Batata Movies – Bergman, 100 Anos. Descrevendo Fielmente Uma Trajetória.

Cartaz do Filme

Um bom documentário passou em nossas telonas. “Bergman, 100 Anos” se propõe a fazer uma trajetória fiel do grande cineasta sueco Ingmar Bergman, que faria cem anos no dia 14 de julho deste ano. A diretora Jane Magnusson decidiu enfatizar o documentário em torno do ano de 1957, quando Bergman levou a cabo seis produções, sendo que, além dos filmes, ele também montou peças de teatro e fez uma produção para a TV, que acabava de chegar ao seu país natal. Esse ano foi marcante, pois Bergman começaria a falar de si mesmo em seus filmes, algo que ele ainda não tinha conseguido fazer. Foi aí que sua carreira alavancou e ele se transformou no Mito do Cinema Mundial que é até hoje, sendo o único a receber “A Palma das Palmas” em Cannes. É importante mencionar aqui que, se você quer saber mais sobre Bergman, você precisa conhecê-lo através de seus filmes, pois sua autobiografia (“Lanterna Mágica”) é, segundo o documentário, cheia de ideias fantasiosas.

Um dos maiores diretores da História do Cinema…

Para comprovar isso, foram exibidos no filme trechos de uma entrevista do irmão de Bergman, que tinha um relacionamento muito difícil com ele, e que foi proibida de ser exibida pelo cineasta na época em que foi realizada. Dá para perceber, pelo depoimento do irmão, como o relacionamento dos dois era tenso. Aliás, já se nota isso na própria autobiografia, onde Bergman fala até da vontade de matar o irmão. Pegando o gancho, o diretor era realmente uma pessoa de trato difícil. E o documentário não teve o menor receio em abordar essa questão. Para isso, foram usados muitos depoimentos de pessoas próximas a ele e imagens de making of de seus filmes, onde ele tratava as pessoas com muita rispidez.

Na locação de “Morangos Silvestres”

E o pessoal ficava quietinho, quietinho, pois ele virara uma espécie de instituição com todo o reconhecimento internacional e seus prêmios. No tocante à vida privada, a coisa foi também turbulenta: ele casou-se várias vezes (fruto de seu passado católico, segundo o irmão) e teve vários filhos, mas nunca se dedicou a qualquer família que montou, por se dedicar integral e compulsivamente ao seu ofício.

Conversando com a morte…

Obviamente, vários de seus filmes foram apresentados e discutidos. E aí tivemos os momentos mais deliciosos do documentário. Fala-se de “Sétimo Selo”, “Morangos Silvestres”, “Persona”, “Gritos e Sussurros”, “Sonata de Outono” (onde ele trabalhou com Ingrid Bergman), “Fanny e Alexander” (onde um dos personagens, um padre, era uma versão para as telonas de seu pai, também um padre), e muitos outros filmes. Mesmo que o diretor fosse uma pessoa geniosa, ainda assim alguns atores que trabalharam com ele diziam que ele gostava muito de profissionais que dessem sugestões para engrandecer o trabalho, numa prova de que o diálogo era possível.

Um homem difícil…

O documentário também se preocupou em dar voz ao próprio cineasta, e assim o filme é recheado de entrevistas do diretor, onde podemos vê-lo falar de seus filmes, de como ele avalia sua vida profissional e pessoal, etc. Dois momentos são marcantes: quando ele fala de sua paixão inicial com uma espécie de lanterna mágica que ele tinha na infância, cujos jogos de luz e sombras fizeram ele ter a certeza de que seria cineasta, e a forma afetiva como ele fez o que ele considera o mais lindo plano fechado de sua carreira em “Morangos Silvestres”. Ali, o duro cineasta sueco, a instituição intelectual de um país, amolece o seu coração e fala com muita ternura de momentos marcantes de sua vida.

Bergman e Bergman…

Assim, “Bergman, 100 Anos” é um documentário imperdível sobre o grande cineasta sueco Ingmar Bergman. Todo fã de cinema de carteirinha deve ver essa obra-prima e, principalmente, deve ter esse documentário assim que ele sair em DVD ou blu-ray. Pois essa obra é aquela do tipo que devemos sempre ter perto da gente para revisitá-la sempre que pudermos. Não deixem de assisti-la.

Batata Movies – Primavera Em Casablanca. Libelo Contra A Intolerância.

Cartaz do Filme

Uma co-produção França/Marrocos/Bélgica passou em nossas telonas. “Primavera em Casablanca” (“Razzia”), dirigido por Nabil Ayouch, é mais um daqueles filmes que abordam a questão do Oriente Médio e da intolerância. O terreno de atuação da película será a cidade de Casablanca, no Marrocos, onde veremos cinco histórias cujos personagens se encontram ao longo da narrativa. Vamos ver aqui o professor de ciências que não pode dar aula no idioma de seu povoado e sim em árabe, além de ficar sujeito às regras educacionais do Estado Teocrático, a mulher escultural que engravida e aborta o feto, pois tem um marido possessivo, o dono de restaurante judeu que é obrigado a conviver com os árabes, o rapaz que quer ser cantor e tem Freddie Mercury como ídolo e a menina de classe média alta que nutre um amor homossexual.

Uma mulher que desafia convenções…

Todas essas pessoas terão que conviver numa sociedade muçulmana que parece implodir com a crise econômica, em meio a muitas manifestações de estudantes que não conseguem se encaixar no mercado de trabalho. Ou seja, como se não bastasse a turbulência pela qual passam, esses protagonistas também vão ter que encarar a turbulência do próprio país, embora elas não pareçam ligar muito para isso, já que seus problemas pessoais são bem mais imperativos.

Um judeu (esquerda) e seu empregado de origem muçulmana…

As histórias não são contadas de forma estanque e elas acabam se mesclando no tempo e no espaço. A história do professor, por exemplo, se passa em 1982, e a da mulher que aborta, assim como as demais se passa em 2015. A narrativa acaba por intercalar essas histórias, se bem que a da mocinha de classe média aparece mais na segunda metade do filme, enquanto que as demais se intercalam ao longo de toda a película.

Um professor que tem que superar o radicalismo e ignorância…

É curioso perceber que, mesmo com histórias tão diferenciadas, o ritmo do filme consegue ser um tanto lento, pois se parece que, com esse ritmo, o diretor busca mergulhar toda a narrativa numa vibe mais reflexiva, onde se faz a crítica do conservadorismo do Estado Teocrático de forma bem presente. Esse também é um filme onde devemos prestar bastante atenção nos nomes dos personagens, pois um personagem mais secundário de uma história pode aparecer em outra num papel de um pouco mais de destaque.

Um amante do Queen…

O filme deixa outra mensagem: a de que a intolerância e a violência podem contaminar até as mentes mais livres e tolerantes. Isso fica muito marcante mais ao final do filme, mas os spoilers me impedem de entrar em mais detalhes.

Assim, “Primavera em Casablanca” é mais uma película que lida com a questão da intolerância e convida o leitor a uma boa reflexão. As cinco histórias, por seu caráter altamente diferenciado, dão exemplos bem desafiadores a um Estado Teocrático mais tradicional, o que torna o filme em si muito interessante e iconoclasta por natureza. Vale a pena assistir a essa película que também tem um certo quê poético, seja nas músicas do Queen, seja nas referências ao filme “Casablanca”.

Batata Movies – Uma Casa à Beira Mar. Resgatando Um Mundo Destruído Em Meio Ao Caos.

Cartaz do Filme

Uma interessante produção francesa passou em nossas telonas. “Uma Casa à Beira Mar”, de Robert Guédiguian, é um filme que mescla presente com passado, em mais um diálogo entre a tradição e a modernidade, onde, desta vez, a última dá os tons de vilã. É um filme também sobre relacionamentos familiares e como tempos de inocência podem ser convertidos em tempos de amargura, sendo que a única forma de se sanar isso é reunindo os entes queridos separados pelas circunstâncias para sentar e conversar sobre suas frustrações e dores.

Três irmãos numa missão dolorosa…

A história se passa numa pequena localidade próxima a Marselha que outrora fora um bonito balneário, mas hoje está mais decadente que nunca. Poucos e antigos moradores ainda resistem e, por isso mesmo também compartilham dessa decadência. Um deles, Maurice, sofre um derrame e fica paralisado, olhando para o infinito, mas ainda consciente. Seu filho, Armand (interpretado por Gérard Meylan) chama seus dois irmãos, Angèle (interpretada por Ariane Ascaride) e Joseph (interpretado por Jean- Pierre Darroussin) para conversar sobre a situação do pai e o que fazer numa possível morte do mesmo com relação ao espólio da família. Esses três irmãos então aproveitarão a situação para aparar as arestas do passado e resolver suas diferenças, já que o afastamento os impediu disso.

A irmã que volta muitos anos depois…

A gente muito se identifica com a situação do filme, pois em muitas famílias os irmãos se afastam quando começam a viver suas próprias vidas, não superando as rusgas do passado. Fica bem claro na película que ali não há vilões ou mocinhos. Todos são humanos e vítimas das circunstâncias. O ato de um culpar o outro ou apontar defeitos somente amplifica a dor em todos.

Tentando manter vivo o restaurante do pai…

E a única saída para isso é cada um escutar o lado do outro e tentar compreender a dor do próximo. Só esse pequeno detalhe já faz o filme ser uma grande obra, pois há muita gente por aí nessa situação. E a película faz isso de uma forma, digamos, civilizada, onde uma leve animosidade entre os irmãos paulatinamente vai se transformando numa situação de maior ternura e entendimento.

O professor amargurado…

Como foi dito acima, o filme retoma o já batido tema da tradição e da modernidade, tendo a última como vilã. A crueza dos tempos modernos é implacável com a pequena vila à beira mar, agarrada aos últimos bastiões de tradição. A ideia de Maurice em fazer um restaurante familiar, simples e barato vai de encontro às modernas brasseries, e não vai adiante. A crise econômica afunda ainda mais o lugar e as pessoas passam necessidades, às vezes tomando medidas extremas por não aguentar mais humilhações. E o filme aborda também outro sério problema nesses tempos mais modernos. Por estar próxima ao mar,.a vila sofre com o problema dos imigrantes que atravessam o Mar Mediterrâneo para tentar a sorte na Europa. E, por isso mesmo, os irmãos recebem a visita do exército francês, onde um oficial negro (e provavelmente, descendente de imigrantes) tem agora a função de capturá-los. Todos esses fatores nocivos da modernidade acabam unindo os irmãos e os reconciliando com o passado como direção.

Espaço para novos recomeços…

E os atores? Que primor! Pudemos ver algumas figurinhas carimbadas do cinema francês contemporâneo, como a competente Ariane Ascaride, fazendo uma atriz cujo passado trágico a oprimia, e o excelente Jean-Pierre Darroussin como o antigo ativista político que se compadece de tempos onde o estilo de vida capitalista moderno e burguês oprime todo o resto, tornando-o extremamente amargurado e sarcástico. Não podemos nos esquecer também do terceiro irmão, interpretado por Gérard Meylan, um verdadeiro guardião da tradição, totalmente identificado com o espaço onde vive, sendo o único que zela por sua manutenção. A construção desses personagens dá todo um toque especial à película.

… e para reconciliações…

Assim, “Uma Casa à Beira Mar” é mais um filme francês de qualidade que passou em nossas telonas. Uma película que aborda um tema muito caro a muitas pessoas (as complicadas relações familiares) e que também fala do antigo embate entre tradição e modernidade. Um filme que é muito digno de atenção.

Batata Movies – Ilha Dos Cachorros. Denunciando Maus Tratos.

Cartaz do Filme

Uma curiosa animação passou em nossas telonas. “Ilha dos Cachorros”, de Wes Anderson, tem a mensagem implícita da denúncia aos maus tratos com os bichinhos. Só que o filme faz isso de uma forma muito peculiar: usando uma animação ao estilo “stop-motion”, numa história um tanto violenta, original e carregada de algum preconceito. Façamos uma pequena análise do filme, sempre precisando dos spoilers para se aprofundar na reflexão.

Cães em situação degradante…

Vemos aqui uma trama que tem como cenário o Japão de um futuro não muito distante. O prefeito de uma cidade chamada Megasaki decide erradicar todos os cachorros (que já são malvistos no Japão desde os tempos antigos e em detrimento dos gatos), em virtude de uma suposta gripe canina. Todos eles irão para uma ilha de lixo, um aterro sanitário gigante. E o primeiro cachorro justamente a ser “deportado” para a tal ilha é o cão de guarda de Atari, um neto postiço do prefeito. Anos depois, Atari vai para a ilha à procura de seu cão de guarda, que ele mais vê como um animal de estimação, e lá encontra cinco cachorros que o ajudarão a achá-lo. O grande problema é que o prefeito, independente de seu neto correr perigo, elabora um plano para também exterminar todos os cachorros com um veneno à base de raiz forte (aquela pasta verde que a gente encontra nos restaurantes japoneses que arde que nem uma desgraça).

Um líder…

A primeira coisa que inquieta no filme é o fato do Japão ter sido escolhido como cenário de humanos que não gostam de cachorros. Como vemos pessoas fazendo maldades com os bichinhos caninos por todo o mundo, creio que seja injusto colocar toda a culpa disso nos japoneses. Assim, se o filme cumpre a nobre função de denunciar maus tratos a cachorros, por outro lado, usar o Japão somente como terreno para isso é um pouco injusto.

Um menino atrás de seu cachorrinho…

Outro detalhe que incomoda é a violência explícita do filme. Geralmente, quando vemos uma animação, a primeira ideia que vem às nossas cabeças é a de que esse filme é mais destinado a um público infantil, o que não parece ser o caso aqui, mesmo que as brigas se caracterizem por aquela estilização típica dos quadrinhos, onde vemos uma nuvenzinha com socos, pés e cabeças saindo delas. Entretanto, há uma situação em que um cachorro arranca a orelha de outro com uma dentada. E é degradante ver os animais andando em meio a lixões e substâncias tóxicas.

O amor…

O elenco ajuda. Temos vários medalhões fazendo as vozes dos personagens: Bryan Cranston, Frances Mcdormand, Bill Murray, Scarlett Johansson, Harvey Keitel, F. Murray Abrahan. Edward Norton, Jeff Goldblum, e até Yoko Ono. Embora sempre pareça um pouco artificial vozes em inglês nas animações (as versões dubladas em português são mais palatáveis e dinâmicas, enquanto que, nas versões em inglês, parece que os atores leem diante das imagens ao invés de interpretá-las), ainda assim vale a pena ver a versão original em inglês para saborear as vozes de tantos atores consagrados.

O diretor Wes Anderson

Dessa forma, “Ilha dos Cachorros” é uma experiência que o espectador não deve deixar de ter, pois vemos aqui um filme até certo ponto divertido e muito exótico, embora carregado de algum preconceito. Ah, e defende os cachorrinhos, denunciando abusos e maus tratos contra eles, o único laço com a vida real que o filme traz. Vale a pena dar uma conferida quando sair no DVD e Blu-Ray.

 

Batata Movies – Berenice Procura. Thriller de Enrustidos E Assumidos.

Cartaz do Filme

Um curioso filme brasileiro em nossas telonas. “Berenice Procura”  é uma experiência razoável de nosso cinema pelo gênero do suspense, lançando mão do ambiente do “submundo” de Copacabana, onde temos as casas de shows de transformistas. Um homicídio irá acontecer. E o mistério será desvelado aos poucos com resultados surpreendentes (ou talvez nem tanto) ao final. Vamos precisar usar alguns spoilers aqui.

Uma taxista com uma vida pessoal atribulada…

Temos aqui a história da tal Berenice (interpretada por uma jovial Claudia Abreu), uma motorista de táxi que circula pelas ruas de Copacabana. Ela tem um casamento turbulento com o jornalista Domingos (interpretado por Eduardo Moscovis) e tem um filho chamado Thiago (interpretado por Caio Manhente), que se envolve com a transformista Isabelle (interpretada por Valentina Sampaio). Um belo dia, Valentina aparece morta na praia. Enquanto o pai faz reportagens sensacionalistas na TV sobre o caso e o filho sofre intensamente com a perda de seu melhor amigo e amor, a mãe começa uma investigação por conta própria para descobrir o assassino, já que ela muito se compadece do sofrimento do filho.

Um marido rude…

Esse é um filme tem uma história instigante,fazendo um thriller bem adaptado à nossa realidade, contendo elementos como a homofobia, a exploração sexual dos transformistas, cuja “cafetina” é interpretada por Vera Holtz, e a mídia televisiva sensacionalista que transforma crimes em espetáculos, embora a investigação de Berenice não tenha ocupado a maior parte da exibição do filme. Ou seja, a trama de suspense foi pouco elaborada e de rápida solução, Entretanto, a história foi carregada de elementos que prendem a atenção do público e o roteiro consegue funcionar muito bem.

Um transformista que será assassinado…

O filme também presta um grande serviço ao denunciar a situação de preconceito que os homossexuais sofrem, assim como a situação de violência ao qual eles estão submetidos, lembrando que eles são pessoas com aspirações, desejos, qualidades, defeitos e angústias como qualquer uma. A questão da crise conjugal e de relacionamento no seio das famílias também é discutida, onde as pessoas vivem distanciadas e pouco se conhecem dentro da própria casa.

Uma cafetina odiosa…

Esse é também um filme de atores. Cláudia Abreu, a protagonista, consegue convencer muito bem como a taxista que trabalha no seu dia-a-dia, assim como a esposa que sofre no casamento e com o distanciamento de seu filho. Eduardo Moscovis teve um papel mais fácil, fazendo o antagonista cheio de defeitos e nenhuma virtude de uma forma bem eficiente, mas ele surpreende mais ao final (infelizmente, não posso entrar em detalhes). Vera Holtz também foi odiosa toda a vida como a cafetina da Casa de Transformistas, também pegando um papel relativamente fácil. Já Caio Manhente e Valentina Sampaio foram relativamente bem, embora não tenham tido tempo suficiente para mostrar mais do talento deles. Obviamente, o filme se sustentou mais nos atores conhecidos. Quem chamou a atenção foi Emílio Dantas, no papel de Russo, o irmão de Isabelle e que teve bons momentos com Vera Holtz, onde seus personagens tinham uma relação extremamente tensa. O ator demonstrou muita firmeza e carisma em sua atuação.

Um suspeito…

Assim, “Berenice Procura” é um interessante filme brasileiro que busca enveredar pelo suspense, mas recai também num dom drama psicológico. Esse é um filme que se pauta na atuação de atores consagrados. Um filme que serve como um bom entretenimento. Vale a pena dar uma conferida.

Batata Movies – 50 São Os Novos 30. Uma Gatona De Meia Idade.

Cartaz do Filme

Um filme francês passou em nossas telonas. “50 São Os Novos 30”, de Valérie Lemercier, é uma película que nada mais é do que uma comédia despretensiosa de amor na meia idade. Um filme que, pura e simplesmente, tem o objetivo de entretenimento e nada mais.

Marie-Francine: buscando reconstruir sua vida…

A história começa com a decepção de Marie-Francine (interpretada por Valérie Lemercier), uma cientista cinquentona especialista em células-tronco, ao saber que seu marido a trocou por uma instrutora de tênis bem mais nova. Marie sai de casa e fica morando em um quartinho até descobrir que será mandada embora de seu emprego, o que a obriga a viver na casa dos pais, que a tratam como uma criança. Como não consegue emprego, ela começa a trabalhar numa lojinha de cigarros eletrônicos, onde vai conhecer Miguel (interpretado por Patrick Timsit), um cozinheiro português que trabalha no restaurante ao lado. A simpatia cativante de Miguel irá conquistar Marie paulatinamente. Mas esse amor será marcado por muitos desencontros e confusões que alimentam essa comédia romântica.

Para isso, ela volta a viver com os pais…

Realmente, não há muito o que dizer sobre esse filme. Não que ele seja ruim. O filme presta bem ao que se propõe fazer, que é provocar algumas risadas na plateia. Mas não passa muito mais do que isso. Pode-se falar, ainda, das boas atuações de Valérie Lemercier e Patrick Timsit, o casal protagonista, que esbanjou simpatia e teve uma excelente química. O mais curioso é que Lemercier interpretou também a irmã gêmea de Marie-Francine, Marie-Noelle, que era bem mais elegante e geniosa, o que ajudou a arrancar mais algumas risadas.

Conhecendo um novo amor…

Já Timsit fez um português super bem humorado e de bem com a vida, sendo altamente cativante. Aproveitando o gancho lusitano do filme, a trilha sonora é bem exótica, com fados em português e francês (!) além de uma música latina bem quente, com direito a uma versão em francês de “No balancê”.

Um restaurante muito divertido…

Ou seja, a parte musical é que acaba sendo a coisa mais original de um filme que segue aquela receitinha de bolo básica das comédias românticas: um começo de relacionamento regado a piadas, uma série de desencontros e mal-entendidos que geram mais situações cômicas e tensas, e o desfecho com uma cara de happy end, onde se resolve todos os problemas que aparecem ao longo da película, embora, no caso desse filme, os possíveis mal-entendidos que poderiam abalar o relacionamento do casal até se resolvem muito rápido, dando pouco espaço para o desenvolvimento de mais intrigas e situações inusitadas. Ou seja, uma história simples e rápida, de fácil digestão, para ser consumida num piscar de olhos.

Valérie Lemercier e Patrick Timsit

Assim, “50 São Os Novos 30” é o tipo do filme que você vê apenas para distrair sua cabeça e nada mais. Um puro entretenimento para você passar uma tarde animada e ficar com a cabeça levinha, levinha. De vez em quando, até é bom.

Batata Movies – Ex-Pajé. Discutindo O Etnocídio Em Dias Atuais.

Cartaz do Filme

Um curioso documentário brasileiro. “Ex-Pajé”, de Luiz Bolognesi, aborda a questão do etnocídio (destruição de uma cultura) nos dias atuais. Um documentário que nos dá uma ideia do que deve ter acontecido com inúmeras nações indígenas que aqui viviam nos tempos da colonização. Um documentário que dá pano para manga para pensar.

Um ex-pajé de gravata…

Vemos aqui a trajetória do Pajé Perpera Suruí, que tinha uma posição de importância em sua tribo até o momento em que um pastor evangélico estrangeiro chega à sua aldeia para evangelizar os índios. Nesse momento, o Pajé passa a se questionar, já que suas práticas religiosas ficaram rotuladas como “coisa do demônio” pelos habitantes, ignorando a existência de Perpera.

Posição periférica na Igreja Evangélica…

Ele só volta a ser aceito em sua comunidade quando passa a frequentar os cultos evangélicos, tendo uma posição altamente periférica. O problema é que uma das mulheres da aldeia é picada por uma jararaca e é internada em estado grave no hospital, com poucas chances de sobreviver. Será nesse momento que o “ex-pajé” voltará a ter uma posição central novamente, pois os índios se voltam novamente para suas tradições no intuito de tentar salvar a mulher.

Recebendo uma tese sobre sua tribo…

Esse documentário é valiosíssimo, pois ele registra a cultura dessa tribo indígena em riqueza de detalhes. Em primeiro lugar, na maior parte do filme é falada a língua nativa da tribo e as dificuldades do próprio Perpera quando ele vai à cidade e precisa se expressar em português. Ainda, podemos ver Perpera ressaltando elementos da sua religião nativa, onde há espíritos das matas e dos rios que precisam ser evocados para lutar contra os inimigos da tribo. Para que isso aconteça, há várias práticas como, por exemplo, destruir um formigueiro, que simboliza um dos espíritos do mal, não comer a comida de branco e sim o que eles comiam antes da chegada do elemento colonizador, ou fazer uma espécie de trombeta com um grande pedaço de bambu para evocar os espíritos. Tudo isso aparece no documentário e é um registro audiovisual vivo de uma cultura que não sabemos se ainda existirá nos próximos anos, até em virtude do processo de aculturação e de evangelização, que já estão bem avançados. Só esse pequeno detalhe já espelha a importância desse filme.

Ensinando velhas práticas aos mais novos…

É muito curioso perceber como há uma mescla da cultura branca com a cultura indígena. Os índios usam a tecnologia de celulares para gravar os cânticos de seus rituais e o facebook para denunciar a exploração ilegal de madeira em sua região, não deixando de mencionar os assassinatos de índios promovidos pelos madeireiros. Ou seja, mais uma vez o caso da relação entre tradição e modernidade, aqui vista de forma positiva, ao contrário da evangelização, onde vemos o etnocídio acontecendo em estado puro em dias contemporâneos.

A equipe de filmagem…

Agora, fica aqui a pergunta: a mulher índia melhorou com todos os rituais promovidos por Perpera? Essa resposta eu deixo para o próprio leitor buscar, assistindo ao documentário.

Em Berlim, com o diretor Luiz Bolognesi (direita)…

Assim, “Ex-Pajé” é um documentário fundamental, pois registra a cultura de uma tribo indígena que pode estar em vias de extinção em virtude do processo de aculturação e etnocídio, além de cumprir sua função social de denúncia ao lembrar a todos nós que a destruição de culturas ainda é um problema muito atual. Esse documentário é daqueles para ver, ter e guardar.

Batata Movies – O Nó Do Diabo. Terror Histórico.

Cartaz do Filme

Um filme brasileiro muito curioso e experimental. “O Nó do Diabo” trabalha um gênero que não é muito visto em nosso cinema: o terror. E, ainda mais notável, o campo de atuação é um antigo engenho de açúcar. Ou seja, experimentou-se articular o gênero de terror com a História do Brasil. E o resultado? Podemos dizer que ficou muito bom.

Um pistoleiro atormentado…

São cinco histórias passadas em épocas diferentes (2018, 1987, 1921, 1871 e 1818), sempre no mesmo cenário da antiga fazenda. Na primeira história, o proprietário contrata um pistoleiro para evitar as inevitáveis invasões. Dada a grande quantidade de pessoas nas imediações e as várias pressões do fazendeiro, o pistoleiro pira na batatinha e se torna um serial killer.

Um casal numa casa de senhores macabros…

Na segunda história, um casal pede emprego na fazenda e acaba tendo uma experiência macabra com os proprietários, que ainda usam os instrumentos de ferro que aprisionavam os escravos para tripudiar de seus empregados, além de abortá-los e decapitá-los. A terceira história (a melhor, na minha opinião) se passa com duas irmãs que ainda são tratadas como escravas, sendo uma delas chicoteada em pleno ano de 1921 e a “mais comportada” dotada de poderes misteriosos que matavam todos os algozes. A quarta história (a mais fraca a meu ver) é a de um escravo que foge de sua fazenda para enterrar seu filho e se embrenha numa região inóspita onde ele procura também por um quilombo e tem uma série de alucinações.

Todo o autoritarismo colonial…

E a última história (que conta com a ilustre participação de Zezé Mota) fala de escravos que fugiram de um quilombo atacado por brancos e que se refugiam num cemitério de escravos. Lá, eles fazem cultos de magia negra que trazem os mortos de volta à vida para atacar os brancos (isso mesmo, caro leitor, escravos zumbis!!!).

Objeto sexual…

A primeira coisa que chama a atenção e que a gente não se toca disso num primeiro momento é como a temática altamente autoritária e desumana da escravidão pode servir de inspiração para boas histórias de terror. Tais temáticas se casam perfeitamente, não somente pela violência e os instrumentos de aprisionamento e tortura, mas também pela magia negra dos escravos que leva a situações para lá de macabras. Ainda, tivemos cinco histórias relativamente boas, umas melhores, outras nem tanto, mas onde todas prendiam muito a atenção do espectador.

Escravos fugidos em guerra….

Com relação aos atores, além do óbvio destaque de Zezé Mota, que rouba a cena nos poucos momentos em que aparece mais ao final da película, não podemos nos esquecer de falar de Fernando Teixeira, que fez o fazendeiro de todas as cinco histórias de forma muito odiosa, tornando-se o antagonista por excelência da película. Sua face densamente barbada e suas falas altamente enérgicas e racistas incrementavam em muito o tom de terror das tramas.

O ator Fernando Teixeira

Assim, “O Nó do Diabo” é uma tentativa bem sucedida de nosso cinema de mesclar o gênero de terror com a nossa realidade, usando parâmetros históricos da época da escravidão. Ao se trabalhar cinco histórias como variações sobre um mesmo tema, criou-se um tubo de ensaio rico em originalidade. Vale a pena curtir tal experiência.