casada e com uma filha pequena. Dá para perceber que Romina é bem mais centrada. Já Gamboa é meio porra louca, e essa diferença vai meio que afastar as duas. O terceiro momento é marcado pelo divórcio de Romina e agora Florencia está num relacionamento estável e com uma filha. As filhas das duas iniciam uma amizade assim como o fora com as mães que, obviamente, continuam se desentendendo volta e meia. Florencia acha que Romina deveria ser mais desencanada e que deveria aproveitar melhor a sua vida. Mas Romina não gosta da interferência da amiga em sua vida. E o pau quebra. Mas fica a indicação de que a briga sempre é passageira e as duas voltam a se falar.
Após todos esses spoilers descarados (desculpe, caro leitor, fiz de novo), o que a gente pode dizer de bom desse filme? Apesar de rotulado de comédia, o vejo mais como um drama que tem como objeto principal um choque de realidade envolvido no relacionamento de personagens. Muitas pessoas, volta e meia, têm um amigo de infância com o qual mantêm um relacionamento que pode durar décadas e ter altos e baixos. O filme espelha uma relação que não é estranha a muitos de nós e nos vemos na tela em algumas situações. É até interessante isso, pois se passamos por um momento semelhante ao que vemos no filme, ele pode nos ajudar a organizar nossos pensamentos com relação ao amigo de décadas que ainda faz parte das nossas vidas. Assim, mesmo que esse choque de realidade produza até certo ponto uma película enfadonha, ainda assim temos um filme que nos é interessante, pois podemos nos ver em algumas situações ali.
Dessa forma, “O Futuro Adiante”, se não é um filme que enche os olhos, ainda assim é uma interessante atração, pois nos conquista pelas situações que uma amizade de longos anos pode trazer. Se há carinho e afeto, a mágoa e o ressentimento também podem surgir, mas o mais interessante é que a amizade nunca morre. Confesse, leitor, você já não passou por uma situação dessa em sua vida alguma vez? Pelo menos o filme nos dá o conforto de que não estamos sozinhos em nossa jornada tortuosa pelos relacionamentos humanos. E os cuecas podem babar com a Dolores Fonzi. Vale a pena dar uma conferida.
Outro
filme francês vindo do Festival Varilux. “Os Dois Filhos de Joseph” é um filme
família, mas totalmente plugado no universo masculino, já que essa família é
composta de um pai e seus dois filhos. Todos aqui, diga-se de passagem, são
criaturas extremamente problemáticas, o que torna a película conflituosa. Vamos
precisar de spoilers aqui para entender um pouco mais a cabeça dessa família
meio lelé.
Comecemos pelo pai, o Joseph em questão (interpretado por Benoît Poelvoorde). Ele está profundamente abalado pela morte do irmão e procura dar uma espécie de boot na sua vida, largando uma segura carreira de médico para se tornar escritor. O problema é que, quando ele tenta apresentar seus dotes numa apresentação pública numa livraria, é um desastre total e ele fica com uma tremenda cara de bunda, embora ainda consiga uma parceira amorosa.
O filho mais velho, Joaquim (interpretado por Vincent Lacoste), anda perdido para lá e para cá com uma vida amorosa conturbada, e isso o desconcentra para terminar a sua tese na faculdade, recebendo um pito de seu orientador que é amigo próximo de seu pai. E o filho mais novo, o adolescente Ivan (interpretado por Mathieu Capella), acha o irmão e o pai uns bundões e procura colocar suas energias numa paixão não correspondida, sendo meio bundão também. Ou seja, não há qualquer espaço para macho alfa nessa família, mas há espaço para muita terapia.
E a coisa acaba ficando tão existencial que o filme se arrasta, se arrasta e se arrasta, ficando extremamente cansativo. A gente percebe isso quando começa a olhar o relógio no escuro da sala de projeção a cada cinco minutos e se desespera pela hora não estar passando. O pior de tudo é que esse filme trabalha esses três temas e a coisa fica nisso mesmo, com um pequeno envolvimento entre esses três núcleos que se passam praticamente destacados, fora uma ou outra ligação aqui e ali.
E, então, do nada, o filme acaba. E você se pergunta por que passou aquele tempo todo vendo aquela xaropada. Os conflitos entre os personagens principais, os momentos de união entre eles e o cenário extremamente soturno da casa da família, muito escura, ainda dão um toque especial, mas é muito pouco face a forte letargia existencial que veste o filme. Dessa forma, “Os Dois Filhos de Joseph”, apesar de mostrar uma família peculiar, só de homens fracassados, carregou demais nas tintas do existencial e tivemos uma película extremamente morosa e lenta. Uma pena, pois dá a sensação de uma boa ideia que foi mal aproveitada.
Uma película
muito curiosa. “Fourteen” é um filme de amigas de infância, que nunca
perderam contato uma com a outra, apesar das mudanças que a vida nos traz. Vemos
aqui uma relação de dependência em virtude da fragilidade emocional de uma
delas. Fragilidade de uma que esgota física e emocionalmente a outra. Mas,
ainda assim, uma relação que não deixa de ser terna. Para podermos entender um
pouco mais essa película, vamos precisar de spoilers aqui.
Em primeiro lugar, vamos apresentar essas amigas de longa data. Temos Mara (interpretada por Tallie Medel) e Jo (interpretada por Norma Kuhling). Jo é mais instável emocionalmente e sempre precisa da ajuda de Mara, o que a esgota, mas Mara está sempre lá, ajudando pacientemente Jo em suas crises. O problema é que a vida nem sempre toma os rumos que podem deixar essa amizade permanentemente estável e próxima. Assim, volta e meia as amigas se afastam para se reencontrarem anos depois.
Infelizmente, Jo não terá estrutura suficiente para encarar a vida e ela acaba sucumbindo. Mara conseguiu manter a compostura enquanto pôde, mas desabou no funeral quando sua filhinha percebeu que Jo era a personagem da história de dormir que a mãe contava para ela, quando a amiga a defendeu do bullying de outras garotas da escola ao momento em que as duas eram pequenas. Mesmo não podendo cuidar de Jo o tempo todo e até se dedicando demais à amiga, Mara cai em prantos por não ter conseguido salvá-la das agruras da vida. A película termina com Mara e sua filha indo embora do funeral, voltando para o cotidiano.
O filme, que tem
um ritmo bem lento em boa parte de sua exibição, nos desperta dois sentimentos.
Em primeiro lugar, o fim melancólico de Jo e o choro de arrependimento de Mara
nos dá um baita de um aperto no coração. Dá dó mesmo, daqueles de sensação de
impotência quando você não consegue ver um ente querido vencer a depressão e
sucumbir. Mas, por outro lado, há o cruel choque de realidade. Por mais que
você queira ajudar alguém que você gosta, tem uma hora em que não se consegue
fazer isso mais, até porque você tem a sua própria vida para conduzir e tocar.
Mesmo assim, fica aquele sentimento de culpa do “você poderia ter feito mais
alguma coisa para evitar que se chegasse àquela situação extrema de morte”. Ou
seja, buscamos um consolo para as supostas falhas que habitam nossa cabeça, mas
não conseguimos nos desvencilhar do sentimento de culpa. Assim, se
“Fourteen” consegue ser moroso em boa parte de sua exibição, o final
consegue ser muito perturbador, mexendo muito com o espectador. Vale a pena
passar pela experiência.