Batata Movies (Especial Nouvelle Vague Soviética) – A Comissária. Pró-Judaísmo.

Cartaz do Filme

Ainda dentro das análises dos filmes da mostra “Nouvelle Vague Soviética”, exibida na Caixa Cultural do Rio de Janeiro em fins de maio e início de junho, vamos falar hoje de “A Comissária”, de Aleksandr Askoldov. Essa película, realizada em 1967 e finalizada em 1988, com 110 minutos, tem uma grande curiosidade: ela trabalha em sua temática a cultura judaica. Isso é de se chamar a atenção, já que os judeus também foram muito perseguidos pelo stalinismo.

Vavilova, uma militar implacável…

A história da película tem como protagonista a comissária Klavdia Vavilova (interpretada por Nonna Mordyukova), que trata com mão de ferro uma comunidade local durante a guerra civil entre russos brancos e russos vermelhos, que durou de 1918 a 1921. Como já foi dito na análise do filme “O Início De Uma Era Desconhecida”, após a Revolução Socialista de Outubro de 1917 e da subida dos bolcheviques ao poder (os russos vermelhos), os russos adeptos do capitalismo e do Czar deposto Nicolau II (ou seja, os russos brancos) se uniram a uma força estrangeira de quinze países capitalistas que temiam que o socialismo avançasse entre seus trabalhadores e ameaçasse a estabilidade de seus governos, deflagrando a Guerra Civil de três anos contra a Rússia, terminando com a vitória dos russos vermelhos mas mergulhando o país numa profunda crise econômica.

Uma família judia irá acolhê-la em sua gravidez…

Houve até casos de canibalismo em virtude da falta de comida, algo com o qual os países capitalistas fizeram troça, dizendo que “comunista come criancinha”. A situação piorou mais ainda depois que os países capitalistas, derrotados pela guerra, fizeram um bloqueio econômico à Rússia que teve o nome de péssimo gosto de “cordão sanitário”.

Aos poucos, a comissária durona entra no esquema da família doce…

Voltando ao filme após esse parênteses histórico, nossa comissária, em virtude da situação de guerra, tinha uma postura muito firme com relação a quem não levava a guerra à sério. Só que Klavdia se descobriu grávida, tendo que se afastar do serviço militar e se refugiar numa casa de uma família judia, cujo chefe era um alegre funileiro de nome Yefim (interpretado pelo bom ator Rolan Bykov), uma esposa muito meiga e solícita chamada Maria (interpretada pela bela Raisa Nedashkovskaya) e 987 filhos. A rígida militar vai, a princípio, estranhar todo aquele novo e inusitado ambiente mas, aos poucos, vai se acostumando com ele, principalmente depois que Maria descobre a sua gravidez e começa a tratar a comissária com todos os cuidados que a situação exige.

Em trabalho de parto…

Aquele não tão pequeno núcleo familiar vai servir como uma espécie de ilha isolada dos horrores e agruras da guerra. Mas esse núcleo seria invadido, cedo ou tarde, pela guerra civil. E a comissária precisaria tomar uma decisão: mãe ou soldado? O tom de propaganda da película já dá uma ideia da decisão da comissária, ainda mais em tempos de guerra…

Vida de mãe…

Como foi dito acima, esse é um filme que exalta o povo judeu e denuncia as perseguições. Ficou a impressão aqui de “mea culpa” pós-stalinista, onde o povo judeu foi retratado de forma extremamente gentil, doce e simples.

Voltar ou não para o front???

Outra coisa que muito chamou a atenção foi um paralelo muito bem construído entre o sofrimento provocado pelas dores do parto e o sofrimento provocado pela guerra. Enquanto Klavdia dava a luz a seu filho, imagens em flashback traziam os sofrimentos que a comissária enfrentou durante a guerra civil, gerando um interessante e bem organizado caleidoscópio de imagens.

O diretor Aleksandr Askoldov

Assim, “A Comissária” é mais um interessante filme da mostra “Nouvelle Vague Soviética” na Caixa Cultural do Rio de Janeiro. Um filme que tem a grande virtude de exaltar o judaísmo, depois de anos de perseguição stalinista. Um filme que novamente exalta o patriotismo do povo soviético em anos de guerra. E um filme que mostra uma boa montagem de imagens, relacionando dois sofrimentos: o da guerra e o do parto. A Batata Espacial conseguiu o filme na íntegra, porém sem legendas. Fica o filme aqui para que possa se ter uma ideia dele…

https://www.youtube.com/watch?v=LDemFDzX-u0

 

Batata Movies (Especial Nouvelle Vague Soviética) – Quando Voam As Cegonhas. Espera Eterna.

Cartaz do Filme

Dando sequência às análises da mostra “Nouvelle Vague Soviética”, na Caixa Cultural no Rio de Janeiro, falemos hoje do ótimo filme “Quando Voam as Cegonhas”. Produzido em 1957, com duração de 97 minutos e dirigido por Mikhail Kalatozov. Esse é um dos melhores filmes da mostra, abordando um tema já muito conhecido aqui no cinema ocidental: a Segunda Guerra Mundial, tema esse que pode, com toda justiça, ser também abordado pelo cinema soviético, já que a Rússia foi o país que mais perdeu vidas nas duas guerras mundiais. Na Primeira Guerra Mundial, foram perdidas de nove a treze milhões de pessoas, sendo que três milhões delas foram russas. Já na Segunda Guerra Mundial, foram perdidas de cinquenta e cinco a sessenta milhões de pessoas, sendo que vinte e cinco milhões foram russas.

Um casal separado pela guerra…

Mas, do que se trata a história? Vemos aqui um casal fortemente apaixonado, Boris (interpretado pelo ótimo Aleksey Batalov, que também está em outro filme da mostra, “Nove Dias de um Ano”), e Veronika (interpretada por Tatyana Samoylova). Esse casal será separado pela guerra, com Boris se alistando voluntariamente para o front.

Desencontros na despedida…

O problema é que, por uma série de desencontros, eles não conseguem se despedir. Com o início da guerra, a casa de Veronika é bombardeada e ela vai morar na casa de Boris. Só que um primo do rapaz pega Veronika à força durante outro bombardeio. Os dois acabam se casando, o que provoca um tremendo mal estar entre Veronika e a família de Boris. A própria moça se culpa por tudo o que aconteceu e não consegue viver bem com toda essa dor. E aí fica a expectativa do que se vai fazer quando Boris voltar do front. Se ele voltar… Vamos precisar lançar mão dos spoilers para podermos analisar melhor o filme…

Filme tem linda fotografia…

Essa é uma película temática já um pouco batida (a questão dos relacionamentos que se desfazem em virtude da separação promovida pela guerra) mas, ainda assim, muito complexa, pois a situação deve ser analisada de todos os ângulos.

A mulher, sempre culpada de tudo…

O senso comum machista joga toda a culpa pelo imbróglio no colo da mulher, como sempre ocorre, mas se analisarmos a situação de Veronika, além de ela não ter certeza de que Boris retornaria, ela ainda teve uma relação não consentida com o primo de Boris, que a pegou à força. Ou seja, para esconder a vergonha do estupro e salvar sua honra, ela preferiu assumir uma relação com o primo e fazer o casamento, sendo igualmente rechaçada pela família. Ou seja, ela estava entre a cruz e a caldeirinha. Só é interessante notar como certos valores ditos mais tradicionais e burgueses aparecem nessa sociedade socialista, numa prova de que algumas permanências são vistas na sociedade revolucionária.

Se recusando a aceitar a morte do amado…

De qualquer forma, o mau caratismo do primo se revelou e Veronika se livrou dele. A moça, que esperou por seu Boris por toda a guerra acabou tendo confirmada, no dia da chegada do vitorioso Exército Vermelho, a notícia da morte de Boris no front. E aí, tivemos talvez um dos melhores desfechos da História do Cinema, onde Veronika, não sabendo a quem distribuir as flores destinadas a Boris, recebe a sugestão de distribuí-las a quem ela acha que merece, com a moça dando as flores para a multidão que recebia os soldados, ou seja, o povo russo.

Um dos desfechos mais lindos da História do Cinema…

Tal desfecho arrancou aplausos da plateia que lotava a sala do Cinema 2 da Caixa Cultural. Vale a pena ressaltar aqui que a mostra tem presenciado uma boa presença de público, sendo isso uma grata surpresa e, talvez, um sinal dos tempos turbulentos que temos vivido.

O diretor Mikhail Kalatozov

Assim, “Quando Voam as Cegonhas” é um daqueles filmes inesquecíveis que tocam fundo na nossa alma. Um filme com bons atores, linda fotografia, movimentos frenéticos de câmara meticulosamente calculados nas cenas de desespero de Veronika, e uma história instigante e reflexiva, com um lindíssimo desfecho. Vale a pena procurar por esse filme. Fiquem agora com o magnífico desfecho desse filme, legendado em inglês.

https://www.youtube.com/watch?v=IKi0ikZyFD0

Batata Movies (Especial Nouvelle Vague Soviética) – O Início De Uma Era Desconhecida. A Duas Mãos.

Cartaz do Filme

Ainda dentro da mostra “Nouvelle Vague Soviética” da Caixa Cultural, vamos falar hoje de “O Início de Uma Era Desconhecida”. Esse é um filme de 1967 e de 75 minutos, que conta duas histórias conduzidas por diretores diferentes. A primeira história, “Anjo”, dirigida por Andrey Smirnov, fala de um grupo de camponeses que viaja de trem durante a guerra civil entre russos brancos e russos vermelhos (1918-1921).

Um grupo de pessoas num trem durante a guerra civil…

Só para recordar, após a Revolução Socialista de Outubro de 1917 e da subida dos bolcheviques ao poder (os russos vermelhos), os russos adeptos do capitalismo e do Czar deposto Nicolau II (ou seja, os russos brancos) se uniram a uma força estrangeira de quinze países capitalistas que temiam que o socialismo avançasse entre seus trabalhadores e ameaçasse a estabilidade de seus governos, deflagrando a Guerra Civil de três anos contra a Rússia, terminando com a vitória dos russos vermelhos mas mergulhando o país numa profunda crise econômica.

Capturados pelos russos brancos…

Houve até casos de canibalismo em virtude da falta de comida, algo com o qual os países capitalistas fizeram troça, dizendo que “comunista come criancinha”. A situação piorou mais ainda depois que os países capitalistas, derrotados pela guerra, fizeram um bloqueio econômico à Rússia que teve o nome de péssimo gosto de “cordão sanitário”.

Uma seca que assola um povoado…

Mas, voltando ao filme após esse pequeno parênteses histórico, o ano é 1920 e, no grupo, há um membro do Partido Comunista que se vê como uma autoridade sobre aquele punhado de pessoas. O problema é que as pessoas não o vêm muito como autoridade, o que gera alguns conflitos naquele grupo. A situação ir´se agravar, pois eles são capturados pelos russos brancos, vistos como os verdadeiros vilões da história, esses sim maus como um Pica-Pau, cometendo as piores atrocidades possíveis. Essa foi uma história bem curta e pouco desenvolvida.

Um estudante procura salvar uma comunidade

A segunda história, intitulada com algo parecido como “Roda Elétrica”, foi dirigida por Larisa Shepitko, e teve uma duração um pouco maior com um clima, digamos, mais prosaico. Ela conta a trajetória de um estudante que levava a ideologia do partido a uma comunidade assolada pela seca. Lá, ele vai se deparar com a desesperança de um povo e a fé que ainda sustentava o pouco de esperança em poucas pessoas, algo conflituoso com a ideologia marxista ateia.

A diretora Larisa Shepitko

Mas o estudante vai encontrar um homem que usa o motor de uma moto como um gerador elétrico. O rapaz, então, vai tentar usar o motor da moto como uma espécie de bomba para puxar água do subsolo para salvar a comunidade da seca e trazer a redenção para o povo.

O diretor Andrey Smirnov

Dois filmes, duas histórias e o socialismo como personagem redentor, com uma leve crítica a esse personagem na primeira história. Esse é o perfil de “O Início de uma Era Desconhecida”, mais um dos filmes da mostra “Nouvelle Vague Soviética”, da Caixa Cultural. A Batata Espacial encontrou o filme completo, só que, infelizmente, sem legendas. Ele é reproduzido integralmente aqui para que o caríssimo leitor possa ter uma ideia.

Batata Movies (Especial Nouvelle Vague Soviética)- Nove Dias De Um Ano. Triângulo Amoroso Radioativo.

Cartaz do Filme

Falando novamente da mostra “Nouvelle Vague Soviética”, ocorrida no fim do mês de maio e início do mês de junho na Caixa Cultural, vamos hoje analisar o bom filme “Nove Dias De Um Ano”, de 1961. Essa película de duração de 111 minutos foi dirigida por Mikhail Romm, considerado um mestre da cinematografia em seu país, e veio com uma proposta, digamos, ousada: os protagonistas eram nada mais, nada menos que físicos nucleares, trabalhando para o governo soviético. O objetivo deles era conseguir detectar nêutrons ao desmembrarem átomos, algo que traria avanços enormes na direção da construção da Bomba H russa e também para gerar uma fonte praticamente limpa e inesgotável de energia.

Goosev, um cientista dedicado…

Dessa forma, o filme se passa em sua parte num Instituto de Física Nuclear, com altas discussões científicas. Mas se engana quem acha que vai ver uma boa película de ficção científica. Aqui esse gênero funciona mais como um verniz do que realmente é a essência: temos aqui uma verdadeira história de drama e, por que não, de amor, configurando um triângulo amoroso entre o físico Goosev (interpretado por Aleksey Batalov) que lidera as pesquisas na detecção de nêutrons, uma física chadada Lyolya (interpretada por Tatiana Lavrova) e um físico teórico chamado Ilya Kulikov (interpretado por Innokentiy Smoktunovskiy, esse lembra muito o Christopher Waltz no seu jeitão de ser!) , cujos cálculos serão indispensáveis na detecção.

Lyolya e Ilya, outros vértices de um triângulo amoroso..

O problema é que, para levar adiante a pesquisa e chegar na sonhada detecção de nêutrons, Goosev se deixa tomar fortes doses de radiação, o que afeta violentamente a sua saúde, colocando-o em risco de morte. Lyolya, que estava indecisa entre Goosev e Ilya, acaba optando por casar com o primeiro e fica infeliz com a rotina do casamento, não achando ser uma perfeita casada (uma leitura bem burguesa, a meu ver), ao passo que Goosev não dava muita bola para a esposa, por estar obcecado por sua pesquisa.

Problemas no casamento…

E, no meio disso, llya dava umas incertas, até por ser também indispensável para a pesquisa, colocando esse relacionamento a três num equilíbrio instável, somente para usar um jargão mais de físico. Assim, a grande vedete da história não era a pesquisa em si, mas esse curioso e civilizado triângulo amoroso, regado a um drama de padrões um tanto burgueses para uma sociedade socialista (ou, pelo menos, a ideia que os capitalistas têm de sociedade socialista) e muita, muita radioatividade.

Descuido com a radiação leva Goosev a tensas conversas com o médico…

Aqui muito chama a atenção o trabalho dos atores, que conduziram muito bem o filme e que criam uma ótima empatia com o público. A gente compra a serenidade de Goosev, a sensibilidade e fragilidade de Lyolya, e a simpatia meio cafajeste de Ilya. A interação entre esses personagens faz o filme fluir levemente e a gente nem percebe os 111 minutos da película passando, de tão fácil que fica de acompanhar a história. Os personagens agradam e convencem muito.

O diretor Mikhail Romm

Assim, “Nove Dias Em Um Ano” é um bom filme da mostra “Nouvelle Vague Soviética”. Um filme de bons atores, com um verniz de ficção científica, mas que é, na verdade, um bom drama conduzido por uma história bem escrita e que nada deixa a dever aos dramas cinematográficos ocidentais. E aqui na Batata Espacial, você tem a oportunidade de assisti-lo na íntegra, com legendas em inglês.

https://www.youtube.com/watch?v=e6H-9xk2nb8

Batata Movies (Especial Mostra Nouvelle Vague Soviética) – O Primeiro Professor. Ao Mestre, Sem Carinho.

Cartaz do Filme

A Caixa Cultural organizou uma mostra intitulada “Nouvelle Vague Soviética”, que mostrou alguma coisa da produção do cinema da União Soviética pós Stalin. Foram vinte e um filmes exibidos, com direito a palestras e debates, além de um prolífico catálogo cheio de artigos e de entrevistas. Foi uma excelente mostra que durou duas semanas e a Batata Espacial esteve lá vendo alguns filmes. Faremos aqui a análise de alguns deles. Hoje vamos falar de “O Primeiro Professor”, de Andrei Konchalovsky. Essa película de 1965 e duração de 102 minutos, fala de um professor do Quirguistão, filiado ao Partido Comunista, e sua saga empreendida para abrir uma escola numa comunidade muçulmana no interior do país. O mestre é sistematicamente ridicularizado pela comunidade, mas não desiste na sua tarefa de levar a educação e a cartilha do Partido Comunista para as crianças. Só que muitos problemas e atritos aconteceriam nessa empreitada, levando a situações extremas.

Um professor e sua melhor aluna…

Esse é um filme que mais uma vez aborda a velha questão da relação entre a tradição e a modernidade. Aqui o moderno é a palavra do Partido, a alfabetização, a matemática, a chance de simplesmente ter luz elétrica e de se falar ao telefone. E a tradição está na religião islâmica e suas práticas onde, em tempos mais antigos, as meninas eram “casadas” pelos seus pais, de acordo com as conveniências. No meio de tudo isso, uma comunidade submissa a um fazendeiro local que a explora impiedosamente. O professor será uma espécie de paladino socialista da liberdade e justiça, mas é fortemente rechaçado pela comunidade, que quer seguir firme em suas tradições e que teme a ação dos mais ricos contra ela. Tudo isso vai gerar uma violenta situação de desgraça e conflito, onde a comunidade culpará o professor de todas as coisas ruins que se abaterão sobre ela, mesmo que o docente não tivesse culpa de nada.

Um fazendeiro local que oprime a todos…

E a reação do professor nem sempre foi das melhores, onde ele ignorava a cultura local em sua missão de levar, a qualquer custo, a educação e a aprendizagem para lá. Mesmo com todo esse conflito latente, o filme não optou por uma relativização e tomou partido da cartilha da modernização, com o professor destruindo o maior símbolo de tradição, uma árvore mantida com afinco por gerações nas estepes, para usar sua madeira para construir uma escola, símbolo da modernidade, e destruída por um incêndio provocado pelo fazendeiro local, lembrando sempre que a escola funcionava num estábulo com galinhas no meio das aulas, sendo ela uma espécie de símbolo contra o descaso geral da comunidade com a educação, embora o professor tenha tido uma resposta muito boa das crianças à sua proposta, não sem antes passar por alguns percalços (se me permitirem uma piada docente, é que ele não tinha feito o planejamento).

A aluna segue os passos da luta contra a tirania…

Assim, “O Primeiro Professor” é um curioso filme dessa mostra da Nouvelle Vague Soviética, que mais uma vez aborda a questão da tradição e da modernidade, mas sem relativizar a discussão. Aqui, o moderno é visto de forma virtuosa e a tradição é vista de forma negativa, criando um discurso um tanto maniqueísta. Ainda assim, o filme vale como uma interessante reflexão sobre esses dois pólos.

O diretor Andrei Konchalovsky

Batata Movies – Paraíso Perdido. Filme Família.

                                Cartaz do Filme

Um excelente filme brasileiro em nossas telonas. “Paraíso Perdido”, escrito e dirigido por Mônica Gardenberg, é, acima de tudo, um filme família. Mas engana-se quem acha que essa classificação indique algo mais tradicional ou conservador. Temos aqui uma lição de muito amor e de tolerância com o próximo, o que torna a película altamente deliciosa. Vamos falar um pouquinho dessa pequena joia de nosso cinema, lembrando sempre que a gente vai usar um pouquinho de spoilers aqui.

Imã sendo cortejada…

A história se passa numa casa noturna de nome Paraíso Perdido, administrada por José (interpretado por ninguém mais, ninguém menos que o “tremendão” Erasmo Carlos) e onde temos várias atrações musicais que cantam aquilo que alguns chamariam de música brega hoje em dia, mas que já foi bem chique no passado. E tome um Reginaldo Rossi, Paulo Sérgio e companhia. José acaba sendo o patriarca de uma família que o ajuda a manter a casa e cujos membros são as atrações. Há, também, um amigo da família, Teylor (magistralmente interpretado por Seu Jorge), que é parado numa blitz pelo policial Odair (interpretado por Lee Taylor). Teylor convida Odair para visitar a casa. E aí, o policial será contratado por José para cuidar de seu neto, o transformista Imã (interpretado por Jaloo), perseguido frequentemente por homofóbicos. A casa ainda conta com a presença de Ângelo (interpretado por Júlio Andrade). Mas a família é bem maior que isso e está altamente entrelaçada, onde descobrimos um relacionamento novo a cada instante, podendo ser mais tradicional ou mais, digamos, moderno, com direito a relações homossexuais e bissexuais, tudo encarado dentro da maior normalidade, pois é uma família muito unida que se ama de verdade. E a entrada de Odair nesse círculo restrito somente aumentará a gama de relacionamentos.

Tem dias que nada dá certo…

A função da casa noturna Paraíso Perdido aqui é apenas servir como uma espécie de pano de fundo para a apresentação da família em si. Já o repertório musical meio brega para os padrões atuais serve como um cimento para as emoções dilatadas de seus personagens. De qualquer forma, a película prende a atenção do espectador de jeito bem marcante e provoca uma empatia imediata do público com os personagens. O elenco também ajuda nas interpretações para lá de sinceras. Seu Jorge estava simplesmente espetacular, roubando a cena nos momentos em que aparecia. Foi emocionante o seu diálogo com Erasmo Carlos, onde atores e personagens lá se misturavam. O tremendão, por sua vez, até por não ser ator profissional, pode até ter derrapado na atuação em alguns momentos, mas a sua entrega ao papel e toda a emoção que ele colocou em seu personagem José compensaram qualquer deficiência. Ele foi absolutamente cativante. Outras atrizes também colaboraram muito com o filme: Marjorie Estiano fazendo um papel mais periférico, Malu Galli como a mãe surda de Odair e Hermila Guedes, como Eva, uma filha de José que estava na prisão. E não podemos nos esquecer da deslumbrante Julia Konrad, no papel de Celeste. Todos esses atores farão membros dessa grande família cujos relacionamentos são altamente intrincados.

… mas a vida também reserva bons momentos…

Uma curiosidade marcante. Tanto Celeste quanto Imã se comunicam por sinais de surdos-mudos, mesmo sendo do ofício de cantores. Isso causa uma afinidade imediata de Odair com eles, que também se comunica com a sua mãe por linguagem de sinais.

Erasmo Carlos emociona!!!

Apesar do ambiente um tanto idílico dessa família, o mundo real também é representado e espreita sorrateiramente nossos personagens. Mesmo com todo o clima de tolerância presente no núcleo fechado da família, a intolerância e os homofóbicos estão ali fora, esperando o primeiro vacilo de nossos protagonistas. Ainda, se nossos personagens eram estrelas da noite no Paraíso Perdido, a rotina diária era de pessoas comuns onde as víamos desempenhando seus trabalhos durante o dia. Esse choque de realidade quebra o clima idílico e de romance da película e foi bem vindo por provocar um pequeno contraste na narrativa.

Júlio Andrade também foi muito bem…

Assim, “Paraíso Perdido” é um grande filme brasileiro que traz uma família altamente idílica e um exemplo de tolerância num ambiente considerado bem tradicional que é o familiar. Um filme que prioriza o humano em detrimento do preconceito. Um filme fundamental, terno e de muita qualidade de nosso cinema. Vale a pena dar uma conferida.

 

Batata Movies – O Mundo Fora Do Lugar. Um Novelão?

Cartaz do Filme

A lendária diretora alemã Margarethe von Trotta está de volta e trazendo Barbara Sukowa a tiracolo. Caramba! Tive o privilégio de ver dois filmes com Sukowa em menos de uma semana no ano passado (o outro filme foi “Stefan Zweig, Adeus Europa”)! Dado também que a lendária atriz alemã (ela era uma das estrelas de Rainer Werner Fassbinder) não aparece muito pelas telas daqui, esse evento de vê-la duas vezes em menos de uma semana é motivo para comemoração, assim como ver um filme escrito e dirigido por Trotta. Mas, será que desta vez a história correspondeu?

Sophie, uma cantora mediana…

Bom, vemos aqui a trajetória de Sophie (interpretada por Katja Riemann), uma cantora de bar que não é muito bem sucedida. Para complementar a sua renda, a mulher também organiza festas de casamento. Um belo dia, seu pai Paul (intepretado por Matthias Habich) a chama à sua casa. Ele mostra uma notícia de um jornal americano sobre uma famosa cantora, que é a cara da mãe de Sophie e se chama Caterina Fabiani (interpretada por Sukowa). Obcecado por tal cantora, já que sua esposa havia falecido um ano antes, Paul manda a filha ir para os Estados Unidos à procura de Caterina para buscar entender o que está acontecendo, pois a cantora se parecia muito com a esposa de Paul. Esse vai ser somente o começo de uma série de situações inusitadas e revelações perturbadoras que vão permear toda a película.

Seu pai lhe dará uma missão

Cá para nós, esse filme tem um enredo que muito se assemelha aos das novelas mexicanas que são exibidas à tarde no SBT. Só que, em vez do laquê e dos olhares perdidos no infinito, vemos aqui atores alemães, muitas vezes nas suas interpretações quadradonas e nada sutis para os nossos padrões culturais.

Caterina. Mãe ou não???

O maior ícone disso foi justamente Sukowa, pois a partir do momento em que sua personagem Caterina foi perseguida por Sophie, ela se tornou extremamente rude por não querer que estranhos interferisem em sua vida pessoal. E tome coices do naipe de um rinoceronte entrando à toda numa loja de cristais. Já Katja Riemann, a atriz que interpreta Sophie, a protagonista, fez uma atuação muito mais suave e cativante, algo que surpreendeu bastante. A personagem também agiu de forma muito centrada à cada revelação que a história trazia, o que foi outro trunfo para o filme. Aliás, essa característica “mexicana” do filme foi interessante: nós, espectadores, não sabíamos mais da história em si do que a protagonista e íamos descobrindo junto com ela todas as mutretas e picaretagens dos demais personagens lá num passado distante e, também, no presente. Esse artifício ajudou a prender a nossa atenção na trama, principalmente depois que ela ficou com uma certa cara de dramalhão.

Aos poucos, as duas se aproximam e desvelam o passado…

Assim, “O Mundo Fora do Lugar” tem uma história que justifica bem o título, pois suas revelações inusitadas à la novela mexicana dão o tom da coisa. Se num primeiro momento a gente torce o nariz para o dramalhão, num segundo momento a gente se concentra nas atuações dos atores que, apesar de ser um filme alemão e a gente esperar uma padronização nas atuações pela forte diferença cultural entre nós e eles, são bastante diferentes. Se Sukowa é muito mais rígida e teutônica, Riemann foi muito mais amável e suave, nos cativando muito. E o fato de que não sabíamos mais do que a protagonista sobre a história e compartilhávamos simultaneamente com ela todas as inusitadas revelações fez com que tivéssemos um relacionamento muito mais intimista com a personagem. Por esses motivos, vale a pena dar uma conferida nesse filme. E cultuar Sukowa, obviamente.

Batata Movies – Um Homem Chamado Ove. Queridos Vizinhos.

Cartaz do Filme

No ano de 2017, tivemos um filme que disputou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e Maquiagem e Cabelo, mas não levou nenhum dos dois prêmios. Pelo menos, valeu pela indicação. “Um Homem Chamado Ove” é uma pequena joia do cinema sueco e é uma prova de como a cultura nórdica pode fazer uma película que soa muito engraçada a nós, latinos, e, ao mesmo tempo, é um bom drama com uma grande história de vida.

Ove, um velho rabugento…

Vemos aqui a trajetória do tal Ove (interpretado por Rolf Lassgard), um senhor rabugento que era um antigo síndico do condomínio onde mora. Ele, mesmo não sendo mais o síndico, ainda impõe uma série de regras aos moradores, despertando muita antipatia em todos. As únicas outras atividades de Ove são trabalhar na fábrica em que seu pai trabalhou a vida inteira e visitar o túmulo da esposa no cemitério. Um belo dia, os seus patrões o chamaram para uma conversa, cheios de dedos, pois ele era o funcionário mais antigo, e lhe sugerem um curso de reciclagem. Percebendo a situação, Ove pediu demissão de uma só vez e foi embora. Deprimido e sem escolha, Ove resolve se suicidar. Mas quando vai se enforcar, chega um novo casal de vizinhos que adia a sua morte. A partir daí, suas tentativas de suicídio são sistematicamente interrompidas pelos seus novos (e velhos) vizinhos e surge um amável e terno relacionamento entre o velho rabugento e seus pares.

O jovem Ove. A gente entende por que ele ficou assim…

É um filme delicioso. O primeiro motivo é que, apesar da rabugice e grosseria de Ove, todos os seus vizinhos gostavam muito dele, pois ele era muito prestativo para todos, com uma ou outra exceção. Por ser muito duro, ele era o tipo de amigo que não fala o que você quer escutar, mas fala o que você tem que escutar.

Chama o síndico!!!

Isso tornou o personagem muito simpático e atraente, mesmo com todo o seu mau humor, que o deixava mais engraçado do que antipático. Outra grande virtude do filme foi ver toda a vida de Ove repaginada em flashback, desde a sua infância até a sua velhice, com tudo isso sendo muito bem distribuído ao longo de toda a película, de forma que essas incursões ao passado não provocavam descontinuidades no roteiro, sendo uma prova de que o filme foi bem escrito e, principalmente, bem montado. Ao podermos examinar toda a vida de Ove, compreendemos todos os seus sentimentos, amores, angústias e de como ele chegou ao estado de um idoso mal-humorado e muito hermético. Essa trajetória de Ove só nos tornou muito mais íntimos do personagem, com uma relação de empatia e até de identificação.

Antigos vizinhos…

Com boas qualidades assim, podemos dizer que Ove bate em muito o filme “Tony Erdmann” (que também concorreu ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro no ano passado) no humor (é um filme cuja comédia tem uma identificação bem mais rápida com a nossa forma de rir do que o filme alemão) e até no drama, pois os momentos mais comoventes de Ove suplantam em muito os momentos mais sensíveis de “Tony Erdmann”.

… e novos vizinhos amam esse senhor cativante…

Desta forma, “Um Homem Chamado Ove” é uma diversão garantida, que vale muito a pena. É um bom filme de humor e um bom filme de drama, muito digno da indicação que recebeu ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Ah, e a indicação de melhor Cabelo e maquiagem também foi justa, pois ajudou muito a reconstituir os costumes da época de juventude de Ove. Vale a pena procurar essa película por aí para assisti-la.