Batata Movies – A Festa. Uma Tragicomédia Extremamente Cáustica.

Cartaz do Filme

Um filme perturbador. “A Festa” é uma daquelas películas em que a gente vê o sofrimento dos outros e a coisa é colocada no mórbido estilo de se provocar risos com isso. Ou seja, um humor muito negro e tão ácido que podemos dizer propriamente que chega a ser cáustico. Ainda, a impressão que temos é a de um grande teatro filmado, como se fosse a adaptação de uma peça para o cinema.

Uma festa mal sucedida…

A história gira em torno de Janet (interpretada pela eficiente e bela Kristin Scott Thomas), uma política de oposição na Inglaterra que consegue almejar o cargo de ministra da saúde, fazendo uma pequena festa íntima para comemorar com os amigos mais chegados. Desde o início, seu marido Bill (interpretado por Timothy Spall) apresenta um comportamento muito estranho, olhando para o infinito de forma letárgica e, volta e meia, colocando um vinil na vitrola. Logo, os convidados chegam: April (interpretada por Patricia Clarkson), uma americana cínica e agressiva, e seu marido Gottfried (interpretado por Bruno Ganz), um alemão, digamos, muito zen. Chegam, também, o casal Martha (interpretada por Cherry Jones) e Jinny (interpretada por Emily Mortimer, que já havia chamado muito a atenção no filme “A Livraria”, resenhado aqui). Para encerrar a lista de convidados, temos o bem sucedido Tom (interpretado por Cillian Murphy).

Um homem com um grave problema…

Mas, qual é o problema de Bill? O médico disse que ele está em estado terminal, o que vai estragar completamente a festa. Como se não bastasse, Bill ainda diz que quer se separar de Janet para viver o pouco que lhe resta com outra mulher, para implodir com a coisa de vez. O detalhe é que todo o imbróglio não se resume somente à crise entre Janet e Bill. Ou seja, não posso ir além daqui.

Uma galera muito estranha…

Optou-se pelo uso do preto e branco nas filmagens, o que deu uma atmosfera muito interessante à película, com bons tons de claro e escuro, sobretudo nas cenas bem negras do jardim da casa, e nos closes dos personagens. Ainda, tivemos um excelente trabalho de atores nesse filme que tem um elenco que, como o leitor já viu, não é de brincadeira, ou seja, é muito bom. Mas o mote da película está mesmo na história extremamente irônica e ácida, contada de uma forma muito sábia.

Um casal surreal…

O filme tem um tom muito sério em seu início, caindo pouco a pouco num drama que se torna profundo e angustiante mas que, de tão agressivo, vai se tornando tragicômico em alguns momentos, arrancando boas gargalhadas do público com a sucessão de desgraças que se abate sobre os personagens. Dentre as atuações, podemos destacar a de Bruno Ganz, que estava ótimo no carinha zen que consegue sempre ver o lado positivo das coisas e rechaçado de forma agressiva pela esposa, interpretada por Patricia Clarkson, que também teve uma presença muito marcante.

Ajudando o amigo em crise…

Timothy Spall, ao fazer o velhote letárgico que pouco a pouco se revela, também rouba a cena, justamente com Kristin Scott Thomas, linda como sempre e de atuação bem firme também. Cherry Jones fecha esse time, começando como a mulher toda segura de si, mas que mostra também muita fragilidade quando entra em crise com sua amante Jinny. Num segundo patamar, podemos colocar Emily Mortimer e Cillian Murphy, que realmente ficaram um pouco abaixo dos medalhões, mas que também não comprometeram.

As coisas só pioram…

Assim, “A Festa” não deixa de ser uma reflexão sobre a condição humana e seu estado de fragilidade quando você depende emocionalmente de outra pessoa, configurando aqui o típico caso de se “rir para não chorar”, dada a acidez da coisa. Vale apena curtir a breve experiência desse filme de duração de apenas 71 minutos.

Batata Movies – Minha Filha. Uma Menina, Duas Mães.

Cartaz do Filme

Uma co-produção Itália/Alemanha/Suíça muito interessante. “Minha Filha” traz de volta a atriz Valeria Golino, que fez par romântico com Charlie Sheen em “Top Gang”, lembram? A atriz, já veterana, consegue ainda ser muito bela e elegante, embora aqui a película não tenha favorecido muito seus lindos olhos claros. Ainda assim, a atriz marcou presença no filme, mesmo tendo que dividir as atenções do público com as outras atrizes protagonistas.

Um triângulo amoroso feminino

Como se desenvolve a história do filme? Temos aqui uma espécie de triângulo amoroso, mas não daqueles que estamos acostumados. Eu me explico. São duas mulheres e uma menina: Tina (interpretada por Golino), Angelica (interpretada por Alba Rohrwacher) e Vittoria (interpretada por Sara Casu). Angelica é uma tremenda porra-louca que se envolve com bebedeiras, homens e dívidas. Ela é a mãe biológica de Vittoria e deixou a filha com Tina para criá-la, mas sempre está por perto (todas vivem numa comunidade de pescadores). Angelica mais uma vez se envolve em dívidas e precisa sair de sua casa. Ela decide abandonar a comunidade mas estranhamente começa a se aproximar mais de Vittoria, que não sabe que é filha biológica de Angelica, para o desespero de Tina, uma mulher altamente centrada que não quer perder sua filha adotiva. Pronto, está criado o problema e o triângulo amoroso, ficando uma dúvida: qual será a reação de Vittoria quando ela descobrir que Angelica é sua mãe biológica?

Levando a filha (adotiva) para passear…

Esse é, acima de tudo, um filme de duas mulheres de comportamentos muito antagônicos, mas que podem se mesclar. Se Angelica, num primeiro momento, parece ser a última pessoa do mundo que deve ficar com a guarda de Vittoria, o transcorrer da exibição mostra que a personagem também pode ter virtudes que a aproximam de Vittoria. Já Tina, o modelo perfeito de mãe exemplar, também pode tomar atitudes pouco virtuosas. E, no meio disso tudo, Vittoria, que fica meio sem saber com quem ficar, se magoando com atitudes das duas e, ao mesmo tempo, querendo as duas por perto. Com tal situação, dá até para a gente prever qual será o desfecho, embora eu não vá dar esse spoiler monstruoso aqui. Só vou dizer que o filme termina de uma forma um tanto abrupta, dando ao espectador uma margem para delinear o que provavelmente irá acontecer.

Esse também é um filme muito humano. Mesmo que Tina e Angelica disputem Vittoria, podemos ver um afeto muito consolidado entre as duas. Podemos até dizer que Tina é meio que uma mãezona de Angelica e Vittoria ao mesmo tempo (os menos informados até suspeitariam, no início do filme, de que Angelica é a irmã mais velha de Vittoria), cuidando da moça incauta nas situações mais escabrosas. É, também, um filme que expõe demais a fragilidade, pois é muito triste ver Angelica trocando bebidas por sexo no bar ou então ver toda a tristeza e insegurança de Tina, que teme perder sua filha adotiva. O relacionamento entre Tina e seu marido era também algo comovente de se ver, com este sempre agindo de forma racional e afetuosa com a esposa, que sofria com toda a situação.

Dívidas, dilemas e uma só filha…

Assim, “Minha Filha” é mais um bom filme, pois ele aborda, de forma muito humana, um triângulo amoroso de duas mães e uma filha, onde não há mocinhos e bandidos, somente vítimas de uma situação triste e complicada que atinge a todos. Um filme cujos personagens transpiram fragilidade e que eles precisam decidir se continuarão magoando uns aos outros ou, pelo contrário, decidirão se ajudar para sair desse contexto de tristeza. Um programa que vale a pena.

Batata Movies – Promessa Ao Amanhecer. Fazendo O Que A Mamãe Coruja Mandou.

Cartaz do Filme

Uma interessante produção francesa. “Promessa ao Amanhecer” fala da trajetória do renomado escritor polonês Roman Kacew, mais tarde conhecido como Romain Gary, e seu turbulento e afetuoso relacionamento com sua mãe Nina Kacew. É uma história muito comovente e um típico caso de vida que imita a arte de tão inusitada.

Uma mãe e um filho, para o que der e vier…

A película começa com Gary (interpretado por Pierre Niney) tendo uma crise nervosa e sendo conduzido de uma cidadezinha do interior do México para a capital, Cidade do México, por sua esposa Lesley (interpretada por Catherine McCormick). No meio da viagem, a moça encontra um manuscrito que conta a história do escritor com a sua mãe, gancho esse que nos remeterá a Polônia e à infância difícil do escritor. A mãe de Gary, Nina (interpretada de forma magistral por Charlotte Gainsbourg, talvez o melhor papel de sua carreira) era extremamente zelosa com o filho, acreditando sempre que ele seria uma grande pessoa: ora um diplomata, ora um escritor, ora um chefe de estado.

Às vezes, a mãe era dura…

Essa crença (ou certeza) do futuro promissor do filho fazia, também, que ela fosse muito exigente e até dura com o menino que, mesmo assim, a amava incondicionalmente e se dedicava muito a corresponder às aspirações da mãe. A vida dos dois foi uma verdadeira roleta: da fria Polônia, eles foram para Nice, onde Nina passou a administrar um hotel. Mais tarde, Gary foi para Paris estudar, sempre escrevendo e buscando publicar suas obras com algum sucesso, chegando até a posição de combatente na Segunda Guerra Mundial e herói de guerra (e sempre escrevendo).

Mas o rapaz sempre reconheceu o esforço dela…

Esse é um filme que tem um certo tom de comédia, mas apenas em momentos mais pontuais. A vida de nosso Roman Kacew foi um tanto atribulada e nosso protagonista tinha uma tendência para a depressão e para a tragédia. Pode-se dizer que não há muito espaço para o “happy end” aqui, sobretudo nos créditos finais quando, com a ajuda de algumas fotos reais, é dito o que aconteceu com o escritor depois dos eventos exibidos no filme. De qualquer forma, é uma incrível história de vida.

Mãe sempre presente na vida do moço…

Com relação ao desempenho dos atores, Pierre Niney fez um bom trabalho, prendendo a atenção do espectador com sua atuação, ora muito dramática, ora bem engraçada, ora angustiante. Mas ninguém consegue nesta película chegar à altura de Charlotte Gainsbourg, que roubou a cena de forma arrebatadora, fazendo uma matrona muito coruja, que podia ser bem afável, bem terna, mas também extremamente rígida e até violenta, com uma dose muito bem medida de insanidade. A gente fica maravilhado com a personagem, pois a atriz é tão cativante que fica impossível a gente não ver com carinho essa verdadeira mãezona, por mais constrangedora que ela possa ser em alguns momentos para o filho na frente dos outros. Dá para entender a ligação imediata dos dois, que sempre seguraram pesadas barras juntos e com a mãe sempre valorizando o filho. Eles realmente formavam uma boa equipe que encaravam as mazelas da vida de peito aberto.

Mãe próxima até na guerra…

Assim, “Promessa ao Amanhecer” é um filme que vale a pena a conferida do espectador, principalmente por causa do trabalho de Gainsbourg, mas também pela incrível história de vida que podemos presenciar, com doses relativamente fortes de melancolia. Um programa imperdível.

https://www.youtube.com/watch?v=gLEyBqit1mE

Batata Movies – Papillon. Um Ótimo Remake.

Cartaz do Filme

O primeiro contato que tive com a história de “Papillon” foi lá na longínqua década de 80, quando o SBT (ou seria ainda a TVS?) exibiu a primeira versão do filme, de 1973. E que versão! Foi a primeira vez que a emissora de Sílvio Santos, então considerada uma espécie de “Patinho Feio” da televisão, exibiu, até onde me lembro, um filme de qualidade. Vejamos: o elenco tinha Dustin Hoffman e Steve McQueen, o roteiro era do lendário Dalton Trumbo e de Lorenzo Semple Jr, o mesmo que escreveu vários episódios do “Batman” do Adam West e o “Flash Gordon” lá de finais da década de 70 e início de 80, com trilha sonora do Queen (Flash! Ah ahhhhh!). Eu era muito novo quando vi esse filme e nunca mais o revi. Mas ficou na minha cabeça as cenas dos dois anos que “Papi” passou na solitária, onde ele era obrigado a comer baratas e lacraias (argh!).

Chegando a um presídio…

Foi realmente um filme que vi há muito tempo e que ainda me lembro de algumas coisas por ter marcado. Qual não foi minha alegria ao ver outro dia no cinema um trailer de uma nova versão feita em 2017? Por isso mesmo, dei uma chegadinha ao Net Rio 5 para, com as parcas memórias da versão de 1973, ver o que essa nova versão tinha a oferecer.

Um preso rico, que pode financiar sua fuga…

A história (real) do filme é muito simples. Nosso amigo Henri ‘Papillon’(Papillon é borboleta, em francês) Charrière (interpretado por Charlie Hunnan) é um arrombador de cofres em Paris que acaba sendo emboscado por seus inimigos e injustamente acusado de assassinato, o que o leva a uma pena de prisão perpétua e uma espécie de “degredo” (expulsão definitiva) para um presídio na Guiana Francesa. Lá, as regras são muito claras. Quem tentar fugir, é morto. Se escapar para a floresta, morre de fome. Se tentar o mar, mata a fome dos tubarões. Se tentar fugir e for preso, dois anos na solitária. Mais uma tentativa de fuga e mais cinco anos de solitária e prisão perpétua na Ilha do Diabo.

Eles tramarão uma fuga…

Se matar um policial, execução na guilhotina. Neste cenário, Papillon, que já está ferrado com prisão perpétua mesmo, tentará fugir. E aí ele vai precisar de dinheiro, algo que outro detento mais rico (falsificava bônus de guerra), Louis Dega (interpretado por Rami Malek, o mesmo que fez Freddie Mercury em “Bohemian Rhapsody”) vai ter. O problema é que Dega é muito frágil e será um prato cheio para os detentos que querem matá-lo para conseguir seu dinheiro. Papillon vai fazer um trato com Degas e será uma espécie de guarda-costas em troca de um pagamento que vai ajudar a tirá-los da prisão. E aí o filme passa a ser a tentativa de fuga dos dois, não sem muitos percalços.

Dustin Hoffman e Steve McQueen na versão de 1973…

O filme é bom porque a história ajuda muito. Ela seguiu o roteiro do filme original. Mas houve alguns adendos. Não me lembro (e aí a minha memória pode me trair), por exemplo, no antigo filme, de ter visto a vida de Papillon na França, algo que aparece nessa nova versão. O desfecho da nova versão também é ligeiramente diferente. Já o restante do filme me pareceu ser muito fiel ao original, embora eu ache que a sequência da solitária ficou menos agressiva na versão nova (McQueen estava muito mais impecável e “degradado” na versão antiga, que realmente foi bem mais hardcore). Ainda assim, a versão de 2017 não decepciona e as atuações dos dois protagonistas foram muito boas, com um destaque para Malek que conseguiu ser um cara frágil e inseguro num ambiente muito hostil, mas mostrou uma explosão de violência que valeu o ingresso. Por seu personagem ter tido essas variações, a gente pode esperar que ele irá muito bem em “Bohemian Rhapsody”. Já Hunnan teve o fardo de ser comparado com McQueen e deu conta do recado, sobretudo nas suas simulações de loucura na solitária.

Pré Estreia em Los Angeles…

Assim, “Papillon” é um filme que vale muito a pena a conferida do cinéfilo mais exigente, que terá a oportunidade de ver um bom remake dessa conhecida película. Novos atores com boas atuações, uma história que foi tratada fielmente e com boas extensões que não desfiguraram a obra e, inclusive, a incrementaram. Programa imperdível.

Batata Movies – Oh, Lucy! Do You Speak English?

Cartaz do Filme

Uma co-produção Japão/Estados Unidos. “Oh, Lucy!” é um filme sobre rumos que tomamos em nossas vidas. Um filme que pode nos mostrar quanto o humano é bom ou cruel. Um filme de temática ácida e não muito feliz. Mas um filme que nos faz refletir.

Setsuko, uma mulher de vida vazia…

A história gira em torno de Setsuko (interpretada por Shinobu Terajima), uma senhora de meia idade que tem um empreguinho ordinário numa empresa. Ela tem uma sobrinha, Mika (interpretada por Shioli Kutsuna), que pede que ela assista a uma aula de inglês em seu lugar. A moça já combinou de pagar todo o curso e não pode quebrar o contrato. Setsuko vai numa aula grátis e conhece o professor americano John (interpretado por Josh Hartnett) que tem um método, digamos, peculiar para a cultura japonesa: ele dá nomes em inglês para seus alunos e pede que eles se cumprimentem e se abracem ternamente. Setsuko irá praticar isso com seu professor e outro aluno, que terá o nome americano de Tom (interpretado por Koji Yakusho). A senhora, que tem uma vida sem graça e solitária, vai ficar maravilhada com a pedagogia do professor John. Entretanto, quando ela volta para a segunda aula, descobre que John não mais trabalha lá e que retornou para os Estados Unidos. Desolada, ela sai do curso e, na rua, ainda consegue ver John indo embora com Mika. Setsuko procura a mãe de Mika, sua irmã Ayako (interpretada por Kaho Minami) e descobre que a mãe nem está aí para o paradeiro da filha. Mas Setsuko recebe um postal de Mika. Ayako visita Setsuko para lhe dar o dinheiro do curso de inglês e descobre onde a filha está pelo endereço do postal. Setsuko pede férias para ir atrás de John e Mika, sendo que Ayako também vai. Ao chegarem aos Estados Unidos, as vidas de Setsuko, Ayako, John e Mika nunca mais serão as mesmas.

Aulas com um professor de inglês americano…

A primeira coisa que chama a atenção no filme é a crueza das relações humanas entre os japoneses. Suicídios, cinismos, solidão, dureza, tudo isso parece fazer parte do cotidiano dos japoneses, onde tem-se a impressão de haver um exagero ao se montar tal estereótipo. E, como redenção a todas essas características negativas, a cultura do abraço e do afeto, ensinada por um americano, cuja cultura também sabemos que não prima muito pelo contato físico. Dessa forma, tal diferenciação cultural soou um tanto artificial, exceto pela professora substituta de John, que logo rechaçou a pedagogia do abraço. De qualquer forma, esse era o elemento necessário para se dar um pouco mais de graça à vida vazia e seca de Setsuko, e ajudá-la a sair do estado de letargia. O problema é que, ao tentar ter uma vida mais leve e colorida, Setsuko entra em atrito com os demais personagens pelos mais variados motivos. E aí é que a gente vê o elemento humano se digladiando em todos os seus defeitos e empáfias, o que faz com que todos se machuquem muito. Se esse filme tem poucos e leves momentos engraçados, progressivamente a história vai ficando tensa e pesada, onde o ego inflado de cada um leva a situações mais e mais tensas e angustiantes. Dessa forma, podemos dizer que “Oh, Lucy!” é um filme triste, embora um esboço de “happy end” se vislumbre no ar, algo pouco suficiente para o sofrimento visto ao longo da exibição.

Abraços e afetos…

Uma curiosidade aqui foi ver o nome de Will Ferrell na produção. Associado a filmes de humor, Ferrell consegue levar a cabo aqui um projeto bem mais marcado por um conteúdo fortemente dramático. O tom de drama regado em desesperança chama a atenção e ver o nome de Ferrell envolvido nisso não deixa de ser uma surpresa, muito boa, aliás.

Relacionamento complicado com a irmã…

Assim, “Oh, Lucy!” é um bom filme. Um drama forte, tingido com tristeza e desesperança, provocado pelo egoísmo das pessoas que se machucam umas às outras. Um filme que exagera um pouco em estereótipos que servem para contextualizar construções de personagens. E um filme que nos faz refletir como devemos tratar o próximo, sem direito a cinismos ou más intenções matreiras de machucar a outrem. Vale a pena dar uma conferida.

https://www.youtube.com/watch?v=5DvGKJEMGp0

Batata Movies – 10 Segundos Para Vencer. Agora É Na Real.

Cartaz do Filme

Um grande filme brasileiro sobre uma grande personalidade de nosso esporte. “10 Segundos Para Vencer”, de José Alvarenga, fala da trajetória do pugilista Éder Jofre, um dos dez maiores boxeadores de todos os tempos. Estrelado por Daniel de Oliveira e Osmar Prado, essa cinebiografia lembra grandes filmes sobre esse esporte tais como “Rocky”, “Creed” e “O Campeão”, com a grande vantagem de que temos uma história real aqui que nada fica a dever às fantasias da ficção.

Daniel de Oliveira na pele de Éder Jofre…

Podemos ver nessa película, a vida de Jofre (interpretado por Oliveira) desde a infância até a conquista de seu segundo título mundial (Jofre foi campeão mundial em duas categorias – peso galo e peso pena – uma proeza considerada rara no mundo do boxe) aos 37 anos, sempre do ponto de vista do relacionamento com seu pai, Kid Jofre (interpretado por Prado), um treinador que exigia muita, mas muita dedicação, o que atrapalhava a vida de nosso protagonista com sua esposa Angelina (interpretada por Sandra Corveloni). O grande mote da história é justamente esse: Jofre continua se dedicando mais à profissão do que à família ou ele abandona o boxe para estar mais perto de sua esposa e de seu filho? Qualquer uma das opções que ele abrace pode trazer pontos positivos e negativos.

Osmar Prado em excelente atuação como o pai Kid Jofre…

O filme também lança mão de imagens de arquivo, onde vemos lutas reais de Jofre com os seus oponentes, intercaladas com imagens tratadas por CGI (para parecerem velhas imagens de arquivo) onde Oliveira e Prado simulam as vitórias do famoso pugilista. Essa é uma escolha interessante, pois dá uma certa legitimidade à coisa, além de nos aproximar com o Éder Jofre real. Ao final da película, uma série de fotografias de Éder, seu pai Kid e sua família aparecem, nos aproximando mais ainda da realidade que o filme buscou ilustrar.

Treinando em presídios, com quem não tem mais nada a perder…

E os atores? Mesmo com Oliveira sendo o protagonista e atuando muito bem, esse filme definitivamente tem um nome: Osmar Prado. Sua atuação foi simplesmente impecável como Kid Jofre, o pai durão que não media esforços para tornar o filho um grande pugilista. Mas, ao contrário do que pode parecer, sua atuação não foi plana, mesmo que o personagem pareça ser de uma característica só.

O verdadeiro Éder Jofre se encontra com Daniel de Oliveira e Osmar Prado…

O velho durão também aparentava fraqueza já na idade avançada com os problemas do pulmão agravados pelo fumo compulsivo. Vemos momentos, também, onde lágrimas sinceras brotam dos olhos do velho, ou a voz embargada quando conversa com o filho antes da luta que irá consagrá-lo com o segundo título mundial. Ou seja, Prado consegue fantásticas nuances emocionais em seu personagem, confirmando todo o talento que tem.

Momento emocionante: Éder Jofre chora muito com o filme sobre sua vida…

Assim, “10 Segundos Para Vencer” é um filme importantíssimo para nos recordar desse grande ídolo de nosso esporte, que é Éder Jofre, assim também como para apresentá-lo às futuras gerações. Temos um Daniel de Oliveira em boa atuação, pegando o sotaque e os trejeitos de Jofre mas, sem a menor sombra de dúvida, esse é um filme para a gente ver Osmar Prado atuando, o que já vale o preço do ingresso. Um ótimo filme brasileiro e um programa imperdível.

Batata Movies – Lámen Shop. Unindo Culturas E Famílias Pela Gastronomia.

Cartaz do Filme

Um interessante co-produção Singapura/Japão/França. “Lámen Shop”, de Eric Khoo, é um filme sobre culinária oriental e encontros. Uma doce e fofa película que fala, também, da família de forma muito terna. Mas que também pode desenterrar sérias feridas do passado. Falemos, agora, desse filme, sempre lembrando que usaremos spoilers aqui.

Um restaurante lámen…

Vemos aqui a história de Masato (interpretado por Takumi Saito), um rapaz que trabalha com seu pai num restaurante lámen no Japão. Aqui no Brasil o termo lámen foi ridicularizado como miojo, aquele macarrãozinho barato com o maldito tempero que é uma sopa de química pura e que a gente come quando está sem grana. No Japão, ele era visto como um mero “macarrão chinês”, mas pouco a pouco ele foi se introjetando na culinária local ao ponto de se tornar um prato muito conhecido e restaurantes especializados em pratos com lámen proliferarem pelo país. Mas, voltando ao nosso protagonista, Masato tem uma relação distante e fria com o seu pai, um homem amargurado desde a perda da esposa. Um dia, o pai de Masato falece e, ao mexer em suas lembranças, ele vê muitas coisas de sua mãe, inclusive um caderno todo escrito em mandarim por ela, uma língua que Masato não conhece.

Masato, um rapaz em busca de seu passado…

O rapaz tem vagas lembranças de sua estadia com a mãe em Singapura. E aí, ele decide procurar seu tio nesse país. Lá, ele consegue achar o tio e lhe pede para ensinar o prato típico da região, o Bak kut teh. Masato troca figurinhas com os chefs locais, ensinando sopas e lámens, enquanto aprende a culinária de Singapura. Mas, o que parece uma idílica farra gastronômica asiática também tem seus dissabores. A avó de Masato não quer conhecê-lo, pois ele é de origem japonesa e Singapura foi invadida pelo Japão em 1942, quando seu marido foi assassinado pelos nipônicos. Masato, então, terá um certo trabalho para se aproximar de sua avó.

Masato faz uma viagem…

Apesar do clima de tensão entre Masato e sua avó, boa parte do filme se passa em brancas nuvens, com relações muito ternas entre os personagens e as receitas orientais sempre cimentando tais relações. Os atores trabalharam de forma muito suave e deu gosto de ver o trabalho de todo o elenco. Já a lembrança do ataque japonês, que era a potência imperialista da região, foi muito oportuna e pertinente, ainda mais porque tal beligerância era o fator que partia a família e trazia dor aos seus membros. E qual foi a melhor forma de combater isso? Isso mesmo, caro leitor! Com a comida! Assim como o lámen era uma comida que, pouco a pouco conquistou o público médio japonês, o Bak kut teh era uma comida das classes menos favorecidas em Singapura e se tornou uma espécie de ícone nacional (tal como a nossa feijoada por aqui). Esses dois pratos se tornaram uma espécie de embaixadores das duas culturas para promover o entendimento entre os povos do Japão e de Singapura, estancando as feridas do passado. São as duas culturas outrora inimigas voltando a interagir através da gastronomia.

Aprendendo novos pratos com o tio…

Assim, “Lámen Shop” é um filmaço sobre o entendimento e a tolerância entre duas culturas. Um filme de atuações muito suaves e cativantes. E um filme de dar água na boca (toda a comida que vemos lá parece ser muito gostosa!). Um programa imperdível.

Batata Movies – Sonata De Outono. Uma Experiência Arrebatadora.

 

Cartaz do Filme

No ano do centenário do lendário cineasta sueco Ingmar Bergman, o Espaço Itaú de Cinema realizou, ao mês de setembro último, uma pequena mostra para homenagear esse importante nome do Cinema Mundial. E aí, pintou uma oportunidade para assistir a “Sonata de Outono”, um filme que sempre tive curiosidade de assistir. Confesso que vi poucos filmes do cineasta (ele tem cerca de setenta filmes, fora os trabalhos para teatro e para a TV sueca) e preciso preencher essa lacuna. Mas, por que o meu interesse especial por “Sonata de Outono”? Eu li, há alguns anos, o famoso livro de Liv Ullmann, “Mutações”. Ullmann foi um dos muitos casos de Bergman que, apesar de seu talento mundialmente reconhecido, não era lá uma figura muito fácil em termos de relacionamento humano, como o próprio cineasta reconhecia. E, quando vemos Ullmann se expressar, parece que ela é demasiadamente sensível perto do gélido temperamento nórdico, passando sempre para a gente uma sensação de fragilidade e de sentimentalismo muito grande. Pois bem, ao ler “Mutações”, a gente vê que Ullmann se lembra de forma muito especial de sua relação com Ingrid Bergman em “Sonata de Outono”, onde atores e personagens meio que se fundiram ali.

Eva, uma filha insegura…

Ou seja, as duas atrizes ficaram realmente marcadas por todo o sofrimento de suas personagens e ainda tinha o agravante de que Ingrid Bergman já padecia de um câncer no seio na ocasião. Ullmann falava de um sentimento maternal que nutria por Ingrid Bergman e de como vestiu a camisa da opressão maternal que sua personagem Eva sentia. Outro detalhe muito marcante de “Sonata de Outono” é que temos a oportunidade de ver Ingmar Bergman dirigir Ingrid Bergman, a mítica atriz de “Casablanca”. Confesso que lá nos idos de minha adolescência cheguei a confundir os dois artistas em um só.

Charlotte, a mãe determinada…

Mas, como é a história de “Sonata de Outono”? A trama é bem simples. Uma filha, Eva (interpretada por Ullmann), recebe em sua casa a mãe, uma renomada pianista, Charlotte (interpretada por Ingrid Bergman). Mas a artista não sabe que Eva também abriga a sua irmã, Helena (interpretada por Lena Nyman), que sofre de problemas motores, algo que angustia Charlotte. Pouco a pouco, Eva e Charlotte vão revolvendo o passado e o que parecia, num primeiro momento, uma relação cordial entre mãe e filha vai revelando camadas de muito ressentimento e até de ódio.

Helena, a filha adoecida…

É um filme pesado e assisti-lo torna-se uma experiência arrebatadora. Temos uma oposição inicial filha frágil e insegura X mãe autossuficiente e determinada onde, pouco a pouco, os papéis se invertem. Eva passa a ser implacável e cruel, não perdoando as constantes viagens da mãe nos tempos de infância e a aparente indiferença de seus sentimentos para com a filha. Ao mesmo tempo, Charlotte deixa de ser a mulher forte e determinada para revelar toda uma fragilidade que vinha também de um relacionamento mal resolvido com sua mãe, onde ela também padecia da indiferença. Ou seja, a gente tem repetições de uma mesma situação de loops de indiferenças maternas que assolavam psicologicamente as filhas. Só que no caso de Charlotte e Eva, temos o agravante de Helena, onde fica citado no filme que a doença da moça também é provocada, de uma certa forma, pelo comportamento da mãe. Aliás, é de Helena o mais terrível grito de angústia do filme, próximo ao seu desfecho que, ao contrário do que pode parecer em toda a película, traz um vento de esperança que substitui a letargia de uma melancolia que a gente vê ao longo da exibição, melancolia essa sacudida nos momentos mais tensos entre Eva e Charlotte.

Lágrimas, muitas lágrimas…

Do ponto de vista técnico, uma coisa chama muito a atenção: o uso dos closes como instrumento dramático. Ver Ullmann e Bergman e suas faces ocupando toda a tela com olhos que se marejavam nas frontes petrificadas (acho muito forte a interpretação onde o ator faz lágrimas brotarem de seus olhos sem qualquer desfiguração da face) era algo de grande impacto.

Um trio da pesada…

E, cá para nós, o close de Ullmann olhando a mãe tocando piano talvez seja um dos mais icônicos e definitivos da História do Cinema, onde a jovem atriz dá a sua personagem toda uma insegurança e fragilidade perante a figura monumentalizada da mãe, que toca a peça com uma indiferença de frieza muito intensa.

Um dos maiores closes da História do Cinema…

Assim, “Sonata de Outono” é um grande momento da História do Cinema, pois traz um excelente roteiro interpretado de forma magistral por uma jovem atriz e uma diva do Cinema Mundial, tudo isso sob a batuta de um dos maiores diretores de cinema de todos os tempos. É um clássico para ver, ter e guardar.