Batata Movies – A Luz No Fim Do Mundo. Distopia Como Pano De Fundo Para A Cumplicidade.

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Cartaz do Filme

Um filme escrito, dirigido e estrelado por Casey Affleck. “A Luz no Fim do Mundo” é uma película, acima de tudo, sobre a cumplicidade de um pai e de uma filha. Um filme que mostra como a relação humana pode ser um forte cimento quando você está numa situação muito complicada. Para podermos entender a história, vamos lançar aqui mão de spoilers.

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Um pai numa luta constante para proteger sua filha

E que situação complicada é essa? Um pai (interpretado por Affleck) e sua filha Reg (interpretada por Anna Pniowsky) estão num futuro distópico, onde boa parte das mulheres do mundo morreu em virtude de uma epidemia, o que desequilibrou a sociedade, a ponto da mulher ser uma espécie de um bem precioso disputado pelo excesso de varões. O pai precisa, então, preservar a filha desse comportamento predatório dos homens e fica vagando permanentemente com a menina, que sempre está vestida de menino para disfarçar. Vemos, então, os dois passando por várias situações: acampando na floresta e rapidamente se deslocando à menor presença de um estranho, se abrigando numa casa abandonada e fugindo depois de alguns homens a invadirem com o intuito explícito de procurar mulheres, se deslocar para um local bem mais afastado da civilização, mas sem sucesso no que tange à perseguição desses homens que ainda vão atrás do pai e da filha.

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Uma filha ainda tentando entender o mundo que a cerca…

Apesar de termos uma espécie de clímax na película, onde a ação e a violência ficaram bem mais explícitas, em boa parte da exibição vemos o pai e a filha dialogando sobre os mais variados assuntos da vida. Dá para perceber como o pai está numa tremenda saia justa, pois ele tem a dupla preocupação de proteger sua filha e, ao mesmo tempo, educá-la para a vida, sendo constantemente bombardeado por perguntas da garota, que pergunta sobre tudo sem o menor pudor. Assim, esses diálogos acabam sendo a grande atração da película. A química entre Affleck e Pniowsky foi perfeita, expressando toda uma cumplicidade latente entre os dois.

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Uma cumplicidade que é a grande atração do filme…

O filme tem um desfecho que não dá uma solução para o problema. Ainda estamos nesse mundo distópico, o pai e a filha continuam sendo fugitivos, totalmente subjugados pelas circunstâncias, mas ainda lutando como uma equipe. Se o pai passa boa parte do filme sendo o amparo para a filha, no final os papéis se invertem, pois o pai, já cansado de tantas batalhas, acaba desabando e aí será Rag que o vai amparar, usando as palavras de apoio proferidas pelo próprio pai em outras ocasiões.

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Saudades da mãe e esposa, vitimada na hecatombe feminina (interpretada por Elisabeth Moss)

Dessa forma, “A Luz No Fim Do Mundo” é um filme que vale muito pela curiosidade e pelo conteúdo dramático. A ficção distópica aqui serve muito mais como um pano de fundo para o verdadeiro escopo do filme, que é uma análise meticulosa da relação de um pai e de uma filha através dos diálogos que eles travam. Uma bela cumplicidade entre os dois que surge como a grande atração do filme. Vale a pena prestigiar esse trabalho de Affleck pela curiosidade e pela reflexão que ele desperta, pois a menção à questão da mulher objeto aparece nas entrelinhas. Um programa imperdível.

Batata Movies – O Pintassilgo. Um Quadro E Um Atentado Terrorista.

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Cartaz do Filme

Mais um curioso filme. “O Pintassilgo” é um longa dramático que consegue trabalhar com maestria, e de forma muito bem conectada, o amor pela arte, um trauma motivado por uma perda trágica, e uma vida cheia de percalços motivados pela falta de afeto e pouquíssimos portos seguros. Uma história longa (o filme tem 149 minutos de duração) e envolvente. Para que a gente possa fazer uma análise um pouco mais aprofundada, spoilers serão necessários aqui.

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Theo, um menino marcado por uma tragédia…

O plot gira em torno da vida de Theo Decker (interpretado na sua fase adulta por Ansel Elgort), um menino que tem um severo trauma em sua vida: ele perdeu a mãe depois de um atentado a bomba em um museu. O menino se sente culpado pela perda da mãe, ao passo que o pai desapareceu de sua vida. Sem ter onde ficar, ele passará uns tempos numa família extremamente tradicional que logo busca se desfazer dele, localizando o pai e sua nova esposa. O menino não se adapta à nova vida, pois o pai é alcoólatra e tem dívidas de jogo, ao passo que Theo adora antiguidades, principalmente depois da explosão no museu, onde ele roubou uma obra de arte raríssima intitulada “O Pintassilgo” e a mantém escondida, levando-a consigo para onde quer que vá.

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Um museu e um atentado…

O filme é um rosário das etapas de vida de Theo, onde a carência afetiva e a relação com os poucos amigos que mantêm na vida ditam o tom. O grande problema aqui é que ele, na fase adulta, ainda mantém o quadro “O Pintassilgo” em seu poder, e trabalha para o dono de antiquário Hobie (interpretado por Jeffrey Wright), e manter uma obra rara roubada num antiquário não é, definitivamente, um motivo para uma boa reputação, muito pelo contrário até.

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Theo, na fase adulta, reencontra a sua “mãe postiça”…

Não fosse pelo quadro, que é um personagem à parte nesse filme, a película giraria apenas em torno dos problemas pessoais de Theo que, em virtude da perda da mãe, teve sua vida muito bagunçada e com uma carência afetiva enorme, onde ele se amparava emocionalmente em seus poucos amigos de um jeito muito forte. Sua vida complicada também o fez mergulhar no mundo das drogas, viciando-se desde muito cedo. Boa parte do filme é dedicada ao drama pessoal de Theo, o que faz com que o protagonista acabe sendo o personagem mais bem construído do filme, o que deu um espaço menor para o desenvolvimento dos personagens que o cercavam, tornando a coisa um pouco desproporcional no quesito da construção dos personagens.

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Suas amizades marcam profundamente a sua vida…

Entretanto, o quadro também tem um papel central no filme, se destacando mais em sua parte final, quando temos um plot twist que tira a atenção total do drama de Theo para a questão da obra de arte que não está em seu lugar de direito, um museu onde ela possa se perpetuar para as gerações futuras. Na cena final da película, vemos a ligação entre o drama pessoal de Theo e a obra de arte em si, mas não darei esse spoiler para não estragar a surpresa. De qualquer forma, foi um desfecho, digamos, muito afetivo e até prosaico. Podemos, assim, dizer que tivemos um bom roteiro aqui, deixando a história bem cativante, o que é difícil quando temos uma película de duração um pouco maior que a média.

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Um quadro como personagem (aqui, também, como capa de livro)…

Dessa forma, “O Pintassilgo” é uma boa curiosidade que merece a atenção do espectador que gosta de uma boa história contada, até porque o elenco não conta com atores de muito peso (além de Egort, temos uma presença relativamente pequena de Nicole Kidman). Vale a pena dar uma conferida nessa película.

Batata Movies – Greta. Vidas Paralelas.

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Cartaz do Filme

Um curioso filme brasileiro. “Greta”, de Armando Praça, é um filme de várias vidas paralelas que acabam, num momento ou noutro, se cruzando. Explorando um mundo um tanto “underground”, o filme pode chocar mentes mais sensíveis e conservadoras. Mas não tem pudores em expressar detalhes concretos da vida, sem diminuir nem aumentar as coisas. Para entendermos melhor o filme, faremos uso de spoilers.

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Pedro, um enfermeiro envolvido em vários mundos…

O plot gira em torno de Pedro (interpretado por Marco Nanini), um enfermeiro de um hospital público de Fortaleza. Ele tem uma amiga, Daniela (interpretada por Denise Weinberg), uma artista trans de uma boate gay que tem sérios problemas renais e vai se internar no hospital onde Pedro trabalha. Mas há falta de vagas no hospital e Daniela não quer ficar em outro hospital longe do amigo. Ao mesmo tempo, chegam dois feridos ao hospital depois de uma briga. Um dos homens morre, tendo sido morto pelo outro, que se chama Jean (interpretado por Démick Lopes). Com medo de ser morto, Jean pede a Pedro para ser retirado do hospital. Pedro abriga Jean em sua casa, até para surgir uma vaga para Daniela. Logo, Pedro e Jean vão se envolver afetivamente, mas Pedro está sendo investigado pela suspeita de ter acobertado a fuga de Jean, ao mesmo tempo que precisa lidar com o problema de Daniela, que foi diagnosticada como paciente terminal.

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Daniela, uma personagem muito carismática…

A história desse filme é um livre adaptação da peça “Greta Garbo, Quem Diria, Acabou no Irajá”, de Fernando Mello, pois o personagem de Pedro pedia a Jean para que o chamasse de Greta Garbo nas noites de amor dos dois. Temos aqui uma história que aborda o Universo homossexual de uma forma muito aberta e sem hipocrisias, com várias cenas de sexo, sendo esse um filme que desafia abertamente o comportamento conservador de nossa sociedade. Palmas para Marco Nanini e seu personagem Pedro, em quem o filme orbita. Apesar das boas atuações de Denise Weinberg (muito carismática e impressionante) e Démick Lopes (que, apesar de interpretar um assassino que despertava a suspeita de explodir em violência à qualquer momento, deu uma atuação ponderada, delicada e contida para Jean), o filme, obviamente, é de Nanini, que fez um homem que recebia pressões de todos os lados, seja da amiga Daniela, seja da direção do hospital, que sabia de seu envolvimento no desaparecimento de Jean, seja no próprio Jean, que vivia dentro de sua casa e constantemente lhe pedia ajuda. Esse é um filme também de várias vidas, seja em Pedro, um austero enfermeiro que convive com a situação imposta por suas preferências sexuais, seja no relacionamento de Pedro com Daniela, uma amizade consolidada de longa data, seja no relacionamento de Pedro com Jean, que traz ao enfermeiro a novidade de uma nova aventura sexual e traz a Jean a única amizade sincera que teve.

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Jean, o envolvimento amoroso…

Esse é um filme que caminhava para um desfecho melancólico, até porque a relação de Pedro e Jean tem um ponto de ruptura que parecia impossível de reatar. Mas optou-se por uma espécie de direção ao happy end, onde fica todo o indício de que Pedro e Jean voltarão, com um relacionamento repaginado.

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Cenas diretas e sinceras, sem hipocrisia…

Assim, “Greta” é um filme que se pauta, sobretudo, na boa atuação dos atores, sendo que a grande e inquestionável cereja do bolo é Marco Nanini que, volta e meia, nos brinda com seu talento fora do ambiente televisivo, lançando mão do teatro e do cinema, onde sempre parece que ele tem mais espaço para abusar de sua competência. Típico filme que a gente vai ver pelo ator. Vale a pena dar uma conferida.

Batata Movies – Mangue Bangue. Trabalhando O Não Visto.

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O Cine Joia de Copacabana promoveu, no mês de agosto, uma exibição gratuita do filme “Mangue Bangue”, com a presença de seu diretor, Neville D’Almeida. Considerado o cineasta mais interditado, boicotado e censurado do país, Neville, ao fazer “Mangue Bangue”, já tinha sofrido com a censura da ditadura militar e tomou uma decisão drástica: fez um filme do jeito que quis e não o submeteu à censura, levando-o para fora do país de forma clandestina para ser finalizado por lá. Nas idas e vindas da vida, o filme acabou no MoMA de Nova York, e ficou por lá muitos anos esquecido, até ser finalmente resgatado. Essa exibição recente promovida pelo Cine Joia tem um quê histórico, pois foi a primeira vez que o filme, produzido no início da década de 70, teve uma exibição pública no Rio de Janeiro.

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O próprio Neville D’Almeira faz parte do elenco.

E o que podemos falar desse filme? Neville, em suas próprias palavras, definiu o cinema como a arte da hipocrisia, onde visões de ordem mais moral, artística e estética ditam as regras. O cineasta, então, procurou fazer um filme mais ligado à realidade nua e crua cotidiana, vista com repulsa por parâmetros mais moralistas e autoritários. Assim, Neville retrata em seu filme a pobreza, a nudez, o consumo de drogas, a luta pela sobrevivência, a decadência humana, mas não com a intenção de agredir o espectador e sim naturalizar e humanizar a realidade cotidiana. O diretor tem a feliz escolha de fazer um filme mudo, onde a linguagem se ampara quase que totalmente na materialidade das imagens, sendo que não temos uma narrativa tradicional de uma história coesa com início, meio e fim, mas sim a explanação de várias situações e ideias, onde as associações entre as imagens dão as cartas.

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Antológica participação de Paulo Villaça (de terno)

Temos, por exemplo, cenas de consumo de drogas intercaladas com uma rinha de galos, esta última vista como uma alegoria da luta pela sobrevivência, ou a cena de uma mãe amamentando o filho. É impossível não se lembrar da repercussão, muito atual, e vista como negativa por parte de algumas mentes mais conservadoras, sobre as mães que amamentam seus filhos publicamente. Assim, essas imagens que são alegorias de ideias se aproximam muito, por exemplo de um Mário Peixoto, tal como vimos em sua obra “Limite”. Outro detalhe interessante foi a escolha da trilha sonora, com direito a suaves chorinhos ou até um Beethoven, usados, segundo o diretor, para humanizar imagens muito alvejadas por preconceitos impostos por visões mais conservadoras. Assim, a trilha sonora consegue a façanha de tornar idílicas as imagens de um grupo de travestis mergulhados na miséria, por exemplo.

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Participação de Maria Gladys.

O único arremedo mais coeso de narrativa estava na história de decadência de um personagem interpretado por Paulo Villaça. Corretor na Bolsa de Valores, ele começa a se sentir mal dentro do pregão (uma alegoria da venalidade do sistema capitalista) e sai de lá, expelindo pela boca jatos e jatos de vômito, terminando por se jogar na rua e numa poça de lama e esgoto, que nada tinha de cenográfica. Na rua, encontra a personagem interpretada por Maria Gladys, que rouba para sobreviver e se droga para ainda viver. É nesse momento que o sorriso volta à Villaça, como se o estilo de vida mais simples (e, por que não, prosaico?) dos menos favorecidos mostrasse a existência de um outro mundo diferente do que ele conhecia.

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Travestis e rinhas. Luta pela sobrevivência…

A jornada do personagem de Villaça prosseguiu até o estado mais anímico possível onde, com a ajuda dos dedos, ele sentia o cheiro de sua cavidade anal e genitália (nas palavras do próprio Neville, no documentário de Mario Abbade, “Quem nunca enfiou o dedo no cu e cheirou?”), terminando por vermos o personagem defecando no mato, se limpando no rio e sumindo no interior da floresta. Ou seja, o humano reprimido pelas convenções do capitalismo e do moralismo conservador se liberta, em todo o seu processo de decadência, tornando-se instinto puro.

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Filme busca humanizar os excluídos.

Para quem ainda considera Neville, de uma forma bem reducionista, imoral, indecente e asqueroso, “Mangue Bangue” mostra justamente o contrário lá nas entrelinhas. Neville é visceral, sem hipocrisia, podendo ser até agressivo aos mais sensíveis. Mas ele humaniza os excluídos, naturaliza o que é rechaçado pelo conservadorismo moralista, mostrando tudo o que o cinema mais tradicional não tem coragem de mostrar. Sistematicamente atacado e silenciado, Neville não abaixou a cabeça e continuou acreditando em sua arte e visão de mundo. Um cineasta cruelmente relegado ao esquecimento pelo establishment. Esperemos que tal injustiça histórica seja corrigida no futuro e ainda em vida.  

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Neville D’Almeida. Um cineasta que precisa ser visto e ouvido

Batata Movies – Filhas Do Sol. Mulheres Na Guerra.

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Cartaz do Filme

Uma arrebatadora co-produção França/Bélgica/Geórgia. “Filhas do Sol” fala sobre mulheres. Mas não de forma simplória. Estamos aqui no contexto de uma guerra civil, no fragmentado conflito do Oriente Médio, onde populações inteiras matam e morrem por quinhões secos de terra que são seus países. Mas a luta vai a um nível mais profundo. Vemos também a busca pela reconstrução impossível em sua plenitude, de um passado perdido. Vamos precisar de spoilers aqui.

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Bahar, uma lutadora incansável…

O cenário é o norte do Curdistão. As pessoas daquele país estão em guerra com o Estado Islâmico. Banhos de sangue e carnificinas fazem parte da rotina diária. Uma advogada, Bahar (interpretada pela belíssima e insuperável Golshifteh Farahani), é surpreendida numa festa de sua família pelos membros do Estado Islâmico, que executam todos os seus homens (inclusive o seu marido), sequestram o seu filho pequeno para a causa e ainda mantém a moça, juntamente com várias outras mulheres como escravas sexuais. Bahar vê na TV, enquanto está no cativeiro, que uma antiga professora universitária sua participa de um movimento que liberta essas mulheres e anota um número de telefone que sua professora passa pelo programa de TV. Ela consegue fugir com a ajuda de sua professora e entra na resistência curda contra o Estado Islâmico, liderando um batalhão feminino conhecido como “Filhas do Sol”, composto somente de mulheres que passaram por uma situação igual à dela, lutando na linha de frente. Bahar irá conhecer uma jornalista francesa, Mathilde (interpretada por Emmanuelle Bercot), que irá testemunhar e registrar a ação do grupo. Bahar também tem a esperança de, no meio de todas essas batalhas sangrentas, recuperar o filho sequestrado.

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Liderando um batalhão de mulheres…

O filme mescla cenas de batalha das Filhas do Sol contra o Estado Islâmico e flash-backs que ajudam a gente a entender a trajetória pregressa de Bahar, desde os seus dias confortáveis de advogada com família estável, passando pelo pesadelo de ser capturada pelo Estado Islâmico, a fuga e a entrada no movimento guerrilheiro. O mais curioso aqui é que o Estado Islâmico considera a morte em batalha uma ida para o paraíso, mas isso não ocorre se o soldado for morto por uma mulher. Logo, a carga simbólica do movimento armado feminino já é uma luta contra o machismo e a misoginia desde o início. E as mulheres ainda têm a oportunidade de “largar o aço” nos seus estupradores e escravizadores. Mesmo lutando ferozmente e combativamente, as guerrilheiras não perdem a ternura, havendo uma forte ligação emocional entre elas, celebradas em cantorias à beira das fogueiras, ao bom estilo da cultura árabe e beduína. Elas também não rechaçam a sua origem muçulmana, apesar de todo o fanatismo do ISIS. E são mais impetuosas e corajosas que os homens. Bahar tem desentendimentos com o comandante do exército masculino que ajuda seu grupo e, muitas vezes, as mulheres combatem sem qualquer ajuda masculina, o que ajuda ainda mais a aumentar o mito em cima de seu heroísmo. E pensar que vemos aqui um filme baseado em fatos reais, com nomes sendo trocados para garantir a segurança das pessoas que ainda estão por lá, lutando no front. Só da gente pensar nisso, já é de arrepiar.

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Mathilde, com as marcas da guerra, testemunha aluta das mulheres…

Agora, o desfecho é que pareceu falso, pois Bahar conseguiu encontrar o seu filho. E aí, eu me pergunto: será que isso aconteceu mesmo na vida real, com a vida imitando a arte? Espero que sim. Só deixaria as coisas mais espetaculares ainda.

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Sempre na linha de frente…

Dessa forma, “Filhas do Sol” é um programa imperdível e obrigatório, pois fala de um batalhão de mulheres que não se deixou vitimizar num mundo extremamente misógino e machista, indo literalmente à luta. Um filme onde o senso de companheirismo e carinho não se deixa desvanecer nas agruras do campo de batalha. Um filme de Bercot, mas, principalmente, de Farahani essa atriz bela e adorável. Não deixe de ver.

Batata Movies – Hebe, A Estrela Do Brasil. Desafiando O Establisment.

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Cartaz do Filme

Um curioso filme brasileiro. “Hebe, A Estrela do Brasil” traça a trajetória da apresentadora Hebe Camargo nos difíceis anos da redemocratização brasileira, quando a censura ainda dava o ar da sua (des) graça e a sociedade machista da época não engolia de jeito nenhum as atitudes altamente afrontosas e provocativas da celebridade televisiva, que não tinha papas na língua e fazia de tudo para se impor, custe o que custasse. Para podermos entender o filme, vamos precisar de spoilers aqui.

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Andréa Beltrão como Hebe Camargo.

Em primeiro lugar, foi elencado um recorte temporal, que mostra os anos de Hebe na TV Bandeirantes e, posteriormente, os primeiros anos de seu programa no SBT. Assim, podemos esquecer, pelo menos por aqui, sua infância e velhice. O filme realmente se debruçou mais nas querelas que ela teve com a censura, onde os censores não engoliam a participação de performers ou transexuais em seu programa (a apresentadora já utilizava esses termos na época, numa prova de que ela estava realmente à frente de seu tempo). Hebe (magistralmente interpretada por Andréa Beltrão) tinha discussões fortes com Walter Clark, pois este último tinha que pisar em ovos com os censores enquanto que a apresentadora conduzia seu programa como queria na TV. A gota d’água foi um programa onde Dercy Gonçalves e Roberta Close apareceram juntas e a atriz veterana mostrou os seus seios ao vivo. Cansada de tantas pressões, Hebe pediu demissão em pleno programa, causando comoção geral. Mas, em pouco tempo, ela seria contratada por Silvio Santos (interpretado de forma surpreendente por Daniel Boaventura) e voltou aos holofotes, não sem provocar novos problemas, agora criticando “alguns” políticos do Congresso Nacional, o que quase lhe custou uma prisão.

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Extremamente polêmica, fazia as coisas como queria, entrevistando Dercy Gonçalves e Roberta Close…

Uma coisa tem que ser dita aqui com todas as letras. Esse talvez tenha sido o melhor trabalho da carreira de Andréa Beltrão. Nós, os velhos dinossauros, sempre tivemos um carinho enorme por essa atriz em virtude de sua personagem Zelda Scott em “Armação Ilimitada”. Mais recentemente, ela se destacou como a Marilda de “A Grande Família”. Mas seu talento explodiu todas as escalas em “Hebe”. Dá para perceber como a atriz estudou a fundo sua personagem. Tão a fundo que a gente via a Hebe na nossa frente em todos os seus trejeitos, mesmo com Andréa Beltrão não se parecendo em nada com ela fisicamente. Foi algo semelhante ao que aconteceu com Rami Malek em “Bohemian Rhapsody”, mas muito, muito melhor. Beltrão conseguiu mostrar com perfeição os dois lados de Hebe Camargo: aquele lado que a gente conhece, da mulher comunicativa, extremamente simpática e combativa, desafiando a tudo e a todos e se impondo em toda a sua plenitude; e um lado extremamente frágil, onde ela poderia ter crises de choro ao ver uma crítica negativa sua na televisão ou ser tratada com violência pelo seu marido em crise de ciúmes (também magistralmente interpretado por Marco Ricca, um ator que funciona enormemente bem no cinema). Ou seja, é um filme que foi além da celebridade, que abordou também a figura humana, com todas as suas fraquezas.

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Otávio Augusto fez Chacrinha…

Apesar da película mostrar uma Hebe combativa e perseguida pela censura, o filme não fugiu da polêmica e lembrou do apoio da apresentadora a Paulo Maluf, conhecido pelas acusações de corrupção. Nesse momento a gente não pode se esquecer de falar da ótima atuação de Caio Horowicz como Marcelo, o filho de Hebe, sempre uma companhia afetiva e próxima da mãe, que não concordou com esse apoio dela a Maluf e abandona o jantar em que a mãe estava com o político para passar o natal com os empregados da casa a quem tratava com muita amizade, amor e carinho, sendo esse um aspecto muito legal do filme, embora o filho de Hebe tenha dito que não fazia festa com os empregados, apesar de ser próximo deles. Não podemos nos esquecer também da boa atuação de Danton Mello, que fazia o sobrinho de Hebe, uma espécie de braço direito da apresentadora.

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Daniel Boaventura como Silvio Santos.

Assim, “Hebe, A Estrela do Brasil” é um programa imperdível que nos ajuda a desmistificar e entender um pouco mais parte da trajetória dessa grande celebridade da mídia que tivemos e que agora podemos conhecer um pouco mais. Vale muito a pena dar uma conferida, principalmente pelo trabalho majestoso de Andréa Beltrão.

https://www.youtube.com/watch?v=SHlNoL0w7gM

Batata Movies – Torre Das Donzelas. Memórias Do Cárcere.

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Cartaz do Filme

Um importante documentário brasileiro para nossos tempos sombrios. “Torre das Donzelas”, de Susanna Lira, fala do cotidiano de um presídio feminino conhecido como “Torre das Donzelas” durante a época da Ditadura Militar. Quarenta anos depois, as ex-presas políticas se reencontram num cenário que reproduzia o cárcere tal como elas contaram para a produção do filme, o que causou muita emoção. Vale ressaltar aqui que uma das ex-presas políticas é a ex-presidente Dilma Rousseff, que também deu vários depoimentos.

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Dilma Rousseff, ex-prisioneira política e ex-presidente da república. Depoimento valioso.

E, como não podia deixar de ser, a primeira coisa a ser dita por elas depois do reencontro no “cárcere” foram as bárbaras torturas que sofreram além da forma extremamente machista e misógina com que os torturadores tratavam as presas. Havia, inclusive, filhos de presas que eram torturados para que as mães pudessem fornecer os nomes de quem eles procuravam, o que significava a morte certa dos delatados. Dilma, inclusive, relatava a semelhança dos porões das torturas com campos de concentração, num lugar ironicamente chamado de “Paraíso”. Ela também disse que o negócio não era pensar como um herói e aguentar a tortura por um dia, mas sempre em doses homeopáticas: posso aguentar cinco minutos, depois mais quatro, mais três, e por aí vai.

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As donzelas…

O relacionamento entre as prisioneiras também é relatado no filme. Elas limparam as celas que estavam num estado fétido, reorganizaram o espaço para ficar uma coisa mais humana e que pudesse aumentar mais a união entre elas, conseguiram um fogão para cozinhar, faziam crochê, exercícios físicos. Valia tudo para poder passar por todo o tormento de se estar na prisão. Um detalhe que chamou a atenção foi durante a Copa de 70, quando elas tiveram acesso a um aparelho de TV para ver os jogos da seleção brasileira, mas no noticiário, havia o tormento de saber que alguns companheiros da guerrilha haviam caído em combate, o que poderia ter sido resultado de delações de quem não aguentou a tortura, o que era algo muito difícil pois quem delatava ou não tinha forças para aguentar a tortura era rechaçado pelo movimento do qual fazia parte.

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Um espaço recriado…

A prisão também foi um espaço de formação intelectual. Dilma, por exemplo, conseguiu ter acesso a muitos livros de forma clandestina e aproveitou o tempo na prisão para ler e se formar politicamente. Seu grupo, a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares, exigia que seus integrantes estudassem, e foi o que ela fez na prisão, até para se esquecer um pouco de que estava lá. Mas uma vez chegou para as prisioneiras um baú cheio de vestidos de luxo vindos da mãe de uma prisioneira. Como resultado, elas começaram um desfile de moda dentro da cela e um dos responsáveis pela prisão, ao ver isso, decidiu dar a elas o direito a um banho de sol, pois, segundo as prisioneiras, ele já devia achar que as moças estavam pirando com tanto confinamento e torturas. Ou seja, se o documentário fala de temas altamente escabrosos como a tortura e a repressão, também há um espaço para pequenos momentos engraçados.

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Dilma e suas companheiras de prisão…

Dessa forma, “Torre das Donzelas” é mais um programa obrigatório, pois relata um período sombrio de nossa história e é mais um relato que vai contra a opinião daqueles que acham que não houve crimes na ditadura e que um estado de exceção é a melhor resposta para tempos de crise. Um documento importantíssimo que deve ter muita voz.

Batata Movies – Uruguai Na Vanguarda. Um Bom Exemplo No País Vizinho.

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Cartaz do Filme

Mais um bom documentário brasileiro. “Uruguai na Vanguarda”, de Marco Antônio Pereira, faz uma radiografia do país vizinho e nos mostra como a América do Sul conseguiu produzir uma pequena joia de democracia e tolerância, apesar das intempéries conservadoras e autoritárias que varrem o continente desde sempre. Um país que já tem uma agenda progressista desde o início do século passado e que nem mesmo os anos de ditadura militar conseguiram arrefecer.

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Pepe Mujica, o presidente mais fofo de todos os tempos!!!

O ápice dessa onda progressista no Uruguai parece, pelo menos até agora, ter sido no governo do presidente José “Pepe” Mujica, um ex-preso político que doava 90% do seu salário de presidente para a caridade, morava numa casinha bem modesta, e que, durante o seu governo, houve grandes avanços, como o direito ao consumo controlado de maconha, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e o direito ao aborto. Temos as entrevistas de muitas personalidades, dentre eles ativistas, professores, políticos, artistas, etc. Vemos até a manifestação de uma cultura africana no Uruguai, expressa pelo candombe, algo que não é muito divulgado por aí e que esse documentário reserva um tempo considerável. Só é pena que “Pepe” Mujica não tenha sido entrevistado exclusivamente para o documentário, que se limitou a mostrar imagens de arquivo dele juntamente com áudios de algumas de suas falas. Seria um depoimento obrigatório e inestimável para a película.

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O candombe. Raízes africanas no azul celeste…

A grande impressão que temos quando vemos esse filme é que lá a democracia conseguiu dar certo na América Latina. Mesmo que, em todos os lugares tenhamos problemas sociais (o que aparece no filme também), o Uruguai conseguiu se colocar numa posição realmente de vanguarda, sendo não somente um exemplo para a América Latina, mas para o mundo também, nadando completamente contra a maré do conservadorismo reinante no mundo hoje. A diferença fica ainda mais gritante quando comparamos o país vizinho ao nosso e, confesso, dá até uma invejinha (no bom sentido do termo, é claro) de nossos hermanos celestes. Mas esse filme tem uma grande vantagem. Ele mostra que, quando a sociedade se mobiliza e luta pelo que quer e seus direitos, não há governo que possa segurar a vontade do povo, caso contrário ele está fadado a ser retirado do poder. O nível de consciência e engajamento político do povo uruguaio é gritante na película e mostra que é altamente possível a mobilização e a conquista de direitos sociais, dando à gente, que tem vivido em trevas absolutas, um pequeno sopro de esperança.

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Uma sociedade muito mobilizada…

Dessa forma, “Uruguai na Vanguarda” é um filme obrigatório e um documento importantíssimo, pois mostra como a democracia e o progressismo são frutos de uma vontade política de uma sociedade mobilizada. Vale como exemplo para a nossa sociedade retrógrada, conservadora e letárgica.