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Mais um episódio da segunda temporada de “Jornada nas Estrelas Discovery”. “Se Não Falha a Memória” pode ser considerado mais um bom episódio da série, considerando o rodízio episódios bons – episódios ruins, e bom também pelo fato de que ele é um tremendo fan service para os trekkers mais antigos, pois faz uma alusão direta ao primeiríssimo episódio piloto de Jornada nas Estrelas, “A Jaula”. Temos, inclusive, a aparição de cenas originais de “A Jaula” no início do episódio, até talvez para que os fãs mais novos que não tiveram contato com outras séries e momentos de Jornada nas Estrelas pudessem conhecer a referência.
Vamos ao plot. A Seção 31 conversa com o comando da Frota Estelar (é a entidade secreta mais conhecida da galáxia) e eles acertam que vão colocar as naves para procurar Burnham e Spock, com exceção da Discovery, por motivos óbvios (Pike é o capitão de Spock e Burnham é tripulante). Mas a Discovery deve relatar à Seção 31 imediatamente se Burnham entrar em contato. A Imperatriz passa essas ordens para Pike, sem falar por que a Discovery está fora da busca, obviamente, e Pike desobedece parcialmente a ordem, ficando parado mas tentando rastrear Burnham, para desespero de Tyler, que prefere que a moça se vire sozinha, pois tem (como sempre) toda a capacidade para isso. Enquanto isso, Burnham e Spock chegam a Talos IV e encontram um enorme buraco negro. Burnham tenta se desviar mas Spock a impede, pois o buraco negro é uma ilusão imposta pelos talosianos como defesa. Enquanto isso, Culber e Stamets se desentendem. O médico não mais sabe quem é e não aguenta mais as investidas do engenheiro, pedindo para que ele tome o seu próprio caminho. Culber também vê Tyler na nave, ficando muito revoltado. Em Talos IV, Burnham encontra Vina e esta fala de toda a história que vimos em “A Jaula”. A moça fala que os talosianos querem ver Burnham e Spock. Eles propõem salvar Spock de sua loucura e dar acesso da mente de Spock a Burnham em troca dos dois compartilharem seu passado de dor com os talosianos. Burnham, como uma menina mimadinha, se recusa a princípio (difícil de entender isso, pois saber o que Spock tem em sua mente é vital para a questão do Anjo Vermelho), mas Vina a convence, mostrando seu rosto cheio de cicatrizes e dizendo que os talosianos não são tão maus como parecem, pois eles lhe deram uma nova vida. Burnham concorda desde que veja a mente de Spock primeiro. A visão de Spock começa com a fuga de Burnham pela floresta vulcana. O menino vê tudo e percebe quando Burnham é perseguida por uma espécie de cachorrinho do mato (um inseto que existe aqui na minha área) gigante. Spock fala com os pais, que a salvam. Spock viu o anjo pela primeira vez ali naquela situação. Anos depois, ele recebe um sinal para ir a um planeta remoto e se depara com o Anjo. Ele faz um elo mental com o anjo e a cara de Burnham aparece (essa sequência dá uma pista – que pode ser falsa ou não – de que Burnham seria mesmo o tal Anjo Vermelho); logo depois, ela vê uma guerra com muitos planetas sendo destruídos, extinguindo a vida na galáxia. Depois disso, a gente vê os dois irmãos batendo muita boca, com Burnham levando a melhor em alguns momentos e Spock levando a melhor em outros. Pelo menos me pareceu que Spock deu mais foras na Burnham (havia muito mais em jogo do que uma mera querela familiar) e confesso que gostei da interpretação do Ethan Peck também por causa disso. Ele foi bem contido, sem inventividades, fazendo o arroz com feijão. E conseguiu convencer com isso, sobretudo com sua voz grave que lembrava Nimoy e também o seu avô, o Gregory Peck, que daria até um bom vulcano vendo essa interpretação de seu neto agora. Mas, voltando ao plot. Spock dá a entender que o anjo tem pensamentos humanos, onde o desespero e a solidão dão a tônica. Os talosianos ainda fazem Burnham ver o que aconteceu com Spock na clínica psiquiátrica e viram que ele fugiu sem matar ninguém, apenas aplicando o toque neural vulcano. Na Discovery, Saru diz a Pike que muitos dados estão sendo enviados para um destino desconhecido e sem autorização. Pike pede que Saru investigue quem manda esses dados para fora da nave. Ainda, Culber sai na porrada com Tyler, com o consentimento de Saru e os dois param de brigar quando um diz para o outro que não sabe mais quem é, ou seja, a briga foi boa no sentido de que houve uma identificação entre os dois. Será que vai rolar algo? Agora, que a pancadaria foi muito pior que o Mortal Kombat da Burnham com a Imperatriz, ah isso foi! Como eles brigam mal!!! E, para piorar a situação, Saru ainda disse ao capitão que deixou os dois brigarem, pois achava que era assim que dois homens deviam resolver seus problemas, ou seja, mais uma questão do macho alfa em pleno século 23 (até Culber quis ser macho alfa, só espero que ele não vire homofóbico agora). Mesmo que digam que Kirk era o macho alfa por excelência, ainda creio que tais equívocos do passado não precisavam se repetir aqui numa série de 2018 falando do século 23. O machismo no futuro deveria ser encarado na série como uma questão já superada e não colocada de forma tão escrachada desse jeito para justificar um empoderamento feminino das personagens com mais protagonismo. As coisas deveriam ser mais espontâneas ao invés de forçadas. Pelo menos, Pike disse que essa situação não deve se repetir, já que a violência não leva a nada e o código de conduta deve ser cumprido. Tenho gostado mais dessa postura de capitão que o Pike tem tomado nos últimos episódios, pois a tripulação da Discovery é rebelde demais e tem horas que o capitão realmente precisa subir nas tamancas.
Voltando novamente ao plot, Pike retorna para sua sala e reencontra Vina, que conversa sobre o passado dos dois e mostra ao capitão uma transmissão subespacial onde Spock e Burnham o põem a par de tudo. Pike decide ir para Talos IV depois da conversa com Burnham e Spock, mas o motor de esporos foi sabotado. A culpa recaiu sobre Tyler, sob a alegação de que ele queria manter a nave parada (tal como queria a Seção 31) e que as mensagens foram enviadas por ele (acharam seus códigos de acesso na transmissão das mensagens). Usando o argumento de que a Seção 31 faz técnicas neurológicas invasivas e Tyler pode ter sofrido tudo isso sem saber, Pike o confina a seu alojamento. E Airiam, com a maior cara de inocente, e as luzinhas vermelhas piscando em seu olho. Em Talos IV, Spock e Burnham, pelo acordo com os talosianos, devem compartilhar suas dores do passado. Burnham fugiu de casa, pois era uma ameaça para a família por causa dos extremistas da lógica. Mas Spock não queria que ela fosse embora. Assim, ela o ofendeu profundamente, para que ele pudesse sentir raiva dela e ela poder ir embora. Ele disse que essa foi uma atitude lógica e que o fez seguir seu caminho. Mesmo assim, o diálogo mostra um ressentimento muito forte entre eles, o que deixa Burnham arrasada.
A Discovery chega a Talos IV com a nave de Leland em seu encalço, mesmo que Pike tenha tentado despistar a Seção 31. As duas naves travam o transporte em Spock e Burnham, podendo despedaçá-los. Pike recua, aconselhado por Vina, e deixa os dois irem para a nave da Seção 31. Mas na verdade, a presença dos dois na nave de Leland era uma ilusão talosiana e Burnham e Spock retornam para a Discovery na nave auxiliar. Spock dá um pequeno sorriso ao rever Pike ao vivo (alusão ao sorriso de Spock Nimoy em “A Jaula”). O episódio termina com a Discovery tendo que resolver o problema do Anjo Vermelho (e da futura destruição de toda a vida na galáxia) e ainda fugir da Seção 31 e da Federação, que estão em seu encalço.
O que podemos dizer mais desse episódio? A gente pode considerar que esse foi o verdadeiro episódio de estreia de Spock em Discovery, pois no episódio anterior seu estado meio lunático ainda não dava para se tirar qualquer impressão do que seria Spock na série. Retirando o fato de que sempre é bom ver Spock de volta, volto a dizer que comprei a atuação de Ethan Peck. Alguns acham a atuação de Zachary Quinto melhor. Talvez. Me parece que Quinto estudou mais o personagem, havendo a vantagem dele ter podido interagir com o próprio Nimoy. O problema foi a emotividade excessiva que Spock sofreu no Abramsverse. Agora, Peck faz um feijão com arroz, sem muitos trejeitos e que rende bem, mesmo quando tem que se passar por algumas falas ruins como vimos depois que os talosianos obrigam os irmãos a reabrir as feridas do passado. Aquela fala onde ele deixa claro que perdeu tudo foi bem desnecessária. A gente aceita até o momento em que ele diz que mergulhou de cabeça na lógica para não ficar suscetível à experiências emocionais como as que ele teve com Burnham, mas depois ele destrói esse argumento dizendo que ele perdeu tudo, até a lógica. Típica coisa mal escrita por causa de um exagero dramático. Pelo menos, espero que Discovery apresente Spock de uma forma bem mais lógica do que emocional nos próximos episódios, pois aqui ele soube levar as querelas emocionais com Burnham sem explosões de paroxismo. Que continue desse jeito.
A ideia de Talos IV foi boa, pois além do fan service, o argumento de trazer de volta os talosianos foi a capacidade deles de curar Spock e de ser um terreno propício para os dois irmãos interagirem, ligando suas mentes. Ou seja, não se fez aqui um fan service jogado de qualquer jeito. A argumentação para se trazer os talosianos foi válida e encaixou bem na história do arco principal, aproximando mais Discovery de Jornada nas Estrelas.
Confesso que ainda me assusta a ideia de que o Anjo Vermelho pode ser a Burnham. Dar um protagonismo excessivo à essa personagem é um dos problemas mais graves dessa série e a história ir nessa direção só pioraria esse problema. Seria muito melhor a meu ver um personagem inteiramente desconhecido como Anjo, mas pelo rumo que a história está tomando (que o Anjo vem do futuro e é humano) parece que vai ser alguém conhecido mesmo. Que os roteiristas da Discovery não sejam tão óbvios como na temporada passada quando a característica klingon de Tyler ficou bem clara muito cedo.
Agora, que está muito engraçadinho a Airiam com a maior cara de inocente e dando uma volta em todo mundo, ah isso está. Sei não, estou achando essa tripulação incompetente demais para demorar tanto a detectar esse problema. Não se roda um diagnóstico nessa nave e se detecta logo uma invasão do sistema? Eles pelo menos poderiam ter detectado o problema e já começado a investigar demorando um tempo até chegar a Airiam. Do jeito que está, do tipo, “ah, tô enganando todo mundo!” pega meio mal.
No mais, a coisa da Discovery agora estar contra tudo e contra todos, com a Seção 31 e a Frota Estelar juntas atrás da nave como vilãs, dá um ingrediente novo à história, embora isso não tenha a menor cada de Jornada nas Estrelas, devo dizer. Primeiro que a Seção 31 é ultrassecreta originalmente e aqui ela é mais conhecida (desculpem a piada infame) que o agente secreto português Manoel do terceiro andar (todo mundo sabe quem é). E mais: a Federação e a Frota Estelar, utópicas como elas só, seriam tão distópicas agora? Muito esquisito isso. Por isso que eu começo a entender Discovery como uma livre adaptação de Jornada nas Estrelas, sem a menor necessidade de seguir qualquer cânone, assim como aconteceu no Abramsverse. Só gostaria que os roteiristas e os vários showrunners (já estamos chegando ao quinto, caramba!) pensassem o mesmo, pois engolir algumas coisas goela abaixo como cânone está sendo sofrível.
De qualquer forma, “Se Não Falha A Memória” foi um bom episódio. Tivemos um bom fan service e um bom Spock. A nave agora segue como uma renegada, perseguida por todo mundo, e fica a expectativa em cima da Airiam e de Culber. E que o Stamets tenha melhor sorte, tadinho. Deu dó dele nesse episódio.
Mais um episódio da segunda temporada de “Jornada nas Estrelas Discovery”. “Luz e Sombras” vai ficar lembrado como o episódio em que Spock finalmente aparece na série. Seguindo a suposta sequência de episódios bons alternados com episódios ruins em Discovery, estaríamos agora no “episódio ruim”. E isso aconteceu? Bem, “Luz e Sombras” não foi aquela maravilha toda (sempre há um problema ou outro nas histórias), mas também não foi de todo ruim. Pode-se dizer que foi um episódio mediano, mesmo com a aparição de um personagem tão esperado. Vamos lançar mão dos spoilers.
Qual foi o plot desse episódio? Na verdade, tivemos duas histórias ocorrendo em paralelo, como víamos nos episódios das séries mais antigas. O que seria o plot principal foi a viagem de Burnham a Vulcano, para falar com sua mãe Amanda, que escondia seu filho vulcano/humano até de Sarek. Spock está superzureta das ideias por causa do anjo vermelho e dos sete sinais que ele já viu. Assim, ele fica repetindo continuamente premissas básicas de lógica para não pirar de vez, pois tais imagens o afetavam profundamente. Spock também repete uma sequência numérica aparentemente sem sentido. Sarek descobre Spock e fala para ele ser entregue para a Seção 31, pois ela é interessada na recuperação do vulcano/humano e se Burnham não fizesse isso, ela poria novamente a sua carreira em risco. Assim, nossa protagonista toda inocente leva seu irmão para a navezinha da Seção 31 e é convencida por um discurso todo meloso de Leland de que eles vão cuidar bem de Spock. Mas a Imperatriz alerta que eles vão pegar as informações que precisam de Spock e nem querem saber se ele vai se ferrar ou não e ela somente diz isso a Burnham porque a conhece bem e quer ferrar com Leland. Burnham, depois de simular uma pancadaria com a Imperatriz, tira Spock da Seção 31 e descobre que os números que Spock fala em seus delírios são as coordenadas de Talos IV, planeta que aparece lá no piloto da série, na longínqua década de 60.
O segundo plot gira em torno da tentativa de Pike e de Tyler de enviar uma sonda para pesquisar uma anomalia temporal deixada pela aparição do anjo vermelho em Kaminar. Os dois tentam lançar essa sonda a partir de uma nave auxiliar, ficando presos na anomalia temporal, e depois de muito discutirem para ver quem é o macho alfa do pedaço, a sonda retorna do futuro (cerca de 500 anos adiante) toda modificada (parece o Dr. Octopus do Homem Aranha) e toda agressiva, querendo atacá-los e analisando todos os dados da nave. Quem salva o dia é Stamets e seu DNA de tardígrado, que é à prova de anomalias temporais, trazendo de volta Pike e Tyler.
Vamos lá. O que podemos dizer dessas duas histórias? Com relação à ida de Burnham à Vulcano, o que mais incomoda é a forma como Spock é apresentado, ou seja, totalmente zureta das ideias. Depois de J. J. Abrams, Spock ficou excessivamente emotivo, quando boa parte da graça do personagem justamente eram os seus lampejos de emoção num comportamento lógico. Dava para fazer algo que conservasse mais a sua lógica, sem esse paroxismo todo. Como se não fosse suficiente, ainda meteram uma dislexia (herdada de Amanda) no vulcano/humano, o que justificaria as leituras de “Alice No País Das Maravilhas” empreendida pela mãe para o filho. Sei não, dava para tratar esse conflito todo de Spock provocado pelo anjo vermelho de uma forma menos exagerada emocionalmente, como vimos na meditação de Sarek, por exemplo. Spock também poderia fazer algo parecido, entrando numa meditação profunda e bloqueando inclusive qualquer tentativa de elo mental.
O núcleo da Seção 31 também apresentou problemas. Se foi legal ver Leland fazendo um discurso meloso para cima de Burnham, dizendo que eles tratariam Spock com todo carinho, mas que na verdade encobria uma (óbvia) trairagem (que não sei como nossa protagonista engoliu tão fácil), por outro lado, foi difícil de engolir a Imperatriz denunciando a trairagem para Burnham e ainda usar argumentos pouco convincentes do porquê da denúncia (porque Burnham era “boa” e a Imperatriz queria ferrar Leland). Para piorar, ainda teve aquele momento “Mortal Kombat” entre as duas, só para dar uma pitada (desnecessária) de ação à história. (cadê o toque vulcano para fazer a Georgiou dormir, Michael?). Pelo menos, dois elementos novos foram adicionados aqui. Georgiou disse que conhece Burnham muito bem e o fato de que Leland matou os pais biológicos de Burnham. Vamos ver como essas coisas vão se encaixar mais lá para a frente no rosário de pontas soltas que essa série tem. Por fim, colocar Talos IV na jogada foi, a meu ver, uma boa ideia, pois é uma referência direta ao primeiríssimo episódio piloto da série, dando um certo conforto aos fãs mais “dinossauros”, como se tem dito por aí (dos quais esse humilde escriba se inclui; pelo menos sei que não estou sozinho).
Já a segunda história começou com aquela briguinha boba entre Pike e Tyler e ela só serviu mesmo para mostrar que Pike mais uma vez tomou a atitude correta de capitão contra insubordinação, ameaçando mandar Tyler para o xadrez. Tanto bate-boca desnecessário para depois os dois fazerem as pazes ao final como duas Madalenas arrependidas. Apesar disso, foi boa a ideia da sonda avançar 500 anos no futuro e voltar totalmente agressiva, ainda implantando algo em Airiam, a menina-robô (outra ponta solta). Foi legal também lançar mão de Stamets e seu DNA de tardígrado que o deixa imune a anomalias temporais. Vou repetir aqui: o personagem Stamets é bom, assim como a interpretação de Anthony Rapp, e ele deve continuar na série. Por isso, gostei da volta de Culber (apesar dela ter sido um tanto Mandrake, se bem que ela pode ter afundado de vez os malditos micélios) para se desenvolver algo com Stamets na trama além de, agora, o tripulante mais albino de Jornada nas Estrelas poder ser pau para toda a obra em querelas temporais. A coisa de Pike liberar plasma da nave auxiliar para deixar um sinal para a Discovery foi também muito legal, pois foi uma referência direta ao episódio “Primeiro Comando” da série clássica, onde Spock faz o mesmo para atrair a atenção da Enterprise e nas mesmas circunstâncias de carência de combustível. Só é de se lamentar nesse sétimo episódio de Discovery as palavras de baixo calão e chulas proferidas por Tilly em plena ponte, provocando expressões de reprovação de Saru (isso sim muito engraçado). Eu avisei que uma Tilly à beira de um ataque de nervos era bem melhor. Sei não, se falaram de Tarantino para dirigir um Star Trek no cinema, creio que em Discovery um Almodóvar cairia bem.
Dessa forma, “Luz e Sombras” foi até um episódio relativamente bom de “Jornada nas Estrelas Discovery”, com sequências de ação mais justificáveis na história de Pike e Tyler, mas nem tanto na história de Burnham (a sequência “Mortal Kombat”). Confesso, entretanto, que fiquei um pouco chateado com aquele Spock todo traumatizado. Quem sabe a ida para Talos IV não traga um ingrediente mais atraente. Foi legal ver Stamets arregaçando as mangas para salvar o dia e ficou a incógnita do sinal em Airiam. Esperemos, mais uma vez, pelo próximo episódio.
Um bom filme histórico. “Troca de Rainhas”, uma co-produção França/Bélgica, dirigida por Marc Dugain, aborda a cultura de Antigo Regime, onde o político institucional se mesclava fortemente com as relações pessoais. É o tipo de filme que busca ser fiel com a reconstituição histórica, apesar de um ou outro percalço.
No que consiste a história? O ano é 1721 e França e Espanha acabam de sair de uma sangrenta guerra e precisam sacramentar a paz de alguma forma. O regente francês, Felipe d’Orléans (interpretado por Olivier Gourmet) tem a ideia de “trocar princesas” com o reino espanhol para selar um acordo de paz. Ou seja, o herdeiro do trono, Luís XV (interpretado por Igor van Dessel), com ainda onze anos, recebe em casamento a mão de Maria Anna Vitória (interpretada por Juliane Lepoureau), uma infanta espanhola de apenas quatro anos (!!!), ao passo que o rei Felipe V da Espanha (interpretado por Lambert Wilson), casará seu filho, o príncipe das Astúrias (interpretado por Kacey Mottet Klein) com a filha de Felipe d’Orléans, Louise Elisabeth (interpretada por Anamaria Vartolomei).
Pois bem, a troca de princesas é feita, e logo podemos presenciar duas situações bem diferentes: Louise Elisabeth, por já estar na adolescência, repudia com veemência toda aquela situação de ser obrigada a se casar com uma pessoa que mal conhece, enquanto que o Príncipe das Astúrias se apaixona por ela. Por outro lado, Maria Anna Vitória vai, na sua pureza de criança, toda animada para se casar com Luís XV, pois vai se tornar a Rainha da França, mas aqui será o futuro monarca que não dará muita confiança para a menina. Em toda essa trama de casamentos arranjados, as coisas infelizmente não sairão muito como o planejado. Mas chega de spoilers por aqui.
O que chama muito a atenção nessa película? É o fato de se tentar explicar como funcionavam as dinastias europeias na sociedade de Antigo Regime. O mais desavisado pode até ficar chocado com todos esses casamentos arranjados, inclusive entre crianças. Mas isso era prática comum para selar acordos políticos entre nações, numa mistura radical do público com o privado, que o sistema capitalista conseguiu separar tão bem. Ou seja, não havia qualquer espaço para as historinhas de contos de fadas onde o príncipe e a princesa se casaram e foram felizes para sempre. Para se ter uma ideia, quando Napoleão Bonaparte dominava a Europa.,o príncipe regente de Portugal, D. João (futuro rei D. João VI) ofereceu D. Pedro (o mesmo do grito do Ipiranga), que tinha então apenas nove anos, para se casar com a sobrinha de Napoleão para convencer o Imperador francês a não atacar Portugal. Devo dizer aqui que essa ideia não colou muito e Napoleão não aceitou. Assim, não era de se chocar na época que o futuro rei e rainha da França já estivessem prometidos um ao outro com apenas onze e quatro anos, respectivamente. Outra coisa que chama muito a atenção é a enorme quantidade de doenças que esses membros de famílias reais europeias contraíam. Isso acontecia em parte não apenas por causa da medicina menos avançada da época, mas também porque havia um certo grau de parentesco entre esses membros de famílias reais dos países, com eles se reproduzindo entre eles, o que gerava pessoas com um sistema imunológico mais fraco (a própria expressão “sangue azul” vem do fato de que as pessoas, por serem muito debilitadas, ficavam pálidas com as veias azuis todas à mostra). Havia casos até de meninas hemofílicas que morriam na primeira menstruação. O filme toma muito cuidado de se mostrar como vários membros das famílias reais eram acometidos de doenças, algo que atormentava Luís XV, onde o menino dizia que todos os que estavam à sua volta morriam.
Se o filme mostra alguns aspectos relativamente fidedignos com relação à cultura de Antigo Regime, por outro lado há alguns elementos que parecem fugir um pouco disso como, por exemplo, a atitude muito empoderada de Louise Elisabeth em pleno século XVIII, que resistia bravamente a todas as imposições do sistema. Parece que foi algo exagerado e, pela posição de submissão da mulher na época, a impressão é de que a moça aceitaria com mais resignação tal situação. O choro de Felipe V ao se despedir da filhinha parece algo, por outro lado, mais aceitável, até porque o rei espanhol era muito instável emocionalmente. Aliás, Wilson mostrou um poder de atuação como poucas vezes foi visto. Ele foi excelente como o rei atormentado pela sombra de Luís XIV, seu antepassado e modelo de rei absolutista.
Agora, somente mais um pequeno spoiler. Maria Anna Vitória acabou não vivendo com Luís XV (ela foi singelamente “devolvida” para a Espanha) e, anos mais tarde, se casaria com D. José, que seria o rei de Portugal. Assim, Maria Anna Vitória é mãe de D. Maria I (a Louca), avó de D. João VI e bisavó de D. Pedro (o mesmo do grito do Ipiranga).
Assim, “Troca de Rainhas” é uma boa dica para quem gosta de Cinema e de História, pois é um filme que busca analisar com uma certa precisão as nuances da cultura de Antigo Regime e o faz numa linguagem fácil, sem que a narrativa seja muito elaborada, não se exigindo muito da atenção do espectador. É um filme de fácil compreensão que passa bem rápido, por sua qualidade. Isso sem falar no bom figurino e reconstituição de época. Vale a pena dar uma conferida.
Clint Eastwood está de volta assinando a direção e atuando como protagonista em “A Mula”, um filme baseado numa história real um tanto inusitada. Um senhor beirando os noventa anos, que cultivava lírios e que passou a transportar drogas em sua picape em virtude de problemas financeiros. Uma película de tema espinhoso mas, ao mesmo tempo, com uma certa dose de humor em virtude da personalidade do ancião. Lançaremos mão dos spoilers aqui.
Vamos ao plot. Earl Stone (interpretado por Eastwood) é, como foi dito, um homem que cultiva lírios e é uma personalidade dentro de seu microcosmos, sempre ganhando os concursos de expositores. Por causa disso, ele é muito afastado de sua família, o que provoca atritos com a filha e a esposa, embora sua neta tenha um comportamento mais complacente com ele. O problema é que nosso protagonista se afundará em dívidas e acaba perdendo sua propriedade onde os lírios eram cultivados. Ele, sem ter onde ir, aparece na festa de casamento da filha, mas é expulso por ela.
Um dos convidados começa a conversar com ele e percebe que sua picape não deixa qualquer suspeita. Stone se gaba de nunca ter recebido uma multa sequer depois de décadas dirigindo. O convidado, então, dá um cartão para ele, oferecendo uma espécie de proposta de emprego que é apenas dirigir. Como Stone está na pindaíba, ele aceita. E cai no meio de um monte de traficantes mexicanos, onde ele transporta drogas em enorme quantidade. A primeira vez deu certo, ele ganhou uma grana boa. Daí, decidiu que seria apenas aquela vez. Entretanto, a necessidade de mais dinheiro para suas dívidas o empurrou para um segundo, terceiro, quarto serviço, não saindo mais e cada vez se enrolando mais e mais à medida que fazia as viagens.
É um filme com uma história inusitada e que chama muito a atenção pelo fato de a gente não ver um Clint Eastwood durão que sai dando tiros para cima de todo mundo como estávamos acostumados com seus filmes mais antigos. Pelo contrário, ele é um senhor em idade bem avançada e corre muitos perigos nas mãos dos bandidões bem mais novos que ele. Como ele não pode mais ser um “Dirty Harry”, resta aqui a gente ver um idoso de gênio um tanto forte (ele engrossa algumas vezes para cima dos traficantes na sua condição de veterano da Guerra da Coreia) mas que também sabe levar a vida na flauta, fazendo tudo com improviso e bom humor, para o desespero dos traficantes que tinham as suas ordens sempre desrespeitadas. Aí, o leitor pode perguntar: e por que os traficantes não deram um fim nele? Porque ele era uma mula extremamente eficiente e transportava muitos quilos de cocaína, o que não era para qualquer um. Stone até caiu nas graças do chefão mexicano Laton (interpretado por Andy Garcia). Assim, se o filme trabalha um tema policial, bem ao estilo de Eastwood, o diretor também soube acrescentar um humor simpático à história, o que somente aumentou a empatia do público com o protagonista.
Além do tema policial e do tema do humor, o filme também tem um bom conteúdo dramático, pois Stone era um cara que se afastou de sua família e tentou recuperar o tempo perdido, mesmo que as tarefas do tráfico pudessem colocar um empecilho nisso, É claro que essa tarefa foi um tanto árdua, já que anos de ressentimento não desaparecem de uma hora para a outra, e essa tentativa de reconquista deu um sabor todo especial ao filme e foi determinante num ponto chave da trama, mas não vou ficar dando mais spoilers por aqui.
O filme também prima pelo bom elenco. Além de Eastwood e Garcia, temos figuras como Laurence Fishburne, Bradley Cooper e Michael Peña, que fazem os policiais que investigam a mula nonagenária. Foi muito legal ver Eastwood e Cooper (que já participou de outro filme do diretor, “Sniper Americano”) contracenando juntos e falando sobre família.
Assim, “A mula” é mais um bom filme de Eastwood, que mostra um talento e tanto como diretor de cinema, mas que de vez em quando tem que aparecer na telona para matar a saudade de seu público. Um filme onde ele agora é um senhor em idade avançada e não pode mais ser o policial durão ou o cara que sai destruindo tudo. Mas é um velhinho meio duro na queda e engraçado. Um veterano de guerra que não leva desaforo para casa. E laureado por um bom elenco. Típico filme que a gente vai para ver os atores que gosta. Imperdível.
Um interessante filme de ação. “Alita, Anjo de Combate”, é dirigido por Robert Rodriguez, o roteiro é assinado por James Cameron, Laeta Kalogridis e é baseado na graphic novel japonesa “Gunnm”, de Yukito Kishiro, além de contar com Christopher Waltz, Jennifer Connelly, Mahershala Ali e Edward Norton no elenco. Ou seja, é um projeto para lá de ambicioso. Quando a gente vê uma produção com nomes de tanto peso, a primeira preocupação que nos vêm à cabeça é se a qualidade da película corresponderá ao forte investimento feito nela. Já tivemos uma amarga experiência com “Duna” na década de 80. Agora, “Alita” aceita o desafio e coloca suas cartas na mesa. Lançaremos mão de spoilers aqui.
Vamos ao plot. Estamos no século 26. O mundo tem cidades na superfície que são verdadeiras favelas e uma cidade flutuante, a única que restou depois de uma severa guerra. Quem está embaixo não pode ir para cima. Essa cidade flutuante descarta lixo sobre a cidade da superfície e uma espécie de médico que implanta peças cibernéticas nas pessoas, o Dr. Ido (interpretado por Waltz) encontra uma ciborgue no meio da pilha de lixo, enquanto procura peças usadas para seus pacientes. Ele remonta e reativa a ciborgue, que fica com o nome de Alita (interpretada por Rosa Salazar) e que não se lembra de seu passado.
O problema é que Ido tem uma ex-esposa, Chiren (interpretada por Connelly) que, junto com Vector (interpretado por Ali), gerenciam uma espécie de esporte que é muito parecido com o antigo rollerball, e estão de olho na menina, que era uma espécie de soldado inimigo da antiga guerra. Assim, todos querem pôr a mão na garota, inclusive o todo poderoso dono da cidade, Nova (interpretado por Edward Norton, que não aparece nos créditos) e a doce Alita, que é um ciborgue extremamente poderoso e violento, uma máquina de guerra, precisa lutar contra seus detratores.
O filme foi bom? Sim, muito. A começar pela protagonista, Alita (interpretada por Rosa Salazar). A menina rouba a cena com seu zoião virtual. Mas ela também atua muito bem. É uma típica adolescente descolada, com muito carisma, mas que também pode ser profundamente emotiva (as lágrimas que saíam dos gigantescos olhos dela inundavam toda a sala de cinema) e apaixonada por um rapaz das ruas, Hugo (interpretado por Keean Johnson).
Só por ela, a gente fica o tempo todo com os olhos colados na tela. Mas também temos uma ficção científica boa, do tipo distópico, talvez um pouco manjada, mas eficiente. Para dar credibilidade à história, os medalhões do elenco trabalharam bastante. O melhor deles foi, sem a menor sombra de dúvida, Christopher Waltz. Além de ter um tempo de tela maior, a forma serena e terna como o Dr. Ido tratava Alita foi muito cativante. Já Connelly e Ali fizeram vilões um pouco mais simplórios e elegantes, com um destaque maior para atriz, pelo fato de sua personagem ser ex-esposa do Dr. Ido e isso trazer algumas implicações adicionais.
Sinceramente, achei que Ali foi pouco aproveitado no filme e seu papel poderia ter um pouco mais de destaque. Agora, o grande mistério ficou por conta de Edward Norton, que não foi creditado no filme e fazia o grande vilão Nova, que aparecia somente de relance.
O filme deixou bem claro um enorme gancho para continuação. Espero muito que o filme tenha uma boa bilheteria para que a sequência vingue. E aí, a presença de Norton novamente e com os devidos créditos será mais do que bem vinda.
É uma película, acima de tudo, de ação e cenas de luta, muito bem feitas em todos os seus efeitos especiais. O grande barato é o tal do esporte inspirado no rollerball, só que muito mais turbinado e com ciborgues na arena. Alita irá participar dessa verdadeira carnificina que ensandece o público, primeiro como espectadora, onde vibra com toda a violência explícita, e depois como participante, onde precisa destilar sua violência e especialização nas artes marciais para se defender. Foram boas sequências de filmes típicos de ação.
Assim, “Alita, Anjo de Combate”, se é uma película de ação que estamos muito acostumados a ver, é, por outro lado, um filme que se inova por sua protagonista, por seu elenco e por seu projeto ambicioso. Sinceramente, espero que esse vingue para uma continuação. Vale a pena prestigiar a menina do zoião.
A música que Freddie Mercury cantou para “Metrópolis”, com cenas do filme…
Outro tesouro