Batata Movies – Acossado. Ainda Tentando Entender Godard.

                  Cartaz do Filme

Quem já leu o que escrevo sabe que tenho uma relação muito difícil com Godard. Seus filmes são, para minha pessoa, herméticos, chatos, sem sentido até, talvez por possuírem uma narrativa demasiadamente fragmentada. Já falei em outros carnavais que essa característica dele até se aproximaria da de Glauber Rocha, mas os filmes do cineasta brasileiro seriam mais digeríveis em virtude de tratarem de uma realidade mais próxima de nós. Essa má relação com Godard na minha vida de cinéfilo sempre me incomodou. E olha que eu juro que tento. Vou ao cinema ver seus filmes, presto a maior atenção nas falas, roteiro, fotografia, montagem, etc., mas a decepção sempre vem logo depois. Uma fragmentação do cacete. O único filme de Godard de que realmente gostei foi “Alphaville”, uma alegoria do mundo em que vivemos manifesta numa sociedade fictícia. Um filme com um verniz de ficção científica distópica. Agora, o resto…

                                                                              Um malandrão…

Bom, tive mais uma chance de conhecer o cara. Fui rever “Acossado” no cinema, depois de alguns anos de tê-lo visto. Quem sabe minha impressão sobre o filme não tivesse mudado com a idade e com a bagagem que tenho hoje (se é que tenho alguma)? Tinha que me dar mais uma chance e ao malucão cultuado por meio mundo.

                                                                                 Uma ninfeta…

O filme tem um plot muito simples. Um malandrão, misto de assaltante e “bon vivant” (interpretado por Jean Paul Belmondo), mata um policial e passa a ser perseguido. Enquanto se esgueira da polícia e da falta de grana praticando pequenos furtos debaixo do nariz da menininha que namorava, ele corteja uma bela americana que estuda jornalismo e tem um quê intelectual bem maior que o dele. Despreocupado com o cerco cada vez mais próximo da polícia, nosso anti-herói busca convencer a ninfeta a ir com ele para a Itália. Até que a sua vaca vai para o brejo e ele morre com os tiros dos policiais (como esse filme tem quase sessenta anos, eu acho que posso dar spoiler).

                                                                                   Um affair…

Pois é, o que eu achei dessa vez? Se da última vez que eu assisti à película eu a achei muito hermética e chata, dessa vez, vendo com um pouco mais de atenção, notei algo bem interessante, que foi para mim o grande trunfo do filme: a sua montagem. E por que isso? Em alguns momentos das andanças do personagem de Belmondo (Michel Poiccard), a forma como eram feitos os cortes de câmara tornavam a ação muito mais rápida, como se o filme tivesse um ritmo muito frenético. Por exemplo: vemos o homem numa garagem andando em direção ao carro. A imagem seguinte já é o carro andando pela rua. Não vimos ele abrindo a porta, entrando e ligando o carro. Essa mudança brusca nas tomadas dava uma impressão de velocidade a gente não vê frequentemente por aí. Em compensação, o filme ficava com um ritmo extremamente lento quando víamos Michel cortejando a bela lourinha americana (interpretada por Jean Seberg). E os diálogos eram muuuito chatos. O que a gente podia tirar de todo aquele palavrório era que a lourinha era bem mais inteligente e fazia gato e sapato dele na maioria das vezes. Quando a moça queria ter uma conversa mais intelectualizada com ele, não conseguia. Quando ele levantava a saia dela, tomava um tapa na cara (ele chegou até a descer do carro que dirigia para levantar a saia de uma moça qualquer na rua para comprovar sua teoria de que queria ver pernas bonitas). E dava na moça verdadeiros coices quando ela não cedia aos seus encantos, até na hora da morte, justamente para lhe causar remorso. Tudo isso não estando nem aí para a polícia que se aproximava, ao melhor estilo do “vamos ver no que dá”. Sei não, não fosse por Seberg, o filme seria mais difícil de assistir. Tudo bem que nosso protagonista tinha um espírito livre e transgressor, sendo uma espécie de porta-voz dos anseios daquela geração, eu entendo isso tudo. Mas aqueles diálogos com a americana eram simplesmente um saco.

                                                                                Diálogos sacais…

No mais, os fragmentos de sempre, como no caso da entrevista feita com o romancista que se monta num trono de arrogância e é meio que cultuado pela aspirante a jornalista. Senti um fio bem denso de ironia à intelectualidade ali, principalmente nas cantadas e olhares do romancista, que o reduziam aos humanos normais, sendo esse momento também até que interessante, principalmente quando a gente se lembra do gênio difícil de Godard e de sua relação com a intelectualidade. O filme também tem um quê meio policial, principalmente nas perseguições da polícia ao protagonista. Mas ainda assim, “Acossado” é entediante, principalmente porque ele se pauta muito nos famigerados diálogos de Belmondo e Seberg.

Assim, creio que eu ainda não consegui entender Godard de todo. Mas andei alguns centímetros na direção disso ao notar o dinamismo da montagem e algumas ironias bom finas. Pena que o filme não manteve esse ritmo o tempo todo. Esperemos a próxima chance de confrontar Godard. E pensar que o roteiro de “Acossado” foi escrito por Truffaut, esse sim um diretor da Nouvelle Vague que eu gosto. Ironias da vida…

 

Batata Movies – Os Iniciados. Tradição E Modernidade No Interior Da África Do Sul.

                  Cartaz do Filme

Um curioso filme passou em nossas telonas. “Os Iniciados” fala de tradição. Mas também fala de modernidade. Mais uma película que trata do embate entre esses dois pólos, trabalhando, dessa vez, a modernidade como algo mais positivo que a tradição. É um filme que trata, ainda, da questão do homossexualismo.

                               Xolani tem uma importante missão…

Vemos aqui a história de Xolani (interpretado por Nakhane Touré), um homem do interior que foi incumbido de levar um adolescente da cidade grande para o interior com o objetivo de orientá-lo num ritual de iniciação que o transformará em… homem (!). Tal ritual consiste numa violenta circuncisão à sangue frio, que deixa um grande ferimento que deve ser tratado num espaço de duas semanas. Enquanto tratam de seus ferimentos, os iniciados participam, junto de seus orientadores, de uma série de outros rituais que os transformarão em homens.

                                                  Mestre e aprendiz…

Até aí, descontando a violência da circuncisão, tudo bem. O problema é que Xolani é homossexual e tem um caso com outro orientador, Vija (interpretado por Bongile Mantsai). Como o iniciado de Xolani também é homossexual e está ali muito a contragosto, e o rapaz percebe o caso dos dois orientadores, dá para perceber como o relacionamento entre esses três personagens será uma espécie de bomba relógio nesse ambiente regado à muita testosterona.

  Um jovem da cidade perdido num ritual tribal…

O embate entre tradição e modernidade se manifesta aqui de várias formas: o campo e a cidade (onde o iniciado de Xolani é visto com preconceito pelos outros iniciados por ser da cidade e o próprio iniciado vê os outros com preconceito por estarem tão atrelados àqueles rituais); a cultura homossexual e heterossexual; a tecnologia e a vida silvícola. Esses pólos não se manifestam de forma estanque e mesclam-se entre si, principalmente no caso dos orientadores homossexuais que, ao mesmo tempo, são guardiões das tradições. O próprio jovem, que é do meio urbano e repudia a tradição, acaba se agarrando de certa forma a ela quando ele quer se afirmar perante os demais jovens que caçoam dele e o faz de uma forma violenta, como a boa tradição masculina impõe. Muitas vezes, a dubiedade da situação entre esses dois pólos aparece no gestual corporal dos personagens, sobretudo no relacionamento entre Xolani e Vija, onde as carícias são feitas de forma ríspida e precedidas de agressões físicas, como se a opressão da tradição os impedisse de terem uma postura mais carinhosa um com o outro.

Uma relação homossexual num ritual de afirmação de masculinidade…

Em virtude de toda a tensão produzida pelo filme, um happy end acaba se tornando impossível aqui. Mesmo com essa constatação um tanto óbvia, o final não deixa de ser surpreendente, de uma certa forma. Mas paremos com os spoilers por aqui.

                                                  Uma rotina difícil…

Assim, “Os Iniciados” mostra para nós mais uma vez o embate entre a tradição e a modernidade, desta vez no interior da África do Sul e numa cultura que pode ser considerada muito exótica para alguns, mas que não deixa de ter algumas ligações com a nossa cultura ocidental por outro lado. A coisa da circuncisão e do “ser homem” não é, de jeito nenhum, uma exclusividade dessa cultura tribal africana exposta no filme. E, mais uma vez, temos uma película que nos faz pensar, o que sempre é algo bem vindo.

Batata Movies (Especial Oscar 2018) – Sem Amor. Uma Violenta Tragédia Travestida De Real.

              Cartaz do Filme

Mais um filme que concorre ao Oscar. Temos aqui o russo “Sem Amor”, que concorre à estatueta de Melhor Filme Estrangeiro. Confesso que nem gosto muito do enredo da película: um casal em crise, com violentas brigas, fruto de uma decisão mal tomada de viverem juntos, tratam o filho como um verdadeiro empecilho às suas vidas, o que deixa a criança num mato sem cachorro, obrigando-a a tomar uma atitude drástica, onde somente aí os pais farão alguma coisa com relação ao menino.

                         Um menino perdido…

Infelizmente, a gente vê muito disso por aí, com crianças praticamente jogadas ao mundo sem qualquer base ou apoio de pais que são completamente irresponsáveis e pensam apenas em si próprios. Creio aqui que o diretor Andrey Zvyagintsev optou pelo cinema como arma de denúncia das injustiças que vemos por aí pelo mundo. Nesse ponto, o filme é uma obra-prima, pois ele é extremamente perturbador, optando pelo trágico, mas, principalmente com a noção de que a lição não foi aprendida e que os mesmos erros continuarão, tudo isso em virtude da falta de amor e compaixão entre as pessoas. Vemos aqui uma história extremamente tensa, onde o espectador frequentemente sai de sua zona de conforto, se é que há alguma. A gente também se revolta um pouco com os próprios personagens em sua falta de compaixão e com a preocupação com apenas seus próprios umbigos, fugindo de suas responsabilidades para quem os ama. “Sem Amor” pode então ser qualificado, também, como um filme extremamente revoltante, onde o espectador não desenvolve qualquer empatia com seus personagens, muito pelo contrário até.

                              Uma mãe perdida…

Pelo menos, o filme mostrou algo de muito interessante: como uma investigação policial se processa de forma muito eficiente em países que minimamente levam a segurança pública a sério. A gente se pergunta, ao assistir à película, se toda aquela competência aconteceria da mesma forma por aqui. E, geralmente, as conclusões sobre este questionamento não seriam muito boas, infelizmente. Mas não entrarei em maiores detalhes em virtude dos spoilers.

                            Um pai perdido…

Creio que, por despertar sentimentos tão fortes (definitivamente não dá para a gente ficar indiferente ao que vemos ao longo da projeção), essa é uma película que mereceria o Oscar, não fosse a forte concorrência com filmes como “O Insulto” e “Corpo e Alma”, mais digeríveis pelo público. Entretanto, a sua indicação já abriu espaço suficiente para a sua denúncia de um grave problema social que transcende fronteiras e culturas, ou seja, não estamos criando nossas crianças direito, parecendo ser esse um fenômeno mundial, principalmente quando vemos esse tipo de situação tanto aqui no Brasil quanto num país tão culturalmente diferente do nosso quanto à Rússia. Tem ficado por aí a dúvida de se a inserção cada vez maior da mulher no mercado de trabalho está tirando a referência de vida das crianças, pois elas não têm mais a companhia materna à sua disposição o dia inteiro para educá-las.

                               Uma avó perdida…

Ao mesmo tempo, se isso estiver acontecendo, ainda assim a solução não seria retirar a mulher do mercado de trabalho e confiná-la em casa com seus filhos. De qualquer forma, as consequências dessa falta de referência na educação das crianças em todo o mundo recairão sobre nós mesmos. Por essas e por outras, “Sem Amor”, apesar de profundamente odioso, é um filme fundamental, onde o cinema cumpre a sua função social de denúncia. É para se ir ao cinema, assistir, se indignar e, principalmente, refletir…

 

Batata Movies (Especial Oscar 2018) – Visages Villages. Memória E Identidade.

               Cartaz do Filme

Dando sequência às nossas análises sobre filmes indicados ao Oscar 2018, vamos falar hoje do excelente documentário “Visages Villages”, de Agnes Varda e do artista (muralista e fotógrafo) JR, que justamente concorre à estatueta de melhor documentário. A grande dama da nouvelle vague e esse jovem artista francês irão viajar pela França em busca de pequenas localidades e povoados, munidos de um caminhão que é uma espécie de câmara fotográfica gigante. Existe nele uma cabine onde as pessoas posam para fotos que são tiradas e que, segundos depois, são impressas em tamanho gigante em papel. Essas fotos são usadas depois para serem feitos enormes murais em prédios e habitações dos povoados que eles visitam.

                                   Varda e JR

Essa brilhante ideia, do ponto de vista artístico, também é sensacional do ponto de vista da preservação da memória e identidade locais, trabalhando a autoestima da população.

          Uma moradora em heroica resistência…

É comovente ver pessoas simples, anônimas, retratadas em tamanho gigante nas paredes das casas e pequenos prédios. Tivemos casos muito legais, como o da vila de mineiros que está praticamente abandonada e que tem ainda uma moradora. Lá, fotos antigas dos mineiros foram reproduzidas nas fachadas das casas, assim como da última moradora que ainda resiste, o que levou esta às lágrimas.

                  Uma garçonete na fachada…

O mesmo foi feito com trabalhadores de uma indústria química, uma moça que trabalhava como garçonete num vilarejo, um fazendeiro com sua imagem registrada no seu celeiro e até o próprio carteiro de Varda, ornando a fachada de um prédio. Varda e JR também não escaparam de serem retratados e pudemos ver, por exemplo, os dedos do pé e os olhos da diretora ornando vagões de trem. Aliás, um outro momento divertido do filme foi a relação entre Varda e JR, onde a diferença de idade ditou as regras. Havia momentos muito ternos entre os dois, mas também havia momentos um tanto tensos. Foi hilário ver Varda pedindo a JR que tirasse seus óculos escuros que ele usava permanentemente, algo que o artista se negava terminantemente, da mesma forma que Godard o fizera para Varda décadas antes. Godard não é somente citado nessa parte do filme e uma referência a ele surgirá mais ao final. Mas, chega de spoilers!

              Abbey Road com olhão ao fundo…

Assim, “Visages Villages” é mais um bom filme indicado ao Oscar que está em circuito para o querido leitor desfrutar. A grande diva do cinema francês Agnes Varda junta suas forças com um renomado artista visual e passeia pela França captando histórias de vida, monumentalizando-as, dando enormes contribuições para a memória e identidade locais. Um trabalho de autoestima. Um trabalho humanista. Um trabalho do coração. Um filme imperdível!!!

Batata Movies – De Volta. Em Busca De Um Passado Perdido.

                 Cartaz do Filme

Quando a gente fala da atriz iraniana Golshifteh Farahani, a gente baba. E muito, em virtude da beleza estonteante dessa atriz, que consegue expressar toda a sua beleza até quando lhe colocam uma maquiagem para lá de exótica como vimos em “Piratas do Caribe, A Vingança de Salazar”.  Mas é legal ver Farahani não em Hollywood, onde a cultura WASP a coloca como um bibelô para brancos desbotados verem, e sim em sua verdadeira área de atuação, que é o cinema lá do Oriente Médio, onde essa maravilhosa e bela atriz desabrocha em toda a sua plenitude. Só é de se lamentar que tais filmes às vezes demorem muito para chegar aqui. É o caso de “De Volta”, realizado no já longínquo ano de 2015 e que somente chega por aqui três anos depois.

                                   Uma moça em busca de identidade…

Vemos a história de Nada (interpretada por Farahani), uma moça que nasceu no Líbano e que tem apenas vagas memórias de sua infância. Ela saiu de seu país, ficando fora por muitos anos. Agora ela está de volta ao Líbano e a seu vilarejo de origem, onde a antiga casa da família está em ruínas. Nada passa a viver lá dentro e a reconstruir de alguma forma a casa, para espanto da vizinhança local. Mas esse não é apenas o único problema ali. Seu avô desapareceu misteriosamente e as vagas memórias de sua infância apontam que ele foi espancado pelos vizinhos. Eram os tempos difíceis da guerra civil e ela acreditava piamente que seu avô tinha sido injustamente assassinado e enterrado no quintal da própria casa. Mas, seria isso mesmo?

                              Irmão traz o conforto do seio familiar..

Esse é basicamente um filme que aborda a temática da memória e dos traumas do passado. Nada tinha abandonado o seu país e um passado de muitas turbulências, onde tudo havia ficado muito turvo em suas recordações. Retornar ao seu país, recuperar sua casa e o nome de sua família soavam como uma obrigação de ajustar as contas com seu passado e sua identidade. Mas nossa protagonista parece que vai ter a tarefa inglória de fazer tudo isso sozinha, já que nem o seu irmão compactua com os valores familiares exaltados pela moça e há muito perdidos.

Apesar de um elenco variado, esse é um filme que gira totalmente em torno de Farahani. A atriz consegue expressar desde uma angústia latente, provocada pelo inconformismo de ter o nome de sua família jogado ao lixo, até momentos bem íntimos e ternos com seu irmão, que a colocam um pouco de volta ao conforto do seio familiar. Mesmo com o semblante cansado e sofrido de sua personagem, Farahani continua arrancando suspiros com sua beleza magistral.

O único problema da película é que ela peca por seu ritmo muito lento e arrastado, tornando a coisa um pouco enfadonha e que dispersa nossa atenção. De qualquer forma, essa não é uma película em que você pode esperar ação. Talvez essa estivesse um pouco  nas muitas memórias em flash-back da personagem Nada, colocadas de forma suficientemente coerente ao longo da película.

                                  Exilada em sua própria cidade…

Assim, se “De Volta” é um filme de ritmo lento, ainda assim ele vale a pena ser visto, pois trata da questão do resgate da memória e da identidade, além de contar com a presença estonteante de Farahani, uma das mais belas atrizes do cinema mundial contemporâneo. Exaltemos a diva no seu melhor campo de atuação, que é o cinema do Oriente Médio.

 

Batata Movies (Especial Oscar 2018) – O Insulto. Sem Escolher Um Lado.

                  Cartaz do Filme

Dando sequência aos filmes indicados ao Oscar, falemos hoje da película libanesa “O Insulto”, que concorre à estatueta de Melhor Filme Estrangeiro. Podemos dizer que, se a premiação primar pela qualidade e não pelos parâmetros de indústria, essa película é favoritíssima. Definitivamente, esse é um dos melhores filmes do ano até agora, sem qualquer tipo de exagero.

               Uma sacada semeará a discórdia…

O filme mostra para nós como uma pequena questão individual afeta todo um coletivo. Estamos no Líbano e um mecânico de automóveis, Tony Hanna (interpretado por Adel Karam), vive como um devotado cristão, numa região onde política e religião muito se misturam. Um belo dia, ele recebe a visita de um palestino, Yasser Salameh (interpretado por Kamel El Basha), que trabalha para o governo consertando irregularidades em edifícios. Yasser tinha sido molhado pela calha que estava construída irregularmente na sacada do apartamento de Tony, que se recusou que Yasser entrasse em seu apartamento. Yasser, então, tentou resolver o problema pelo lado de fora do prédio (o apartamento de Tony estava no primeiro andar), mas Tony quebrou toda a nova calha que Yasser tinha colocado. O palestino, revoltado, xingou Tony, que exigiu um pedido de desculpas que o palestino não deu. O patrão de Yasser tentou contornar a situação, mas Tony estava irredutível. Quando finalmente o patrão de Yasser o convenceu de ir à oficina de Tony pedir desculpas, este começou a fazer um discurso de ódio contra os palestinos, o que lhe custou um soco na barriga dado por Yasser. Esse seria o estopim de uma batalha judicial que levou todo o Líbano à beira de uma guerra civil.

                                                      Um insulto…

Antes de mais nada, a gente precisa explicar por alto a geopolítica local. Com a invasão dos judeus à Palestina, fundando posteriormente o Estado de Israel, muitos palestinos se refugiaram no Líbano, o que levou a muitas tensões com os cristãos do país. Ficaram famosas as imagens, durante a década de 80, de Beirute, a capital do Líbano, sendo sistematicamente destruída pela guerra entre cristãos e muçulmanos. Depois de algum tempo, esses dois povos acabaram com a guerra, mas a tensão entre eles sempre viveu subliminarmente dentro do Líbano. Os libaneses que davam emprego aos palestinos eram acusados de traidores da nação, pois mantinham os palestinos em solo libanês. Havia, também, toda uma reclamação por parte dos cristãos de que a mídia internacional vitimizava demais os palestinos e não reconhecia as atrocidades feitas por eles no Líbano em guerras passadas.

                                    … e a coisa ficou muito difícil…

Com esse pequeno histórico, a gente pode compreender como uma pequena rusga doméstica e privada entre um libanês cristão e um palestino tomou tamanhas proporções. Infelizmente os spoilers me evitam de entrar em maiores detalhes, mas posso dizer aqui que a questão judicial entre os dois tomou caminhos tortuosos, com plot twists (ou a popular reviravolta) a todo instante. Esse, também, é um daqueles filmes para quem gosta de julgamentos e tribunais, onde havia um detalhe muito peculiar que ligava os advogados de acusação e de defesa.

Um detalhe chama muito a atenção no filme. Apesar de estarem politicamente em pólos totalmente antagônicos, há uma característica em comum entre Tony e Yasser: os dois são homens totalmente honrados e de caráter, cada um ao seu modo, e tinham traumas pregressos que ajudavam a tornar a questão ainda mais complexa. Esse ponto ajuda a humanizar demais os personagens, o que aponta para a escolha corretíssima de não se jogar na película um discurso maniqueísta, onde um lado é glorificado e outro é demonizado. O filme contemplou ambos os lados presentes no julgamento, sem julgamentos de valor. Claro que o veredicto final teve que dar a causa para um lado, mas, mesmo assim, o que estava em jogo naquele momento era algo muito maior, ou seja, a estabilidade politica de um país inteiro, algo que os dois lados perceberam claramente e passaram a torcer juntos para que a decisão dos juízes não tomasse proporções catastróficas. Tomando esse viés, o filme se torna um forte libelo pela tolerância e compreensão entre povos que outrora se mataram pelo ódio na guerra. E, principalmente, o filme aponta como uma situação particular pode perigosamente afetar o geral, sendo mais um importante ponto de reflexão.

                     Quem ganhará essa causa???

Assim, se tivermos uma noite de premiação justa, “O Insulto” merece, e muito o Oscar, pois consegue mostrar como uma guerra de gigantescas proporções pode surgir de uma situação pequena e banal. Ainda, esse é um filme que mostra de forma taxativa a importância da tolerância e do respeito às diferenças, principalmente quando se está sentado em cima de um barril de pólvora com um fósforo aceso. Esse é um daqueles filmes para se ver, ter e guardar, constituindo-se num programa imperdível.

 

Batata Movies (Especial Oscar 2018) – O Artista Do Desastre. Fazendo O Pior Filme Do Mundo.

     Sensacional cartaz do filme

Um filme muito bom e louco em nossas telonas.  “Artista do Desastre” ganhou o Globo de Ouro de Melhor Ator para musical ou comédia (James Franco) e concorre ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado. É um filme sobre um filme que entrou para a História do Cinema como a pior coisa já feita para as telonas e que se transformou numa espécie de cult movie. O ator James Franco, interessado pela trajetória de vida do realizador da bizarra película “The Room”, Tommy Wiseau, decidiu contar essa história para nós. Ele assina a direção e protagoniza Wiseau no filme.

                                                 Um porra louca…

A história de “Artista do Desastre” começa num teatro, onde um ator excessivamente tímido é escovado pela sua professora perante toda a turma. Esse ator é Greg Sestero (interpretado por Dave Franco, irmão de James Franco) e sai do palco derrotado. A professora então se vira para os outros alunos e lhes pergunta se alguém pode fazer ali uma atuação em que não haja no aluno qualquer medo de exposição. Eis que se levanta Tommy e ele começa a gritar, espernear, subir a escada e se jogar. Isso encantou Greg, que se aproxima de Tommy, pedindo-lhe dicas de como vencer a inibição. Será apenas o começo de uma grande amizade, onde Greg vai cair de cabeça. Ele abandona a casa da mãe e vai com Tommy para Los Angeles tentar a vida artística, mas os dois não conseguem muita coisa. Eis que Tommy decide então escrever um roteiro e rodar um filme por conta própria. O cara tem muito dinheiro, mas ninguém sabe como. A partir daí, vemos o dia-a-dia das gravações numa torrente para lá de surreal, onde a vida imita a arte.

                           Dois irmãos interpretando dois amigos

Esse é um filme todo focado em James Franco, que esteve simplesmente sensacional. Essa, provavelmente, foi uma de suas melhores atuações da carreira, pois Tommy Wiseau era um total porra louca, extremamente carente e que parecia não ter a menor ideia do que estava fazendo, mergulhado numa dislexia total. O filme, que é muito engraçado ao seu início, se torna um bom drama com o passar da película, pois todo o lado frágil de Tommy aparece, assim como todo o seu atrito com a equipe de produção, onde tivemos situações bem cabeludas. É, sem dúvida, um personagem difícil de interpretar, mas o trabalho de Franco fez com que Tommy cativasse mais e mais o espectador. Dave Franco foi bem, mas não com a mesma intensidade que seu irmão, servindo apenas como uma espécie de escada para o protagonista principal. De qualquer forma, rolou uma boa química entre os dois, que toma ares de legitimidade quando sabemos que temos dois irmãos atuando. Foi um relacionamento legal de se ver, com altos e baixos, como todo relacionamento da vida real.

                                   Mão na massa!!!

Impossível não mencionar que esse também é um filme para os amantes do cinema em geral, pois fala do dia-a-dia de uma filmagem e de como uma pessoa que só tem a vontade e nenhum conhecimento sobre a realização de uma película (mas com muito dinheiro) empreende o seu sonho de escrever um roteiro, atuar e dirigir um filme. A gente, que gosta muito de cinema, se vê um pouco ali.

O filme também nos brinda com imagens de “The Room”, comparadas com as filmagens de “The Room” simuladas em “O Artista do Desastre”, numa tela dividida. Lá, pudemos ver os verdadeiros Tommy e Greg e comparar o trabalho dos irmãos Franco com o original “The Room” nos próprios takes.

                    James Franco e o verdadeiro Tommy Wiseau

Assim, “Artista do Desastre” é verdadeiramente um programa imperdível que estreou em nossas telonas. Mais um filme que concorre ao Oscar mas, acima de tudo, um grande trabalho de James Franco, que coroa a sua carreira e que é fruto da compra de uma boa ideia. Não deixe de ver.

https://www.youtube.com/watch?v=UtzsorjuK-o

Batata Movies (Especial Oscar 2018) – Me Chame Pelo Seu Nome. Um Idílio Em Brancas Nuvens.

                   Cartaz do Filme

Mais um filme concorrente ao Oscar. “Me Chame Pelo Seu Nome” concorre a quatro estatuetas (Melhor Filme, Melhor Ator para Timothée Chalamet, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Música Original). Esse é um daqueles filmes que fala da formação de um adolescente, tanto do ponto de vista intelectual quanto afetivo. Com o tempero especial de que haverá um relacionamento homossexual que envolve esse adolescente que se descobre à cada dia.

     Elio até se envolvia com suas amigas…

O contexto é a Itália de 1983, onde um casal ítalo-americano de professores universitários de ascendência judia recebe, no período de férias, alunos que foram seus bolsistas de pós-graduação, para uma espécie de estágio de pesquisa acadêmica em História da Arte. Elio (interpretado por Chalamet) é o filho desse casal e tem uma vida bem idílica na suntuosa casa dos pais, regada a muita intelectualidade e muitas menininhas. A grande curiosidade todo ano é a de como será o próximo aluno que os pais receberão. E nesse ano de 1983, chega Oliver (interpretado por Armie Hammer, o novo cavaleiro solitário, lembram?), um sujeito grandão, de porte atlético, que sabe muito das coisas e parece ter uma certa arrogância que irrita um pouco Elio. Mas, pouco a pouco, essa impressão vai desaparecendo à medida que Elio se aproxima mais de Oliver e começa a se insinuar para o aluno do pai. A diferença de idade não impede o relacionamento afetivo entre os dois, para a tristeza das menininhas que cortejam os dois rapazes. Mas os dois somente aprofundam mais e mais o caso amoroso, regado à muito afeto, atração física e debates intelectuais sobre arte e muitos outros temas, tudo isso sob o olhar complacente dos pais que aceitam numa boa essa forma de relacionamento. O único problema é que esses namoricos de verão são muito efêmeros, deixando apenas uma lembrança e uma dor.

                                  Mas Oliver mudou todo o contexto…

O filme consegue tratar tudo isso com uma suavidade enorme, não sendo algo considerado agressivo nem nas cenas de sexo entre os dois. A gente estranha um pouco o clima excessivamente zen da película, pois geralmente os filmes que abordam a temática homossexual vêm carregados de conflitos e a gente espera que, em algum momento, alguma turbulência afete todo aquele idílio.

                              Interesses por arte…

Mas isso não acontece, e vemos como Elio acertou na loteria ao ter pais tão compreensivos e abertos para a sua opção sexual. Assim, o que menos importa aqui é a história, mas como se processa todo esse ambiente poético e idílico que transpira sensibilidade no DVD, já que não temos mais o filme de 35 mm passando no projetor. De qualquer forma, é interessante ver a indicação de melhor ator para um profissional tão jovem como Chalamet, não deixando de ser merecida.

                                           … e outros mais afetivos…

Assim, vale a pena dar uma conferida em “Me Chame Pelo Seu Nome”, mesmo que seja um filme de ritmo bastante lento. O que importa aqui é a parte poética e sensível de um relacionamento que é visto com muito preconceito por certos setores da sociedade, algo que ajuda a diminuir um pouco todo esse preconceito, já que tal relacionamento, além de ser colocado de uma forma muito terna, ainda é exercitado num ambiente muito compreensível. E tudo isso no ano longínquo de 1983, sendo algo a se refletir, perto do que vemos hoje em dia por aí em nosso país cada vez mais atrasado e odioso.