Batata Movies – Custódia. Tensão à Toda Prova.

Cartaz do Filme

Mais um filme francês em nossas telonas. “Custódia”, escrito e dirigido por Xavier Legrand, é o que podemos chamar de filme tenso. Um filme que, novamente, pode ser entendido como um choque de realidade, mesmo com a carga de inusitado que vemos mais ao final. Um filme que mostra como as decisões de um sistema judiciário podem afetar definitivamente a vida das pessoas e que essas decisões, portanto, devem ser tomadas com muito cuidado.

Um casal decidindo o destino do filho com o uso da justiça…

O filme começa com uma audiência que vai decidir a custódia de um menor de idade, Julien (interpretado por Thomas Gioria), disputada entre a mãe, Mirian Besson (interpretada por Léa Drucker) e Antoine Besson (interpretado por Denis Menochét). De cara, a gente já nota que há algo de errado com o pai, pois Julien não quer ficar com ele. Os advogados de ambas as partes expõem as suas argumentações em favor de seus clientes e a juíza diz que irá tomar uma decisão futuramente, comunicando aos pais. E ficou acertado que Antoine terá direito a passar fins de semana alternados com o menino. Quando isso acontece, a relação dos dois é extremamente tensa, chegando até a um ponto de beligerância, pois o pai pressiona o menino a dizer como está a situação na sua casa, se a mãe tem um namorado, etc. Fica bem claro, nesse momento, que Antoine é uma pessoa de índole violenta, o que justifica o medo de Julien e as tentativas de Mirian de se afastar de Antoine, chegando a trocar de endereço. É claro que veremos uma típica escalada de violência, com Antoine fechando cada vez mais o cerco ao seu filho e a sua esposa. E o final disso não pode acabar bem. Mas, paremos aqui com os spoilers.

Clima de extrema tensão e ,medo…

Esse é o típico caso de filme que faz o cinema cumprir a sua função social de denúncia, pois casos como esses nós vemos aos montes por aí e, principalmente aqui no Brasil, eles costumam terminar em homicídios onde geralmente a mulher é a vítima. Mas o ponto que mais chama a atenção aqui é que a película faz uma espécie de crítica velada ao sistema judicial, pois fica bem claro que a decisão da justiça de dar a custódia de Julien ao pai em fins de semana alternados foi mais do que equivocada, até porque foi marcante o medo que o menino tinha do pai. Ficou parecendo implicitamente, pela decisão que a justiça tomou, que a mãe estava virando o filho contra o pai, quando o medo da mãe e do filho eram mais do que legítimos, numa prova de que a justiça tem que ser muito cautelosa ao tomar tais decisões.

Um pai pressionando o filho…

Quanto aos atores, o destaque deve ser todo dado a Denis Menochét, por interpretar um pai psicopata e odioso. Seu porte físico avantajado até ajudou a compor o personagem, mas seu talento é que faz a gente odiá-lo a toda prova, dando-lhe a característica de que podia ser uma bomba que explodiria a qualquer momento. Já o jovem Thomas Gioia foi exatamente o contraponto à rudeza de Menochét, interpretando um filho completamente subjugado nas mãos de um pai desequilibrado, sem ter muito o que fazer para sair daquela situação. Léa Drucker não participou tanto do filme como os outros dois protagonistas, mas também não comprometeu na hora que apareceu, convencendo como uma esposa totalmente amedrontada, que só teve coragem de encarar o marido furioso uma única vez, que foi na festa de aniversário da filha.

Uma criança atormentada…

Assim, se “Custódia” parece, num primeiro momento, inspirado numa história real particular, ainda assim pode-se dizer que o filme é inspirado em várias histórias reais por aí, denunciando tal situação. A grande virtude da película é alertar para a importância de não se errar numa decisão judicial, pois vidas de pessoas estão em jogo por causa disso, o que faz desse filme algo essencial para ser mostrado e visto pelo maior número possível de espectadores.

Batata Movies – Cachorros. Revolvendo Um Passado De Forma Bem Banal.

Cartaz do Filme…

Um interessante produção chilena passou em nossas telonas. “Cachorros”, filme escrito e dirigido por Marcela Said, mais uma vez visita o período sombrio da ditadura chilena de Augusto Pinochet. Só que, dessa vez, a coisa é feita de uma forma, digamos, estranha, como se todos esses crimes fossem relativizados, ou até se fizesse uma troça com tudo isso. Mas, será que foi isso mesmo?

Mariana, uma moça meio doidinha…

A película tem como protagonista Mariana (interpretada por Antonia Zelgers), uma mulher de espírito livre e que leva a vida meio que na flauta. Ela toma aulas de equitação com Juan (interpretado por Alfredo Castro), um ex-militar do exército que participou da repressão em tempos pretéritos e está em vias de ser julgado. Logo, logo, o passado de Juan virá à tona e algumas pessoas (dentre elas, o próprio marido de Mariana), não verão mais com bons olhos nossa protagonista continuar a ter aulas com uma pessoa com muitas mortes nas costas. Só que Mariana não dá muita bola para isso e continua seu relacionamento com Juan. À medida que o passado é revirado, Mariana descobre que seu próprio pai esteve envolvido com o exército na época. E assim, o filme vai se desenvolvendo, com Mariana tendo um comportamento um tanto quanto errático, ora parecendo se preocupar com o passado, ora não dando a mínima para tudo o que ocorreu e mantendo seu relacionamento com o ex-militar acusado.

Relacionamento com um homem de passado negro…

Alguns críticos argumentam que esse comportamento errático de Mariana é a grande atração de um filme que prima pelo não explicado e pelo excesso de pontas soltas, tendo uma natureza um tanto quanto fragmentada. O filme, por ter tal característica, teria recebido uma série de prêmios no exterior. Entretanto, me parece aqui que essa personagem é mais alienada do que qualquer outra coisa, fugindo do lugar comum de se condenar a ditadura e suas atrocidades em favor de primar pela liberdade de se relacionar com qualquer homem e não seguir ordens de ninguém (além do militar, ela também se aproxima do policial que investiga o caso, sendo rechaçada categoricamente por este). Tal mistura não me pareceu algo pertinente a se fazer, pois a moça pode, ao mesmo tempo, ser livre e rechaçar os crimes cometidos pela ditadura. Seu relacionamento com o militar, mesmo sabendo que ele teve participação em atrocidades do passado foi, no mínimo, muito esquisito. Mais esquisito ainda foi Juan reclamar que não foram somente as vítimas da ditadura que sofreram perdas. Não podemos nos esquecer que as perdas em ambos os lados foram única e exclusivamente consequência da ditadura, pois sem ela, o movimento guerrilheiro não existiria. Por outro lado, Mariana tem uma postura mais crítica com a participação do pai, o que somente aumenta a dose de inusitado e de contradição da personagem. Ou seja, Mariana não tem qualquer coerência em suas ações. Se isso é uma virtude a ponto do filme receber vários prêmios internacionais eu confesso que não sei. Mas que a coisa ficou muito confusa, ah isso ficou. Pelo menos, o destino dos cachorros parece que condena as atitudes de Mariana ao longo do filme. Mas se isso aconteceu ou não, eu deixo para o espectador.

Comportamento um tanto inconsequente…

Assim, “Cachorros” pode ser visto como um filme perturbador, pois sai do lugar comum da crítica às atrocidades da ditadura e parece relativizar o discurso da barbárie, algo que é totalmente impossível de se relativizar. Eu sugiro que o nobre leitor assista ao filme e tente quebrar a cabeça ao fazer a sua leitura.

Batata Movies – O Desmonte Do Monte. Radiografando Uma Demolição.

Cartaz do Filme

Um interessante documentário brasileiro passou em nossas telonas. “O Desmonte do Monte”, de Sinai Sganzerla, faz uma análise meticulosa sobre a vida do núcleo fundador da cidade do Rio de Janeiro, o Morro do Castelo, ao longo do tempo. É um documentário bem didático e explicativo, fartamente documentado, com uma trilha sonora, digamos, peculiar.

Morro do Castelo. O núcleo urbano de povoamento mais antigo da cidade do Rio de Janeiro…

A narrativa começa ainda com os indígenas e toda a querela entre portugueses e franceses pela disputa da Baía de Guanabara. Após a vitória lusa e o extermínio de praticamente todos os tamoios, aliados dos franceses (os portugueses receberam a ajuda dos temiminós), o primeiro e efetivo núcleo de povoamento se deu no chamado Morro do Castelo. Era prática em Portugal colocar as cidades à beira mar em cima de morros, pois isso facilitava a segurança em caso de ataques vindos do mar. Tanto Rio de Janeiro, quanto Lisboa e Salvador tinham essa configuração. Lá, foi erguida em 1567 a primeira Igreja da cidade, sob o controle dos padres jesuítas da Companhia de Jesus que, por ter uma posição altamente estratégica na colônia (a catequese de índios para suprir as perdas na Europa de fiéis que o catolicismo sofria para as religiões reformadas) acumularam muito poder, o que desagradou à Coroa Portuguesa, que promoveu a expulsão dos Padres Jesuítas do Brasil. Séculos depois, o fato de a cidade estar espremida entre o mar e as montanhas fez com que os terrenos ultravalorizassem, e o Morro do Castelo acabou sendo uma vítima da especulação imobiliária, sofrendo o processo de desmonte. É importante também dizer que o desmonte de morros seguia uma política higienista altamente autoritária onde os ambientes considerados imundos (e onde estava a população pobre, mestiça e negra) eram responsáveis pelas doenças; esse argumento foi usado também para expulsar as pessoas pobres do centro da então capital federal, com a campanha “O Rio Civiliza-se”, levada a cabo pelo Presidente Rodrigues Alves e pelo prefeito Pereira Passos, conhecido como “O Bota Abaixo”, pois ele demolia casas e cortiços na calada da noite, onde a população mais pobre vivia, para que as pessoas não pudessem recorrer na justiça. Foi dessa forma que o digníssimo prefeito, junto com o desmonte do Morro do Castelo, abriu espaço para a Avenida Central (atual Avenida Rio Branco), embora ele não tenha ficado livre das convulsões sociais, pois foi nesse momento que surgiu a Revolta da Vacina, onde suas demolições foram apenas um dos motivos que levaram a tal revolta.

E começa a destruição…

É curioso também perceber, como o documentário atesta, que o imaginário popular, em virtude do poder dos jesuítas, ficou muito embebido na questão de que havia subterrâneos abaixo da Igreja do Morro do Castelo e um tesouro escondido estaria por lá. Com o desmonte, galerias subterrâneas foram encontradas, mas somente instrumentos de tortura foram achados. Uma tentativa de se fazer uma pesquisa arqueológica dessas galerias foi barrada por uma simples questão de vaidade das autoridades da época.

O processo de expulsão dos moradores e o desmonte também foi muito bem ilustrado no documentário, que lançou mão de fotos, reportagens de jornal, documentos e até de depoimentos gravados de antigos moradores. Tal documentação farta dá muita credibilidade ao que é exposto no filme.

O passado pouco a pouco se esvai…

Uma coisa que incomoda um pouco é a trilha sonora. Optou-se por colocar uma música meio setentona na abertura do filme, algo que parecia não ter muito a ver. Em alguns momentos onde se queria fazer um clima mais tenso com as imagens antigas, pintou até alguns trechos da trilha sonora de “Vertigo”, de Hitchcock. Mais ao final, para espelhar um pouco o clima melancólico dos moradores ante ao desmonte, apareceu um sambinha, aí sim tendo algo um pouco mais a ver com aquela realidade mostrada na tela. É claro que sempre se terá alguns problemas com a manipulação das fontes e a narração, como, por exemplo, o já clássico uso das pranchas de Debret (feitas no século XIX) para ilustrar um processo escravista ainda nos séculos XVI e XVII, ou então o uso de imagens coloridas do Rio de Janeiro, um pouco mais recentes do que a época que era mencionada na narração (os anos 20 do século XX). Entretanto, o cinema não tem qualquer compromisso com a realidade (o próprio princípio de funcionamento do cinema, a imagem em movimento, nasceu de um show de ilusões em parques de diversões) e podemos dizer que a pesquisa histórica do documentário foi muito boa. Tais descontinuidades entre as fontes históricas exibidas e a narrativa acontecem a todo momento em vários filmes. E não será isso aqui que comprometerá a qualidade do documentário.

O morro praticamente arrasado…

Assim, “O Desmonte do Monte” é um bom documentário que faz uma excelente investigação da destruição do Morro do Castelo, sendo inclusive, um ótimo material para ser usado em aulas de escolas e até de Universidades. E um prato cheio para o cinéfilo que curte um bom filme e ainda gosta de História. Programa imperdível.

 

Batata Movies – Desobediência. Mais Uma Vez O Embate Entre Tradição E Modernidade.

Cartaz do Filme

Um curioso filme passou em nossas telonas. “Desobediência”, dirigido pelo chileno Sebastián Lelio, o mesmo do filme “Garota Fantástica”, premiado com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro esse ano, aborda um tema bem delicado, levantando polêmica novamente. Para que possamos entender toda a polêmica envolvida na película, vamos ter que lançar mão de alguns spoilers.

Voltando ao passado para velar o pai…

A história tem como protagonista Ronit (interpretada por Rachel Weisz), uma fotógrafa de origem judaica que, digamos, se desgarrou do rebanho. O problema é que o seu pai, o rabino da comunidade, morre, e a moça terá que retornar às suas origens. Lá, ela encontra Dovid (interpretado por Alessandro Nivola) e Esti (interpretada por Rachel McAdams), dois amigos de infância que ela descobre que acabaram se casando depois que ela foi embora. Ronit queria ter uma vida mais independente ao invés de manter a tradição de sua comunidade, que seria casar num matrimônio arranjado e ter muitos filhos. Já Esti rezou pela cartilha da tradição com Dovid, que inclusive foi cotado para substituir o rabino morto. O grande problema aqui é que Ronit e Esti tiveram um relacionamento homossexual no passado que agora volta com força total, abalando as estruturas e as tradições da comunidade judaica.

Três antigos amigos…

Esse é mais um filme que tem como tema principal o embate entre a tradição e a modernidade, desta vez vendo a primeira como algo opressor e retrógrado e a segunda como a vanguarda, a liberdade e a felicidade. Simples assim, de forma bem maniqueísta. Chama muito a atenção as tórridas cenas de sexo entre Weisz e McAdams, consideradas talvez um tanto ousadas para atores do cinema americano. Mas a ousadia meio que parou por aí.

Um casamento estável…

Esperava-se uma reação muito mais violenta da comunidade contra a paixão das personagens protagonistas. E o marido aceitou muito facilmente a situação. Creio que, se esses tópicos fossem mais trabalhados, teríamos um filme melhor. Do jeito que ficou, pareceu um drama um tanto sonolento de fácil resolução. E o filme tinha potencial para ser mais do que isso. Ou seja, escreveu-se uma história ousada o suficiente para se usar uma estrutura muito iconoclasta e, na hora de se usar tal estrutura em toda a sua plenitude, não se fez isso.

Relembrando as amizades do passado…

De qualquer forma, havia duas Rachel. A Weisz mostrou-se deslumbrante, apesar dos primeiros sinais da idade, e muito carismática, convencendo como a mulher moderna. Já McAdams posou bem como a perfeita casada, que transgride quando necessário para o desenvolvimento da história. Rolou uma química muito boa entre as duas.

As coisas vão ficar quentes…

Assim, podemos dizer que “Desobediência” foi um bom filme, embora tivesse potencial para ser melhor. Todo o terreno para o embate entre a tradição e a modernidade foi preparado, mas não se aproveitou totalmente tal terreno, o que foi uma pena, já que a temática prometia muito. Pelo menos, restou as cenas quentes entre Rachel Weisz e Rachel McAdams, que valem pelo filme, dada a intensidade da coisa.

Batata Movies – Hannah. Um Doloroso Choque De Realidade.

Cartaz do Filme

Um filme letárgico em nossas telonas. “Hannah” traz de volta a diva Charlotte Rampling num papel que lhe rendeu o prêmio de melhor atriz em Veneza no ano passado. Essa película, dirigida por Andrea Pallaoro, é arrebatadora no sentido de que transforma o cinema num violento choque de realidade. A sétima arte costuma ser ilusória e fantasiosa. Quando vemos a arte imitando a vida, surge uma sensação de certo desconforto, que é o que acontece aqui da forma mais intensa possível.

Charlotte Rampling em atuação magistral…

Vemos a história de um casal idoso que vai se separar, já que o marido irá para a cadeia. Não fica muito claro porque isso acontece. A esposa, Hannah (interpretada por Rampling), passa então a ter uma rotina altamente opressora marcada por muita solidão. Mesmo tendo uma vida muito ativa, a distinta senhora não consegue se livrar do impacto emocional que tal rotina e tal solidão impõem a ela. E aí, o filme é todo um rosário de movimentos e atos de Hannah que em nada diminuem seu sofrimento. Para piorar a situação, seu filho não quer saber dela, e o marido não quer saber do filho, ficando implícito que o pai está na cadeia por denúncia do próprio filho, sendo que essa história nunca fica bem contada para o espectador.

É um filme totalmente sem esperança. E muito maçante, pois acompanhamos o cotidiano de Hannah, onde pouca coisa de interessante acontece. Como ela está sozinha em grande parte do tempo, o filme passa por vários momentos de uma total ausência de diálogo, onde vemos Rampling fazendo toda uma sucessão de movimentos banais como trocar de roupa (há cenas de nudismo com ela) ou chamar o encanador para consertar um vazamento que vem do apartamento de cima. Nos poucos momentos em que ela tenta quebrar com a rotina, a senhora dá com os burros n’água como, por exemplo, quando ela prepara um bolo de aniversário para o neto, sendo escorraçada pelo próprio filho, o que lhe rende uma posterior explosão de choro. No mais, resta a melancolia do dia a dia e uma certa angústia que vai nos pregar uma peça no desfecho. Mais um choque de realidade no espectador, que sai da sala totalmente perplexo e desalentado com o que viu.

Uma rotina cheia de banalidades e melancolias…

Com relação ao prêmio dado a Rampling pela interpretação desse papel, temos que dizer que foi merecido, pois ela consegue tirar leite de pedra ao tratar de forma bem dramática o sofrimento da personagem tendo como campo de atuação um rosário de situações muito banais. Fora o paroxismo da explosão de choro, Rampling sempre levava consigo uma expressão serena, com um leve toque de angústia, o que fazia a gente sentir que algo ia errado atrás daquele semblante desgastado pelas mágoas que sofria. É o tipo do filme que se sustenta totalmente na atuação de sua protagonista, atuação essa muito difícil, pois a atriz quase não falava e tinha que demonstrar seu leve desespero na medida certa. Confesso que nem me preocupei muito com a sinopse ao ver o nome da diva nos créditos.

Um marido que irá para a prisão…

Assim, “Hannah” pode ser considerado um filme um tanto mediano com a interpretação de uma grande atriz. A opressão das situações banais aliada a solidão da personagem principal dão o tom da película que, por sua vez, dá pouco espaço para a atriz mostrar seu talento em toda a sua plenitude. Mesmo assim, Rampling deu conta do recado, o que lhe rendeu o prêmio em Veneza, o que confirma, mais uma vez, o seu grande talento. Se você gosta de Charlotte Rampling, vá ao cinema, esqueça do filme e foque na atuação da grande atriz. É o que vale aqui.

https://www.youtube.com/watch?v=JfaGcLTqakI

 

Batata Movies – Auto De Resistência. Uma Verdadeira Tragédia Social.

Cartaz do Filme

Um documentário brasileiro extremamente polêmico em nossas telonas. “Auto de Resistência”, de Natasha Neri e Lula Carvalho, fala das ações da Polícia Militar em comunidades e periferias do Rio de Janeiro, onde são analisados os casos conhecidos como “autos de resistência”, ou seja, a legítima defesa dos policiais contra supostos ataques de traficantes.

Enterros. Perda de entes queridos…

O filme levanta a questão de se esses casos são realmente legítima defesa ou são práticas de extermínio da população mais pobre e desfavorecida, constituindo-se numa verdadeira tragédia social. Muitas vezes, quando aparece na TV os casos de pessoas sendo mortas pela polícia em comunidades, cai-se no lugar comum de que foi bandido e traficante que morreu e que tinha mais é que morrer mesmo. Mas, até onde isso é verdade ou um estereótipo totalmente preconceituoso? E mais: mesmo que a pessoa seja realmente traficante ou bandido, ela tem o direito de ser executada de forma tão bárbara? A polícia não pode ser treinada para atirar sem matar?

Triste rotina de sepultamentos…

Como um exemplo, tivemos uma chacina onde um carro com cinco pessoas foi alvejado 111 vezes pela polícia. Todos esses tiros eram realmente necessários? Num outro caso, dois adolescentes foram alvejados pelo simples fato de estarem correndo de noite na rua. E foi provado, pelas imagens de celular dos próprios adolescentes, de que eles não faziam nada de errado. Quer dizer que, correr na rua de noite já é motivo para você ser executado por vários tiros de fuzil, como registrado na câmara instalada no carro dos policiais? Não poderia haver outro tipo de abordagem que não colocasse em risco a vida de ninguém, sejam policiais, sejam moradores da comunidade? São essas as questões que se colocam ao longo do documentário.

Luta dos parentes na rua…

O filme mostra as audiências onde testemunhas das ações policiais depõem, assim como os próprios policiais. Tais audiências são importantes para se ver se o caso será levado ou não a julgamento. Infelizmente, pouquíssimos casos chegam a esse estágio e condenações são praticamente uma exceção, como se houvesse uma legitimação de tal matança.

… e nos tribunais…

Enquanto isso, os parentes das pessoas mortas continuam se mobilizando para exigir mais justiça. Pode-se ver, inclusive, a presença de Marielle Franco entre as mães dos mortos nas manifestações, a vereadora que seria assassinada anos depois provavelmente em virtude das denúncias que ela fazia sobre ações policiais em Acari (o documentário se passa no ano de 2015). Aliás, as próprias mães de Acari até hoje não têm resposta por parte do Estado, das mortes de seus entes queridos, numa comprovação de que tais práticas são mais antigas do que se imagina, provocando nos parentes uma dor que não se aplaca e afetando profundamente suas vidas, a ponto de chegarmos a ter mortes por depressão.

Julgamentos tensos…

Assim, “Auto de Resistência” é mais um documentário onde o cinema cumpre a sua função social de denúncia. Um documentário corajoso, que não tem medo de levantar tais questões, ainda mais numa sociedade extremamente autoritária na qual temos vivido.

Presença de Marielle Franco nas manifestações…

Um filme essencial para repensarmos como levamos de forma totalmente partida a população dessa cidade, constituindo-se em dois mundos que pouco se conhecem, se estranham e se tratam com muita violência. E, enquanto isso acontecer, não há qualquer perspectiva de melhora para o Rio de Janeiro.

Batata Movies – Nos Vemos No Paraíso. Guerra, Morte, Mutretas e Um Toque Lúdico.

Cartaz do Filme

Uma curiosa produção franco-canadense está em nossas telonas. “Nos Vemos no Paraíso” consegue misturar uma gama de gêneros: filme de guerra, uma leve comédia, um drama psicológico, um toque terno de lúdico. O resultado é um ótimo filme que consegue prender a atenção do espectador do início ao fim. Vamos analisá-lo aqui, lembrando sempre que precisamos lançar mão de alguns spoilers.

Um soldado e um tenente…

A película começa no dia do armistício da Primeira Guerra Mundial. Os soldados franceses nas trincheiras, assim como os alemães, só esperam pela confirmação do fim das hostilidades. Mas o temível tenente Pradelle (interpretado por Laurent Lafitte), sedento por sangue, manda dois soldados numa missão de reconhecimento em pleno dia e ainda os mata pelas costas para parecer que foram os alemães que os alvejaram, o que detonou uma batalha sangrenta. Tudo isso foi visto pelo soldado Albert Maillard (interpretado por Albert Dupontel), que quase é morto por Pradelle, não fosse o fato de que ele caiu num buraco provocado por uma explosão de bomba e acabou soterrado.

Um homem desfigurado…

Mas Maillard foi salvo por Edouard Péricourt (interpretado por Nahuel Pérez Biscayart, do ótimo “120 Batimentos por Minuto”, já resenhado aqui). Péricourt, entretanto, é atingindo por uma bomba que lhe dilacera o rosto abaixo do nariz. Maillard leva o companheiro ferido para o hospital e depois troca sua identidade com a de um soldado morto, pois Péricourt não quer mais voltar à casa do pai, um empresário muito ganancioso, Marcel Péricourt (interpretado pelo ótimo Niels Arestrup). Os dois amigos passam a viver juntos depois da guerra e Maillard acaba conhecendo os familiares de Péricourt, descobrindo que Pradelle é marido da irmã de Edouard e que ele ganhava dinheiro com negócios escusos relacionados a cemitérios de soldados mortos na guerra (daí sua sede de sangue no front). A coisa vai se complicar quando Marcel vai começar um concurso para fazer um monumento aos soldados mortos na Guerra e Edouard irá participar mandando seus desenhos, com apenas o intuito de ganhar dinheiro e não fazer monumento nenhum.

Máscaras para cobrir o rosto dilacerado…

Como foi dito acima, o filme consegue satisfazer os mais variados gostos. As cenas da Primeira Guerra Mundial são de um potente realismo, algo admirável, já que vemos mais filmes sobre a Segunda Guerra Mundial do que a Primeira. Destaque para um travelling acompanhando um cachorro correndo por uma trincheira francesa cheia de soldados, o que ficou muito bom. O drama de Edouard e seu rosto deformado também merece destaque, pois concilia um forte drama psicológico com algo bastante lúdico. É que Edouard adorava desenhar, logo se antagonizando com o pai, que pensava somente em dinheiro e não suportava a cabeça de artista do filho. A ida à Guerra, por parte de Edouard, foi para libertá-lo desse mundo imposto pelo pai. E agora, ele não tinha mais uma face inteira para mostrar. O jovem, então, começará a confeccionar máscaras que serão verdadeiras obras de arte modernas, antenadas com os movimentos artísticos do período do filme, inclusive a arte abstrata.

Um empresário inescrupuloso e um vilão…

E são deliciosos os momentos em que ele brinca com suas máscaras na companhia da órfã Louise (interpretada pela fofíssima Héloïse Balster, uma ótima aquisição ao filme), sendo o ponto lúdico da coisa. Nahuel Pérez Biscayart, na pele de Edouard, teve uma interpretação ímpar, até porque a deformidade de seu personagem o obrigava a atuar dando gemidos graves por debaixo da máscara, obstáculos que já desfavorecem a interpretação, mas o ator conseguia dar muita vivacidade ao personagem mesmo assim. Laurent Lafitte, na pele do vilão Pradelle, consegue convencer sem ser caricato, embora faça um antagonista relativamente banal. Niels Arestup mostra novamente seu grande talento na pele de um empresário inescrupuloso que só pensa em dinheiro. Para quem consegue ir de um oficial nazista clássico até um vovô bonzinho de fazenda do interior, ele tirou de letra a sua interpretação nesse filme.

Um estilo bem moderno…

Assim, “Nos Vemos no Paraíso” é uma excelente co-produção franco-canadense que traz uma bela história onde vários gêneros são mesclados com maestria e prendem a atenção do espectador por durante toda a exibição. É um filme de guerra, e um lúdico filme de máscaras, onde a alma de um artista supera um trauma e uma deformidade. Vale muito a pena dar uma conferida nessa ótima película.

Batata News (Especial Nouvelle Vague Soviética) – Palestra O Cinema Moderno Soviético. Radiografando a Nouvelle Vague Soviética.

Hernani Heffner

Na Mostra “Nouvelle Vague Soviética”, realizada na Caixa Cultural do Rio de Janeiro, em fins de maio e início de junho, a coisa não ficou restrita a apenas a exibição dos filmes da era pós-Stalin. Houve, também, ciclos de palestras, cursos e debates. Tivemos, por exemplo, a palestra “O Cinema Moderno Soviético”, ministrada por Hernani Heffner (chefe de preservação da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro) e Luiz Carlos Oliveira Jr. (ex-editor da Revista Contracampo e autor do livro “A mise-en-scène no cinema”). Essa palestra muito ajudou o público a identificar elementos dos filmes exibidos em consonância com o período histórico em que foram produzidos. Nas falas dos pesquisadores, tivemos a oportunidade de conhecer informações muito preciosas. Em primeiro lugar, após a morte de Stalin, o novo Secretário Geral do Partido Comunista, Nikita Kruschev, denuncia os crimes e arbitrariedades de seu antecessor e seu governo é denominado “Era do Degelo”, onde há uma espécie de distensão entre o Estado Soviético e sua classe artística. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a produção de filmes soviéticos havia caído muito. Também pudera, o povo russo foi o que mais sofrera nas duas guerras mundiais e a recuperação do cinema no pós-guerra foi muito lenta. Com Kruschev, a produção de cinema recebeu um estímulo e chegou a se produzir uma média de cem filmes por ano. Em trinta anos, produziu-se cerca de quatro mil filmes, muitos deles ainda inéditos no Brasil. Em 1985, a União Soviética atingiu a histórica marca de 4,5 bilhões de ingressos vendidos, numa prova de que a exibição se expandiu e se manteve. Mas, na década de 80, o governo Brejnev voltou a lançar mão da censura com carga total. De qualquer forma, a alta frequência de público manteve uma indústria cinematográfica altamente diversificada. Dentre os filmes que foram produzidos, tivemos, por exemplo, adaptações de autores clássicos da literatura, como Tolstoi e Dostoievsky, além de um estilo que ficou conhecido como “faroeste vermelho”.

Por incrível que possa parecer, alguns desses filmes soviéticos chegaram por aqui, através de uma distribuidora chamada Tabajara Filmes (!) e foram exibidos em circuito comercial, caso de “Quando Voam as Cegonhas”. Com a ditadura militar, a Tabajara Filmes foi fechada e esses filmes foram parar no acervo da cinemateca do Museu de Arte Moderna (MAM). Por iniciativa de Cosme Alves Netto, do MAM, houve uma parceria com o consulado russo e, de 1965 a 1991, muitos filmes soviéticos foram para o acervo do Museu. O mais interessante é que a exibição de filmes soviéticos no circuito comercial brasileiro permaneceu mesmo com a ditadura militar.

E o que mais podemos dizer dessa produção soviética pós-stalinista? Vemos aqui novas práticas nesse cinema mais antenadas com as práticas que aconteciam no resto do mundo. Em 1959, filmes estrangeiros começam a chegar a União Soviética, e a Escola Superior de Cinema Soviético chegou a ter filmes estrangeiros em seu interior sendo assistidos e debatidos, embora essa não fosse uma prática corriqueira. Curioso é notar que os tempos turbulentos da Guerra Fria não influenciaram a produção russa. Os filmes tinham uma preocupação muito maior com o sujeito, com questões mais amplas como o que é a vida, onde personagens jovens se desvencilham do fardo do stalinismo e da guerra, se importando com questões mais subjetivas e com uma vida comunal mais solidária, que talvez se aproximasse de uma ideia matriz mais utópica da revolução, embora tenha ficado muito claro na palestra de que essa ideia de comunidade não seguia nenhuma ideologia de Estado. Foi também assinalado que tal estilo de se contar histórias não se arrefeceu nem com a ditadura de Brejnev e artifícios para se driblar a censura foram utilizados. O eu se confrontava com o Estado e não cedeu perante a repressão. Ainda, devemos nos lembrar de que o orçamento era limitado, ao contrário dos filmes hollywoodianos, e muita imaginação foi usada para se contar histórias. É notável perceber que os filmes resistem ao tempo e permanecem atuais. E uma película como “Vá e Veja” resistiu abertamente à censura de Brejnev, começando a ser realizada em meados de 1976 e sendo apenas concluída na década de 80, mesmo com todas as dificuldades impostas pelo regime.

Ainda foi assinalado na palestra que tais filmes mostravam uma espécie de displicência na montagem, afrouxando a sintaxe e dando pouca importância à linguagem cinematográfica. Se o cinema soviético em sua fase inicial ficou muito marcado pela inovação na montagem, onde Sergei Eisenstein foi um de seus grandes nomes, o cinema soviético pós-Stalin, por sua vez, mostra filmes com planos longos e até planos sequência, com poucos cortes. Isso se afasta um pouco do cinema moderno feito no ocidente, cuja montagem é mais fragmentada, tornando os filmes mais dinâmicos e despojados. No caso do bloco socialista, os filmes mais se aproximavam do cinema moderno ocidental estavam no cinema tcheco e polonês.

Fazendo uma análise do que foi dito na palestra e do que foi visto em doze dos vinte e um filmes da mostra, posso dizer que o ponto mais polêmico acima foi a fala que se refere a questão do eu e da vida comunitária totalmente descolada de qualquer ideologia de Estado. É verdade que vários filmes foram colocados dentro dessas premissas. Mas creio que um pouco da ideologia socialista entra no discurso de algumas películas. Em alguns filmes da Segunda Guerra Mundial como “Vá e Veja” a gente até vê uma crítica velada ao autoritarismo soviético numa convocação forçada do protagonista pelos partisans, mas depois de todo um rosário de atrocidades nazistas, vemos o nazista capturado proferindo um discurso de ódio psicótico contra os socialistas, sendo devidamente fuzilado. No caso de “A Comissária”, a protagonista abandona a vida comunitária e seu filho para voltar a se engajar na guerra civil. Em “O Primeiro Professor”, o aldeão abandona muito rapidamente a sua tradição para ajudar o professor a derrubar a árvore para fazer uma nova escola e ensinar a pedagogia do partido. E em “Soy Cuba”, o soviético vê no cubano um paradigma de seu passado de luta contra as injustiças do modelo capitalista. Ou seja, o cinema subjetivo, comunal, destacado da ideologia do Estado aparece mais quando se aborda a vida soviética mais contemporânea, ao passo que em filmes que abordam contextos de guerra ou veem outras culturas diferentes, uma ideologia mais socialista pode se fazer presente em algumas ocasiões. Pelo menos essa é a impressão que temos de apenas doze filmes de uma mostra de vinte e uma películas, lembrando que esse é um mapeamento muito pequeno se compararmos com a produção total do período, que é de cerca de quatro mil filmes, com muitos deles nem tendo chegado por aqui.

De qualquer forma, as informações dadas na palestra sobre a filmografia do período abordado foram de grande utilidade para entendermos um pouco melhor o que aconteceu nos filmes dessa época muito prolífica da cinematografia soviética.

Luiz Carlos Oliveira Jr.