Ainda dentro das análises dos filmes da Mostra “Nouvelle Vague Soviética”, ocorrida na Caixa Cultural do Rio de Janeiro, falemos hoje de “Bem Vindo ou Entrada Proibida”, de Elem Klimov (o mesmo diretor de “Vá e Veja”), realizada em 1964 e com duração de apenas 75 minutos. Temos aqui uma comédia bem levinha sobre crianças que estão numa espécie de colônia de férias, onde elas são submetidas a uma rotina cansativa e cheia de tarefas e disciplina, comandada pelo diretor da colônia, Dynin (interpretado pelo excelente Evigeniy Evstignev).
Um dos meninos, Kostya (interpretado por Viktor Kosykh) é expulso da colônia de férias depois que ousa nadar para uma ilha num rio. Mas o menino não pode retornar para a casa da avó, com medo de desapontá-la. E volta para a colônia de férias, se escondendo no interior de um palanque, numa espécie de “Curtindo a Vida Adoidado” às avessas, onde o menino, ao invés de querer fugir da colônia de férias, faz de tudo para permanecer em seu interior.
No mais, a história é cheia de lances engraçados, onde uma comédia com crianças e adultos abobalhados dá o tom. E quem disse que o cinema soviético não faz filmes de entretenimento leve e descartável? Tal filme é aquilo que denominamos “filme de Sessão da Tarde” bem típico, com direito a muitas crianças fazendo todo o tipo de gracinha e até alusões às comédias de cinema mudo.
Assim, “Bem Vindo ou Entrada Proibida” é uma prova viva de como o cinema soviético se diversificou nessa “Nouvelle Vague” pós-Stalin. Se a gente tem uma infinidade de filmes que abordam a questão da vida, do indivíduo e da vida comunitária solidária, podemos ter também uma comédia inteiramente despretensiosa, ao estilo dos filmes de Sessão da Tarde, isso num país que nosso senso comum insiste em dizer que é altamente sisudo e fechado. Nessa película ocorre exatamente o oposto: adultos fazendo papéis cômicos que beiram o ridículo são cercados por crianças que tomam o rumo da ação e da narrativa, gerando uma história agradável, bobinha e de fácil digestão. E você pode ver o filme na íntegra. Clique no vídeo abaixo, depois clique em assistir no Youtube. Lá no Youtube, clique na engrenagem no canto inferior direito, depois em legendas, depois em traduzir automaticamente e selecione o idioma português.
Dando sequência a análise dos filmes da Mostra “Nouvelle Vague Soviética”, realizada na Caixa Cultural do Rio de Janeiro, falemos hoje do curioso “É Difícil Ser Um Deus”, realizado em 2013 por Aleksey German e que tem a duração de 177 minutos. Pode-se dizer que esse é um dos filmes mais loucos da Mostra e um dos de mais difícil realização.
A sinopse da história é bem simples. Há um planeta chamado Arkanar, cuja civilização ainda se encontra no período medieval. Trinta cientistas da Terra são enviados ao planeta para desenvolver a civilização de lá. Entretanto, a tarefa não vai ser simples, pois não se pode lançar mão do expediente da violência. O líder da missão, Don Rumata (interpretado por Leonid Yarmolnik) tenta salva intelectuais locais de punições e assume uma postura um tanto quanto divina, mesmo não podendo interferir profundamente naquela sociedade. Levanta-se a questão de o que um Deus pode fazer. Pouco a pouco, Rumata vai tomando posturas autoritárias que aniquilam aquela sociedade.
É um filme um pouco difícil para o público acompanhar. O diretor Aleksey German optou por uma proposta altamente non sense e surrealista, por durante as quase três horas de filme, onde somente uma narração esporádica nos dava algum norte para acompanhar a história. Não é à toa que várias pessoas do público abandonaram a sala de projeção durante a exibição. O surreal era tão forte que tornou a película demasiado hermética. Isso realmente atrapalhou. Não que o surreal não devesse ser usado, ele é muito bem vindo, aliás. Entretanto, um pouco de estrutura narrativa mais tradicional ajudaria na compreensão do filme. De qualquer forma, o filme também tem suas virtudes. A mais interessante delas era a construção de vários planos longos, estrategicamente emendados para se dar a impressão de planos sequências. Víamos cenários totalmente caóticos, cheios de lama, sucata, interpretações de atores completamente surreais, mas dava para perceber como cada movimento, cada diálogo, cada posição de ator foi meticulosamente calculado e planejado da forma mais racional possível. Nós ficamos com a sensação de como tudo aquilo que vemos na tela deve ter sido de uma realização extremamente elaborada e complexa. Ou seja, é o surreal sendo arquitetado previamente de forma extremamente racional, por mais paradoxal que isso possa parecer.
Outra coisa que fica muito clara é a crítica aos dias do regime soviético, materializada na figura de Rumata. O cientista que tinha a missão de levar progresso e estabilidade para o planeta atrasado, acaba cometendo as maiores violências e atrocidades, típicas dos regimes autoritários. O homem corta orelhas, massacra estudantes, comete as maiores arbitrariedades, e faz tudo isso com a chancela de que é uma figura meio divina, como se ele justificasse seus atos com esse argumento. Mas em poucos momentos de lucidez, ele implora a Deus que o detenha, veja só. Assim, Rumata pode ser visto como o protótipo do estado autoritário que tanto assolou a Rússia em tempos passados.
No mais, o filme assume uma postura um tanto agressiva com o público, trazendo imagens muito desagradáveis que beiram a escatologia: torturas, maus tratos a animais, corpos em decomposição, falas e atitudes de baixo calão. Fica bem clara aqui a intenção de agredir o espectador, para realçar como o autoritarismo pode levar a situações repugnantes.
Assim, “É Difícil Ser Um Deus” é mais um interessante filme da Mostra “Nouvelle Vague Soviética”. Mesmo sendo hermética e demasiado surreal, a película é muito interessante do ponto de vista técnico por ter sido de difícil realização. Além disso, é um filme que denuncia de forma agressiva as mazelas de um regime autoritário, já cumprindo sua função social de denúncia. Agora tenha a oportunidade de assistir abaixo ao filme na íntegra, com legendas em português.
Em mais uma análise de um filme da mostra “Nouvelle Vague Soviética”, realizada na Caixa Cultural do Rio de Janeiro, vamos falar hoje do bom “Soy Cuba”, de Mikhail Kalatozov, produzido em 1964 e com duração de cerca de 140 minutos. Podemos dizer que esse é um filme onde uma nação (a União Soviética) se identifica com o pequeno país caribenho na sua luta contra as injustiças, tal como aconteceu na Revolução Russa de décadas antes.
Temos aqui quatro histórias que buscam compreender como foi o processo de transição do poder, com a derrubada de Fulgêncio Batista, o ditador patrocinado pelos Estados Unidos, e a ascensão ao poder da Revolução Cubana propriamente dita, que implanta o socialismo na ilha. A primeira história mostra como uma moça precisa se prostituir para ganhar a vida, tendo como clientes turistas americanos que a tratam como um objeto.
A segunda história fala de um pequeno agricultor que, depois de trabalhar duro durante a vida toda e nunca se livrando das dívidas, perde tudo que tem para um grande fazendeiro, levando-o a um ato desesperado. A terceira história está mais ligada às manifestações de rua contra a ditadura de Batista e a violenta repressão policial, que acabou unindo ainda mais o povo. E a quarta história nos remete à Sierra Maestra, onde um pequeno agricultor entra para o movimento revolucionário, depois de ter seu casebre bombardeado por um ataque aéreo do governo.
Em todas as quatro histórias fica bem clara a temática da injustiça do governo de Batista, onde a luta do povo contra tal ditadura vai crescendo paulatinamente ao longo das quatro histórias. Na primeira história, a resistência limita-se apenas à atitude da moça negra, que ao dançar no bar com músicas americanas, volta-se para si e imagina as músicas africanas em sua mente. Na segunda história, a resistência já é maior, pois o camponês bota fogo em seu próprio canavial.
Na terceira história, já temos protestos de rua bem organizados, que encaram de peito aberto a violência policial. E, na quarta história, a luta armada da Revolução está em curso, essa sim, a reação popular mais eficaz e que toma o governo, com o desfile triunfal do povo com a bandeira nacional ao final.
O filme também é impecável do ponto de vista técnico, com planos-sequência onde temos longas tomadas aéreas, com direito a muitas gruas, onde a câmara entra e sai dos prédios fazendo belas imagens do alto de um cortejo fúnebre, com direito ao povo jogando flores das janelas sobre a multidão que acompanha o caixão acompanhado de uma grande bandeira cubana. Uma imagem muito linda de se ver e, provavelmente de muito difícil elaboração.
Assim, “Sou Cuba”, é um filme onde um país, a União Soviética, reconhece seu passado de lutas no presente de outro país distante, ou seja, Cuba. Se os filmes soviéticos da era pós-Stalin não se envolvem profundamente com o discurso socialista, ao se analisar Cuba, as lutas pelo socialismo se legitimam na questão da luta contra as injustiças e agruras do capitalismo. As quatro histórias narradas ao longo do filme, mostram um crescente de reação popular contra a ditadura de Batista, culminando com o desfecho que exalta o triunfo da Revolução Cubana. Mais um curioso filme da Mostra “Nouvelle Vague Soviética” na Caixa Cultural do Rio de Janeiro.
Fique agora com o impressionante plano sequência do funeral do manifestante. Lembrando sempre que a Mosfilm não autoriza a exibição do vídeo em sites. Clique então no vídeo abaixo e depois clique em Assista no Youtube.
E continuamos a dar sequência às análises dos filmes da Mostra “Nouvelle Vague Soviética”, na Caixa Cultural do Rio de Janeiro. Hoje vamos falar de “Vá e Veja”, um filme de Elem Klimov realizado em 1984 e de 142 minutos. Esse filme foi exibido no Brasil há muitos anos mas não tive a oportunidade, na época, de assisti-lo (não fui e não vi). De qualquer forma, ficou na minha cabeça o cartaz do filme, com um menino de semblante petrificado, como se estivesse muito horrorizado. Ao ver os filmes disponíveis no folder da mostra, lá estava “Vá e Veja”. E, dessa vez, fui e vi.
E o que vi? A expressão fantasmagórica do garoto se justificava em toda a sua plenitude. O filme se passa na Bielorrússia (hoje Belarus) de 1943, ou seja, em plena ocupação nazista na Segunda Guerra Mundial (isso mesmo, mais um filme que aborda a Segunda Guerra, não sendo somente um privilégio do Ocidente em produzir películas com essa temática; há, na mostra, vários filmes soviéticos que abordam o conflito). Temos aqui o menino Florya Gaishun (interpretado por Aleksey Kravchenko), que brincava com um amigo desenterrando objetos de covas rasas de soldados que eram nazistas.
Um belo dia, guerrilheiros Partisans levam o menino à força de sua casa e contra a vontade da mãe para lutar no front. O menino vai cheio de vontade para a guerra, mas acaba ficando no acampamento, pois teve que dar seus sapatos novos para um soldado que tinha seu calçado completamente deteriorado. Ele conhece Glasha (interpretada pela bela Olga Mironova), uma moça que quer amar e ter filhos. Os dois começam uma amizade meio idílica, meio lúdica, meio infantil.
Mas isso é fortemente impedido por um bombardeio nazista que deixa Florya meio surdo. Passado o trauma, o garoto quer levar a menina para conhecer sua casa, mãe e irmãzinhas, mas os nazistas já haviam passado por lá e exterminado todo mundo, mergulhando o garoto num trauma ainda maior. Ele é convidado a participar do movimento guerrilheiro, que o coloca de vez em contato total com todos os horrores da guerra.
É um filme que tem como objetivo chocar o espectador, com closes da face do menino desfigurada pelo horror sendo usadas como vírgula. É particularmente muito traumática a sequência onde os nazistas dizimam uma cidadezinha inteira, cometendo as piores atrocidades (leia-se colocar toda a população da vila numa igreja e incinerá-la com explosivos, coquetéis molotov e lança-chamas, sendo todo esse massacre aplaudido pelos nazistas, ou mostrar uma menina levada à força para um caminhão cheio de soldados e depois a mostrando caminhando com a face toda arrebentada e as pernas ensanguentadas, resultado do estupro coletivo que sofreu).
São cenas profundamente repugnantes e revoltantes, mas absolutamente necessárias e uma prova concreta de que o cinema cumpre sua função social de denúncia aqui. E tal filme se faz amplamente indispensável hoje, onde temos tantos exemplos de ódio explícito contra o outro em nosso país. O filme ainda coloca um letreiro dizendo que tais atrocidades aconteceram em mais de seiscentas cidades na Bielorrússia na Segunda Guerra Mundial. Definitivamente é um filme de denúncia contra as atrocidades nazistas.
Foi marcante a atuação de Aleksey Kravchenko. Ele, que já devia estar na casa dos seus treze, quatorze anos, conseguia agir como uma criança frente aos traumas, chorando copiosamente e despertando pena no espectador. Mas seus grandes momentos foram, definitivamente, seus closes onde o menino se encontrava em verdadeiro estado de choque, tamanho o horror que ele presenciava. Esses closes serão inesquecíveis para sempre em toda a História do Cinema.
Assim, “Vá e Veja” é, acima de tudo, um filme fundamental. Um filme que deve ser muito exibido e divulgado por aí, principalmente num país como o nosso, onde a ignorância retumbante dá força para movimentos de ódio retornarem e provocarem muita desgraça entre nós. Uma obra-prima que foi aplaudida ao final da sessão.
E você pode vê-la na íntegra legendada em português. É só clicar na engrenagem do vídeo no canto superior direito, selecionar a opção legendas, depois selecionar a opção traduzir automaticamente e selecionar o idioma português. Lembrando sempre que a Mosfilm não autoriza a exibição aqui. Por isso, depois de clicar no vídeo abaixo, clique em Watch on Youtube. Note que o vídeo está dividido em duas partes. Para continuar a assistir, é só clicar na parte dois do vídeo ao lado direito da tela. Ela tem a duraão de uma hora, treze minutos e cinco segundos.
Continuemos a falar da mostra “Nouvelle Vague Soviética” da Caixa Cultural do Rio de Janeiro. O filme a ser analisado de hoje é “Balada de um Soldado”, de Grigory Chukhrai. Essa película de 1959 e de 88 minutos é mais um filme que aborda a temática da Segunda Guerra Mundial. Embora esse filme trabalhe uma temática tão pesada quanto a guerra, podemos dizer que é talvez uma das películas mais delicadas de toda a mostra.
Vemos aqui a história do soldado Alyosha Skvortsov (interpretado por Vladmir Ivashov), responsável pelas comunicações no front, e que se viu prestes a ser esmagado por um tanque alemão. Por sorte sua, ele conseguiu atirar no tanque com uma espécie de morteiro e destruí-lo.
Como se não bastasse, ele destruiu mais outro tanque. Tratado como um herói por seu superior, Alyosha iria receber uma condecoração, mas preferiu trocá-la por seis dias de licença para visitar a sua mãe. O rapaz inicia, então, sua viagem de trem, onde ele vai se deparar com uma série de imprevistos, onde seu grande altruísmo e capacidade de ajudar as pessoas atrasam sua viagem, mas acabam valendo a pena como experiência dignificante e humanizadora.
Ele ajuda um soldado ferido de guerra a retornar à sua mulher (ele havia desistido disso, por ser extremamente ciumento e achar que a esposa merecia homem melhor), cuidou de feridos num trem que ele estava e foi bombardeado pelos alemães e, principalmente, ajudou uma mocinha chamada Shura (interpretada pela deslumbrante Zhanna Prokhorenko) a chegar a casa de sua tia. Ao final, ele teve apenas um curtíssimo espaço de tempo para ficar com sua mãe, mas ficou a sensação de tudo o que aconteceu na sua viagem foi uma experiência que o engrandeceu. O filme deu a entender que ele foi morto em combate e que ele ia ser lembrado somente como um soldado. Mas, ao mesmo tempo, fica a clara impressão que a película quer exaltar a figura do soldado russo que defendeu seu país durante a Segunda Guerra Mundial.
O mais lindo momento desse filme ficou a cabo do relacionamento entre Alyosha e Shura. Esse, provavelmente é o casal mais fofo da História do Cinema Soviético, quiçá Russo, quiça mundial!!! Poucas vezes foi vista uma química tão grande entre dois atores.
Obviamente, a doçura de Zhanna Prokhorenko ajudou muito, mas Vladmir Ivashov também muito contribuiu para a forte sinergia do casal. A belíssima fotografia e os closes dos belos semblantes cimentavam e davam acabamento à toda a obra. Esse casal é uma pequena e terna joia que glorifica e dá um tom todo especial a essa mostra, que exibiu ótimos filmes e atraiu grande público.
Assim, “Balada de um Soldado”, apesar de ser uma obra com tons leves de propaganda, ainda assim encanta pela belíssima fotografia, pela interpretação de seus atores e pela mensagem positiva e altruísta. Um filme que merece ser guardado com carinho no fundo de nossos corações e almas. Um filme de um casal fofíssimo.
Fique agora com o belo momento desse casal no primeiro vídeo e assista ao filme na íntegra com legendas em português no segundo vídeo. É só clicar na engrenagem no canto direito do vídeo e selecionar a opção traduzir automaticamente e escolher o idioma português. Como a Mosfilm bloqueia a transmissão aqui, clique nos dois filmes a opção “assista no youtube”.
Ainda dentro de nossas análises dos filmes da Mostra “Nouvelle Vague Soviética”, realizada na Caixa Cultural do Rio de Janeiro em fins de maio e começo de junho, vamos falar hoje do bom filme “A Ascensão”, realizado por Larisa Sheptiko (a mesma diretora de “Roda Elétrica”, um filme que, junto com “Anjo”, de Andrei Smirnov, compõe o filme “O Início de Uma Era Desconhecida”, analisado aqui) no ano de 1977 (dois anos antes da morte da diretora) e com duração de 111 minutos. Esse é mais um filme que aborda a temática da Segunda Guerra Mundial.
A história fala de dois soldados guerrilheiros Partisans, Sotnikov (interpretado por Boris Plotnikov) e Rybak (interpretado por Vladimir Gostyukhin), que enfrentam o frio e os nazistas para arranjar comida para suas tropas. Mas eles acabam parando na casa de uma mãe de três crianças e sendo descobertos pelos nazistas por lá, sendo todos presos, com exceção das crianças. Como alguns soldados nazistas foram assassinados, eles acabaram sendo incriminados e interrogados. É nessa hora que vamos descobrir quem tem a coragem para dar a vida pela causa que luta e quem rapidamente se entrega pensando apenas em salvar sua vida.
É um filme sem final feliz. Um filme que mostra toda a imolação do povo russo, o que mais teve perdas com as duas guerras mundiais. E um filme que faz a gente odiar nazistas, pois eles espezinham seus prisioneiros o tempo todo, não havendo qualquer vislumbre de esperança à vista. O destino de nossos protagonistas já está selado e, dessa vez, nem a cavalaria (nem o Exército Vermelho) vai chegar. O filme também aborda a questão do colaboracionismo, onde um antigo morador da vila, com estudo universitário e que parece ter o rei na barriga, interroga os prisioneiros e se traveste de funcionário do Partido Nazista.
Cabe ressaltar aqui a excelente atuação de Anatoliy Solonitsyn, que interpretou esse funcionário. Sua fronte gélida era assustadora e deu bastante impacto dramático à película, sobretudo no interrogatório do soldado Sotnikov, esse sim eleito o personagem mais nobre do filme, que não esmoreceu por nenhum momento e resistiu à sessão de torturas para não entregar o seu destacamento. Já com Rybak aconteceu exatamente o oposto, rapidamente colaborando com os nazistas para salvar a sua vida, mas carregando o fardo de Judas por sua covardia, que o colocava numa espécie de letargia, totalmente paralisado pelo medo. Sei não, o filme deixou bem clara a condenação desse personagem, mas fica aqui a pergunta: o que faríamos em seu lugar? Aguentaríamos a pressão da tortura e do medo de forma tão nobre como Sotnikov?
Dá mesmo para condenar Rybak de forma tão sumária? Em tempos de guerra e na pedagogia da obediência, talvez sim. Mas, e em outros parâmetros? Difícil encontrar uma resposta definitiva. Sotnikov parece transcender a tudo em sua nobreza, mas talvez a entrega de Rybak não possa ser condenada sumariamente em qualquer circunstância.
Polêmicas à parte, “A Ascensão” é mais um grande filme da Mostra “Nouvelle Vague Soviética”, organizada na Caixa Cultural do Rio de Janeiro. Mais um filme sobre Segunda Guerra Mundial, desesperançoso toda a vida, mas que ensina o valor de sucumbir por seus ideais. Mais um filme que traz um convite à reflexão nessa surpreendente mostra. Vamos colocar abaixo dois momentos do filme: a cena do interrogatório (onde podemos ver as grandes atuações) e a cena final da execução. No primeiro vídeo, você pode colocar o filme com legendas em português. Clique na engrenagem do canto inferior direito, selecione a opção traduzir automaticamente e escolha português. Como a Mosfilm bloqueia a transmissão do vídeo aqui, clique na opção Assista no Youtube.
Dentro de nossas análises dos filmes da mostra “Nouvelle Vague Soviética” na Caixa Cultural do Rio de Janeiro, falemos hoje de “Escravas do Amor”. Essa película, dirigida por Nikita Mikhalkov, realizada em 1976, com duração de 96 minutos, aborda mais uma vez o tema da guerra civil entre os russos brancos e os russos vermelhos, ocorrida entre 1918 e 1921. Como já foi dito nas resenhas dos filmes “A Comissária” e “O Início De Uma Era Desconhecida”, após a Revolução Socialista de Outubro de 1917 e da subida dos bolcheviques ao poder (os russos vermelhos), os russos adeptos do capitalismo e do Czar deposto Nicolau II (ou seja, os russos brancos) se uniram a uma força estrangeira de quinze países capitalistas que temiam que o socialismo avançasse entre seus trabalhadores e ameaçasse a estabilidade de seus governos, deflagrando a Guerra Civil de três anos contra a Rússia, terminando coma vitória dos russos vermelhos mas mergulhando o país numa profunda crise econômica. Houve até casos de canibalismo em virtude da falta de comida, algo com o qual os países capitalistas fizeram troça, dizendo que “comunista come criancinha”. A situação piorou mais ainda depois que os países capitalistas, derrotados pela guerra, fizeram um bloqueio econômico à Rússia que teve o nome de péssimo gosto de “cordão sanitário”.
Do que consiste a história do filme? Estamos no ano de 1920, numa pequena cidade do sul da Rússia sob o controle do Exército Branco. Uma equipe de filmagem realiza uma película intitulada “A Escrava do Amor”, estrelada pela estrela Olga Nikolayevna Voznesenskaya (interpretada pela belíssima Elena Solovey). A moça é cheia de trejeitos e manias, como toda grande estrela tem, trazendo momentos engraçados para a película. Mas os horrores da guerra civil estão mais próximos do que se imagina e atropelarão as filmagens com muita força, transformando a vida de todos que estão ali.
Esse é um filme que tem características muito bem definidas. Em primeiro lugar, a película prima por um senso estético muito bem elaborado e sofisticado. É uma película com um caleidoscópio de lindas imagens, onde locações, figurino e o belo semblante de Elena Solovey ditam as regras dessa apologia à beleza. Em segundo lugar, temos uma comédia levinha, que torna a película muito agradável de se assistir em cerca de 80% de sua duração. O filme também mostra detalhes das filmagens de uma película muda, o que ajuda a gente a entender como era a execução de um tipo de filmagem que hoje em dia não mais ocorre. Mas a grande surpresa está reservada mais ao final. A violência dos inimigos russos brancos dão um desfecho altamente sombrio e desesperançoso a um filme que primava por um capricho um tanto burguês em boa parte de sua execução. A própria Olga, em seus ataques de depressão, se dizia arrependida em fazer um filme considerado um tanto fútil numa época tão turbulenta quanto a guerra civil.
Assim, “A Escrava do Amor” consegue ser um filme cheio de alternativas, começando por uma estética altamente refinada, passando por uma comédia leve e agradável, indo até um desfecho sombrio e trágico. Uma curiosidade interessante na mostra “Nouvelle Vague Soviética” na Caixa Cultural do Rio de Janeiro. Fiquem agora com o desfecho desse filme, com legendas em inglês. O vídeo está bloqueado pela Mosfilm para ser exibido aqui. Para assiti-lo, clique na imagem e depois no link “assista no youtube”.
Todos nós sabemos da qualidade dos irmãos Salles em termos de cinema. Walter Salles Jr. é um nome de excelência em termos de enredo e João Moreira Salles se especializou mais na arte do documentário. É o irmão mais novo, João, que lançou, há algum tempo, mais uma de suas obras-primas, o excelente documentário “No Intenso Agora”. Mesclando um quê jornalístico com uma memória afetiva, o cineasta monta todo um filme especial, numa colcha de retalhos de fragmentos de uns filmes caseiros, outros nem tanto.
O escopo principal do filme está centrado em vários movimentos sociais da década de 60: a Revolução Cultural Chinesa de Mao, a Primavera de Praga, o maio de 1968 parisiense, os movimentos de protesto contra a ditadura militar brasileira, também em 1968. O documentarista analisa as imagens produzidas naquele período, seja por cineastas, seja por amadores, seja por movimentos de trabalhadores. Infelizmente, a disponibilidade de material que sobreviveu ao tempo e à censura dita o peso de cada um desses movimentos no filme. Como a França teoricamente é o país mais rico e democrático dos registrados aqui, o movimento de maio de 1968 em Paris ganha maior destaque no filme, justamente porque foi o mais ricamente documentado. Já a Revolução Cultural de Mao ganha um viés mais caseiro, em filmes particulares da mãe de Salles, sendo talvez a parte mais intimista de todo o filme, não sem abandonar um ponto de vista mais jornalístico. Por se tratar, talvez, de um dos filmes de mais curta duração, as imagens dele recorrentemente aparecem ao longo da película, sendo estas as que mais se impregnam em nossa memória. É notável perceber como essas imagens são relidas pelo texto de Salles, a cada nova aparição, dando um tom de ineditismo ao já dito no materialismo das imagens.
Notáveis são os filmes da Primavera de Praga. Mesmo que os cineastas desses fragmentos tenham tido uma certa liberdade de mostrar o avanço soviético em seu início, o ambiente opressor soa mais pronunciado que nos filmes dos demais movimentos. Filmagens escondidas de dentro de apartamentos ou de telas de televisão no interior de salas escuras, onde ocorre a posse de elementos “oficiais” do governo pró-soviético, dão um tom de clandestinidade ao registro.
Só é um tanto lamentável que a manifestação brasileira tenha tido tão pouco espaço no filme, e ainda assim para servir de contraponto a um caso de suicídio de um manifestante em Praga. Os relatos brasileiros mereciam um espaço um pouco maior. Mas, cabe aqui a dúvida: será que eles são tão ínfimos por escolha do diretor ou porque a repressão em terras brasileiras foi tanta que tornou os registros ínfimos em sua essência? Foi uma questão de escolha, seletividade, recorte, ou foi uma questão de imposição da própria precariedade do material produzido durante violenta repressão?
De qualquer forma, “No Intenso Agora” é um grande documentário, pois ele consegue fazer com magnificência três coisas básicas: um relato familiar profundamente pessoal e afetivo; consegue registrar de forma um tanto jornalística todo um ambiente de luta pela liberdade inerente àquela época, que se manifestava de formas diferentes em lugares diferentes; e fazia toda uma leitura das imagens, analisando-as e comparando-as com outras imagens de outros contextos. Essas três características não se manifestavam de forma compartimentada e estanque, mas sim interligadas e relacionando-se mutuamente, o que dá excelência e grandeza a esse bom documentário, cujo ato de assisti-lo se torna assim um programa imperdível. Filme essencial para amantes de Cinema, de História, e de uma trama contada com o coração.