Batata Movies – A Revolução Em Paris. Didático No Factual.

Cartaz do Filme

Dentro do Festival Varilux de Cinema Francês 2019, tivemos o excelente “A Revolução em Paris”, um drama histórico sobre a Revolução Francesa. Foi feito um filme bem didático, privilegiando a parte factual da coisa. Como a Revolução Francesa é um assunto extenso, que durou vários anos, privilegiou-se o recorte temporal que foi da Queda da Bastilha à execução de Luís XVI na guilhotina.

Françoise, a personificação de Marianne…

Para quem já se esqueceu das aulas de História, vai aqui um plot histórico rápido. A situação da França no fim do século XVIII era de crise profunda. Famílias inteiras passavam muita fome devido à situações como enchentes, nevascas e secas. Como se isso não bastasse, ainda tinham que pagar impostos pesados para que o rei desse privilégios para a nobreza feudal e o clero. Houve uma convocação da Assembleia dos Estados Gerais, onde o rei ouvia sugestões do clero, da nobreza e do Terceiro Estado. Essa última classe social consistia no grosso da sociedade e foi sugerido por ela que clero e nobreza pagassem impostos, mas essas duas classes se negaram a isso.

Um Luís XVI muito blasé…

Assim, o Terceiro Estado se intitulou Assembleia Nacional e se reuniu em separado para escrever uma Constituição para a França, numa clara afronta ao poder real, já que um rei absolutista colocado no trono por Deus teria que obedecer um conjunto de leis criado pelos súditos. Com isso, o rei decide dissolver a Assembleia Nacional, mas esta contra-ataca com a ajuda do povo mais pobre dos meios urbanos (“sans-culottes”; esse termo é utilizado, pois as pessoas não tinham dinheiro para comprar as caras calças culottes, que tinham uma folga no quadril) e destroem a Bastilha, uma prisão para os opositores do rei. Além disso, obrigam Luís XVI a sair de Versalhes e se estabelecer em Paris.

Os “sans-culottes”…

A Assembleia Nacional, enquanto redige a Constituição, também redige a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, um conjunto de ideias Iluministas que são a base dos atuais Direitos Humanos. Mas a França está sob ataque dos outros países absolutistas da Europa, que temem que as ideias revolucionárias se alastrem pelos seus territórios.O próprio rei da França, Luís XVI, participa, às escondidas, dessa conspiração e é descoberto, sendo condenado por alta traição e guilhotinado.

Robespierre, verborrágico e sereno…

Vemos todos esses momentos e mais alguns dados factuais que ajudam a rechear todo o contexto durante a exibição da película, que mostra, também, outras curiosidades. Em primeiríssimo lugar, esse é um filme que fala da Revolução do ponto de vista dos “sans-culottes” que, segundo a película, aparentavam ter uma vida política muito mais ativa do que se pensava, com direito até a parlamentar com os deputados da Assembleia Nacional, cuja relação era conflituosa pois os “sans-culottes” eram vistos como escória da sociedade até por alguns segmentos mais conservadores da Revolução como os girondinos, colocados à direita da Assembleia.

O cartaz do Festival Varilux desse ano…

Por outro lado, os jacobinos, colocados à esquerda, primavam pelas pautas sociais, até para que não houvesse uma revolta generalizada da população e a Revolução perdesse o controle, indo de Danton, passando por Robespierre (interpretado por Louis Garrel) e chegando a Marat (interpretado por Denis Lavant), o mais radical de todos. Logo, vemos que os revolucionários não eram exatamente um grupo coeso e houve vários conflitos entre eles dentro de todo o processo.

Marat (com um pano na cabeça). O mais inflamado…

O que podemos falar dos atores? Dentre os acima citados, Garrel fez um Robespierre altamente sereno e verborrágico. Lavant fez um Marat bem vibrante, como não poderia deixar de ser. Mas os “sans-culottes” merecem destaque. Olivier Gourmet faz um fabricante de vidros que tinha muita consciência política mas que fica cego num dos combates populares contra setores mais conservadores da Revolução. E a belíssima Adèle Haenel faz Françoise, uma mulher do povo, praticamente uma encarnação de Marianne, o símbolo da República Francesa e o cartaz do Festival Varilux desse ano. Já Laurent Lafitte fez um Luís XVI demasiadamente blasé e que foi tratado na película mais como vítima do que como vilão. Confesso que soou esquisito isso, pois fica parecendo que os revolucionários, ao executarem o rei na guilhotina, tinham um caráter mais bárbaro e vingativo do que o ato de praticar justiça. E devemos nos lembrar sempre que a guilhotina foi uma invenção para tornar as execuções mais rápidas e indolores, pois as decapitações, antes da guilhotina, eram feitas com machados e nem sempre a cabeça saía toda logo na primeira machadada, sendo o condenado obrigado a sofrer sucessivos golpes de machado no pescoço até a cabeça se separar completamente do corpo, tornando todo o processo mais longo e bem mais doloroso.

O rei no cadafalso. Traíra!!!

Dessa forma, “A Revolução Em Paris” é um filme obrigatório que passou no Festival Varilux de Cinema Francês 2019 e que deve entrar em circuito. Vale a pena dar uma conferida, já que temos aqui uma história contada de uma forma bem didática com direito a alguns detalhes factuais que nos ajudam a entender o contexto da Revolução. Programa imperdível.

Batata Movies – Graças A Deus. Mexendo Em Feridas Do Passado Para Não Se Jogar Fora O Futuro.

Cartaz do Filme

Um bom filme francês que esteve no Festival Varilux desse ano e que entra em circuitão. “Graças a Deus”, de François Ozon, aborda um tema espinhoso que já foi tratado em outros filmes: os casos de pedofilia na Igreja Católica. Tema que é considerado tabu até hoje (no início desta película mesmo é dito que o filme é uma “história de ficção” baseada em eventos reais), sempre é importante prestar atenção em estreias de filmes que abordem essa temática, onde o cinema cumpre sua função social de denúncia. Mais uma vez, os spoilers serão necessários aqui.

Guérin. Uma vítima luta por justiça…

O filme começa com Alexandre Guérin (interpretado por Melvil Poupaud), uma vítima de abuso sexual, durante os anos de sua adolescência, do Padre Bernard Preynat (interpretado por Bernard Verley). Ele descobre que o padre ainda lida com crianças depois de muitos anos e quer pedir que a Igreja Católica o afaste dessa função. Entretanto, a instituição enrola Guerín e a coisa fica por isso mesmo, pois a vítima não pode entrar na justiça contra o religioso, pois o crime já prescreveu. Mas há outras vítimas.

François, uma abordagem mais agressiva…

François Debord (interpretado por Denis Ménochet) também foi molestado pelo padre e, no caso dele, o crime não havia prescrito. Ele não ficou tão preso aos grilhões de sua fé e denunciou o caso do padre à polícia, além de divulgá-lo na mídia. Já Emmanuel Thomassin (interpretado por Swann Arlaud), uma das vítimas mais traumatizadas e arrasadas do padre, inclusive fisicamente, acabará por ser o responsável por meter um processo no padre na justiça. De qualquer forma, a película deixa o caso em aberto em seu desfecho, pois o padre ainda não foi julgado por seus crimes e a justiça age de forma muito morosa nesse caso.

Emmanuel, o que mais sofreu…

Dá para perceber, ao ler rapidamente a sinopse da película, que a história não prioriza um protagonista em si. Na verdade, o filme é dividido em três núcleos, onde cada um deles tem o seu protagonista. Cada vítima do padre dá um passo no ato de incriminar o pedófilo. E podemos ver como pessoas de comportamentos diferentes lidam com situação tão espinhosa. Ainda, essas pessoas irão interagir e reagir de forma diferente ao fazerem parte de uma associação que irá buscar justiça no caso específico de abusos cometidos pelo Padre Preynat, o que leva a alguns desentendimentos.

Vem cá, meu filho…

Tudo isso leva à conclusão de que a Igreja Católica ainda é uma instituição que controla demasiadamente as mentes e corações dos indivíduos. Algumas vítimas faziam as denúncias pela integridade da Igreja, acima de tudo. Outros se preocupavam com a continuidade de Preynat como padre, ainda ligado a crianças. Já outros simplesmente faziam denúncias para atacar a Igreja em toda a sua hipocrisia. Agora, foi sintomática a presença de vítimas que sequer quiseram denunciar o padre, mesmo com visíveis traumas psicológicos.

O poder da Igreja sobre as pessoas, muito bem pictoricamente representado…

Assim, “Graças a Deus” foi um importante filme que denuncia um problema gravíssimo e presente da Igreja Católica que já existe há muito tempo e sempre foi tratado com muita morosidade pela instituição. E, enquanto isso, mais vidas são destruídas, pois foram violadas quando somente queriam exercer sua fé e sua espiritualidade. É um tema que sempre tem que ser revisitado e denunciado. E o cinema é uma ótima ferramenta para isso, como vemos no caso dessa película de importância fundamental.

Batata Movies – O Professor Substituto. Ecologia Hardcore.

Cartaz do Filme

Entra ano, sai ano, e nunca vi nenhum filme do Festival Varilux de Cinema Francês. Esse ano, no apagar das luzes, decidi finalmente prestigiar o Festival e fui ver “O Professor Substituto”, um filme que começa parecendo ser de um gênero e termina sendo outra coisa totalmente diferente, num daqueles plot twists de arrasar quarteirões. Vamos lançar mão dos spoilers aqui, lembrando sempre que vários filmes desse festival entram em circuito comercial depois.

Encarando uma sala hostil…

O filme começa com um professor e seus alunos na sala de aula. Enquanto a turma faz a atividade proposta pelo professor, este coloca uma cadeira perto da janela, sobe nela e se joga no pátio. Chega, então, um professor substituto, Pierre Hoffman (interpretado por  Laurent Lafitte), que vai ter que interagir com a turma. O problema é que os alunos dessa turma são superdotados e se comportam de forma extremamente arrogante, sofrendo bullying dos demais colegas da escola e formando um grupo muito fechado, praticamente impenetrável. O relacionamento entre esses alunos e Hoffman será conflituoso ao extremo e o professor resolve investigar os adolescentes à distância, descobrindo um comportamento muito paranoico, onde eles se agridem mutuamente, como se eles se preparassem para viver em condições altamente adversas. Hoffman também descobre que eles escondem uma série de DVDs que eles produziram onde preveem um futuro apocalíptico para a humanidade, já que esta destrói o planeta. Esse comportamento estranho dos alunos desperta todas as suspeitas do mundo no professor, que teme pelo pior.

Uma líder negativa e destrutiva…

Pois é. Somente com essa pequena sinopse dá para perceber que o roteiro é um retalho de gêneros. No começo, temos indícios de que teremos um drama adolescente onde o professor parece ter um papel fundamental num grupo de adolescentes traumatizados. Mas logo percebemos que não é nada disso e o filme adquire contornos de um suspense pesado, onde os jovens parecem ser uma ameaça letal à integridade do professor. Um flerte também com o terror? Talvez. Mas, finalmente, o filme adquire um certo tom de denúncia dos maus tratos ao meio ambiente que ameaça a própria espécie humana, chegando a um desfecho apocalíptico e surpreendente que sai completamente do tema escolar inicial. Definitivamente, é o tipo do filme que não deixa você num estado letárgico, ou seja, não há espaço para a monotonia aqui.

Turma de comportamento muito estranho…

E os atores? Laurent Lafitte, o ator que interpreta o protagonista Pierre Hoffman, teve uma atuação relativamente convincente, onde seu ar de perplexidade foi mais marcante do que qualquer outro estado emocional. Também pudera. As situações peculiares que presenciamos ao longo da película beiram realmente o surreal. Mas devemos dar um destaque todo especial aqui a jovem atriz Luàna Bajrami, que faz a líder dos jovens superdotados, Apolline. A menina atuou muito bem e foi extremamente odiosa, tornando-se a antagonista perfeita, conseguindo a redenção de sua personagem no desfecho da película, com um gesto bem sutil e simples.

Um desfecho surreal…

Dessa forma, “O Professor Substituto” foi uma boa surpresa dentre as películas do Festival Varilux de Cinema Francês de 2019. A mistura de gêneros teve como destaque principal o suspense com leve pitadas de terror, que conduziu o filme na maioria de sua exibição, embora o desfecho apocalíptico tenha sido também uma boa surpresa. Vale a pena dar uma conferida com ele no circuitão.

Batata Movies – Obsessão. Paranoia Clássica.

Cartaz do Filme

Isabelle Huppert está de volta, mas agora numa produção americana. “Obsessão” é o clássico filme de suspense onde alguém tem aquela fixação por uma pessoa e, paranoicamente, começa a persegui-la. Cabe aqui a paranoia (e, infelizmente, alguns clichês) a Huppert, enquanto que a perseguida inocente será interpretada por Chloë Grace Moretz. Vamos lançar mão dos spoilers aqui.

Duas amiguinhas…

O plot é muito simples e é o seguinte: Frances (interpretada por Moretz) perdeu a mãe e tem uma relação conflituosa com o pai desde então. Um belo dia, a moça encontra uma bolsa perdida no metrô e o nome de Greta Hideg (interpretada por Huppert) num documento de identidade. Ela consegue localizar a senhora e elas se tornam amigas.

Greta parecia superfofa…

Mas Frances descobre um monte de bolsas iguaizinhas a que ela achou, com nomes e telefones coladas na parte de trás delas. Frances irá entrar em pânico e vai tentar se desvencilhar de Greta, que diz ser viúva e ter uma filha estudando no exterior. Logo, logo, Greta irá começar a perseguir Frances até conseguir mantê-la em cárcere privado. Tudo isso regado a muito suspense e lances, digamos, violentos e neurastênicos.

Mas logo ficou claro que havia algo errado…

A primeira coisa a se lamentar no filme é a forma como se tratou a personagem de Huppert. Inicialmente uma francesa, descobre-se posteriormente que Greta é, na verdade, húngara, o que abriu margem para estereótipos e uma visão mais caricata e ridicularizada da personagem, o que foi uma pena. Suas citações em húngaro tiraram um pouco o terror da personagem, embora seus passinhos de balé num momento bem tenso do filme tenham sido muito engraçados e bem encaixados no contexto.

Caçada no metrõ…

Já Chloë Grace Moretz acompanhou Huppert como pôde mas fazia mais a cara de um bebezinho assustado do que qualquer outra coisa. É, realmente, um filme de Huppert em toda a sua plenitude. Típico filme que a gente vai ver para cultuar a artista que a gente gosta, mesmo que a película não seja de boa qualidade, como vemos nesse thriller cheio de clichês.

Moretz e sua cara de bebê assustado… ficou até meio zarolha…

Assim, “Obsessão” é mais um filme de suspense com mais do mesmo. Pelo menos, veio a Isabelle Huppert como atriz principal (não foi a Moretz a protagonista de jeito nenhum), embora sua vilã tenha sido estereotipada com uma série de clichês que nossa diva francesa não merecia. Fazer o que? Filme americano, diriam alguns. Mas valeu pela diversão e por ver um pouco de Huppert em ação.

Batata Movies – Deslembro. A Ditadura Sob A Ótica Infanto-Juvenil.

Cartaz do Filme

Uma curiosa co-produção Brasil, França e Catar. “Deslembro”, de Flávia Castro, é mais um filme que aborda a questão dos perseguidos políticos da ditadura militar da década de 60, só que do ponto de vista das crianças que tiveram parentes que sofreram perseguições. Esse não é um tema inédito (tivemos algo parecido no filme “O Ano Em Que Meus Pais Saíram De Férias”). Entretanto sempre é uma experiência curiosa ver como crianças e pré-adolescentes encararam essa situação insólita tão de frente.

Joana, uma menina tentando se adaptar a uma nova terra…

Vemos aqui a família de Joana (interpretada por Jeanne Boudier), uma pré-adolescente que vive em Paris e que está de mudança para o Brasil, seu país natal, em virtude da lei de anistia de 1979. Sua mãe vive com um ativista chileno e seu pai desapareceu no Brasil durante os anos mais pesados da repressão. Ao chegar ao Brasil, ela vê esse país inicialmente como uma terra estrangeira, pela qual não tem qualquer afinidade, e vai, aos poucos, buscando uma maior interação com sua terra natal. Para isso, ela contará com a ajuda da avó (interpretada por Eliane Giardini) e um namoradinho, que lhe apresentará o samba e a MPB. Joana sente muita falta de um núcleo familiar convencional, pois sua mãe e seu padrasto estão muito engajados no movimento político e estão constantemente ocupados ou até fora de casa. Mesmo sabendo de todo o passado pregresso do pai, ela não se conforma de a família já dá-lo como morto ao invés da condição oficial de desaparecido político.

Visitando um antigo aparelho…

O mais curioso desse filme é que ele, por mostrar as coisas sob uma ótica infanto-juvenil, fala de um tema altamente politizado (a luta contra a ditadura militar) da forma mais despolitizada possível. É curioso perceber como a película dá voz a um grupo que também foi vítima da ditadura e quase não tem direito a manifestação nesse contexto, que é o grupo das crianças de famílias que eram ativistas contra o regime de exceção. Só é pena que um protagonismo excessivo tenha sido dado a Joana, onde todos os seus dilemas, crises e aspirações inundam o filme. Havia crianças menores na película cujos anseios poderiam também ter sido explorados.

Filme sob uma ótica juvenil…

Pelo menos, a película terminou de forma bem simplória e singela, dando ao seu desfecho uma tremenda cara de anticlímax, algo bem mais adequado com a realidade, dando um ambiente de letargia de pessoas que passaram um pouco mais incólumes ao processo da ditadura, caso das crianças da história.

Descobrindo a dura realidade com a avó…

Assim, “Deslembro” é uma película que tem um título bem adequado: para se lembrar de todo aquele período sombrio que não se conheceu direito, é melhor se esquecer e olhar para a frente. A dor da perda de um pai não pode ser justificativa para um estado de letargia perante o mundo, embora essa perda sempre deixe uma sequela. Apesar de um ritmo muito lento, o filme merece uma conferida.

Batata Movies – Memórias Da Dor. Muito Sofrimento Por Nada.

Cartaz do Filme

Chega por aqui um filme francês que foi o representante de seu país na competição pelo Oscar de Melhor Filme Estrangeiro esse ano. “Memórias da Dor” é um filme denso, existencial e muito, mas muito intrigante. Tudo isso tendo como pano de fundo a França ocupada pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial, só para deixar a coisa mais perturbadora ainda. Vamos lançar mão de spoilers aqui.

Uma mulher em busca de seu marido…

Qual é o plot? Vemos aqui a história real da escritora Marguerite Duras (interpretada por Mélanie Thierry), uma famosa escritora que teve o seu marido aprisionado pelos nazistas. Marguerite vai se desdobrar para buscar o paradeiro do seu amado e, simultaneamente, participar do movimento de Resistência. Para que ela consiga informações do esposo preso, vai se envolver com um agente da Gestapo, apaixonado por ela e por seus textos, num jogo de gato e rato com tons de periculosidade, mas que era bem controlado por Marguerite, que usava o agente alemão à sua vontade, um agente que podia ser muito perigoso mas que, com o tempo, perde sua força e importância, à medida que os aliados avançam contra os nazistas na guerra.

Flertando com um agente da Gestapo…

Esse avanço, entretanto, pode ter uma consequência bem grave: os nazistas podem se desfazer de seus prisioneiros, simplesmente os executando. Assim, Marguerite tem a situação paradoxal de ver o avanço aliado não como uma solução para o seu problema, mas sim como podendo motivar um desfecho muito trágico. E ela corre contra o tempo, geralmente com uma visão pessimista do futuro próximo.

Envolvimento com colegas de Resistência…

É um filme que ronda o existencial com um ar um tanto blasé. Marguerite tinha uma característica dúbia: ao mesmo tempo em que ela se empenhava em salvar o marido, ela não tinha uma crença de que conseguiria ter seu amado de volta vivo e se conformava com isso. Tal situação deixou a película extremamente arrastada e difícil de se ver. Nem o seu semblante altamente esgotado e cansado (que produziu um efeito notável) foi suficiente para reverter um grau relativamente enfadonho do filme. Mas antes fosse somente isso. O grande problema foi ao final. Marguerite consegue o que queria, salva o marido, altamente debilitado por ter passado uma temporada no campo de concentração e… se separa dele, decidindo ficar com outro homem.

Mesmo pessimista, Marguerite continua a lutar…

Ou seja, você olha para aquilo tudo e se pergunta por que ficou duas horas dentro de uma sala escura vendo um filme de ritmo altamente lento. Pelo menos a película serviu, e bem, para se ter uma noção de como era o cotidiano da França ocupada, quando cidadãos eram obrigados a se relacionar com funcionários públicos estrangeiros, num certo clima de tensão. Alemães civis também faziam parte do dia a dia e o relacionamento entre franceses e alemães parecia muito distante e frio, pelo menos nessa película existencial e blasé ao extremo.

A verdadeira Marguerite Duras. Bom trabalho de caracterização…

Assim, devo confessar que “Memórias da Dor” não agradou muito, pois o trailer parecia vender outra coisa. Um filme onde há uma causa a ser defendida com unhas e dentes não pode parecer tão monótono ou derrotista assim. E aí, surge aquela dúvida: o filme é baseado numa história real. Será que optou-se por menos elementos fantasiosos que deixariam a história mais interessante? Será que o choque de realidade foi exacerbado aqui e, nesse caso, a realidade foi bem menos interessante que nosso imaginário? Parece ter sido exatamente isso que aconteceu. Mas, mesmo assim, um pouco mais de vibração poderia ter sido inserida.

Batata Movies – Os Invisíveis. Sentindo O Vento Quente Das Narinas Do Demônio.

Cartaz do Filme

Certa vez, numa de minhas aulas de alemão, quando os tempos eram melhores e éramos muito mais felizes, minha professora lançou uma questão: qual era o melhor lugar para os judeus se esconderem dos nazistas? Depois de alguns momentos de silêncio na sala, ela deu a resposta: em Berlim, é claro! Anos depois, a gente se depara com um filme que conta exatamente essa história. “Os Invisíveis” tem como escopo principal mostrar como os judeus driblaram as deportações para os campos de concentração da Europa Oriental e viveram ilegalmente dentro da Alemanha, passando por todo tipo de sufoco que podemos imaginar.

Famílias sendo separadas…

Veremos aqui a história de quatro jovens que farão de tudo para escapar das garras do nazismo. Podemos dizer que esse filme é uma espécie de “docudrama”, pois vemos os relatos dos verdadeiros judeus que passaram por toda essa situação de ficarem invisíveis aos nazistas nas barbas deles e esses relatos eram dramatizados ao bom estilo de um filme de enredo. O mais notável é que tivemos as mais variadas situações. Houve o caso de um rapaz que escapou do campo de concentração, algo que não aconteceu com os seus pais, e ele ainda prestou uma espécie de resistência à ocupação, pois ele falsificava documentos (passes) que salvaram a vida de alguns judeus na mesma condição que ele.

Vivendo na clandestinidade…

Houve, também, um caso de uma moça que precisou sair de seu esconderijo e ficou vagando pelas ruas, sem ter um abrigo, sendo que ela somente conseguiu algum lugar para ficar depois de frequentar um cinema e conhecer o filho da senhora da bilheteria, que iria para a guerra e precisava procurar uma companhia para a mãe. Houve, ainda, o caso das moças que faziam tarefas domésticas na casa de um oficial nazista, que sabia da condição das duas de judias escondidas, mas não as denunciou. E o caso do rapaz que ficou de casa em casa até poder tomar parte num movimento de resistência que queria denunciar a situação desfavorável da Alemanha na guerra mais ao seu término.

O problema de ser confundido com os nazistas…

Como se não bastasse ter que fugir dos nazistas em seu próprio país, os invisíveis ainda tinham que driblar os bombardeios e a sede de vingança dos soldados soviéticos que sofreram duras perdas em seu território por culpa dos nazistas e, agora em território alemão, queriam matar todos os alemães que vissem pela frente. Até os judeus convencerem os soviéticos de que não eram nazistas, já que as notícias sobre a deportação de judeus confirmavam que não havia mais qualquer judeu em Berlim, demorou bastante, sendo mais outra situação de tensão nesse ambiente inusitado e perigoso que é viver sob o nazismo e a guerra.

O medo de ser reconhecido…

O filme, entretanto, traz uma mensagem muito importante. Mesmo a Alemanha estando sob o nazismo, isso não significava que todos alemães fossem nazistas e tivessem um péssimo caráter. Ou seja, a velha e batida história de que não podemos generalizar e às vezes teimamos em não aprender. É de suma importância que lembremos que havia alemães opositores ao regime nazista e lutaram contra isso escondendo judeus e dando até a vida por isso. Definitivamente, não podemos nos esquecer dessas pessoas. E “Os Invisíveis” traz muito bem essa recordação à tona, sendo, portanto, um filme imprescindível.

Servindo os demônios do apocalipse…

Dessa forma, “Os Invisíveis” merece uma conferida, pois os depoimentos dos sobreviventes judeus à guerra e aos agentes da Gestapo dão um tom de legitimidade muito grande às dramatizações vistas na telona. É um filme que lembra da atitude heroica de alguns alemães que lutaram contra o autoritarismo em seu próprio país e salvaram vidas, com alguns alemães perdendo suas vidas por isso. Um filme fundamental e obrigatório por excelência cinematográfica, pelo seu tom de denúncia nos tempos altamente sombrios que vivemos e um filme para não esquecermos de verdadeiros heróis ocultos pela negligência com o passado. Programa imperdível, valendo a pena procurar nos canais especializados ou em DVD. 

Batata Movies – O Paciente – O Caso Tancredo Neves. Sucessão De Erros Médicos.

Cartaz do Filme

Mais um bom filme brasileiro. “O Paciente – O Caso Tancredo Neves”, do consagrado diretor Sérgio Rezende, já diz ao que vem no título com muita clareza. Ou seja, o filme analisa os últimos dias de Tancredo Neves, o político que conseguiu construir uma complicada aliança política que garantiu a transição da ditadura militar para a democracia no ano de 1985. Eleito presidente pelo colégio eleitoral, Tancredo seria o homem que conduziria o país na chamada “Nova República”.

Um presidente às vésperas da posse…

Mas o país foi assombrado, no dia 14 de março de 1985 (véspera da posse de Tancredo) pela notícia da internação do futuro presidente e sua cirurgia às pressas. Daí, foram mais de trinta dias de angústias e informações desencontradas que culminaram com a morte de Tancredo e um clima de comoção nacional, temperada com um desgosto enorme por ver um antigo apoiador do regime autoritário assumir a presidência, dando a impressão de que nada havia mudado.

Mas há algo errado…

Mas, e o filme? Tivemos Othon Bastos como Tancredo Neves e Esther Góes como Dona Risoleta, ambos em atuações brilhantes. Se Bastos aparece mais ao início do filme, tendo, pouco a pouco, menos chances de atuar, à medida que o quadro de saúde de seu personagem se agravava, com Esther Góes foi justamente o contrário, que se sobressaía à medida que Tancredo piorava. Nessa via de mão dupla, Bastos e Góes se encontravam atuando conjuntamente com uma forte química, sendo um deleite para o público ver o trabalho dos dois.

No hospital, com uma equipe médica que não se entendia…

Agora, o que definitivamente chama mais a atenção no filme, foi toda a via crucis que Tancredo passou em virtude de uma sucessão de erros médicos dignos daqueles que atacam o povão na fila do SUS. Tivemos ali uma infeliz combinação de uma doença se manifestando na hora errada com todo um clima de nervosismo dos médicos que operavam e tratavam do futuro presidente, que se sentiam com uma real batata quente nas mãos. Aliado a isso, uma violenta fogueira de vaidades, onde alguns médicos atuavam como verdadeiras estrelas midiáticas, assumindo para si a função de dar para a mídia informações sobre o estado de saúde de Tancredo, simplesmente atropelando o porta-voz oficial do futuro governo, o jornalista Antônio Brito, que era antes disso um conhecido comentarista político da Globo. O filme mapeia com grande desenvoltura todo esse processo do tratamento do presidente, que foi um jogo de muito mais do que sete erros.

Ótima química entre Othon Bastos e Esther Góes…

Uma coisa incomoda um pouco. Um certo fim abrupto da película, que termina numa espécie de devaneio final de Tancredo com a rampa do Palácio do Planalto engalanada pelas duas fileiras de Dragões da Independência. Seguido a isso, muitas imagens de arquivo do cortejo fúnebre de Tancredo, com a inesquecível “Coração de Estudante” de Milton Nascimento ao fundo. Confesso que bate realmente uma emoção ao rever tudo aquilo, pois quem vivenciou a época se lembra de como foi doloroso todo aquele processo, ainda mais com a falta de consciência, no contexto da época, de minha parte, de todas as articulações políticas que Tancredo fez para conseguir a transição democrática. Todo o momento meio que foi construído pela mídia no intuito de se transformar Tancredo num verdadeiro herói nacional. E aí, a comoção foi inevitável. O único problema é que tudo isso veio de uma forma muito rápida, dando ao filme um desfecho logo em seguida. Parece que faltou algo ali no meio. Ou talvez não se tivesse mais nada a dizer.

A reprodução de uma famosa foto, disfarçando uma situação escabrosa. Fake news desde 1985…

Assim “O Paciente – O Caso Tancredo Neves”, mesmo que tenha tido um desfecho abrupto, ainda assim é um filme de suma importância, tanto pelas boas atuações de Othon Bastos e Esther Góes, quanto principalmente pela abertura da caixa preta que foi a forma como o presidente foi cuidado pela equipe médica, quando o desencontro de informações da época era muito pouco reconfortante. A impressão que se dava é que toda a sonegação de informações era típica daqueles anos de censura e era algo muito normal naquele contexto, uma coisa que assusta hoje em dia, mesmo com o mar de fake news que presenciamos. Vale a pena dar uma conferida nos DVDS da vida ou nos canais especializados.