Batata Movies (Revival) – Mário Peixoto e “Limite”: o Surgimento de uma Lenda.

Mário Peixoto…

A arte cinematográfica é relativamente nova. Surgida oficialmente em 1895, com os irmãos Lumière, logo ela se expandiu pelo mundo, ainda carente de uma linguagem. Essa carência foi pouco a pouco desaparecendo graças aos experimentos de diretores como o americano David Wark Griffith, que estabeleceu uma linguagem cinematográfica que explorava mais a materialidade visual do cinema mudo, que ainda necessitava de uma quantidade muito grande de intertítulos para poder explicar a história, e o russo Serguei Eisenstein, que e considerado um dos fundadores da montagem em cinema. Enquanto isso, no nosso longínquo Brasil, o cinema dava também seus primeiros passos. Ainda em seus primórdios, era natural que os próprios donos das salas de cinema fizessem filmes para exibirem em suas salas. Mas em 1911, o mercado nacional foi invadido por produções estrangeiras. Vários foram os fatores: a crise econômica no exterior, provocada por tensões sociais e movimentos grevistas, forçou os produtores de filmes a buscarem o mercado externo; Francisco Serrador, espanhol e empresário, compra grande parte das salas de exibição do Rio de Janeiro e de São Paulo, criando um “trust” e abre caminho para a exibição de filmes estrangeiros, em detrimento da produção nacional, feita pelos próprios exibidores; a revolução griffthiana em 1908 nos Estados Unidos, começa a transformar o cinema em meio de expressão, começa a desenvolver a linguagem própria do cinema. O cinema também se desenvolvia como meio de expressão na Europa. A concorrência entre a indústria cinematográfica (com um novo cinema) e a produção artesanal e primitiva foi desleal e os filmes brasileiros sumiram das telas até 1923. Durante esse período, o que garantiu a sobrevivência do cinema do Brasil foram os documentários, ou filmes de cavação, e um ou outro filme de enredo tal como “Exemplo Regenerador” (1919). Enquanto isso, o cinema desenvolvia-se com o “Nascimento de Uma Nação” (1912), “Intolerância” (1915), os filmes de Charles Chaplin, Mary Pickford e mais uma série de realizadores americanos, sem falar nos esboços do cinema soviético, com Eisenstein e alemão, cujo filme “O Gabinete do Dr. Caligari” (1919) foi o marco inicial do expressionismo.

Imagem inicial de “Limite”

Logo, os filmes brasileiros, sufocados por um mercado ocupado pelos filmes estrangeiros, permanecem primitivos e pré-griffthianos.Em 1923, quando Griffith está em declínio e Chaplin realiza “Casamento ou Luxo?”, os primeiros sinais de renascimento da atividade cinematográfica brasileira aparecem. A interiorização das linhas de distribuição americanas despertam o interesse nos filmes. Agora, além da cidade grande, o interior também via o cinema. Surge o “fã” e a vontade de fazer filmes. É a época dos ciclos regionais. Surgem produtoras em Recife, Pouso Alegre e Guaranésia (MG) e em mais outras regiões além de Rio de Janeiro e São Paulo. Na cidade de Cataguases (MG), a Phebo Brazil Film, cujo diretor de cinema era Humberto Mauro, tem o exemplo mais importante dessa interiorização do cinema. A vontade de fazer filmes aliada com a técnica herdada dos cavadores faz renascer o cinema no Brasil. Podemos dizer que, durante a década de 1920, surgem dois grupos que alavancam o cinema no Rio de Janeiro. O primeiro pólo era liderado por Adhemar Gonzaga e Pedro Lima, que organizavam a revista “Cinearte” e faziam militância pelo cinema brasileiro, e estimulavam a produção nacional, sendo um ponto de referência para os produtores de filmes dos ciclos regionais. E o segundo pólo era formado por um grupo de estudantes que organizou o jornal “O Fan”, que buscava discutir o cinema de forma teórica no Brasil, e era liderado por futuros intelectuais como Otávio de Faria (que seria escritor e germanista) e Plínio Sussekind Rocha (que seria físico).

Imagem final de “Limite”

Esses estudantes fundaram o Chaplin Club, apologistas da obra de Carlitos. Um dos amigos de escola de Otávio e Plínio era um jovem franzino, de nariz pronunciado (que lhe deu o apelido de maçarico), muito tímido, chamado Mário Breves Peixoto. De família muito rica (era parente por parte de mãe do Comendador Joaquim José de Souza Breves, que foi o maior plantador de café do Império e mais ativo traficante de escravos da época, sendo interlocutor do Imperador e senhor de todo o território que vai da Restinga de Marambaia até as fronteiras de São Paulo, litoral e interior; “Limite” será filmado em Mangaratiba em função disso), Mário vai estudar no colégio Santo Antônio Maria Zaccaria de 1917 a 1926 (onde conhece Otávio e Plínio) e depois segue seus estudos na Inglaterra, numa experiência mal sucedida, por não se adaptar à frieza do povo inglês. Lá, tem contato com o cinema expressionista alemão, sobretudo com “Metrópolis”. De volta ao Brasil, em 1927, conhece Brutus Pedreira (um dos futuros atores de “Limite”), que o levará para o teatro de brinquedo, conhecendo a família Schnoor (um de seus membros, Raul, atuou em “Limite”) e também Adhemar Gonzaga e Pedro Lima através de Eva Schnoor, que era a atriz principal de “Barro Humano”, filme de Gonzaga, que fundaria os estúdios da Cinédia. Assim, Mário teve contato com o grupo que fazia filmes no Brasil (o de Adhemar Gonzaga) e com o grupo que discutia cinema de forma teórica (o Chaplin Club, de Otávio de Faria e Plínio Sussekind Rocha que comparava o cinema de Murnau ao de Griffith, por exemplo, além de analisar a obra de Chaplin). Em 1929, após um período na Europa, Mário retorna ao Brasil decidido a escrever um “scenario”, ou seja, um roteiro de filme. Ele declarou, anos depois, que queria atuar no filme e o “scenario” foi escrito após ter visto, em Paris, numa banca de jornais, a capa da revista “Vu”: uma mulher com olhar fixo e mãos masculinas algemadas por sobre o busto. Após essa imagem, surgiu em seu pensamento a visão de uma mulher agarrada a uma tábua num mar de fogo. Mário cria o “scenario” do filme ligando essas duas imagens: a da mulher com as algemas como primeira imagem e a mulher no mar de fogo como a última.

Capa da Revista Vu, que inspirou em Mário Peixoto a imagem inicial de “Limite”

Ele teve essa visão após ter uma discussão aparentemente grave e dolorosa com o pai. Mário, de personalidade introspectiva e que amava muito o pai, teria sofrido muito com essa discussão.O “scenario” foi escrito, segundo ele, em uma só noite e era basicamente o seguinte: um barco, com três náufragos, perdido no oceano. Os náufragos estão abatidos, deixaram de remar e parecem conformados com o seu destino. Uma das mulheres dá um biscoito ao homem, que o come, desalentado. Ela, então, conta a sua história: fugiu de uma prisão com a cumplicidade do carcereiro, mas desprezou-o. Fugiu novamente, mas não encontra a paz. Tenta trabalhar – costurar – mas a monotonia a esmaga. Vendo a notícia de sua fuga no jornal, parte novamente.O homem reanima a outra moça caída no fundo do barco. Também ela conta a sua história: um casamento infeliz e desastrado com um pianista bêbado que toca em cinemas. A mulher sente-se presa, reprimida pela tirania dos laços do casamento; recorda o marido em toda a sua degradação. Desesperada, foge.No barco, a primeira mulher tenta remar – mãos e remos são inúteis. Os outros dois olham-se, vencidos e conformados. E o homem conta, então, ele também, a sua história. Viúvo, tem um caso de amor com uma mulher casada. Há alegria e há tristeza. Ao visitar o túmulo de sua mulher, encontra o marido da amante que lhe diz que esta é leprosa. Desespero, angústia, terror – e fuga.No barco, a água para beber acaba. Um barril, visto de longe, pode ser a salvação. O homem pula n’água para ir buscá-lo, mas não reaparece à tona. Em desespero, a segunda mulher atira-se à primeira, que a agride. Uma fica prostrada, a outra chora.Desencadeia-se uma tempestade, uma longa tempestade que, quando acaba – o mar calmo outra vez – não deixa mais do que a primeira mulher agarrada a um destroço – e assim termina o “scenario” que não tem mais do que quinze páginas datilografadas, com cortes e fusões indicados, bem ao estilo do cinema silencioso.

Mário Peixoto fazendo uma ponta em “Limite”


Vemos nesta história que o tema central do filme é a limitação do homem perante o Universo. Ao invés de um possibilismo, onde o homem pode transformar a natureza a seu bel prazer e dominar todas as coisas, o filme aborda um determinismo, ou seja, o homem nem sempre pode dominar a natureza e, inclusive, encontra-se à mercê dela. A situação dos náufragos no filme é exemplar: eles estão totalmente subjugados pelo mar que os matará. As três histórias são somente uma metáfora da limitação principal do homem perante o Universo, perante o mar, nos casos individuais dos três personagens. Cabe ainda dizer que o filme não obedece a um fio narrativo tradicional, mas sim  a uma associação metafórica de imagens, onde vemos alegorias da limitação interligadas: algemas, proas de barcos, loops de câmaras, etc. Assim, podemos dizer que “Limite” se aproxima mais de uma poesia do que uma prosa. Cacá Diegues diz que “Limite” nos dá a impressão, em termos de linguagem cinematográfica, de qual seria o rumo que o cinema mudo tomaria se o cinema falado não tivesse chegado ali mesmo no fim da década de 1920 e início da década de 1930. Pelas linhas descritas acima, vemos que “Limite” é um baita filme (lembra a segunda lei da termodinâmica em física, onde a morte do Universo pelo aumento de entropia – nível de desorganização de um sistema – é inevitável). E esse baita filme foi imaginado por um pós-adolescente brasileiro em 1930, o filme teve todas as condições de ser realizado e ele existe até hoje, pois foi restaurado por Plínio Sussekind e seu aluno Saulo Pereira de Mello (que esse humilde articulista teve o privilégio de conhecer). Por esses motivos, muitos estudiosos e especialistas em cinema brasileiro dizem que “Limite” é considerado o maior filme brasileiro de todos os tempos e uma lenda. E veja o filme completo abaixo!!!

Batata Movies (Revival) – Glória Feita de Sangue, de Kubrick.

Cartaz do Filme

O filme “Glória Feita de Sangue”, de Stanley Kubrick, é um dos filmes de guerra mais contundentes que existem. Pode-se dizer que foi um filme feito com muita coragem, pela forma franca com que alguns assuntos são tratados, numa época em que a Guerra Fria estava a pleno vapor (1957) e noções como a de patriotismo eram incontestáveis nos Estados Unidos. Mas Kubrick contestou.

Kirk Douglas em atuação memorável

Vemos aqui a história ambientada na Primeira Guerra Mundial. O ano é 1916 e presenciamos a famosa “guerra de trincheiras”, onde não existem muitos avanços dos exércitos contra as linhas inimigas. No exército francês, o general Broular (interpretado por Adolphe Menjou, antiga estrela do cinema mudo, que contracenou com Rodolfo Valentino em “O Sheik” e foi um dos protagonistas de “Casamento ou Luxo”, de Chaplin) instiga o general Mireau (interpretado por George Macready) a tomar uma posição alemã conhecida como “o formigueiro” sem qualquer espécie de ajuda, algo considerado praticamente impossível. Tomado pela vaidade e pela possibilidade de glória, Mireau aceita o desafio. Os soldados de Mireau são comandados pelo coronel Dax (interpretado por um vivaz Kirk Douglas), que não concorda com a missão praticamente suicida mas é obrigado a executá-la. Durante o ataque, uma parte do exército simplesmente não conseguiu sair da trincheira em virtude do fogo cruzado alemão, o que muito irritou Mireau, que chegou a dar ordens para atirar nos próprios soldados em virtude de sua suposta covardia, mas foi desobedecido. Como era necessária uma punição exemplar, três soldados foram escolhidos para serem julgados pela corte marcial, cuja pena seria a capital.

Cena do fuzilamento…

Dos três soldados escolhidos, um foi sorteado, outro foi escolhido pois não se dava bem com um dos capitães e outro era considerado “socialmente indesejável”. O coronel Dax foi advogado de defesa dos três soldados, mas o julgamento era de cartas marcadas, com praticamente nenhum direito de defesa, o que provocou protestos irados de Dax. Ao fim, os três soldados foram fuzilados.

General Mireau: busca de promoção pessoal com o desperdício de vidas humanas.

Tudo isso sob os olhares frios dos grandes generais. Para não ficar um clima de injustiça total, o general Mireau ainda passou por um inquérito depois da denúncia do coronel Dax de que Mireau mandara atirar em seus próprios soldados. Mas o grande mérito do filme foi a resistência do coronel Dax a todas as injustiças impostas pelos grandes generais franceses. Ainda, Dax menciona uma frase que deve ter provocado grande impacto na época em que o filme foi rodado: “o patriotismo é o último refúgio dos canalhas”. “Glória Feita de Sangue” é um filme que questiona desmandos da hierarquia militar, critica um patriotismo exacerbado e expõe cruamente as injustiças da guerra. A cena final é exemplar.

A comovente cena da canção da prisioneira alemã.

Os soldados da companhia de Dax estão se divertindo num bar quando seu dono traz ao pequeno palco uma moça alemã que havia sido capturada. Depois de ser vaiada, tripudiada e desrespeitada pelos soldados franceses, ela começa a cantar para diverti-los. Sua canção é cheia de melodia e tristeza, expressa na lágrima que sai de seu olho. Os franceses param com o barulho e as risadas e passam a cantarolar a melodia cantada em alemão pela moça. Muitos deles com o semblante fechado e também com lágrimas nos olhos. Tudo isso sob o olhar atento e a expressão melancólica do coronel Dax. Momento sublime de um filme importantíssimo de Kubrick.

Batata Movies (Revival) – 2001, Uma Odisseia no Espaço – Ficção Científica como Arte.

Cartaz do Filme

Falar de uma obra de arte sempre é algo difícil. Ainda mais quando se trata de “2001, uma Odisseia no Espaço”, de Kubrick. Lembro-me quando esse filme passou na TV pela primeira vez. Eu era moleque e não entendia aquela sucessão de imagens e sons tão estranhos. Esperava algo no estilo “Guerra nas Estrelas” Quebrei a cara.Mas o filme me despertou muita inquietação. A primeira vez que escutei alguma explicação sobre ele foi de um professor de ciências que dizia que o filme buscava mostrar que, por mais que a gente avance e busque inovar, sempre retornamos ao ponto de partida. Sei lá, num primeiro momento, não me convenci muito.

Descoberta instigada pelo monólito, que traz a sobrevivência.

Busquei então o livro e, só aí, pude entender do que se tratava a história, embora o filme a contasse com algumas modificações. Definitivamente, nem sempre uma imagem vale mais que mil palavras. Mas, mesmo assim, Kubrick mostrou a força das imagens nesse filme. Um filme quase sem diálogos. Um filme praticamente mudo, criando arte através da simbiose entre imagem e música, algo que o mestre tanto valorizava. O coro de vozes altamente angustiantes nas cenas do monólito extraterrestre, seja diante dos homens pré-históricos, seja diante da naveDiscovery nas cercanias de Júpiter expressam o medo e o receio humanos diante do sobrenatural (minha mãe costumava dizer que parecia que havia um monte de almas penadas gritando no filme).

O monólito alienígena.

O acoplamento da nave espacial à gigantesca estação rotatória que simula a força de gravidade ao som de Danúbio Azultransforma a física em arte, como se as forças que regem o movimento das máquinas criadas pelo homem fossem uma grande dança exaltando o triunfo possibilista da engenhosidade humana. A imagem da Discovery a caminho de Júpiter sob uma música muito melancólica, expressão pura da solidão no espaço profundo, na minha modesta opinião o momento mais lindo e poético do filme. A viagem de Dave em velocidades altíssimas dentro de um caleidoscópio coloridíssimo com um fundo musical altamente desesperador, desespero esse expresso nas imagens congeladas e aterrorizadas da face de Dave, num contraponto à alta velocidade a qual ele está submetido.

Osso e nave: frutos da tecnologia

Dizem que esse momento do filme é o que mais se aproxima no cinema a uma viagem que um viciado em LSD faz. Ou seja, Kubrick, com o poder de suas imagens, nos deixa “doidões” sem a gente precisar se drogar. Só esses momentos já fazem de 2001 uma obra prima em termos cinematográficos. Mas há ainda mais. Esse trabalho foi, com certeza, um dos melhores filmes de ficção científica da história do cinema, se não foi o melhor. Uma civilização alienígena que salva o homem da extinção lá na pré-história, sugerindo telepaticamente que o osso seja usado como arma para o homem ter o que comer. O osso travestido em nave espacial, consequência do primeiro avanço tecnológico que foi usar o osso como porrete, o que salvou o homem. A presença de um monólito na Lua, que emitiria um sinal assim que o homem lá chegasse, avisando a civilização alienígena dos progressos tecnológicos da humanidade.

Estação Espacial: Rotação Traz Simulação de Gravidade.

A viagem a Júpiter para investigar o outro monólito gigante. A presença de HAL 9000, um computador que tem consciência de si mesmo e que tem emoções (o medo de HAL ao ser desligado por Dave e suas súplicas doem na gente a qualquer tempo, é um sentimento forte e atemporal). O contato com o monólito e a velocidade warp de Dave, que termina numa pequena sala, um ambiente produzido pelos alienígenas para que Dave se torne mais confortável. A velocidade de seu metabolismo aumentada para seu rápido envelhecimento e morte, para fundir seu corpo com a espécie alienígena.

A Solitária Discovery no Espaço.

O desfecho do bebê, fruto da mistura entre as duas espécies, vendo o planeta Terra, ao som de Assim Falou Zaratrusta, de Richard Strauss. Tudo isso passado em imagem viva diante de nossos olhos, praticamente sem diálogos, toda a linguagem cinematográfica presente dentro da materialidade das imagens, com a música reforçando e ratificando os significados.

HAL 9000: um computador com sentimentos.


Lembro-me aqui de meu professor. Por mais que a gente busque avançar, sempre retornamos ao ponto de partida. Com o renascimento de Dave, podemos dizer que meu mestre tinha lá uma certa razão.

A visão aterrorizada de Dave durante seu warp.

Entretanto, renascemos, reciclamos, sempre para buscar um novo futuro. Voltar ao ponto de partida, voltar às origens (como o toque que o Dr. Floyd faz com a mão no monólito da Lua, o mesmo toque que o homem pré-histórico faz no monólito no passado distante) pode até ser algo bom, precisamos de nossas referências e raízes.

Dave, em seu leito de morte, perante o monólito alienígena.

Mas a raiz é a base para crescermos e buscarmos sempre um futuro melhor para todos nós. 2001 também tem essa mensagem implícita. Definitivamente, esse filme é um patrimônio da humanidade!

Dave mesclado com a espécie alienígena. Delicadeza e perplexidade. 



Batata Movies – A Tabacaria. Tabagismo X Nazismo.

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Cartaz do Filme

Uma co-produção Áustria/Alemanha. “A Tabacaria” é mais um daqueles filmes que aborda o inesgotável tema do nazismo, desta vez na Viena ocupada pré-2ª Guerra Mundial. Um filme que se destaca pela presença de Freud, interpretado por um sóbrio Bruno Ganz, mas que tem como personagem-protagonista Franz (interpretado por Simon Morzé), um jovem do interior que é mandado pela mãe para trabalhar na tabacaria de um antigo namorado após a morte do marido. Ao chegar a Viena, Franz vai para a tabacaria em questão e descobre todo um mundo novo, onde prazer e desejo são vendidos a preços módicos ou bem altos para os clientes (quando se trata de charutos cubanos, por exemplo).  

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Franz e Freud. Uma amizade sólida e inesperada…

Franz fica maravilhado com todo esse novo mundo e, principalmente, com a presença de Sigmund Freud entre os clientes, com quem engata uma amizade. Nas conversas com o psicanalista, Franz é encorajado a buscar um amor na cidade e ele acaba conhecendo uma jovem de origem tcheca, Anezka (interpretada por Emma Drogunova) que, se num primeiro momento é uma princesa encantada para o moço, com o tempo ela se revela menos prosaica para uma cabeça conservadora de um jovem do interior. Entretanto, Franz ainda batalha por sua amada, percorrendo um caminho espinhoso. Esse ambiente um tanto idílico acabará de forma extremamente abrupta com a chegada dos nazistas a Viena, onde o patrão de Franz, Otto (interpretado por Johannes Krisch) acaba sendo preso por sua origem judaica e morre na prisão. Freud, por sua origem judaica, também precisa ir embora e Franz desaparece, ao fazer um protesto um tanto inusitado contra a prisão de seu patrão. Ou seja, é o fim da inocência e o fim de tudo, num desfecho coerente com o contexto, que não tinha espaço para um happy end.

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Descobrindo o amor…

Algumas coisas chamam a atenção nesse filme. O lúdico e o idílico que precedia o violento choque de realidade não ficou apenas no romance entre Franz e sua garota tcheca. O rapaz tinha, também, muitos sonhos, que, sob os conselhos de Freud, eram registrados no papel assim que ele acordava e que representavam todos os seus desejos, aspirações e angústias. É curioso perceber que tivemos até um uso (tímido, é bem verdade) de CGIs nas sequências de sonho. Outro detalhe curioso estava nos momentos em que Franz passava por uma situação e ele botava sua imaginação para funcionar, quando o que acontecia na realidade era bem diferente. Como um exemplo, o comunista local se joga de um prédio após a chegada dos nazistas. Franz corre e consegue segurá-lo antes de se esborrachar no chão, salvando a sua vida. Mas isso era somente a imaginação do moço, pois o homem realmente se esborracha no chão e morre. Tal limite tênue entre a imaginação e a realidade chega a surpreender o espectador nos primeiros momentos em que foi usado, mas depois acabou se tornando meio óbvio. Mesmo assim, a gente se identifica com essa situação. Quem nunca, num determinado momento e presenciando uma cena, pensou no que ia fazer, mas só ficou paralisado ali e não fez nada?

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Com Otto, praticamente uma relação pai e filho…

Os atores foram muito bem. Simon Morzé segurou bem o fardo de papel-protagonista e não teve medo de contracenar com Ganz, o grande nome do filme e que fez um Freud doce e adorável. Johannes Krisch foi fenomenal como o dono da tabacaria, sabendo ser duro em alguns momentos, mas compreensível e paterno em outros, atuando como um verdadeiro pai postiço para Franz. Realmente, um filme onde tivemos uma boa história (é inspirada num best-seller de Robert Seethaler), mas que foi muito bem amparada no bom trabalho dos atores.

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O fantasma nazista acaba com o espírito idílico…

Assim, “A Tabacaria” é um programa imperdível, pois o lúdico e o violento choque de realidade do nazismo dão as cartas, há bons atores e temos uma das últimas oportunidades de ver Bruno Ganz atuando, além de termos uma história muito bem contada. Vale muito a pena dar uma conferida.

Batata Movies – Encontros. Ou Desencontros?

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Cartaz do Filme

Um filme francês com gosto de comédia romântica. “Encontros” vai falar de dois vizinhos que se esbarram o tempo todo, mas não se encontram nunca. Eles podem ter mais coisas em comum do que parece, mas também não. Um filme com direito a redes sociais e muita terapia. Para a gente poder compreender esse filme melhor, vamos lançar mão de spoilers aqui.

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Remy, tem medo de viver e se expor ao mundo…

Quem são esses vizinhos? O rapaz é Rémy (interpretado por François Civil), um cara que tem crises e crises de insônia e um sentimento de culpa por simplesmente dar sorte às vezes em determinadas situações, como no caso em que conseguiu manter o seu emprego numa fábrica depois de uma política de demissões em massa. A moça é Mélanie (interpretada por Ana Girardot), que dorme compulsivamente, trabalha num laboratório e precisa apresentar sua pesquisa num prazo considerado por ela apertado, onde os resultados de sua palestra serão determinantes para o sucesso da empresa para a qual trabalha. Rémy e Mélanie sofrem de depressão, amargam uma solidão pesada e fazem terapia. Cada um leva a sua neura à sua maneira, onde vemos pontos em comum e pontos discordantes. Mélanie lança mão das redes sociais e tem aventuras esporádicas, que não têm sucesso no tocante a encontrar uma relação mais duradoura.

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Mélanie tenta aplacar a solidão com a ajuda das redes sociais…

Rémy é um sujeito isolado do mundo e com medo de se arriscar e de viver, sempre se culpando por tudo. O mais irônico é que um mora ao lado do outro e eles sempre se esbarram, seja andando na calçada da rua, sendo indo ao mercado do bairro, de propriedade de um árabe que acaba sendo uma espécie de alívio cômico do filme, sejam os dois praticamente ficando lado a lado nas sacadas de seus apartamentos. Há um erro crasso de continuidade no filme, pois a entrada do prédio de Mélanie fica à direita da entrada do prédio de Rémy, enquanto que as sacadas dos apartamentos ficam justamente na posição oposta.

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Ironia nos encontros e desencontros…

A coisa é tão descarada que a gente até suspeita que foi feita de propósito, como se as posições invertidas de portarias e sacadas fossem uma manifestação dos encontros e desencontros dos personagens. É curioso notar que o filme, apesar da temática um tanto pesada, consegue fazer rir em alguns momentos e mostra a superação dos personagens à medida em que suas terapias avançam. O encontro derradeiro dos dois se dá apenas ao final da película, quando  o casal finalmente se encontra na aula de dança recomendada pelo árabe que é dono do mercado que os nossos protagonistas frequentam, optando-se pelo happy end.

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Vizinhos que nunca se veem…

Uma coisa que chama muito a atenção é a semelhança dessa película com o filme argentino “Medianeras, Buenos Aires da Era do Amor Virtual”, de 2011, que também falava de um casal com problemas psicológicos que nunca se encontrava e eles somente se encontram ao final da película, de uma forma um tanto quanto inusitada (o rapaz estava vestido de Wally, perdido na multidão e é encontrado pela moça). No caso argentino, a temática do amor virtual também se fazia presente, embora não houvesse muito espaço para terapia como vemos aqui em “Encontros”, além de, no caso argentino, haver uma aproximação maior com a comédia romântica.  “Encontros” pode até ser um pouco mais tenso, mas não é menos simpático por causa disso e tem também uma história envolvente, embora eu confesse que tenha gostado mais de “Medianeras”. Pelo menos em “Encontros” se deu um destaque para a questão da terapia, ajudando a desmistificá-la, pois há pessoas (principalmente aqui no Brasil) que ainda acham que ir ao psicólogo é coisa “de maluco” e o filme ajuda a derrubar esse preconceito.

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Lançando mão da terapia…

Dessa forma, “Encontros” é um filme que tem uma história cativante, personagens bem construídos interpretados por bons atores, um leve arremedo de comédia romântica e um filme de muita, muita terapia. Vale a pena dar uma conferida.

Batata Movies – Humberto Mauro. Dando Voz A Um Pioneiro Perdido No Passado.

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Cartaz do Documentário

Um curioso documentário brasileiro. “Humberto Mauro”, realizado pelo seu neto, André Di Mauro, é uma espécie de grande caleidoscópio de imagens que dão visibilidade aos depoimentos do famoso cineasta brasileiro, considerado por alguns o grande pioneiro do cinema brasileiro, o introdutor da revolução griffithiana em nosso cinema. Embora todas essas definições um tanto reificadoras sejam alvo de alguma controvérsia (Mauro teve contemporâneos que também tiveram sua importância e destaque), é inegável que Humberto Mauro tem um papel importante na História do Cinema Brasileiro e sempre é importante qualquer documentário que remeta à sua memória e seu legado.

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Humberto Mauro em seus tempos de juventude…

O diretor André Di Mauro optou por um estilo de documentário que escapa do convencional. O próprio Humberto Mauro falava com um certo desdém desse modelo mais clássico de documentário, onde vemos entrevistas e narrações ilustradas de forma fria e mecânica por imagens de arquivo ou de seus filmes. Para o pesquisador ávido por informações sobre a História do Cinema Brasileiro (tal como este escriba que vos fala), um modelo mais convencional de documentário sempre é bem vindo. Mas Di Mauro teve um enfoque bem mais artístico da coisa, usando, ao início do filme, muitas e muitas imagens de natureza, não somente dos filmes de seu avô, como também de outros filmes da época, como “Limite”, de Mário Peixoto. Naquela torrente de imagens, totalmente artística, vem a voz de Humberto, já em idade avançada, falando no rádio amador. A impressão que se dá é a de que ele vem diretamente do passado para conversar com a gente.

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Retratando as peculiaridades de nosso país…

E aí, as intervenções de Humberto vão se fazendo cada vez mais presentes, com a torrente de imagens ilustrando, de uma forma mais poética e artística, ao invés de fria e mecânica, o que ele diz e suas ideias. Ou seja, é o próprio Humberto que faz a leitura e interpretação de si mesmo, sem interferências de intermediários ou de acadêmicos. Se o filme passa inicialmente uma certa sensação de desconforto para quem está ávido por informações documentais da forma mais tradicional possível, com o tempo a película nos conquista, pois ela nos dá as preciosas informações sob a ótica do próprio Humberto e, de quebra, temos uma montagem magistral, onde uma série de fragmentos de filmes são organizados para acompanhar o raciocínio do pioneiro.

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Déa Selva em “Ganga Bruta”…

As imagens também possuem uma forte carga afetiva para os admiradores de Mauro. Voltar a ver, por exemplo, trechos de filmes como “Tesouro Perdido”, “Sangue Mineiro”, “Lábios Sem Beijos”, “Braza Dormida”, “Ganga Bruta”, “O Descobrimento do Brasil”, “O Canto da Saudade” e muitos outros, assim como rever Pedro Fantol, Luís Soroa, Durval Bellini, Máximo Serrano, Nita Ney, Déa Selva e Carmen Santos, é um deleite para os olhos do aficionado pela História de nosso cinema. Ainda, revisitar os vários e vários curtas produzidos por Mauro em seus dias no Ince (Instituto Nacional do Cinema Educativo), onde ele se torna uma espécie de cineasta oficial do regime de Getúlio Vargas, e tem liberdade criativa para expressar seus sentimentos sobre brasilidade e seu amor provinciano (no melhor sentido do termo) por Minas Gerais e Volta Grande, sua terra natal, é sempre uma tarefa muito prazerosa.

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Cena de “O Descobrimento do Brasil”

O filme, ainda, fala um pouco da forma como Humberto encarava o cinema. Ele era um homem antenado com seu tempo, atento à produção cinematográfica mundial, mas, ao mesmo tempo, não se prendia a teorias e convenções, filmando de um jeito muito livre, chegando até a seguir uma espécie de roteiro que era mais um improviso de uma ideia pré-concebida do que algo muito elaborado do ponto de vista teórico e técnico.

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Carmen Santos em “Sangue Mineiro”

Humberto era bem mais empírico e pragmático, o que lhe rendeu a pecha de ser um cineasta de estilo único, nas palavras do próprio pesquisador francês de cinema Georges Sadoul. Ou seja, ele era uma espécie de desbravador. É claro que a sua relação com Adhemar Gonzaga ajudou Humberto a se aproximar mais com o que Griffith fazia nos Estados Unidos. Mas Humberto, acima de tudo, foi um cineasta de seu povo e de sua gente, um amante da natureza de nosso país, que ele achava maravilhosa de qualquer jeito em que ela estivesse.

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Nita Ney em “Braza Dormida”…

Assim, “Humberto Mauro” é mais um bom documentário brasileiro altamente recomendável. Mesmo que ele, aos olhos de acadêmicos e de teóricos mais exigentes, possa parecer excessivamente artístico, ainda assim nos fornece informações valiosas e sob o prisma do próprio Humberto. É uma joia muito bem dilapidada e que deve ser preservada como tal. Programa imperdível.

Batata Movies – A Máquina do Tempo. Mais um Futuro do Pretérito.

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Eletrizante cartaz do filme

Vamos hoje, mais uma vez, relembrar as sessões do Cineclube Sci Fi realizadas no Planetário da Gávea. Por ocasião dos cinquenta anos de “Jornada nas Estrelas” e os cento e cinquenta anos de H. G. Wells, o Cineclube Sci Fi exibiu o clássico da ficção científica “A Máquina do Tempo”, baseada numa história de Wells e que ganhou o Oscar de Efeitos Visuais. Essa excelente versão original do filme, realizada em 1960, foi estrelada por Rod Taylor, que interpretou o protagonista do filme “Os Pássaros”, de Alfred Hitchcock. Ele faz sugestivo papel de H. George Wells, um inventor que reúne em sua casa um grupo de amigos para lhes mostrar um experimento que viaja no tempo, algo que é rechaçado por todos, exceto por seu amigo mais próximo, David Filby (interpretado por Alan Young). Mal sabem seus amigos, depois de deixá-lo sozinho, que Wells tem uma outra versão da máquina e viaja para o futuro. Nosso Wells, que está no ano de 1900, vai presenciar a Primeira e Segunda Guerra Mundiais, assim como a Terceira Guerra Mundial, que acontecerá na década de 1960. Para escapar da morte certa, ele avança milhares de anos no futuro, chegando até o ano de 802701, quando se depara com um mundo paradisíaco e com uma espécie humana altamente dócil e passiva, os eloi. A falta de interesse por parte dos eloi em se aprimorar individualmente e desenvolver tecnologia deixa Wells muito inquieto. Pelo menos, Wells conheceu a bela Weena (interpretada por Yvette Mimieux), por quem se apaixonou. Sua máquina é arrastada para o interior de uma espécie de esfinge e ele fica preso nessa época. Até que, um dia, sirenes tocam e a esfinge se abre. Todos os eloi, numa espécie de transe, se dirigem à esfinge que, depois de um tempo, fecha a porta com Weena dentro. Wells, então, consegue descobrir entradas secundárias que são respiradores que levam às profundezas. Lá, nosso protagonista descobre que existe uma outra raça humana, os morlocks, que vivem debaixo da Terra, e se alimentam dos eloi. Os morlocks são descendentes de um grupo de pessoas que decidiu ficar em abrigos subterrâneos depois das guerras, ao passo que os eloi se aventuraram a viver na superfície. Diante dessa situação, Wells vai ter que libertar os eloi dos morlocks, salvar Weena e, ainda por cima, recuperar sua máquina, para voltar a tempo de jantar com seus amigos no dia cinco de janeiro de 1900. Se bem que, com a máquina ele tem todo o tempo do mundo mesmo!

Esse é um grande filme de ficção científica e, talvez um dos primeiros a abordar o tema da viagem no tempo. Ainda que de forma muito simplória, a questão da quarta dimensão é apresentada na película, onde a máquina não viaja no espaço, e sim no tempo. Ou seja, ela fica lá paradinha na estufa de Wells, enquanto que o tempo passa rapidamente em direção ao futuro. Outro detalhe interessante é que a viagem do tempo na maioria dos filmes que tratam desse tema é em direção ao passado, ao passo que aqui viaja-se para um futuro muito distante. É notória a decepção do cientista com o que vê nos anos vindouros. O personagem, que é altamente otimista com o progresso da ciência e da humanidade, somente viu uma coleção de guerras deteriorando cada vez mais a espécie humana, numa repetição dos erros do passado, tal como se as pessoas não aprendessem com a História. Cabe dizer aqui que o escritor Herbert George Wells também escrevia livros de História.

Wells constrói uma máquina que se desloca no tempo e não no espaço

Cinematograficamente falando, o filme conseguiu mesclar uma linguagem mais intelectualizada, que falava da quarta dimensão e dos rumos da humanidade com uma boa história de ação, sobretudo na parte em que Wells invade o mundo dos morlocks, onde ele precisa fazer o papel do mocinho corajoso que peita os monstrengos a unha e fogo, já que, por viverem debaixo da terra, não suportam claridade. Nunca uma caixa de fósforos fora uma arma tão letal no futuro! Mas o filme também trouxe efeitos especiais notáveis para a época (não podemos nos esquecer de que é uma produção de 1960). Todos esses elementos reunidos fazem do filme uma obra-prima. Ah, e sem falar que ele passava na Sessão da Tarde antigamente, onde foi a primeira vez que o vi, ainda bem criança.

Os amigos de Wells não ficam muito convencidos de seu feito

Após a exibição do filme, a tradicional palestra. Dessa vez, houve somente um palestrante, Gabriel Cid, filósofo e produtor cultural formado pela UFRJ. Cid começou sua palestra lembrando que o cinema torna possível a abertura a várias temporalidades. Assim como a astronomia cria aparatos de observação que nos ajudam a ver o passado quando os apontamos para o céu, o cinema faz algo semelhante quando vemos os filmes e fotos antigas. Cid exibiu uma foto de Daguerre feita em 1838, que mostra Paris praticamente deserta. Na verdade, pessoas e carros passavam na rua, mas a pouca sensibilidade do filme não conseguia captar quem estava em movimento, dando-se a ilusão de que não havia ninguém na rua. Já uma foto feita do MoMa foi o resultado da exposição do prédio do museu por vários anos, onde pudemos perceber a justaposição de vários momentos à medida que o prédio era reformado.

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Os morlocks! Aaaaaaarrrrrrgggghhhhhhhhhh!!!!!!

Cid ainda atenta para o fato de que o filme da máquina do tempo tem uma narrativa bem tradicional e cronológica, ao estilo do cinema clássico, onde o personagem principal move a narrativa e a trama num encadeamento bem lógico. Cid ainda usou ideias de Deleuze e Bergson para pensar ideias de tempo subordinado ao espaço, como uma sucessão de movimentos, aspecto esse cronológico e ligado ao cinema clássico, e a questão da duração, mais ligada a uma essência variável das coisas. Essa imprevisibilidade das coisas já seria uma abordagem diferente do tempo que foge ao cinema clássico. “Máquina do Tempo”, por sua vez, é um filme feito dentro de todos os parâmetros clássicos, lógicos e cronológicos, que depende de uma realidade pré-existente, cujo personagem principal é um homem sempre convicto das visões da ciência dentro de um quê iluminista, embora haja uma decepção com a repetição, no futuro, das guerras que assolaram o passado. Mesmo assim, somente a ciência poderá remediar essa questão. Ainda, o filme tem uma análise sociológica e política, aproximando-se nesse viés, de “Jornada nas Estrelas”.

Weena, uma bela eloi

Esse e mais outros assuntos foram abordados na palestra, que dessa vez teve uma abordagem um pouco mais filosófica, mas não menos interessante. Esse foi mais um grande filme de ficção científica que foi exibido no Cineclube Sci Fi e que não deve ser esquecido.

https://www.youtube.com/watch?v=QWth3ZJSUbE

Batata Movies – Em Guerra. Radiografia De Um Movimento Trabalhista.

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Cartaz do Filme

Vincent Lindon está de volta em mais um grande filme e uma ótima atuação. Desta vez, temos “Em Guerra”, de Stephane Brizé, que aborda um tema que parece nunca sair de moda no sistema capitalista: o fechamento de uma fábrica (no caso, de automóveis) na França e a consequente demissão de seus operários, deixando-os completamente à mercê de sua sorte. Um tema constantemente revisitado que tem sempre a necessidade premente de ser revisitado. Para podermos analisar esse filme, vamos precisar lançar mão dos spoilers.

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Laurent encabeça um movimento para salvar o emprego dos trabalhadores de uma fábrica de automóveis…

No caso de “Em Guerra” há, ainda, um agravante: os trabalhadores e a fábrica de automóveis (que pertence a um grupo alemão) haviam feito um acordo de redução salarial para evitar o fechamento da fábrica, com o acordo sendo reavaliado depois de cinco anos. E, dois anos depois, a empresa alemã anuncia o fechamento da fábrica, numa clara violação do acordo. A fábrica alega que a pressão do mercado tirou sua competitividade, mesmo ela dando lucro. E, para piorar, a justiça francesa acaba autorizando o fechamento da fábrica. Ou seja, os trabalhadores tem que pagar um dobrado para lutar nessa queda de braço completamente desigual, onde o sistema capitalista sempre tem a mão mais forte.

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Buscando apoio da mídia…

O mais interessante aqui é que vemos, de forma bem didática, o que acontece num movimento trabalhista quando ele luta por seus direitos. O acordo para se manter o emprego, o acordo sendo descumprido pelo patrão, as reuniões, a busca (em vão) por um apoio pela causa dos operários, a greve, a busca por mais apoio, a repressão policial, a condenação da mídia de direita ao movimento, as ofertas dos patrões de indenizações que são mais um “cala boca”, o racha nos trabalhadores, a repressão aos piquetes, a irredutibilidade dos patrões, a reação violenta do movimento contra a intransigência das negociações, a condenação pela mídia e por todos ao movimento, e a busca de um bode expiatório. Uma história que, definitivamente, não tem um final feliz, mostra como operários podem se dividir e, ao mesmo tempo, os patrões se unem. Ou seja, uma receita de bolo que já conhecemos de longa data. Apesar desse “mais do mesmo”, ainda assim vale a pena termos um filme que descortina todas essas etapas de um movimento trabalhista, pois ele serve de alerta ou de lembrete para reais movimentos no futuro e de como não se deve cair em tais armadilhas, principalmente a mais perigosa dela, que é a divisão dos trabalhadores.

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Momentos de indignação profunda…

Se o filme foi um primor em retratar didaticamente muitas situações que a gente vê na vida real, o seu desfecho foi um pouco fora da curva, no sentido negativo do termo, pois ele mostra a imolação do personagem de Vincent Lindon (Laurent), jogando combustível em seu corpo na porta da fábrica e ateando fogo em si, o que vai despertar uma comoção geral e a retomada das negociações. Um final falso, a meu ver. Laurent, que foi escolhido por alguns trabalhadores como o bode expiatório do fracasso das negociações, deveria mais ter enfrentado o desemprego, a miséria e o ostracismo. Mas, cinematograficamente, a coisa seria excessivamente melancólica e com um choque de realidade insuportável. Então, optou-se por algo, digamos, mais heróico, o que dá uma certa dignidade a um personagem muito bom. De qualquer forma, ficou exagerado e falso.

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O diretor Stephane Brizé

Dessa forma, “Em Guerra” é um programa imperdível, por Vincent Lindon, pelo tema contemporâneo altamente pertinente que não sai de moda, que é o desemprego provocado por uma situação de suposta crise onde o patrão não dá a mínima para a vida do empregado, e por toda uma carga didática das etapas de uma luta trabalhista. Não deixem de ver.

https://www.youtube.com/watch?v=4ewwv4R2hrs