Batata Movies – Border. O Surreal Do Surreal.

Belo Cartaz do Filme

Um filme sueco para lá de perturbador. “Border” pode ser qualificado inicialmente como uma obra altamente surreal. Mas ela possui algo nas entrelinhas. Ou seja, é um filme altamente complexo que não pode ser julgado logo de primeira. Até porque ficamos com um baita nó na cabeça ao assistir. Vamos lançar mão dos spoilers aqui.

A menina da floresta…

O plot fala de Tina (interpretada por Eva Melander), uma funcionária da alfândega de um aeroporto que consegue descobrir uma série de irregularidades somente pelo faro. Sentimentos como vergonha, culpa e raiva passam por suas narinas, sendo a policial perfeita. Mas essa característica peculiar também lhe dá uma aparência grotesca, praticamente não humana. Um belo dia, passa pelo aeroporto Vore (interpretado por Eero Milonoff), um cara da mesma “espécie” que ela. Os dois começam a estabelecer um relacionamento. Vore come larvinhas que colhe na natureza e revela a Tina que eles são de uma espécie chamada Trol e que existem mais deles. Ainda, os humanos sempre querem destruir aquilo que não conhecem. Trol tem, então, uma espécie de complexo de magneto e quer fazer de tudo para prejudicar a humanidade, colocando em conflito toda a ética e retidão de Tina, que vai precisar tomar uma decisão entre seu amigo trol e seus princípios inerentes à humanidade.

Um dia, ela encontra um de sua espécie…

Falando dessa forma resumida, o plot parece demasiado simples. Mas o detalhe aqui é que a espécie trol foi pensada com o intuito de causar a maior estranheza possível no espectador. Quando quero dizer isso, é da forma mais repugnante possível mesmo, como se a narrativa provocasse o público de forma hiperexagerada para atestar até onde ele tolera as diferenças. Além de colocar os trols feios demais, a experiência sexual dos dois foi concebida para ser a mais perturbadora possível, sendo extremamente animalesco, com direito a muitos urros, além dos dois terem sexos trocados (isso mesmo, era a Tina que era a detentora do pênis aqui). Para arrematar, ambos tinham uma marca de cirurgia nas costas, pois tiveram a sua cauda cortada quando eram bebês, da mesma forma que se corta a cauda de cachorrinhos. Mas o que chama mesmo a atenção é a decisão que Tina tem que tomar ao ver o comportamento destrutivo de seu par. Ela se agarra a sua ética e ao seu jeito humano de ser. Ou seja, mesmo com todo o preconceito que sofre, o trol não tem o direito de assumir um comportamento agressivo e covarde com humanos indefesos (não me estenderei mais com os spoilers), pois isso viola os princípios de Tina.

Filme tem momentos idílicos…

O filme, por ser muito surreal, transita entre vários campos. Além da óbvia questão da discussão do respeito à diferença, assim como o forte clima de estranhamento imposto, temos um clima de romance bucólico, com o casal trol em idílio totalmente nu pela floresta (provavelmente seu habitat natural) assim como até um leve arremedo de terror, quando as intenções macabras de Vore se manifestam.

Filme é surreal até para a protagonista…

Assim, “Border” é um programa obrigatório, pois, pelo seu grau de surrealismo, consegue suscitar muitas reflexões e até a presença de mais de um gênero. Não podemos nos esquecer de que esse filme é de um diretor iraniano radicado na Suécia, Ali Abassi, que assina o roteiro baseado no conto de John Ajvide Lindqvist, o mesmo que escreveu a história de “Deixa Ela Entrar”, sobre um romance pré-adolescente entre um garotinho e uma sanguinária vampirinha, que também chegou às telonas há alguns anos. Ou seja, o exotismo aqui transpira, tornando esse filme imperdível.

Batata Movies – O Mau Exemplo De Cameron Post. Necessário, Apesar Do Clichê.

Cartaz do Filme


O filme “O Mau Exemplo De Cameron Post” provocou um enorme burburinho há tempos atrás por não ter sido exibido por aqui. Como se tratava de uma história de uma moça lésbica que foi submetida a uma espécie de clínica de reabilitação evangélica, aplicando uma suposta cura gay, o fato do filme não ter a sua exibição prevista no Brasil acabou soando como censura. Mas aí logo foi tudo desmentido e a exibição foi prevista para acontecer. Agora, tivemos a estreia recentemente. Vamos lançar mão dos spoilers aqui.

Uma menina que é vítima de intolerância…


E o que podemos dizer dessa película? A primeira impressão é a de que foi muito barulho por nada. É um filme bem simplório, cheio de clichês, com um desfecho bobinho e sem conflitos, ao contrário do que se poderia esperar de uma película que trabalha um tema tão espinhoso. Entretanto, dada a dificuldade retumbante dos tempos que passamos, qualquer contribuição que traga uma reflexão em direção à tolerância é bem válida. A Cameron em questão (interpretada pela bela Chloë Grace Moretz) tem cenas de amor com sua namoradinha relativamente tórridas, mas a coisa fica por aí, fora um eventual amasso com sua companheira de quarto na clínica.

No início tudo, tudo era prosaico…

O que mais chama a atenção é a forma como todo o contexto de sua internação a deixa num estado de dúvida com relação a si mesmo, embora essa dúvida logo se disperse quando ela encontra dois companheiros de clínica, digamos mais descolados, que não aceitam passivamente o estabelecido, e que representam as minorias (a mocinha é latina cheia de dreads e o rapaz é um indígena cabeludo, mais clichê impossível). Esses amiguinhos salvarão a protagonista Wasp das loucuras de meu Deus (licença Hermes e Renato). E eles fogem calmamente numa picape ao final da película com um adesivo da campanha Clinton Gore no vidro traseiro (eu disse que o filme era muito clichê).

Rolava até algo mais tórrido…


Bom, não vamos somente falar da parte simplória do filme. Há também um mérito a ser falado aqui. Há toda uma variedade de pacientes na clínica, desde os mais submissos, passando por uma espécie de estado intermediário, onde aceitam o tratamento mas com uma série de questionamentos, chegando aos totalmente rebeldes, que são da patota de Cameron. O relacionamento entre esses três grupos foi algo interessante de se ver, até o momento em que há uma espécie de implosão de tudo, na tentativa de suicídio de um dos internos, onde fica bem claro que os responsáveis pela clínica não sabem muito bem o que fazer com seus pacientes (Mais um clichê).

Mas, na clínica, só havia dúvidas…


Confesso que gostei dos atores pós adolescentes. Eles conseguiram passar bem os tormentos pelos quais passavam, uns em maior e outros em menor grau. A boa atuação ajudou a aturar um pouco mais a obviedade dos clichês.

No fim, a fuga, sob a proteção de Clinton e Gore…


Dessa forma, “O Mau Exemplo De Cameron Post” é uma película da qual não se pode esperar muito, ainda mais depois de todo o alarde feito. Mas ainda assim, e apesar de todos os clichês, dá para tirar algumas coisas boas, se a gente espremer bastante. Vale mais pela curiosidade do que por qualquer outra coisa.

Batata Movies – Museu. Inconsequências De Dimensões Pré-Colombianas.

Cartaz do Filme

Um filme mexicano. “Museu” é estrelado pelo galã Gael Garcia Bernal, e se vende como uma história 100% verídica, embora ele lance algumas dúvidas sobre isso no transcorrer da exibição. A película vai contar a história do furto, realizado em 1985 no Museu Nacional de Antropologia do México, que abriga valiosíssimas peças pré-colombianas. São subtraídas 140 peças de valor inestimável por dois amigos que, embora tenham sido muito profissionais na hora de retirar os artefatos do museu, se revelaram extremamente incompetentes depois do furto em si, não sabendo muito o que fazer com as peças

Juan, um carinha meio perdido…

Juan Nuñez (interpretado por Bernal) tem uma família muito esquisita. As pessoas meio que se agridem em plena noite de Natal, ele tem conflitos com os familiares, ao bom estilo de um pós-adolescente que não sabe muito bem o que quer da vida. Ele tem um amigo, Benjamin Wilson (interpretado por Leonardo Ortizgris), que o acompanha em noitadas e doideiras, além de ter um pai muito doente em casa. Vai ser essa dupla, aparentemente sem muita noção, que vai realizar o furto dos artefatos pré-colombianos.

Um assalto bem sucedido

Essa ação será até relativamente fácil (por incrível que pareça). O problema vai ser vender isso para colecionadores de forma ilegal, por se tratar de um patrimônio inestimável da cultura mexicana e pelo fato de toda a polícia do mundo estar atrás dos dois. Aí, nossos dois protagonistas passarão pelas mais estranhas situações, onde os artefatos valiosíssimos entrarão na mesma vibe. E assistimos, incrédulos, às situações inusitadas que aparecem na película, sendo que, se foram realmente verídicas como o filme aponta, o México esteve muito perto de perder seu patrimônio histórico da forma mais tosca possível, o que dá uma certa dor no coração. O mais curioso é o toque contraditório de Juan, pois ele furta peças de valor inestimável mas não quer vê-las nas mãos dos “gringos”, sendo esse paradoxo um atrativo a mais no filme.

Uma negociação fracassada…

De qualquer forma, a película mostra um ritmo um pouco lento, um roteiro um tanto enrolado (Guilherme Tell com cubo mágico é sacanagem) e o trailer muito bem feito, pois o filme parecia ser algo muito maior do que o visto. A película vale pela cena do furto em si, bem elaborada, e pelas cenas dos sítios arqueológicos mexicanos, para lá de grandiosos. O desfecho até foi interessante, pois põe em dúvida a veracidade da histórica contada, assinalada taxativamente como verídica em seu início, e nos dá a tentação de conhecê-la um pouco mais. Ah, sim, não podemos nos esquecer da participação meteórica, mas muito marcante, do bom ator Alfredo Castro, como o pai de Juan. A última vez que escutei a expressão “hijo de puta”, assim no original em espanhol e tantas vezes foi num jogo da Taça Libertadores da América que assisti na televisão.

O que fazer com peças tão valiosas e procuradas???

Dessa forma, se “Museu” parece um pouco menos do que o trailer vendia, ainda assim foi um filme relativamente interessante, pela quantidade de situações muito inusitadas que a película apresenta. Além disso, o jogo de gato e rato entre ficção e realidade foi um atrativo a mais, assim como o tema trabalhado (as relíquias pré-colombianas), que nos colocaram em sintonia com a impressionante antropologia mexicana, uma espécie de personagem e atração à parte do filme. Vale a pena dar uma conferida.

Batata Movies – A Prece. Para Heroína, Schygulla E Ave Maria.

Cartaz do Filme

Quando soube do filme “A Prece”, achei que ele seria um saco, já que o plot era sobre um rapaz viciado em heroína que ia para uma espécie de clínica de reabilitação onde os jovens trabalhavam duro e entoavam cânticos religiosos o tempo todo. Já ia desistindo do filme, ao ler a reportagem sobre ele no O Globo, quando descobri que Hanna Schygulla apareceria no filme, mesmo que por uns poucos momentos. Foi o suficiente para ir assisti-lo. Típico caso em que a gente vai ao cinema para ver o ator ou atriz que a gente gosta, seja o que for que ele ou ela façam no filme.

Um rapaz atormentado…

Bom, o filme, dirigido pelo ator Cédric Kahn, era mais ou menos o que eu pensava mesmo, ou seja, um caminhão de clichês. O protagonista, Thomas (interpretado por Anthony Bajon), viciado em heroína, chega à fazenda, recebe as instruções de que a disciplina para recuperação será rígida, vai tentar dar uma escapadinha com um cigarro, vai dar um chilique e fugir ao ser solicitado a pedir desculpas, se apaixona por uma mocinha de uma vila próxima que o convence a voltar ao centro, torna-se o paciente exemplar, mas ainda sem Deus no coração, tem a revelação quando passa por um sufoco e quer ser padre.

Uma comunidade de jovens em recuperação…

Mais clichê, impossível. E tome Ave Maria para cá e para lá, para sacramentar a crença dos fiéis. Então, por que ver esse filme? É que, em alguns momentos, a coisa sai do clichê, seja nas piadas com Jesus Cristo, seja no final do filme, onde um pequeno plot twist acaba mexendo mais uma vez com nosso personagem protagonista. Muito pouco, é verdade, em face dos volumosos cânticos religiosos que permeiam boa parte do filme. Mas eu fui ao cinema para, acima de tudo, ver Schygulla que, mesmo envelhecida pelo tempo (ela já está na casa dos seus 74 anos), ainda mostra aquele sorriso doce e irresistível, coroado pelo azul piscina de seus lindos olhos.

Filme algumas vezes foge dos clichês…

Eu tive a oportunidade de cortejar (e babar muito) a atriz quando ela esteve no Festival do Rio de 2003. Naquela oportunidade, ela musicou um filme de Louise Brooks com um piano, algumas cordas e sua voz, e quase fui fulminado pelo azul dos olhos dela, que tanto vi como luzes numa tela. Eu, que tanto admirei aqueles olhos, naquele fugaz momento de 2003 acontecia o contrário: eram aqueles olhos que me viam. Confesso que um frio elétrico percorreu meu corpo inteiro naquele momento.

Buscando um caminho…

Mas, findo o parênteses do fã histérico e voltando ao filme, Schygulla interpretou a irmã Myriam, que se tornou uma espécie de mentora relâmpago de Thomas, agindo de forma doce e, simultaneamente, muito severa, alertando-o para o fato de sua fé não ser totalmente sincera, depois que ele não conseguiu discursar para a plateia de dependentes sobre sua história de vida, esse o momento mais bonito do filme, não somente pela contrição de Thomas, mas também pelos depoimentos dos outros dependentes. De qualquer forma, Thomas faria o seu discurso no momento oportuno, o que também foi um momento bem comovente.

Frau Schygulla, irresistível como sempre…

Dessa forma, apesar de “A Prece” ser um filme com muitos clichês, ele ainda traz alguns atrativos para o público, como um pequeno plot twist, mas também pela presença etérea de Hanna Schygulla, a eterna Lili Marlene e Maria Braun. Vale a pena dar uma conferida e adorar um pouco uma atriz que é uma verdadeira instituição cultural do pós-guerra.

Batata Movies – Um Homem Comum. E Quando Você Se Importa?

Cartaz do Filme

Um filme perturbador, escrito e dirigido por Brad Silberling (o mesmo de “Cidade dos Anjos”). “Um Homem Comum”, estrelado por Ben Kingsley, mostra o quanto o cheiro de sangue da morte de um culpado pode ser inodoro ou, pelo contrário, trazer a marca amarga do arrependimento.

Um general genocida…

Qual é o plot? Estamos na Sérvia pós-guerra dos Bálcãs. Um general acusado por todo o mundo por atrocidades de guerra (interpretado por Kingsley) vive às escondidas para não ter que encarar o tribunal e as penas para os seus crimes contra a humanidade. Desafiando a tudo e a todos, ele anda tranquilamente pelas ruas, para o desespero de seus seguranças e é tratado como herói por algumas pessoas. Ele troca constantemente de endereço e, quando chega a um novo apartamento, ele se depara com uma jovem e linda moça, Tanja (interpretada por Hera Hilmar), que é a empregada doméstica da antiga moradora. O general então irá submetê-la a uma espécie de interrogatório, digamos, peculiar e pede que a moça seja a sua empregada doméstica em tempo integral. Vai começar uma estranha relação onde o temperamento ríspido do general tenta invadir o íntimo da jovem. Mas algumas reviravoltas ainda iriam acontecer nessa história.

Uma empregada de passado nebuloso…

É um filme que te tira da zona de conforto, pois o protagonista, com o qual o espectador deve se envolver, é um genocida de marca maior. Mas isso não impede que ele tenha um passado, mágoas, sofrimentos e frustrações. E, ao se relacionar com uma jovem que teima em esconder o seu passado, a coisa pode ficar turbulenta em algumas vezes. De qualquer forma, o relacionamento e a proximidade desabrocham, sem qualquer espaço para um romance improvável, dadas as circunstâncias como o próprio espectador irá testemunhar. De qualquer forma, o desfecho é extremamente chocante, o que faz desmoronar a montanha de empáfia e dureza do general, imprimindo novamente a máxima de que “pimenta nos olhos dos outros é refresco”.

Um relacionamento inicialmente difícil…

Esse é um filme de, basicamente, dois atores: Kingsley e Hilmar. É claro que o grande ator é o centro das atenções e a película gira em função dele. E podemos dizer que ele destilou sua competência de sempre, principalmente pelo fato de que podemos ter sentimentos conflitantes para com o personagem: de uma raiva latente pelo seu descaso com as atrocidades que cometeu, passamos pela forma esporadicamente meiga com a qual ele trata a sua personagem, assim como nos compadecemos com suas dores do passado e com seus lampejos de arrependimento por tudo o que fez.

Mas pode haver um entendimento…

A gente percebe que, à medida que a exibição corre, ele sai de um estado de dureza absoluta para uma vulnerabilidade quase que total, constituindo-se num personagem altamente complexo, que somente um ator do naipe de Kingsley poderia fazer. Já Hilmar teve a dificílima missão de contracenar com Kingsley, não comprometendo em sua atuação, mas parecendo mais uma escada para o ator. De qualquer forma, ela teve uma importância fundamental num momento chave do filme, que o spoiler me impede de dizer.

Indo a lugares distantes e proibidos…

Dessa forma, “Um Homem Comum” é um filme que vale a pena a atenção do espectador, pois conta com o grande talento de Ben Kingsley e é uma película perturbadora, que te tira da zona de conforto, pois vemos um personagem odioso se abrindo aos poucos, tornando-se cada vez mais vulnerável com o tempo. Além disso, o filme tem um desfecho forte, daqueles que fazem a gente sair da sala num estado letárgico, perplexo, abobalhado, até, e que expõe toda a fragilidade da vida humana. É recomendado pelo impacto. Nós não ficamos indiferentes ao que vemos.

Batata Movies – O Grande Circo Místico. Um Filme Lúdico E Fofo.

Cartaz do Filme

Um filme brasileiro, que foi o nosso representante no Oscar 2019. “O Grande Circo Místico” é inspirado no disco de 1983, composto por Chico Buarque e Edu Lobo, sendo um ícone de nossa MPB. As músicas são interpretadas por antológicas figuras como Milton Nascimento, Gal Costa, Jane Duboc, Tim Maia, Simone, Gilberto Gil, Zizi Possi e os próprios Chico Buarque e Edu Lobo. Agora, Cacá Diegues traz para o cinema a saga desse circo centenário, surgido a partir de uma tradicional família austríaca (Knieps), onde tivemos um romance entre um aristocrata e uma acrobata, que dá início à trupe.

Jesuíta Barbosa e Bruna Linzmeyer

O filme transcorre ao longo de um século, onde vemos um rosário de bons atores: Bruna Linzmeyer, Mariana Ximenes, Juliano Cazarré, Antônio Fagundes. Mas os grandes destaque entre os atores são Vincent Cassel e Jesuíta Barbosa. Cassel interpreta Jean Paul, um homem que quer vender o circo e usar esse capital para investir em terrenos, sendo um marido cruel e violento. O ator, apesar de aparecer pouco, rouba a cena em seus momentos no filme e engrandece em muito a produção.

Mariana Ximenes faz uma evangélica…

Mas a grande figura, sem a menor sombra de dúvida, é Jesuíta Barbosa, que esteve simplesmente extraordinário em seu personagem Celavi (o leitor mais atento deve ter percebido que o nome do personagem é uma corruptela de “C’est la vie”, ou simplesmente, “É a vida”). Esse personagem está no circo por durante todos os seus cem anos, sem sequer envelhecer, acompanhando todas as gerações. Era divertido testemunhar como Celavi mudava de visual (vestuário, cabelos, etc.), com o passar do tempo, se adequando a todas as tendências da moda de cada época. Celavi era vívido, lúdico, brincalhão, amável e respeitoso, o verdadeiro guardião da tradição do circo. Jesuíta Barbosa deu tons altamente marcantes de carisma para seu personagem, surgindo uma empatia imediata entre ele e o espectador. Celavi era o verdadeiro condutor da película. O tempo passava, membros da nova geração chegavam e lá estávamos nós procurando onde Celavi estava.

Participação marcante de Vicent Cassel…

Aqui precisamos dar um alerta de spoiler. Algumas pessoas talvez tenham se incomodado com as excessivas cenas de nudez e sexo. Pelo estilo do diretor, tinha horas que essas cenas nos remetiam ao cinema brasileiro da década de 70. Mas Diegues conseguiu dialogar com o aparente estereótipo e o fez de forma magnífica, principalmente na cena das irmãs gêmeas voando nuas sobre o picadeiro, o ponto alto do filme. A coisa ficou lúdica, inocente, esteticamente muito bonita, repelindo qualquer avaliação que qualificasse a sequência como imoral ou de mau gosto. Foi o ponto alto do filme e de todo o clima lúdico e infantil ao qual a coisa se propunha (a gente já sentia isso de forma muito forte no trailer, que somente confirmou esse quê poético do filme). Definitivamente, é uma justa homenagem em imagens a esse trabalho tão conhecido de Chico Buarque e Edu Lobo.

Borboletas virtuais…

Só é de se lamentar que tudo tenha um fim. Mas como é dito por aí, “C’est la vie”. E o personagem principal do filme não nos deixa esquecer isso um segundo sequer. A vida pode trazer momentos de alegria, típicas dos espetáculos que vemos no picadeiro, mas também podem nos trazer momentos de trevas, melancolias e até de tragédias. Cem anos são muito tempo para experimentarmos uma série de situações felizes e tristes. E, ao final, o olhar sobre o passado nos revela um caleidoscópio de luzes e trevas.

Cacá Diegues e Marcos Frota, que tem um circo de verdade

Dessa forma, apesar de “O Grande Circo Místico” não chegar aos cinco finalistas para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, uma coisa é certa: esse filme já é em si um grande prêmio, uma pequena joia de nosso cinema que está guardada numa caixinha de música toda ornamentada, com trapezistas, leões, elefantes, domadores, palhaços, bailarinas, e um ícone de lúdico resistente ao tempo. É o tipo do filme para ver, ter e guardar.

Batata Movies – A Aparição. Uma Questão De Fé.

Cartaz do Filme

Uma impressionante produção francesa passou em poucas salas de nossos cinemas. Mas a Batata Espacial correu atrás e viu “A Aparição”, dirigido por Xavier Giannoli (de “Marguerite”) e estrelado pelo versátil Vincent Lindon (de “O Valor de um Homem”). Esse é um filme, acima de tudo, sobre fé. Um filme onde conceitos são visitados e mudados.

Um fotógrafo terá sua fé posta à prova…

Do que se trata a história? Temos um repórter, Jacques Mayano (interpretado por Lindon), que acaba de passar por um grande trauma. Ele estava cobrindo um conflito no Oriente Médio e foi atingido por uma explosão, ficando com um sério problema em seu ouvido. Para piorar a situação, ele perdeu seu amigo de longa data no atentado. Abalado, buscou a reclusão. Mas esta durou pouco tempo, pois ele foi chamado pelo Vaticano para fazer uma investigação em um pequeno vilarejo do interior da França. Essa “investigação canônica” tem por objetivo esclarecer a alegação de uma jovem, Anna (interpretada pela bela Galatéa Bellugi) de que teria visto uma aparição da Virgem Maria. O padre local, Borrodine (interpretado por Patrick d’Assunção) decidiu que o milagre havia sido consumado e a pequena localidade se torna um centro de peregrinação, totalmente fora do controle da Igreja Católica, que envia a tal comissão de investigação canônica para fazer os esclarecimentos.

Uma moça que afirma ter visto a Virgem Maria…

É mais o desejo da Igreja desvendar qualquer embuste ao invés de confirmar se houve realmente um milagre. Mayano ficará responsável pelo caráter mais “mundano” da investigação. Pouco a pouco, ele se envolve com Anna, no bom sentido da palavra, é claro, onde a fé da moça passa a ter um significado cada vez mais especial para ele, que nunca foi muito cristão. O problema é que outras pessoas estavam envolvidas na vida da moça, e até um assassinato cruzava a vida dessas pessoas próximas a Anna, constituindo-se num verdadeiro mistério. E qual não foi a surpresa de Mayano quando ele viu que até um elemento de seu passado aparecia nas investigações? Paro por aqui com os spoilers.

Uma investigação é iniciada…

Esse filme tem uma trama muito bem elaborada, que necessita muito da atenção do espectador, o que mostra a nós um bom roteiro. Mas o filme também tem a virtude de ser muito simples em sua mensagem principal. Acima de qualquer investigação de cunho mais científico, as coisas da fé não precisam de provas. Ou você acredita ou não acredita, é muito simples. E quem tem fé não necessita de provas.

Monta-se até uma comissão para a investigação…

O filme é muito tocante nesse aspecto, pois aqui vemos como Mayano transforma suas convicções à medida em que ele aprofunda seu relacionamento com Anna que, ao contrário do que podem imaginar as mentes mais maldosas, não houve qualquer conotação, digamos, mais carnal. Ao mesmo tempo, ele também percebe que a figura de Anna é muito humana, onde a moça também tem uma vida fora da religião com todas suas amizades, e o fardo de ter supostamente testemunhado uma aparição também é muito pesado, algo que provoca muito sofrimento, principalmente em virtude da exploração comercial da aparição, que também é abordada. Nesse ponto, a moça sofre muito e ela se autoflagela, cortando sua alimentação (volta e meia aparece um quê de paranoia nessa temática religiosa e aqui não foi exceção).

A menina, volta e meia, tem comportamentos estranhos…

Esse foi um filme que mais uma vez coroa uma ótima atuação de Lindon, com seu ar meio melancólico, de fala mansa e de olhar penetrante. Mas não podemos nos  esquecer da jovem Galatéa Bellugi, que interpretou Anna e que atuou muito bem com Lindon, rolando uma ótima química. O casal consegue convencer no seu relacionamento terno e afetivo, sem qualquer apelo de cunho sexual. A fé da moça realmente atinge o descrente de forma arrebatadora, embora o jornalista não perca o norte de sua investigação mundana, onde as pessoas próximas de Anna levantam questões muito perturbadoras, com a dúvida principal estando no fato de onde Anna e suas alegações de aparição se encaixam na turbulenta vida de seus amigos mais próximos.

A aparição é um fardo muito grande para a moça…

Assim, “A Aparição” é um filme altamente recomendável, em primeiro lugar por contar uma boa história, com muitos meandros que necessitam da atenção do espectador. Em segundo lugar, porque temos a oportunidade de rever Lindon, acompanhado de uma jovem atriz que dá conta do recado ao atuar com ele. E, em terceiro lugar, da forma como a fé é abordada nesse filme. Se em alguns momentos, ela é vista com desconfiança, mais ao final se conclui que ela pode ser virtuosa quando transforma a vida das pessoas e abre novos horizontes. Vale a pena dar uma conferida.

Batata Movies (Especial Oscar 2019) – Roma. O Desmoronamento De Duas Vidas.

Belíssimo Cartaz do Filme

Vamos hoje falar de um filme com dez indicações ao Oscar. “Roma”, de Alfonso Cuarón, concorreu a Melhor Filme Estrangeiro, Melhor Direção, Melhor Fotografia, Melhor Filme, Melhor Atriz para Yalitzia Aparicio, Melhor Atriz Coadjuvante para Marina de Tavira, Melhor Roteiro Original, Melhor Design de Produção, Melhor Edição de Som e Melhor Mixagem de Som. O filme acabou abiscoitando os prêmios de Melhor Filme Estrangeiro, Fotografia e Direção. Ainda, ganhou os Globos de Ouro de Melhor Diretor e Melhor Filme Estrangeiro, além de ganhar os Baftas de Melhor Filme, Melhor Fotografia e Melhor Filme em Língua Não Inglesa, recebendo também o prêmio David Lean por Direção. Lembrando que esse filme é uma produção da Netflix e se mostrou uma boa aposta do serviço de streaming para fazer um filme mais “cabeça” e digno de premiações. Vamos aqui lançar mão de spoilers para poder analisar o filme.

Yalitzia Aparicio. Indicação de Oscar para Melhor Atriz em seu primeiro filme

O plot é muito simples. No bairro Roma, de classe média alta da Cidade do México, temos a empregada doméstica Cleo (interpretada por Aparicio) que, junto com uma parente, serve a uma família abastada. De origem indígena, ela conversa com sua parente na sua língua nativa e em espanhol com a família, cheia de filhos. Tratada como se fosse “da família”, onde a ligação afetiva com as crianças é muito estreita, Cleo também é tratada com rispidez em alguns momentos por sua patroa Sofia (interpretada por Tavina), pois o patriarca da família está se separando e saindo de casa, o que faz a esposa cair numa pilha de nervos.

Tratada como “da família”…

Por outro lado, Cleo engravida de um namorado que nega a paternidade do bebê. Assim, vemos duas vidas entrando em parafuso: a de Sofia, a patroa, que tem que encarar uma separação com uma penca de filhos, e a de Cleo, que tem que levar uma gravidez sem a presença de um companheiro. Lembrando que essa película tem por base as memórias afetivas da infância do próprio Cuarón, que tinha uma empregada doméstica em sua casa.

Afeição maternal com as crianças da casa…

Essa temática que Cuarón abordou em seu filme de realidade mexicana – a forma como as empregadas domésticas são tratadas pela elite – é muito familiar e conhecida para nós aqui no Brasil, com o agravante de uma tradição escravista que envenena ainda mais a relação patrão-empregado. Na película de Cuarón, a coisa foi até leve em boa parte do filme, com um cotidiano das empregadas sempre presentes no emprego e com uma relação até certo ponto idílica com os patrões e as crianças. Em alguns momentos, a hierarquia sobressaía, como na reclamação feita pelo pai da família da garagem cheia de sujeiras de cachorro, as grosserias que a mãe da família fazia com Cleo quando a matriarca estava estressada com sua crise conjugal, ou na necessidade de Cleo e sua parente fazerem seus exercícios no quartinho da empregada à luz de velas para não gastar energia elétrica.

Uma guardiã dedicada…

Mas o clima um tanto suave do filme passa a ficar turbulento na segunda metade da película, onde as tensões políticas de um México do início da década de 70 começam a influenciar o microcosmos da empregada. É nesse momento que o filme vai adquirir um ritmo bem mais frenético e prender mais a atenção do espectador. Mas tocar nessa parte da película seria dar muitos spoilers. Para se dar apenas uma dica, o filme opta por um happy end galgado numa espécie de redenção, ou seja, uma opção mais hollywoodiana, quando um final mais realista talvez fosse mais adequado. De qualquer forma, com a denúncia de uma situação social concretizada, não podemos nos esquecer de que a película ainda é produzida numa mídia de entretenimento como a Netflix. E aí o happy end é mais aplicável aqui.

Filme tem uma fotografia lindíssima…

Vale falar apenas mais uma coisa que chama muito a atenção: a película foi rodada em preto e branco, ou seja, artística demais nesse ponto, em termos de Netflix. Lembrando sempre da preferência desse humilde escriba pelo preto e branco pelo fato dos contrastes ficarem bem mais destacados que no colorido, dando grande qualidade estética à imagem.

Mais um exemplo da fotografia impecável da película

Dessa forma, “Roma” é uma grata surpresa da Netflix e de Alfonso Cuarón. Um filme “cabeça”, de arte, em preto e branco, feito pelo serviço de streaming, e que fala de uma realidade social da América Latina. Ainda que o tradicional happy end dos filmes hollywoodianos tenha sido usado como opção, temos que dar o braço a torcer que a Netflix assumiu um projeto muito ousado para o tipo de mídia e de público ao qual ela se propõe. E tal atitude deve ser reconhecida e muito celebrada, tanto que a película ganhou dois Globos de Ouro, quatro Baftas e recebeu dez indicações ao Oscar, levando três estatuetas.

O diretor Alfonso Cuarón

Creio que isso é algo muito bom para estimular os serviços de streaming a melhorarem a qualidade das películas que produzem, aumentando a qualidade para o espectador. E seria legal, também possibilitarem o acesso aos cinemas dos filmes que são produzidos para o cinéfilo mais tradicional ter a experiência de ver esse tipo de filme (que tem uma qualidade fotográfica ótima) na telona.

https://www.youtube.com/watch?v=FkzidhAg45U