Batata Movies – Soldados do Araguaia. Revirando Um Passado Negro.

Cartaz do Filme

Um importante documentário está em nossas telonas. “Soldados do Araguaia” fala, antes de denunciar as atrocidades cometidas pelos militares contra os guerrilheiros do Araguaia, na primeira metade da década de 70, das atrocidades cometidas pelos militares contra os soldados do próprio exército, que foram convocados para a caça aos guerrilheiros.

Confiantes soldados do passado…

O diretor Belisário França (o mesmo diretor de “Menino 23”) fez um ótimo trabalho de reconstituição com imagens de arquivo ilustrando todos os horrores dos depoimentos dos soldados, que foram submetidos a torturas sem qualquer motivo, sob a alegação de que eles deveriam ser preparados para uma guerra. Alguns desses soldados, segundo seus próprios depoimentos, perderam os testículos nessas torturas, assim como eram obrigados a beber lama ou a ficarem empapuçados de açúcar e nus na floresta, sendo picados por formigas, marimbondos e todos os tipos de insetos que eram atraídos pelo açúcar.

… mostram hoje dolorosas marcas…

Esses militares também testemunharam os horrores cometidos contra os guerrilheiros, onde puderam ver sacos cheios de cabeças e mãos, além do fato de que prisioneiros vivos eram supostamente enviados para Brasília por helicópteros e, ao invés disso, teriam sido lançados vivos a cachoeiras, já que o helicóptero voltava de viagem apenas cerca de meia hora depois.

Os helicópteros transportavam os guerrilheiros capturados…

Após o fim da operação, muitos desses soldados simplesmente foram dispensados e tiveram ordens estritas de nada dizer sobre tudo aquilo. Alguns não aguentaram os tormentos psicológicos e se mataram. Outros, como podemos ver nas entrevistas desse documentário, permanecem seriamente abalados depois de mais de quarenta anos do ocorrido.

Os soldados na selva…

Definitivamente, é um documentário assustador, mostrando a que ponto a humanidade pode chegar em todas as suas atrocidades. Tais ações do exército em nada se parecem diferentes das ações cometidas pelo mesmo exército para reprimir revoltas no interior do Brasil na virada do século passado, como as vistas em Canudos ou no Contestado, onde a população pobre foi completamente dizimada.  A Guerrilha do Araguaia foi somente um pequeno exemplo de que tais práticas ainda podem ser cometidas em dias mais próximos de nosso presente. Quando vemos “Soldados do Araguaia”, parece que reviramos uma grande quantidade de sujeira debaixo do tapete, sujeira essa escondida pela anistia de 1979. De qualquer forma, esse é um filme onde o cinema cumpre sua função social de denúncia, além de ser um importante instrumento de reflexão sobre quais rumos queremos para o nosso país, tão entupido de ódio e intolerância nos dias de hoje. Esse é um programa obrigatório para todos nós, seja de qual espectro político for.

Batata Movies – Imagens do Estado Novo 1937-1945. O Passado Materializado.

Cartaz do Filme

O diretor Eduardo Escorel traz par nós um documentário realizado no já longínquo ano de 2016. “Imagens do Estado Novo 1937-1945” é um importante documento e fonte histórica de nosso país, pois traz, na materialidade de suas imagens, muito do que aconteceu no período de nossa História que ficou conhecido como “Ditadura do Estado Novo”. Vindo desde a Revolução de 1930 e chegando até ao suicídio de Vargas, o documentário não deixou de ser fiel ao seu recorte, enfatizando mais o período 1937-1945. Além de muito material oficial do governo e do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), temos imagens também de particulares e de filmes como “O Descobrimento do Brasil”, de Humberto Mauro. Todas essas imagens são cimentadas e significadas por uma narração que tem a sua visão e interpretação dos fatos, que nem sempre pode agradar a gregos e troianos. De qualquer forma, sabemos que a História possui múltiplas interpretações do passado e que todas essas interpretações têm um local de fala, ou seja, não são neutras ideologicamente, como nada o é (até a suposta postura de ser neutro ideologicamente é uma postura ideológica). Como professor de História, consegui identificar vários elementos factuais que são trabalhados em sala de aula como, por exemplo, o Plano Cohen, que foi um complô orquestrado pelo governo ao denunciar uma suposta tentativa comunista de golpe, totalmente falsa, para justificar um golpe de estado dado pelo próprio Vargas para se perpetuar no poder.

Um presidente cuidando de sua imagem…

Vimos, também, a campanha queremista, onde era pedida uma Assembleia Constituinte e a permanência de Vargas no poder. Ou então as pressões militares para que Vargas saísse do governo após a Segunda Guerra Mundial. Mas o grande trunfo é que os filmes também mostram o cotidiano daqueles fatos, que eram cimentados por muitos eventos de curta duração praticamente despercebidos hoje, como um acidente de carro que manteve Vargas no hospital por alguns meses, fazendo com que sua ausência deteriorasse sua posição política num momento decisivo. Ou as visitas de Roosevelt ao Brasil nas tentativas de dissuadir o Estado Novo a continuar namorando com o Eixo.

Documentário fala de um cotidiano já esquecido…

Ou ainda, imagens (coloridas) dos eventos cívicos dos quais Vargas participava no Estádio de São Januário. Imagens de pessoas influentes do governo como Osvaldo Aranha ou Gustavo Capanema, também se faziam presentes. Toda essa materialidade de imagens trazem aqueles distantes dias até nós de uma forma muito vívida e ajudam a gente a compreender melhor todo o contexto daquela época, mesmo que sejam imagens lidas por uma versão ideologizada.

Pessoas próximas a Vargas são destacadas…

Aliás, essa é a grande questão colocada ao início da película: será que é possível fazer uma reconstrução histórica do período com um acervo de imagens? Nesse caso foi possível, mesmo que essa seja apenas uma das leituras possíveis de passado que podemos assumir. As imagens têm um peso tão determinante nesse documentário que ele tem a duração de 227 minutos, ou seja, quase quatro horas de duração, sendo o filme dividido em duas partes com um intervalinho de dez minutos. Até a exibição do filme se processa como antigamente.

Os integralistas…

Assim, “Imagens do Estado Novo 1937-1945” é uma grande relíquia de nosso cinema e uma espécie de material obrigatório para historiadores. Acima de um filme, esse documentário pode ser considerado uma verdadeira fonte histórica, pela força de suas imagens e pela leitura delas. Programa imperdível, sendo aquele tipo de filmes que já falamos aqui um monte de vezes, ou seja, aquele filme para ver, ter e guardar.

Batata Movies – Silêncio No Estúdio. A Trajetória De Uma Comunicadora.

Cartaz do Filme

Em meus tempos de infância, havia um programa de TV à tarde na Rede Bandeirantes cujo cenário reproduzia uma sala de uma casa muito elegante, onde uma senhora muito bem vestida falava com você de forma muito simples e direta, sempre abordando uma temática qualquer do cotidiano. Lembro-me que, a primeira vez que ela me chamou a atenção de verdade foi quando falou sobre o assunto das pessoas que perdiam os seus bichinhos de estimação e ofereciam uma pequena recompensa em dinheiro para quem os achassem. A elegante senhora ficava indignada com aqueles que, ao encontrarem os bichinhos perdidos e entregarem aos seus donos faziam questão da tal recompensa e não o faziam com a pura intenção de devolver um ente querido à família que sofria pela sua ausência, aliviando a sua dor. Esse pensamento, que pode parecer altamente simplório nos dias de hoje, era apenas um dos temas de um programa vespertino de TV, cujo principal público da época era o das donas de casa (algo que também não parece ser mais uma constante nos dias de hoje). E quem era a tal senhora bem vestida que conduzia esse programa? Seu nome era Edna Savaget.

Edna Savaget, uma mulher à frente de seu tempo…

E agora, para homenageá-la e para que as novas gerações a conheçam, foi lançado há alguns meses o bom documentário “Silêncio no Estúdio”, de Emilia Silveira, onde pudemos ver a trajetória de Savaget numa riqueza de detalhes. Mesclando imagens de arquivo de seus programas, filmagens, pessoais, muitas fotos e entrevistas de figuras como Artur Xexéo e o Boni, da Rede Globo, “Silêncio no Estúdio” consegue mostrar Savaget de uma forma que, a princípio, não notamos em toda a sua plenitude, pois sempre nos fica o estereótipo de que o programa feito para a tarde e para um público de donas de casa enfocado em variedades parece ser uma coisa menor, uma espécie de tapa-buraco na programação. Entretanto, Savaget não se encaixava de forma nenhuma nesse estereótipo, pois sua mente era de uma erudição inigualável, sempre lendo e, principalmente, escrevendo muito, desde romances, passando por poesias e chegando até a colunas de jornal. O jeito com que ela se dirigia ao público, comentando todo o tipo de coisa, de forma muito corajosa e direta, lhe trouxe alguns problemas, por exemplo, com a censura da ditadura militar.

Fernanda Montenegro foi uma das entrevistadas

É notável perceber que seu programa era um convite para a reflexão, justamente num veículo de comunicação – a TV – que foi concebido aqui no Brasil inteiramente para a função de entretenimento, com o objetivo de alienar e manipular as massas. Ela era uma apresentadora, por exemplo, que entrevistava escritores que falavam de seus lançamentos literários, levando pela primeira vez na TV a menção de nomes da literatura latino-americana como Gabriel Garcia Marquez e Jose Luis Borges. Savaget também abordava termas espinhosos para os mais conservadores, como uma nova ideia para a relação homem-mulher no casamento, que não se ancorasse em parâmetros determinados pela tradição, discutindo com muita coragem o papel da mulher nas décadas de 60, 70 e 80. Desafiando todas as convenções da época, ela apresentava em seu programa ao vivo sua maquiadora, uma transex, em dias de repressão latentes. Sincera, quando era demitida de uma emissora de TV ou se demitia, ela anunciava isso no ar e ao vivo, para a perplexidade geral. Mas, apesar de toda a sua vivacidade, Savaget também era muito sensível e, volta e meia, tinha crises de depressão. Todos esses elementos são contados com muita simplicidade nesse filme que faz a gente se apaixonar por Savaget por ela mesma, pelo que simplesmente ela é. O único problema que incomodou um pouco no filme foi no que se refere às entrevistas do documentário, pois optou-se por fazer um cenário muito escuro, com muitas molduras entulhadas num canto. A gente até entende a proposta estética da coisa, mas um primeiro olhar mais despreocupado dá a impressão de que as entrevistas foram feitas num depósito de coisas velhas, indo totalmente contra a grande vivacidade da homenageada pelo documentário. Mas isso não diminui a qualidade do resgate de Savaget e de sua trajetória pelo filme.

A diretora Emilia Silveira

Assim, “Silêncio no Estúdio” (onde o título desse filme é o mesmo de um dos livros escritos por Savaget) é um grande documentário que fala da trajetória de uma mulher notável que deu qualidade intelectual a um meio de comunicação visto por alguns como extremamente alienante, que é a televisão. A personalidade dessa senhora nos cativa instantaneamente e fica a vontade de ter aproveitado melhor aquele cotidiano longínquo de seus programas que a minha infância não os fez desfrutar direito. Uma pena.

Batata Movies – Em Pedaços. A Vingança Basta?

Cartaz do Filme

Um excelente filme que é co-produção Alemanha/França está em nossas telonas. “Em Pedaços” fala de dor, de vingança e de se tal vingança é capaz de aplacar uma dor muito grande. Esse também é um filme de denúncia, mostrando que a barbárie humana pode vir de qualquer lugar e não apenas de grupos que são vistos de forma marginalizada por aí. Também não podemos nos esquecer de que esse filme ganhou o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro.

Katja e o marido. Início de uma vida feliz.

Temos aqui a história de Katja Sekerci (interpretada por Diane Kruger), uma mulher alemã que casou com um imigrante de origem turca. Ele havia sido preso por tráfico de drogas, cumpriu a pena e voltou ressocializado para a liberdade e para os braços de sua esposa. Eles tiveram um filho e tocavam um negócio. Mas tudo veio por água abaixo, quando um atentado terrorista à bomba destruiu o escritório do casal, matando pai e filho. Katja mergulha, então, num redemoinho sem fundo e já havia cortado os pulsos quando seu advogado lhe liga e diz que um casal neonazista foi acusado de praticar o atentado. Assim, Katja reúne forças para ir ao julgamento e colocar os assassinos de sua família atrás das grades. Só que essa história ainda vai reservar muitas surpresas.

Logo, uma bela família é formada…

Esse é um filme sobre atentados terroristas que envolve muçulmanos. Mas, ao contrário do que o senso comum (e o preconceito) diria, o muçulmano é que é a vítima ao invés de algoz. O filme tem o grande mérito de denunciar o assassinato de muçulmanos na Alemanha por grupos neonazistas, algo que não é muito lembrado por aí. E o cinema cumpre sua função social de denúncia.

Descobrindo que sua família foi destruída…

Mas a película não é apenas isso, pois testemunhamos toda a via-crucis de Katja em todo o seu sofrimento, sendo algo muito dolorido, e dando a impressão de que nada, nem a condenação dos réus, poderá aplacar a sua dor. Não é à toa que esse filme também foi premiado em Cannes para melhor atriz. Diane Kruger conseguiu uma atuação bem convincente, em todo o seu esplendor e intensidade. Chorávamos com ela, sofríamos com ela, odiávamos com ela. Mas também ficou o alerta de que esses grupos neonazistas são muito bem articulados em toda a Europa, constituindo-se num perigo que os atentados terroristas de grupos islâmicos radicais encobrem devido à sua forte exposição na mídia. Às vezes, é melhor você se preocupar com os problemas que vêm de fora, enquanto que sua própria sujeira é varrida para debaixo do tapete.

Sofrimento no julgamento…

Esse é também um filme de julgamento, gênero que a gente não vê muito por aí hoje e que quando volta agrada, pois todo julgamento é um forte exercício de argumentação e retórica que, se bem construído, vale a pena ser assistido e acompanhado, o que é o caso aqui. Mas essa é apenas uma parte do filme que vai ter outros lances curiosos, mas não posso contar aqui em virtude dos spoilers.

Diana Kruger fez jus ao prêmio em Cannes

Assim, “Em Pedaços” é mais um bom filme que temos da Europa, que trabalha um tema atual – o terrorismo – mas que não fala do islâmico como vilão e sim como vítima. Nesse caso, o terrorista não vem de fora e está dentro de casa. Mais um filme de denúncia e de reflexão.

Batata Movies – Cartas Para Um Ladrão de Livros. Crime Como Ideologia?

Cartaz do Filme

Um curioso documentário brasileiro passou em nossas telonas. “Cartas Para Um Ladrão De Livros” mostra a trajetória de Laessio Rodrigues Oliveira, que frequentou o noticiário policial como o maior ladrão de obras raras do país há alguns anos. O filme mostra como Laessio começou sua vida no crime, inicialmente pegando revistas antigas em bibliotecas que tinham a imagem de Carmen Miranda, cantora da qual Laessio era grande fã. Com o tempo, Laessio descobre que há uma espécie de mercado, onde pessoas de condição social muito alta compram obras raras de todo o tipo, mantendo-as escondidas, já que elas não podem ser expostas, pois o crime seria revelado. Assim, Laessio transformou seu pequeno “passatempo” numa espécie de profissão e ele se especializou nos itens que eram roubados, adquirindo grande cultura geral. Laessio também fala de que ele seria incapaz de furtar algo de uma pessoa, mas que tem prazer em furtar coisas do Estado, já que este não cumpre com suas obrigações para com o povo. Segundo o protagonista do documentário, um figurão que compra uma obra rara furtada pode restaurar a mesma enquanto que o Estado não tem condições de fazer o restauro. Quando esse figurão morre, a obra acaba voltando para o Estado. O documentário também explorou bastante a opção sexual de Laessio, declaradamente homossexual e enfatizou seus relacionamentos enquanto esteve confinado na prisão.

Laessio,

Preferências sexuais à parte, e por se tratar de um personagem altamente polêmico, mesmo que o documentário dê muita voz ao personagem protagonista (como não deveria deixar de ser), o diretor Carlos Juliano Barros também entrevistou pessoas “do outro lado” ou seja, a diretora do Arquivo da Cidade do Rio de Janeiro, Beatriz Kushnir, assim como funcionários do arquivo que estavam revoltados com os furtos praticados por Laessio, e o delegado da Polícia Federal que conduziu as investigações, para deixar bem claro qual é o prejuízo à sociedade de um crime dessa natureza. Outro detalhe bem curioso é como a única pessoa que se deu mal com todo o episódio foi o próprio Laessio, com os figurões que compravam suas obras permanecendo completamente anônimos e ainda ameaçando o diretor do documentário de processo na justiça caso tivessem seus nomes divulgados. Já Laessio foi preso várias vezes nos últimos anos.

No Real Gabinete Português de Leitura

De qualquer forma, se algumas das obras raras foram jamais recuperadas, outras, por sua vez, voltaram aos arquivos, mostrando que os esforços de investigação não somente da Polícia mas da própria diretora do Arquivo da Cidade do Rio de Janeiro, surtiram efeito. A gente só não pode se esquecer de que o furto de obras raras impossibilita que pesquisadores de nossa memória e de nosso passado entendam um pouco melhor a construção de nosso país e de nossa identidade e isso prejudica em muito a compreensão de nós mesmos.

Vida pessoal muito explorada no documentário…

Por isso, apesar da imagem aparente de glamourização de Laessio no documentário, não podemos nos esquecer de que este é um crime grave, pois lesa a nossa já combalida memória nacional. Mesmo assim, vale a pena dar uma olhada no documentário e o espectador deve tirar suas próprias conclusões.

Batata Movies – Jovem Mulher. Uma Menina Perturbada E Um Gato.

Cartaz do Filme

Um filme francês muito curioso passou em nossas telonas. “Jovem Mulher” é uma daquelas películas que fala de pessoas que não se enquadram muito bem nas regras e convenções impostas pela sociedade e que acabam vivendo largadonas por aí, sem qualquer perspectiva de vida e ao sabor dos acontecimentos. Um filme que pode ser uma tortura para os mais metódicos.

Paula, a menina maluquinha…

Vemos aqui a história de Paula (interpretada por Laetitia Dosch), uma moça bem perturbada que está em crise com o namorado e acaba ficando internada provisoriamente numa instituição psiquiátrica. Depois da internação, ela tenta voltar ao apartamento de seu companheiro, que não a deixa entrar. A moça vê o gato do namorado na rua e acaba o levando. Andando pela noite, ela fica por aí, aqui e ali, dormindo na casa de amigos ou até de desconhecidos, além de hotéis baratos. Completamente sem rumo, Paula precisa reconstruir sua vida, fazendo bicos de babá e trabalhando numa loja de departamentos. O filme transcorre nessa montanha russa de emoções, onde as pessoas que entram e saem da vida de Paula acabam definindo novos rumos para a sua vida.

com o gato do namorado…

O filme foi classificado por aí como comédia dramática. Mas, cá para nós, de comédia esse filme não tem nada, muito pelo contrário até. Ele é um drama psicológico bem pesado, onde uma moça completamente perdida vai se equilibrando como pode nas agruras da vida, ora recebendo uma parca ajuda de alguém, ora nem isso. A sensação que temos é a de que Paula tem uma estrutura muito frágil que entrará em colapso a qualquer momento, e isso é algo extremamente angustiante, até porque a própria personagem é contra uma filosofia de vida mais estável e prefere uma vida mais galgada ao sabor dos acontecimentos. O problema é que a coisa toda acaba ficando muito instável e muitos momentos da vida de Paula se tornam um verdadeiro martírio, até porque ela não consegue se enquadrar nas convenções sociais, passando muitas vezes uma imagem até meio infantil.

Vida ao sabor dos acontecimentos…

Do jeito que a coisa é conduzida na narrativa, fica a impressão de que essa forma mais “livre” de se encarar o mundo é vista como negativa pelo filme, pois a própria personagem alimenta um discurso um tanto libertário mas tem a plena consciência de que precisa imediatamente de alguma estabilidade em sua vida. Visão conservadora? Talvez. Mas é interessante notar como a película trabalha esses dois pólos à medida que a trajetória da protagonista se desenrola. Num momento, ela abomina a palavra “livre”, pois significa que ela está sozinha. Mas, em outro momento, ela trata esse termo com bastante indiferença.

Doidinha na entrevista de emprego…

Apesar de termos uma película que é um choque de realidade e termina com um anticlímax, o desenrolar do roteiro não é enfadonho e prende a atenção do público, mesmo sendo algo não espetacular (salvo em poucos momentos). Isso deve acontecer, pois é uma história com a qual nos identificamos, pois conhecemos alguns exemplos reais do que vemos no filme por aí.

Aos poucos, ela encontra amigos…

Assim, “Jovem Mulher” é um drama que fala da vida real de forma nua e crua, algo que pode angustiar bastante. É um filme cujo roteiro parece tomar partido por uma vida mais metódica do que sonhadora. Um filme que não deixa o espectador ficar sem pensar e que, por isso, merece a sua atenção.

Batata Movies – 120 Batimentos Por Minuto. Vida Em Tempos De AIDS.

Cartaz do Filme

Um polêmico filme francês passou em nossas telonas. “120 Batimentos Por Minuto”, de Robin Campillo,  que ganhou o Grande Prêmio do Júri em Cannes, nos leva aos anos 80 na França para testemunharmos as ações do grupo Act Up, que defendia que os infectados pelo vírus HIV tivessem acesso mais rápido e fácil a novos medicamentos desenvolvidos por laboratórios que, aparentemente, visavam apenas ao lucro. Vale lembrar que, naquela época, havia pouquíssimas drogas que davam um tratamento apenas parcialmente eficaz e que traziam efeitos colaterais desagradáveis, como o AZT.

O diretor Robin Campillo

O Act Up fazia ações volta e meia radicais, como invadir os escritórios de laboratórios e sujar tudo com um sangue artificial, invadir escolas e fazer campanhas de prevenção na marra, etc., tudo isso sob a alegação de que o tempo dos infectados era muito pouco e que eram necessárias ações mais rápidas para combater o problema que tinha dimensões de saúde pública (segundo o que foi falado no filme, a França daquela época era o país da Europa com o maior número de casos de AIDS, o que não podia em hipótese alguma ser negligenciado pelo governo).

Manifestações com sangue artificial

Outro ponto interessante do filme foram as reuniões que o grupo fazia, mostrando uma diversidade de opiniões que nem sempre se relacionavam de forma harmoniosa. Apesar de muitos momentos de conflito, ainda assim a gente podia ver como era o debate de um grupo de pessoas muito esclarecidas, algo que não acontece com muita frequência por aqui, infelizmente. Foi curioso, também, perceber a quantidade de homossexuais no grupo. Sabemos que o filme é datado e que hoje a AIDS está muito mais difundida em vários segmentos sociais.

Reuniões onde as opiniões eram expostas e votadas…

Mas o filme deu um pouco a impressão de que a AIDS era uma doença restrita muito mais ao mundo gay do que a outros, embora a película tenha dito reiteradas vezes que qualquer um possa se infectar. Talvez tivesse sido melhor mostrar não somente como a AIDS atingia os homossexuais, mas também os heterossexuais.

Momentos de affair….

Uma coisa que provocou muito impacto foi mostrar o desenvolvimento da doença e como ela definhava as pessoas violentamente naqueles dias (não que isso não aconteça hoje, isso tem que ficar bem claro). Isso se deu de forma fictícia, onde foi mostrado todo o processo de morte lenta de um dos personagens do filme, Sean (interpretado por Nahuel Pérez Biscayart), como de forma real, quando vimos a foto de um casal gay americano infectado, onde um dos membros do casal estava extremamente debilitado e desfigurado pela doença. Talvez essa seja a parte mais importante do filme, pois depois do terror mundial que a doença provocou, os dias de coquetel, mesclados às novas gerações que não presenciaram aqueles dias dos anos 80 e 90, trouxeram uma nova vida de descuidos e o aumento do número de infectados. Relembrar todo o mal da AIDS no filme é um choque necessário que as pessoas precisam sofrer, fazendo a película cumprir sua função social.

Em Cannes, os atores Arnaud Valois, Adèle Haenel e Nahuel Pérez Biscayart 

Assim, “120 Batimentos por Minuto” é um filme muito importante que nos faz relembrar de todas as mazelas da AIDS e notar que a doença ainda está por aí e é muito perigosa. É uma prova de que o cinema pode ser uma arte útil, do ponto de vista de denúncia de uma situação que parece que muitos não enxergam mais.

Batata Movies – Assim É A Vida. Montando Um Casamento.

Cartaz do Filme

A dupla Eric Toledano e Olivier Nakache (de “Os Intocáveis”) está de volta com a boa comédia “Assim é a Vida”. Desta vez, os diretores e roteiristas se superaram em fazer rir. No filme “Intocáveis” já tivemos uma boa comédia, embora houvesse pitadas de drama em alguns momentos. Já em “Assim é a Vida”, deu-se liberdade total à arte de fazer rir.

Max (centro). Muito estressado  com seus empregados…

O enredo da película é muito simples. Uma pequena empresa organiza uma festa de casamento num castelo do século XVII e vemos os bastidores dessa organização. Temos uma grande equipe liderada por Max (interpretado por Jean-Pierre Bacri), um chefe bem estressado. Também pudera. Sua trupe de funcionários provoca as mais confusas situações, colocando nosso patrão em maus lençóis várias vezes. A organização da festa em si é uma sucessão de problemas para se resolver, onde todos correm contra o tempo. E, para piorar, o noivo (interpretado por Benjamin Lavernhe) é, ainda, um cara extremamente exigente, egocêntrico e até megalomaníaco, o que somente coloca mais pressão em todos.

Um noivo malucão…

Contado dessa forma extremamente simplória (até para se evitar os spoilers), a coisa parece muito sem graça. Mas Toledano e Nakache conseguem transformar o filme em algo muito divertido, onde a comédia vai paulatinamente tomando conta da película até o momento da festa em si, onde a sequência de eventos provoca gargalhadas no público. Outra coisa que ajudou muito o filme foi a grande variedade de funcionários e, consequentemente, de bons personagens e oportunidades diferentes para se fazer rir, deixando a comédia sempre com um ar de ineditismo.

Um fotógrafo que odeia celulares…

E até as piadas repetidas foram inseridas na película em horas oportunas, o que só serviu para melhorar a comédia. Dentro dos vários personagens do filme, podemos destacar um fotógrafo que se irrita com pessoas tirando fotos pelo celular quando ele trabalha, um garçom que é apaixonado pela noiva (ela é uma antiga colega de escola dele), uma mãe do noivo toda deslumbrada, um músico grosseirão e inconveniente (magistralmente interpretado por Gilles Lellouche), um garçom que não sabe cortar robalo (na verdade, ele nem sabe que um robalo é um peixe), dois paquistaneses que riem das situações mais constrangedoras (até porque não sabem falar francês direito) e outros casos.

Um vocalista muito inconveniente…

Assim, se você está com vontade de curtir uma boa comédia de dois competentes diretores e roteiristas do cinema francês atual, não deixe de ver “Assim é a Vida”. Embora haja no elenco poucos nomes conhecidos pelo público brasileiro de atores, todos eles trabalharam muito bem, não deixando o ritmo do filme cair e provocando muitos risos no espectador. Vale a pena dar uma conferida nessa boa película francesa.