Batata Movies – O Amante Duplo. E Uma Doidona Tripla.

Cartaz do Filme

Mais um curioso filme francês (em co-produção com a Bélgica). “O Amante Duplo”, de François Ozon, é um daqueles filmes onde temos vários plots twists de gêneros. Se a coisa inicialmente parece um dramalhão psicológico, com o tempo a película toma contornos de um thriller pesado, voltando a algo mais psicológico num final um tanto óbvio.

Uma mulher que encontra um grande amor…

Vemos aqui a história de Chloé (interpretada por Marine Vacth), uma moça atormentada que tem problemas de saúde por se alimentar mal. A ginecologista que a atende indica um psicólogo e Chloé vai se consultar nele. Seu nome é Paul (interpretado por Jérémie Renier) e, depois de algumas sessões, os dois se apaixonam e vão morar juntos. O que parecia ser a realização de um sonho de um relacionamento estável acaba se tornando uma rotina tediosa para Chloé, que vê o seu amado na rua com outra. Depois de interpelar Paul, Chloé, tomada pelo ciúme, escuta dele que ela somente viu alguém parecido. A moça vai ao local e descobre que há outro psicólogo trabalhando lá, com o mesmo sobrenome de Paul. Ela marca uma consulta e descobre que esse psicólogo é irmão gêmeo de Paul, Louis, e se comporta de forma completamente diferente. Enquanto Paul é pacato e doce, Louis é agressivo e arrogante, tendo um maior apetite sexual e satisfazendo Chloé nesse quesito, o que provoca o envolvimento da moça com Louis. Vai começar aqui um jogo de gato e rato, onde a vida pregressa desses dois irmãos tem várias surpresas, a imensa maioria delas totalmente desagradável.

Mas há um irmão gêmeo bem mordaz…

O grande lance desse filme é o quebra-cabeça que Chloé busca desvendar, gerado pelo relacionamento dela com esses dois irmãos. Além do fato que a moça está fortemente abalada psicologicamente, a forma agressiva e pouco cortês de Louis assusta Chloé que, entretanto, não age como uma vítima frágil e entra de cabeça em toda essa turbulência. À medida que essa história vai se tornando mais e mais complexa, fica mais claro como o filme terminará e algumas sequências dão o tom disso quando analisamos as imagens. Mas não vou entrar em maiores detalhes sobre isso, pois seria não um spoiler do filme, mas o spoiler do filme.

Uma conversa bem à vontade…

É uma película um pouco difícil de assimilar em virtude da agressividade e crueza de algumas cenas dentre elas, cenas de sexo não consentido (leia-se estupro) tapas, socos, um feto saindo da barriga de Chloé como um alien (argh!) ou a história (sinistra, por sinal) do corpo de uma pessoa assimilar o feto do que poderia ter sido o seu irmão gêmeo, além de uma moça em estado vegetativo em cima de uma cama. Todas essas cenas estão mais na fase de suspense da película, quando a narrativa fica muito pesada.

Momentos de delicadeza…

Os atores foram muito bem. Marine Vacth, a atriz que interpretou Chloé, conseguiu passar fragilidade, mas também uma boa dose de animosidade quando se relacionava com Louis. Tivemos a grata surpresa de ver, em alguns poucos momentos, Jacqueline Bisset de volta, como a mãe de Chloé. Mas o grande nome do filme foi Jérémie Renier, que teve que fazer dois irmãos de comportamentos totalmente diferentes, sendo, com certeza, o ator mais exigido no filme.

… e tudo parecia ir bem, entretanto…

Assim, “O Amante Duplo” é uma história que combina um drama psicológico leve com um pesado thriller e que tem um final óbvio. É um filme onde as atuações dos atores têm um papel fundamental e eles corresponderam, sobretudo Jérémie Renier. E um filme que, na sua fase inicial e mais leve, trabalhou bem os closes, para dar um tom mais intimista aos bem construídos personagens. Vale a pena você se encucar com essa película.

Batata Movies – Uma Noite De Doze Anos. Vamos Juntos Para A Prisão?

Cartaz do Filme

Uma co-produção Uruguai/Argentina/Espanha. “Uma Noite de Doze Anos”, de Álvaro Brechner, é mais um filme que aborda o período das ditaduras militares latino-americanas, tendo agora como foco o que aconteceu no Uruguai. A temática é muito simples. Depois de uma tentativa de ataque do movimento Tupamaro, onde figuras importantes do governo uruguaio foram mortas, o exército partiu com tudo para cima dos guerrilheiros, desbaratando o movimento com mortes violentas e prisões.

O desespero de se estar na prisão…

Alguns desses presos ficaram na condição de reféns do Estado, sendo transferidos para lá e para cá, num período de doze anos (de 1973 a 1985). O filme mostra a trajetória de três desses reféns no cárcere: José Pepe Mujica (interpretado por Antonio de la Torre), que seria no futuro o presidente do Uruguai; Mauricio Rosencof (interpretado por Chino Darín, o filho de Ricardo Darín), jornalista e escritor; e Eleuterio Fernández Huidobro (interpretado por Alfonso Tort), ex-ministro da defesa. Por durante os 122 minutos da película, esses três prisioneiros são continuamente transferidos de um quartel para outro, ficando nas mais diferentes prisões, sempre em condições subumanas e sempre muito maltratados pelos militares.

Poucos momentos juntos…

Era clara a intenção dos militares de colocar os presos na situação mais degradante possível, com o objetivo de levá-los à loucura, o que quase aconteceu justamente com Pepe Mujica, não fosse a intervenção de sua mãe em uma das visitas, que chamou a atenção para o plano dos militares e pediu ao filho que resistisse a qualquer custo. A propósito da situação de quase loucura de Mujica, deve-se abrir aqui um pequeno parênteses: quando vemos um filme que fala dos horrores da ditadura militar, a gente espera uma narrativa um pouco mais precisa, no sentido de que relate de forma objetiva todos os horrores aos quais os presos políticos foram submetidos.

Poucos sopros de liberdade…

O filme até começa dessa forma, mas quando se chegou ao momento com Mujica, seus devaneios e delírios tornaram a narrativa surreal, o que tirou um pouco da objetividade de se contar a história. Pelo menos, tais delírios nos deram a oportunidade de resgatar algumas passagens anteriores em flash-back. Se bem que o flash-back também foi utilizado quando o personagem Eleuterio estava em foco na história. Já Rosencof teve uma característica interessante: por ser escritor, ele consegue ficar amigo de um sargento que quer escrever uma carta para a mulher pela qual ele está apaixonado e passa a ter (poucas) regalias.

Eleuterio Huidobro

De qualquer forma, o isolamento dos personagens é notório e eles ficam anos sem se ver, se comunicando volta e meia dando pequenos socos nas paredes da prisão quando estavam encarcerados perto uns dos outros. Creio que os socos reproduziam código morse.

Mauricio Rosencof

Ao se mostrar a rotina dos presos, o espectador experimenta a rotina de também estar enclausurado e incomunicável, alheio às mudanças que ocorreram ao longo dos doze anos de prisão, salvo em situações muito peculiares, onde nossos três personagens tiveram pouquíssimo acesso ao mundo exterior e a o que acontecia. O próprio Mujica reclamava não ver uma mulher ou ler um livro há anos.

José Pepe Mujica, o presidente mais fofo do mundo!!!

Outro detalhe deve ser mencionado aqui: a participação especial de César Troncoso, astro do cinema uruguaio, como o militar que mantém os protagonistas na prisão. Infelizmente, sua participação foi muito pouca, atuando mais como um coadjuvante de luxo, sempre nos lembrando de seu talento nas poucas vezes em que aparecia.

O diretor Álvaro Brechner orienta seu elenco…

Assim, “Uma Noite Em Doze Anos” é mais um filme importantíssimo para os tempos nebulosos em que vivemos, devendo ser muito divulgado e, principalmente, visto. Ao se analisar a rotina de três presos políticos, o espectador se vê na situação claustrofóbica de ficar isolado do mundo e ser sujeito seguidamente a humilhações e violações de seus direitos humanos. Ou seja, o filme realmente te coloca na situação para você experimentá-la. Daí a sua força e seu poder de denúncia, fazendo o cinema cumprir sua função social. Um programa imperdível que traz um convite à reflexão.

Batata Movies – O Orgulho. Uma Estranha Forma De Se Relacionar.

Cartaz do Filme

A figura do advogado e da instituição do direito sempre foi vista com uma certa desconfiança. Volta e meia rola uma piadinha de advogado aqui, uma história complicada sobre a forma como um juiz deu uma sentença ali, recentemente, o judiciário de nosso país tem sido muito criticado por certas decisões tomadas e por aí vai. Lanço mão desse pequeno preâmbulo para justamente contextualizar o filme que será analisado aqui hoje, “O Orgulho”, uma produção franco-belga que traz o consagrado e sempre eficiente Daniel Auteuil e a grata surpresa Camélia Jordana. Esse filme fala sobre a retórica dos advogados, apresentada aqui de uma forma, no mínimo estranha para nosso inocente senso comum.Vamos, mais uma vez, ter que lançar mão dos spoilers aqui.

Uma dupla improvável…

Neïla Salah (interpretada por Jordana) é uma moça de origem argelina que tem origem humilde e decide empreender a carreira de advogada. Mas no primeiro dia de aula ela chega atrasada e, perante um grande anfiteatro lotado, é humilhada pelo professor Pierre Mazard (interpretado por Auteuil), inclusive com frases de conotação racista. Os alunos denunciam o professor, que já tem um histórico de muitas confusões por sua rispidez e, dessa vez, não tem jeito, será submetido a um conselho disciplinar. O diretor da Universidade sugere então a Mazard que, para limpar um pouco a sua barra, ele treine Neïla para um concurso de retórica que a Universidade já não ganha há muito tempo. A contragosto, Mazard irá levar a cabo a tarefa, para o estranhamento de Neïla. Será daí que surgirá uma forma dos dois chegarem à amizade.

Humilhação e racismo

Meio clichê, não?  O problema foi como se estabeleceu o relacionamento entre os dois. Mazard continua sendo ríspido com a moça e ainda assim ela o aceita, já que ele a convence que essa rispidez faz parte da própria retórica do direito e se indignar com a mesma seria algo, digamos, patético e infantil. Ao naturalizar tal tratamento pesado como uma espécie de regra geral do direito, a coisa fica um tanto quanto estranha. É claro que o treinamento não ficou só nisso. Ela aprendeu várias técnicas de persuasão inspiradas em Schopenhauer, que se revelaram muito úteis. O problema é que havia coisas consideradas um tanto belicosas como, por exemplo, a parte em que Mazard ensina uma técnica de persuasão que consiste em ofender ostensivamente o seu antagonista. Foi uma série de xingamentos mútuos que eram engraçados mas ainda assim estranhos, embora a gente até entenda que o advogado tem que ter muito jogo de cintura para persuadir, sendo racional e com muito tato no momento certo, mas também muito firme quando se precisa. Creio que o problema de todo o estranhamento provocado por tais práticas é que a componente polêmica do racismo e da imigração entram no discurso, e tais coisas têm provocado muitos problemas na Europa, inclusive atentados terroristas, parecendo pouco adequado abordá-las da forma que vimos, constituindo-se numa química que pode até ser meio perigosa. Não que eu censure o filme, mas a autocrítica às vezes precisa ser usada um pouco, já que vivemos tempos um tanto difíceis.

Um clima pesado…

Entretanto, se houve essa química perigosa, também rolou uma boa química entre os atores que fizeram os papéis protagonistas. Auteuil dispensa apresentações e foi odioso em todo o seu esplendor, mas também desperta muita comoção ao se relacionar com a sua estudante, sobretudo nas cenas do metrô, as mais deliciosas do filme. Agora, que grata surpresa foi Camélia Jordana! Ela é profundamente apaixonante e esteve à altura de Auteuil de forma notável, não deixando a peteca cair em nenhum momento. Parecia que ela já tinha anos e anos de carreira e sua presença é muito marcante. A gente entra no cinema sem saber quem é a moça e sai fã incondicional e ansioso por vê-la no seu próximo filme, dada a forma impactante como atua.

Curso de retórica. Retratação…

Assim, “O Orgulho” a princípio pode parecer um filme clichê sobre o professor que transforma a vida da aluninha, mas o problema é que essa transformação se faz de uma maneira um tanto inusitada, envolvendo elementos como os problemas da imigração e do racismo na Europa, trazendo aí uma componente um tanto explosiva, mas ainda assim original. Pudemos também matar a saudade de Auteuil. Mas o grande mérito foi apresentar Camélia Jordana em nossas telonas num papel de impacto. Surge uma nova estrela que, espero, brilhe muito ainda. Vale a pena dar uma conferida.

Batata Movies – O Banquete. Decadence Sans Elegance.

Cartaz do Filme

Um filme brasileiro muito tenso e doloroso. “O Banquete”, de Daniela Thomas, é um filme sobre a condição humana e todo um maquiavelismo (no mau sentido da palavra) envolvido. É uma película que mostra até onde as pessoas podem chegar quando elas atacam outras. É um filme que mostra quanto o humano pode ter um comportamento degradante e revoltante.

Uma mesa muito sinistra…

A história do filme é relativamente simples. Um jantar, promovido por Nora (interpretada por Drica Morais) e seu marido (interpretado por Caco Ciocler) tem como objetivo comemorar os dez anos de casamento de dois amigos, Mauro (interpretado por Rodrigo Bolzan) e Bia (interpretada por Mariana Lima). O jantar terá outros convidados. Mas antes mesmo de todos os convidados chegarem, já percebemos que as coisas não vão muito bem. O casal anfitrião já briga, com o marido bêbado e a esposa dizendo que ele fez uma imensa besteira que destruiu suas vidas.

A anfitriã…

À medida que os convidados chegam, o clima somente piora, com todos em volta da mesa ricamente adornada, lançando indiretas e fazendo uma série de comentários cada vez mais ácidos e cínicos com o passar da noite, regada a muita bebida. Paulatinamente, o cinismo passa para observações mais agressivas e, quando chegamos ao auge desse lamentável espetáculo, as agressões verbais e até físicas é que dão o mote da coisa. Esse grupo de pessoas está entrelaçado emocional e profissionalmente. E todo e qualquer motivo, seja ele emocional ou profissional, é legítimo para atacar o outro.

Um garçom que também se envolve…

O histórico de entrelaçamento dessas pessoas nunca fica totalmente desvelado para o espectador, que deve se contentar com fragmentos aqui e ali. Mas isso não prejudica a gradativa torrente de agressividade entre os membros do banquete. Outra coisa que chama a atenção é o seu pano de fundo: estamos em plena época da presidência de Fernando Collor de Mello e um artigo de Mauro contra o presidente o levará para a prisão, já que ainda vigora a lei de imprensa da época da ditadura militar.

Um jornalista que irá preso…

Mas esse é somente um elemento que vai acrescentar mais tensão a algo extremamente já tenso, que é o relacionamento venenoso entre os “amigos” de longa data. O filme também parece adquirir tons de crítica às elites hegemônicas do país, que se acham no direito de  conduzir o processo político, mas já estão tão apodrecidas que nem se entendem entre seus membros. Aqui as palavras de ordem são magoar e machucar seus desafetos o máximo que podem, seja com sarcasmo, seja com linchamento moral, seja com agressividade pura e simples.

O sarcasmo em todas as idades…

E, para expressar tanta agressividade, é óbvio que todos os atores foram bem, embora fique aqui a impressão de que todos eram cínicos, como se o cinismo fosse um personagem independente que se incorporasse nos demais personagens em maior ou menor grau. Essa característica cínica atribuída a todos os personagens prejudica um pouco as coisas, pois parece que todos são planos nessa característica em específico, embora pudemos ter visto matizes nas características dos personagens.

A diretora Daniela Thomas

Assim, “O Banquete” é um filme um tanto poderoso e muito desgastante para a cuca do espectador, que fica por uma hora e quarenta e quatro minutos sendo bombardeado por cinismo, sarcasmo, agressividade e situações constrangedoras. Mas ainda assim é um filme extremamente necessário, pois ele ensina de forma categórica tudo o que NÃO devemos fazer quando nos relacionamos com outras pessoas, mesmo que elas nos tenham ferido em nosso íntimo. Vale a pena dar uma conferida.

Batata Movies – Egon Schiele, A Morte E A Donzela. Vida Breve.

Cartaz do Filme

Uma bela produção Áustria/Luxemburgo de 2016 passou somente de forma recente. “Egon Schiele, A Morte e a Donzela” pode ser encarado como uma cinebiografia do famoso pintor, que teve uma vida muito breve, diga-se de passagem. O filme fez um recorte falando dos oito últimos anos de vida do artista, onde parte deles se passaram durante a Primeira Guerra Mundial. Um filme que mostra o espírito livre e transgressor de Schiele, considerado por muitos um pedófilo e um depravado. Para podermos analisar o filme, vamos precisar lançar mão de alguns spoilers.

Um artista de vida muito efêmera…

A película começa com um Schiele (interpretado por Noah Saavedra) já doente em 1918, vítima da gripe espanhola. O filme, então, faz um flashback e nos joga para 1910, onde o artista faz seus esboços de mulheres nuas em seu ateliê, usando como primeiro modelo sua irmã Gerti (interpretada por Maresi Riegner), que é menor de idade. O artista segue sua rotina de pintar mulheres nuas e vai colecionando modelos ao longo de sua curta vida, tendo vários relacionamentos um tanto efêmeros e metendo os pés pelas mãos quando lida com as mulheres. Ele ainda recebeu uma acusação de sequestro de menores e de mostrar pornografia para menores de idade, o que quase o levou à prisão por vários anos. Sem dinheiro a maior parte da vida, precisava vender seus quadros e esboços para sobreviver.

Em ação, com as mulheres…

O filme consegue dar um bom apanhado dos últimos anos do pintor e não pensa duas vezes em apontar incoerências de Schiele. Se ele se dizia um artista que devia ter liberdade para divulgar sua arte e ter um estilo de vida que era baseado num amor livre, por outro lado, ele teve uma postura deveras conservadora com sua irmã, pois como tutor da menina ele não permitiu que ela casasse sendo menor de idade e mesmo grávida. Ainda, ele não tinha uma postura considerada correta com as mulheres que o cercavam, destruindo corações e forjando casamentos em função de seus interesses pessoais. Ou seja, o filme reconhece o talento do pintor enquanto artista, mas também lembra que ele é uma figura humana que tem seus defeitos como todo mundo. Aliás, esses defeitos são responsáveis pelo título do quadro (“A Morte e a Donzela”) que está também no título do filme. Mas não darei o spoiler disso.

Relacionamentos turbulentos…

Pelo fato de Schiele pintar mulheres nuas, esse é um filme onde podemos ver muitas cenas de nudez, mas pouca ou quase nenhuma cena de sexo, ficando a impressão do interesse puramente artístico em cima da nudez, embora o artista se relacionasse com algumas de suas modelos.

… que trazem inspirações…

Noah Saavedra interpretou de forma bem satisfatória o artista, exibindo todas as suas contradições. Mas devo confessar que gostei mais de Maresi Reigner. A atriz  esteve muito bem como a irmã do pintor, mostrando traços bem infantis ao início da película, mas mudando a sua atuação para mostrar o amadurecimento de sua personagem com o passar do tempo. Tal mudança, por exemplo, não é vista em Schiele, cujo tempo parece não passar.

Livre para sua arte, conservador para sua irmã…

Assim, “Egon Schiele, a Morte e a Donzela” é uma boa cinebiografia sobre um artista consagrado, cujas obras de arte hoje valem milhões de dólares. Mesmo sendo um gênio na sua área, o filme teve a coragem de expor seus defeitos. Um filme sobre um artista que esteve à frente de seu tempo.

Batata Movies – Camocim. Uma Cabo Eleitoral Que Me Representa.

Cartaz do Filme

Um documentário brasileiro surpreendente. “Camocim”, de Quentim Delaroche, analisa o processo eleitoral da pequena cidade de Camocim de São Félix, no interior de Pernambuco. Temos aqui a eleição para prefeito e vereadores, que divide a cidade nos “azuis” e nos “vermelhos”, independente da ideologia dos partidos políticos. Na verdade, vemos uma disputa de dois grupos pelo poder, o que pode gerar brigas e até mortes. Tal cenário tem sido visto por alguns como uma espécie de “sinal dos tempos” do turbulento processo político brasileiro dos últimos anos. Entretanto, quem conhece um pouquinho a vida de cidades do interior sabe que a forma como uma eleição local é conduzida tem origens muito anteriores a isso e pode ser vista como uma espécie de prolongamento das relações clientelistas e opressoras da República Velha (1889-1930). E em Camocim não é diferente.

Mayara Gomes, uma cabo eleitoral idealista…

De qualquer forma, o documentário elenca seus protagonistas. Será acompanhada aqui a trajetória da campanha de um candidato a vereaador, César Luceno, e sua fiel escudeira, a cabo eleitoral Mayara Gomes. Aqui, a protagonista principal será Mayara, uma jovem de apenas 23 anos e que está na política por idealismo puro, indo totalmente na contramão de qualquer coisa que se pensa genericamente sobre política no Brasil. Mayara é uma personagem totalmente fascinante e, por que não dizer, apaixonante. Mostrando uma maturidade, serenidade e, sobretudo, muita destreza e consciência, ela leva seu oficio de cabo eleitoral com uma seriedade mordaz.

Uma campanha…

Sua experiência no processo político já é suficiente para que ela não se deslumbre e seja ludibriada por políticos de interesses escusos. Ou seja, ela já passou por essa decepção e diz que, se o político que ela apoia no momento se perder na ganância (em suas próprias palavras) ela partirá para outra alternativa como já fez no passado, pois ela quer fazer melhorias na sua cidade e para a sua população. Ao ver pessoa tão jovem e tão cheia de esperança num meio em que a gente, na maioria das vezes, vê como totalmente podre e sem qualquer credibilidade, a gente até volta a nutrir um pouco perspectivas de dias melhores.

Clima festeiro…

Mas não é somente a personagem de Mayara que chama a atenção. A conversa entre os jovens da cidade também nos mostra algo surpreendente, pois eles estão muito antenados com o contexto político local, sabendo como os grupos se comportam, quem matou quem na disputa pelo poder, quais são os interesses de fulano e beltrano em vestir o vermelho ou o azul, etc. Há também aqueles que trabalham na campanha de determinado candidato (muitas vezes por obrigação e sob a ameaça de perder o emprego), mas que irão votar em branco ou nulo nas eleições. Ou seja, eles usam o clientelismo como estratégia para obter pequenos bens pessoais (a manutenção de um emprego ou a obtenção de um emprego temporário), mas isso não quer dizer que sejam pessoas alienadas. E o voto branco ou nulo é, no entender deles, a forma de protesto que podem fazer contra toda aquela jogatina política em que a cidade se transforma.

… e guerreiro…

Curioso, também, é ver o clima de campanha, dentro de perspectivas totalmente festivas e carnavalizantes. Qualquer comício é motivo para trios elétricos, festas, queimas de fogos, etc., embora as tensões nunca deixem de estar presentes, onde vemos cabos eleitorais dos dois lados agredindo-os uns aos outros no ambiente festeiro, isso quando não tem um policial pronto com suas balas de borracha no meio da multidão.

Mayara Gomes e o diretor Quentim Delaroche

Assim, “Camocim” é um documentário definitivo para que a gente possa compreender mais como é a relação do brasileiro com a política. Se nas cidades de interior, a coisa toma contornos de rivalidade futebolística, o clientelismo e os interesses escusos também regem as tensões. E, no meio disso, um pequeno oásis de esperança manifesto na figura de Mayara Gomes, que é a única ali a levar o processo político a sério. Vale muito a pena dar uma conferida.

Batata Movies – Histórias Que Nosso Cinema (Não) Contava. Uma Sólida Colcha De Retalhos.

Cartaz do Filme

Um bom documentário brasileiro. “Histórias Que Nosso Cinema (Não) Contava”, de Fernanda Pessoa, é mais um daqueles filmes que aborda o período da chamada “ditadura civil-militar”, de 1964 a 1985. Só que, dessa vez, a coisa é feita de uma forma bem peculiar. A gente sabe que a produção cinematográfica do período foi marcada pelas chamadas “pornochanchadas”, umas comédias bem chinfrins de conteúdo altamente erótico, embora não tivessem nada de pornográficas. Foi nessa época que o cinema brasileiro ficou estigmatizado com aquela fama de que os filmes eram ruins e somente mostravam sacanagem e palavrões. A pornochanchada foi o gênero cinematográfico mais visto no Brasil durante a década de 70.

Manifestações…

Pois bem. Fernanda Pessoa fez algo bem simples, depois da difícil garimpagem desses filmes, alguns deles perdidos para sempre. Ela fez uma montagem lançando mão desses filmes eróticos para buscar fazer uma película que analisasse a ditadura militar. E qual foi o resultado? De forma surpreendente, essas películas espelham de forma muito perfeita o Zeitgeist (espírito da época) do período. Filmes que eram vistos de forma depreciativa pelos mais intelectualizados abordam assuntos em voga na época, tais como: o desenvolvimento do capitalismo e da modernização nos anos de chumbo, a mentalidade conservadora a mil, a luta armada, a tortura, as ambições materiais de uma emergente classe média, que ansiava por automóveis ou televisões coloridas, um movimento grevista num puteiro, o assassinato de Werner Herzog, a abertura política e a redemocratização.

Sonhos eróticos com peões de obra…

É notável perceber ainda que as pornochanchadas morrem juntamente com o regime ditatorial. Essa correspondência entre esse gênero cinematográfico e o governo autoritário sempre deu à pornochanchada um ar alienante, despertando a libido dos incautos e desviando-lhes a atenção dos casos de corrupção do governo e da privação da liberdade. Porém, esse documentário desmente de forma arrebatadora essa visão e mostra de uma forma bem contundente como os diretores das pornochanchadas usaram esse aparente manto alienante para expressarem de forma muito eloquente suas ideias e opiniões sobre a repressão de um jeito bem crítico.

Saudades de Tereza Rachel…

Esse é um filme que também desperta memórias muito escondidas dentro de nossas cabeças, pois a gente sempre viu algum filme desses, com atores que também se consagraram posteriormente ou caíram num ostracismo total. Nomes como os de Nuno Leal Maia, Paulo Cesar Pereio, Martim Francisco, Costinha, Sandra Bréa, Matilde Mastrangi, Milton Carneiro, José Lewgoy, André de Biasi, Denise Dumont, Stefan Nercessian, Tereza Rachel, Jece Valadão, Rubens de Falco e muitos, muitos outros desfilam por nossas retinas matando nossas saudades, apresentando-nos outras realidades e outros contextos, alguns deles assustadoramente atuais, como o preconceito contra as esquerdas e a forma tendenciosa como a imprensa analisava os fatos, tudo isso denunciado nas… pornochanchadas (!).

A diretora Fernanda Pessoa…

Assim, “Histórias Que Nosso Cinema (Não) Contava” é um documentário essencial, pois ele desmistifica todo o preconceito em cima das pornochanchadas e mostra de uma forma bem marcante como esse gênero cinematográfico genuinamente nacional resistiu contra a opressão do regime, pontuando que esses filmes devem ser estudados com maior profundidade, e abrindo possibilidades para um campo bem vasto de pesquisas em História do Cinema.

Inspiração revolucionária???

É só uma pena que um filme dessa magnitude esteja presente em pouquíssimas salas com horários nem sempre muito acessíveis. Aliás, para que pensar mesmo, não é? De qualquer forma, vale a pena correr atrás e dar uma garimpada por aí, sendo um daqueles filmes para se ver, ter e guardar.

Batata Movies – Benzinho. Arte Que Imita A Vida.

Cartaz do Filme

Um bom filme brasileiro. “Benzinho”, de Gustavo Pizzi, é uma daquelas películas com a qual é impossível não nos identificarmos pelo menos em um momento de nossas vidas. É um filme de sobrevivência do cotidiano. Um filme sofrido, que nos faz chorar, mas também que nos faz rir. Essa co-produção Brasil/Uruguai foi escrita em conjunto por Karine Teles e Gustavo Pizzi, que se separaram durante a produção do filme e levaram a coisa de forma muito profissional até a película sair. O resultado saiu melhor que o esperado, sendo muito aclamado em Sundance.

Uma família apaixonante…

Mas, no que consiste o filme? Temos aqui as desventuras de uma família de classe média, talvez baixa, mas jamais alta. Eles vivem numa casa cheia de problemas, o marido, Klaus (interpretado por Otávio Muller), tem uma papelaria com uma máquina de Xerox, que dá mais prejuízo que dinheiro, a esposa, Irene, a nossa protagonista (interpretada por Karine Teles), vende comida e pequenas bugigangas como lençóis e essa família tem ainda quatro filhos: dois gêmeos pequenos, um jogador de handebol e um tocador de tuba. Como se não bastasse, Irene ainda tem uma irmã, Sônia (interpretada por Adriana Esteves), que sofreu uma surra do marido, Alan (interpretado pelo excelente ator César Troncoso, do cinema uruguaio, sendo essa uma excelente aquisição para o filme).

Karine Teles, simplesmente sensacional…

Todos levam uma vida bem difícil, ao estilo de se “matar um leão por dia”, e vamos nos identificando cada vez mais com os personagens no transcorrer do filme. Há, ainda, outro elemento que joga mais um drama na história. O filho mais velho, Fernando (interpretado por Konstantinos Sarris), é chamado para jogar handebol na Alemanha, o que dá um nó na cabeça de Irene, que não sabe lidar com a situação. Mesmo assim, nossa heroica protagonista consegue levar a vida adiante, chegando até a concluir o ensino médio, mesmo com todas as condições adversas que ela é obrigada a enfrentar.

Um goleiro que vai embora…

Essa película gera uma empatia entre o espectador e os personagens que cresce muito paulatinamente. A gente sempre tem uma despesa inesperada na casa quando algo quebra, a grana falta para arrumar as coisas, a família sempre nutre o sonho da casa própria e de um lugar melhor para se viver. E os obstáculos para se alcançar esses sonhos são, às vezes, intransponíveis. E a gente cansa, desanima, deita no chão e chora, para depois se reerguer e continuar vivendo. E o único amparo que temos é a nossa própria família e aqueles que nos circundam. Mas quando alguém desse círculo, desse time, vai embora, dá um aperto no coração. O filme conseguiu explorar toda essa gama de sentimentos de forma tão magistral que ele acabou sendo sucesso no Festival de Sundance por causa disso.

Adriana Esteves, uma irmã fragilizada…

A cultura anglo-saxônica, notória por sua frieza, que acha simplesmente a coisa mais normal do mundo um filho ir embora de casa para enfrentar a vida ou um idoso ir para um asilo para não incomodar mais a família (eu me lembro que tive um papo desses com um professor meu de faculdade enquanto eu pegava uma carona com ele e fazíamos o trajeto Niterói-Rio), ao se deparar com “Benzinho”, viu que podia expressar sentimentos tão reprimidos como Irene fazia. Houve casos de pais chorando pela saudade dos filhos e de filhos ligando para os pais sentindo fortes saudades, segundo o próprio relato do diretor Gustavo Pizzi. Tal choque de realidade latina em cima dos gringos foi arrebatador e transformou “Benzinho” num grande sucesso por lá.

Uma mãe que quer colocar o filho sempre debaixo de sua asa, não importa o tamanho que tenha…

Mas é óbvio também dizer aqui que esse foi um filme de excelentes atores. Karine Teles esteve simplesmente magnífica como a mãe e esposa que se desdobrava em mil para poder cuidar da família. Seu choro durante a parada onde seu filho tocava tuba, manifestando a saudade do filho que havia ido embora para a Europa é, sem a menor sombra de dúvida, o maior momento do filme e a coisa mais cativante que a gente viu no cinema brasileiro em anos.

Otávio Müller foi magistral…

Otávio Müller, que tem tido participações muito boas em comédias, arrebentou em seu papel dramático de Klaus, indo da esperança do sonho à tristeza da realidade de uma forma altamente eficaz, de jeito a fazer essa ducha de água fria doer dentro do peito da gente. É uma pena que Adriana Esteves, que também teve um ótimo papel e interpretação, tivesse concorrentes tão fortes dessa vez em Müller e Teles. E a presença de Troncoso, o Ricardo Darín uruguaio, só deu mais status a um filme que nos fisga no primeiro minuto de exibição.

Cesar Troncoso, uma ótima aquisição…

Assim, “Benzinho” é uma das grandes provas de que, quando o cinema brasileiro quer fazer bons filmes, ele os faz com muita maestria. Um filme que é um choque de realidade com o qual nos identificamos logo de cara na via crucis dos personagens que abraçamos e amamos, pois nos vemos lá na tela grande. Um filme que é um programa imperdível com o qual sempre vamos nos emocionar, e muito.