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Batata Mangá – Innocent. Execuções, Torturas E Androginias.

Capa do Mangá

Mais um mangá nas bancas. “Innocent”, de Schin’Ichi Sakamoto, tem um toque todo peculiar, pois é baseado numa história real ocorrida durante a… Revolução Francesa (!). Uma história sobre um jovem de coração puro, profundamente atormentado pelo ofício que lhe é imposto por uma tradição de família.

Um rapaz atormentado

E que tipo de ofício é esse? Os membros da família de Charles Henri-Sanson, o jovem em questão, desempenham a função de carrasco nas execuções ordenadas pelo rei. Isso faz com que os familiares de Sanson sejam vistos como algo maligno e amaldiçoado, como uma coisa que exala morte, sendo rechaçados por todos. O rapaz, marcado por essa espécie de maldição, não consegue conviver com as demais pessoas, tendo aulas particulares com um padre de aparência, no mínimo, muito estranha. Mas vai chegar um dia em que Sanson vai ter que, não somente frequentar uma escola e interagir com as pessoas, como vai ter também que honrar a tradição da família e começar a praticar o ofício da execução através de decapitações com uma espada. No meio disso tudo, surge um rapaz em sua vida que se compadece de seu sofrimento. Um rapaz que pode ser um alento em sua vida… ou um tormento ainda maior para um garoto já muito angustiado.

Ele precisa cumprir o ofício da família…

O leitor vá me desculpar pelos spoilers deste texto, mas como se trata ainda do primeiro volume do mangá, vou tomar a liberdade de lançar mão deles. O que podemos falar do primeiro número deste mangá? São 204 páginas de pura arte. Uma arte igualmente complexa e delicada, onde as paisagens e o humano são trabalhados com igual competência, num estilo rebuscadíssimo. Desse ponto de vista, o mangá é uma imbatível obra de arte. O problema é que temos uma predominância de muitos quadrinhos sem um diálogo sequer, o que acaba tornando a leitura (?) um pouco enfadonha. Temos muitos e muitos closes de Sanson com lágrimas singelas escorrendo em seu rosto, ou de gritos profundamente paroxistas expressando dores físicas e da alma. Nesse ponto, o mangá foi extremamente contundente. Mas temos outros momentos em que a leitura nos afeta com grande intensidade. Além da crueldade da execução em si, a família Sanson, com o peso da sua tradição em praticar execuções, acaba se tornando altamente neurótica, com o pai praticando torturas em seus filhos, ao bom e velho estilo do Antigo Regime, onde as práticas de tortura são meticulosamente estudadas e analisadas, seja para provocar ainda mais dor, seja para aliviar momentaneamente a dor para preparar o torturado para uma nova sessão. Tal imolação dos filhos partia de um expediente onde o pai buscava convencer os herdeiros de seguirem as tradições da família. Nesse ponto, a leitura é pesada e tocante.

…mas é extremamente sensível…

A história apresenta também um alto grau de androginia, manifesto na figura do jovem Sanson. O rapaz tem um lado feminino profundamente sensível e refinado, o que aumenta ainda mais o seu sofrimento ao tentar cumprir as tradições da família. Em oposição a isso, está a figura de sua avó, uma guardiã da tradição, impiedosa em suas falas e com um certo prazer sádico no cumprimento das execuções. No meio desses dois pólos totalmente dicotômicos, está o pai, que obedece às diretivas da tradição, ao ponto de impô-las aos filhos através de torturas, mas com a consciência altamente pesada de fazer isso, chegando a abraçar o jovem Sanson depois que ele aceita, sob tortura, o ofício de executar, e dizer ao filho: “Agora não serei mais desprezado por você!” Mais neurótico do que isso, impossível. Freud explicaria?

Tortura. Pedagogia de Antigo Regime…

Assim, “Innocent” é um interessante lançamento da Editora Panini, sob o selo Planet Mangá. Uma história escrita por um japonês como Shin’Ichi Sakamoto sobre fatos reais da França Revolucionária. Um mangá que é uma obra de arte altamente refinada e rebuscada, contrastando com o forte tom de angústia e desespero que permeia toda a obra, com pitadas doentias de tortura e poder de vida e morte sobre os filhos, ao bom estilo da ideologia punitiva do Antigo Regime. Aliado a tudo isso, uma androginia delicada que torna nosso protagonista muito suscetível ao peso do fardo da tradição da família. Um verdadeiro teste para os mais sensíveis e um desafio para psicólogos e estudiosos dos tormentos da alma. Por tudo isso, a classificação do mangá a torna impróprio a menores de 18 anos, ou seja, um mangá para adultos, acima de tudo. Vale a pena dar uma conferida.

Androginia extrema…

 

Batata Mangá – Inspector. A Vida Controlada Pelo Sistema (Operacional).

Capa do Mangá

A Editora Panini (Selo Planet Mangá) nos traz outro lançamento de mangás japoneses. “Inspector – Akane Tsunemori” lança mão de uma importante questão: até onde nossas vidas, num futuro não tão distante, serão reguladas e controladas pela máquina? Quais são os prós e contras de tal situação? Isso seria uma utopia ou uma distopia? As páginas desse mangá adulto (ele é inadequado para menores de 18 anos) irão buscar uma reflexão sobre esse assunto. Sem nos esquecermos de que esse mangá cumpre um “caminho inverso” e é baseado no anime “Psycho Pass”. Geralmente, vemos animes baseados em mangás, justamente o oposto. Ah, sim, a autoria (arte) do mangá é de Hikaru Miyoshi.

Akane no anime…

No que consiste a história? A Akane Tsunemori em questão é uma mocinha que é um prodígio de inteligência numa sociedade de um futuro relativamente próximo a nós. Esse mundo é todo controlado por um sistema operacional de nome Sybil, que deu um diagnóstico para Akane de aptidão para cumprir várias funções públicas altamente qualificadas. Geralmente, o Sybil seleciona pouquíssimos ou somente um ofício para cada pessoa, praticamente determinando a carreira e a vida profissional do indivíduo. Mas Akane podia escolher várias carreiras, o que lhe perturba muito. Curiosamente, a moça escolheu o ofício de inspetora da Agência de Segurança Pública, pois apenas ela poderia cumprir aquele emprego e, dentro de uma visão altamente altruísta, ela deixou suas outras aptidões possíveis para outras pessoas. E aí, seguindo um trecho da Constituição do Japão (“Faz o que deve ser feito aquele que é capaz de fazê-lo”), Akane começa seu ofício de Inspetora. E o que ela tem que fazer? Comandar e controlar os chamados executores, pessoas que têm um alto coeficiente criminal no seu chamado “psycho pass”; tal coeficiente, medido por números e cores que podem ser fortes e turvas, indica a propensão psicológica que as pessoas têm para cometer crimes futuros (nesse ponto, lembramos muito da parceria entre Tom Cruise e Steven Spielberg em “Minority Report”). E quem mede tal coeficiente? Isso mesmo, caro leitor, o Sybil! E o que os executores fazem, liderados pelo inspetor? Caçar e neutralizar os “criminosos latentes”, ou seja, pessoas de alto coeficiente criminal com uma pistola chamada “dominator”, totalmente controlada por computador, dando poderes para o inspetor sobre os executores. O problema é que se o tal coeficiente é muito alto, o criminoso latente é considerado irrecuperável e a dominator deixa de ficar ajustada para atordoar e é reajustada para matar. Para piorar, quem está relativamente próximo do criminoso latente, também tem o seu coeficiente criminal aumentado. Nesse trabalho, volta e meia há situações não previstas pelo sistema, formando bugs que colocam todos em situações de extremo perigo.

… e nos quadrinhos…

Essa, por incrível que pareça, é uma história altamente atual, pois o sistema operacional Sybil conseguiu reduzir altamente a criminalidade e os homicídios mas, em contrapartida, faz isso limitando a liberdade do indivíduo enormemente (tal como acontece nos dias de hoje, onde a liberdade é preterida em nome da segurança em várias situações), a começar por “selecionar” estatisticamente a vida profissional dos indivíduos e chegando ao ponto de usar a estatística para privar as pessoas de sua liberdade (a questão do tal criminoso latente), perturbando as pessoas ao invés de recuperá-las. Hoje em dia, temos outros mecanismos de seleção, como por exemplo, a seletividade social, que fornece um sistema educacional de baixa qualidade àqueles que possuem menor renda, sem falar dos rótulos que associam pobres a bandidos. Ainda, a questão da contaminação de outras pessoas pelo coeficiente criminal dos criminosos latentes parece muito uma alegoria de como o comportamento violento de nossas sociedades atuais gera ainda mais violência, como se a violência fosse um mal que se espalha e contamina tudo que vê pela frente tal como uma praga. Há, também, uma insinuação de que o Sybil, ao controlar as vidas das pessoas, tira também a vontade própria e a força de iniciativa do indivíduo, transformando-o numa mera engrenagem funcional de todo o sistema. Akane será a personagem que irá questionar as decisões do Sybil e se colocará em pé de igualdade com seus subordinados, para o espanto geral de todos, humanizando as relações. Ainda, ela terá um estranho relacionamento com um de seus executores, Kougami, que tem um passado nebuloso.

Kougami

A história também traz uma boa trama policial, relacionando os casos de crime que vão aparecendo ao longo da história. Isso exige uma atenção maior do leitor, sobretudo a partir do segundo volume do mangá. Uma coisa é certa: um grande vilão surgirá por aí.

Assim, “Inspector – Akane Tsunemori” vem com a promessa de uma instigante história, onde questões muito atuais como a limitação ou ampliação de nossas vidas pela informática e o combate à violência em troca da privação da liberdade são discutidas. Nossa protagonista questiona o sistema e busca humanizá-lo da melhor forma possível. Mas isso é somente o começo de uma história que merece ser muito bem acompanhada.

Os personagens do mangá…

Batata Movies – 1945. Mea Culpa.

Cartaz do Filme

Um curioso filme passa em nossas telonas. “1945” é uma produção húngara que aborda indiretamente a já batida temática da Segunda Guerra Mundial (confesso que já perdi a conta da quantidade de filmes que trabalham esse assunto). E por que indiretamente? Porque vemos aqui as consequências do conflito no imediato pós-guerra, onde algumas tensões ainda davam as cartas.

Do que trata a história do filme? Estamos no já citado ano de 1945, numa pequena vila do interior da Hungria. A vida de seus habitantes transcorre normalmente. A impressão que se tem é a de que os horrores da guerra passaram bem distantes de lá. Até que, um dia, dois judeus chegam ao povoado. Importunados rapidamente por soldados soviéticos ainda na estação de trem, os judeus começam a andar pela região. Essa simples presença causa alvoroço em toda a população local, pois os habitantes aproveitaram a frágil situação dos judeus na guerra para lhes usurparem todos os seus bens. Agora, a presença desses “forasteiros” parece uma espécie de acerto de contas. O que vemos daí em diante é a população de uma vilazinha inteira batendo as cabeças numa espécie de mea culpa para alguns e um show de mesquinharia para outros.

Dois judeus voltando ao lar…

A primeira coisa que grita aos olhos nesse filme é a questão do colaboracionismo, onde alguns países europeus, com sua carga de antissemitismo, colaboraram com os ocupantes nazistas na perseguição aos judeus. Esse é um tema muito controverso e uma coleção de feridas abertas que se tornam um assunto tabu na Europa provavelmente até hoje, o que já torna essa película muito digna e corajosa de tocar uma temática tão delicada.

Um líder local ganancioso…

O filme também chama a atenção para outro ponto: o questionamento à noção de psicologia de massas, onde todo um grupo de pessoas, seja de um povoado, seja de uma cidade, ou até de um país, agiria de uma jeito praticamente uniforme sob determinada situação. Essa teoria foi usada por alguns pensadores do passado (no caso do cinema, o primeiro nome que me vem à mente é o de Siegfried Kracauer, da Escola de Frankfurt, com o seu conhecido livro “De Caligari a Hitler, Uma História Psicológica do Cinema Alemão”). Mas hoje em dia, a psicologia de massas parece um termo um tanto ultrapassado. Isso porque a mente humana é um fenômeno extremamente complexo e parece não ser muito responsável englobar algo tão dinâmico num comportamento tão padronizado. O próprio caso da vila mostra uma diversidade de reações sob a igual pressão da presença dos judeus. Havia os moradores mesquinhos, que queriam garantir a posse dos seus bens a todo custo; havia o caso do morador que se atormentava com o sentimento de culpa e buscava refúgio na bebida; havia o caso do jovem que simplesmente queria se desvencilhar daquilo tudo e deixar a vila, em busca de um recomeço num centro mais cosmopolita, seja na própria Hungria ou até em outro país. Ou seja, diferentes reações para uma mesma pressão psicológica, fazendo cair por terra a retórica da psicologia de massas.

Uma cidade desconfiada…

O filme, apesar de suscitar boas discussões, tem, entretanto, um problema. Não pareceu haver uma boa apresentação dos personagens. Era necessária uma atenção do espectador acima do usual para compreender as funções de cada uma das pessoas que apareciam na película. Talvez isso tenha acontecido em virtude do grande distanciamento cultural entre nós e os húngaros, tornando o filme de mais difícil compreensão. Ou, simplesmente, não era a intenção do diretor trabalhar mais profundamente os personagens, embora ele tivesse o cuidado de realçar suas pequenas matizes.

Todos de olho…

Assim, se “1945” nem sempre seja um filme de fácil digestão, ele ainda é um programa recomendável, pois sempre podemos ver como quem “tem culpa no cartório” reage aos infernos que surgem dentro de suas próprias cabeças. Isso faz o filme se transformar num pequeno estudo da condição humana, tornando a película num programa obrigatório, o que vale a pena o preço do ingresso.

Batata Comics – Turma da Mônica Jovem. O Portal Das Trevas. Trabalhando O Ódio Virtual.

Capa da Edição Número 14

Os roteiristas da Turma da Mônica Jovem mostram estar mais uma vez antenados com questões de seu tempo e lançam a história “O Portal das Trevas”, em duas partes (edições 14 e 15 da segunda temporada, lembrando que depois do número 100, foi iniciada uma nova coleção; então há uma espécie de duas temporadas da revista). Aqui, a velha temática da luta entre o bem e o mal é explorada, mas que toca, de uma forma um tanto sutil, um problema muito presente em nossos dias: a querela de todo o ódio virtual/real que viaja pelas nuvens da internet. Esse problema contemporâneo está lá, bem escondido nas entrelinhas.

Capa da Edição Número 15

Do que se trata a história? Cascão tem uma briga com Cebola, que fica doente após assistir a um filme de terror na escola. Todos que assistem ao filme têm o mesmo fim e Cascão decide investigar o que está acontecendo, com a ajuda de Xaveco, Denise e Jeremias. Tomado por uma mágoa profunda, Cascão precisa lidar com seus sentimentos e se livrar de sua raiva contida. Nesse percurso, ele conhecerá Brilhante, uma entidade benigna que o ajudará a lutar contra espectros do mal que adentram o nosso mundo através do filme, mas também de equipamentos eletrônicos, assim como suga os personagens da Turma para o lado do mal. Lutando contra inimigos malignos altamente poderosos, Cascão luta contra o tempo para salvar seus amigos. Mas o pior inimigo pode estar mais próximo do que se imagina.

Cascão buscando encontrar-se consigo mesmo…

A história é carregada de expressões de cunho místico, com uma retórica bem enigmática. Mas os instrumentos eletrônicos estão sempre ali desempenhando uma função importante na trama, pois eles tornam possíveis as comunicações com as forças do bem, mas também com as forças do mal. Quando os personagens da Turma da Mônica estão no mundo amaldiçoado, a coisa se torna muito angustiante, pois os personagens estão, numa hora, lutando contra as forças do mal e, noutra hora, possuídos por elas, se voltando contra seus próprios companheiros. E isso pode acontecer a qualquer momento, com qualquer um, numa alegoria de como o ódio pode envenenar qualquer pessoa de uma hora para a outra, e o contato com esse ódio liberado se faz sempre pelos aparelhos eletrônicos, sendo uma TV passando um filme de terror, ou um celular conectado à internet. O jeito aterrorizante como essa história foi construída, onde os personagens da Turma da Mônica são implacavelmente perseguidos por entidades monstruosas e malignas, das quais não se parece ter escapatória, com os próprios personagens se transformando nessas entidades malignas, incomoda e choca muito, provocando um impacto emocional que nenhum outro número da Turma da Mônica Jovem tinha provocado. E foi, provavelmente, o produto cultural que tratou da forma mais contundente possível essa questão da intolerância nas redes sociais, constituindo-se num pontaço para a equipe de roteiristas de Maurício de Sousa, que trouxe muitos elementos para a reflexão. Até onde nos tornamos monstros se usamos essa ferramenta magnífica que é a internet para disseminar ódio e intolerância? E até onde podemos usar essa mesma ferramenta de forma benéfica, disseminando compreensão, cortesia e tolerância? Você prefere fugir dos espectros do mal ou se deixar tomar por eles? Essa é a questão que “O Portal das Trevas” levanta para nós.

Tenebrosas representações do mal, em contato com aparelhos eletrônicos. Ódio virtual como vilão…

Assim, esse mangá dedicado ao público infanto-juvenil se torna uma leitura novamente cada vez mais adulta. Uma história que, cá para nós, é útil até para educadores trabalharem com seus alunos a questão da tolerância. Uma revista que aborda um tema contemporâneo e altamente problemático e que merece muito a nossa atenção. Não deixe de conferir.

Brilhante, o bem encarnado…