Batata Movies (Especial Oscar 2018) – Corpo E Alma. Uma Surreal História De Amor.

                  Cartaz do Filme

Agora que já temos os indicados ao Oscar, vamos falar de alguns deles. Comecemos pelo curioso filme húngaro “Corpo e Alma”, o grande vencedor do Festival de Berlim do ano passado, e que era pule de dez para ser indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, sendo um forte concorrente (embora “Square, a Arte da Discórdia”, já resenhado aqui, seja também um concorrente à altura, por ter vencido Cannes).

                                                 Um casal malucão

O que podemos falar desse filme? Sua história é, no mínimo, original, com pitadas leves de surrealismo. Tudo se passa num… matadouro, onde o filme não poupa esforços em mostrar todo o cotidiano de trabalho desse lugar, o que significa que veremos bois sendo mortos e preparados para o consumo humano, o que não deixa de provocar um certo remorso em comedores de carne, embora a gente não possa se esquecer de que tudo ocorre em função de uma cadeia alimentar. Filosofias à parte, temos nesse matadouro, dois personagens principais: Endre, o diretor financeiro do matadouro (interpretado por Géza Morcsanyí) e María, uma funcionária recém-chegada, responsável pelo controle de qualidade (interpretada pela bela Alexandra Borbély).

              María. Sérias dificuldades de relacionamento…

A moça é bem rigorosa na avaliação da qualidade das carnes e pouco sociável, tendo dificuldades até em ser tocada por outras pessoas (ela é muito arredia ao toque humano). Já Endre decidiu dar um tempo nos relacionamentos com as mulheres depois de algumas decepções. Essas duas figuras, altamente travadas para relacionamentos, formarão um inusitado casal. E como os dois vão se aproximar? Depois que ocorre um roubo de remédios no matadouro (que estimulam o apetite sexual dos bois), foi feita uma investigação com uma avaliação psicológica. A psicóloga, diga-se de passagem, com muito sex appeal, pergunta aos funcionários sobre os sonhos que têm durante à noite, e descobre que Endre e María têm o mesmo sonho: que são cervos e se encontram próximo à um lago numa floresta congelada. A partir daí, esse casal extremamente tímido irá se aproximar gradualmente, com idas e vindas, algumas vezes estimulantes, outras vezes traumáticas.

Endre estava dando um tempo com as mulheres, até que…

Um filme do leste europeu é sempre um pouco difícil de digerir, já que trata-se de povos com uma cultura um pouco diferente da nossa, cujos hábitos e formas de comportamento nos causam uma certa estranheza. Mas creio que esse filme chamou muito a atenção justamente pelo inusitado da história, tornando-a universal e superando as barreiras culturais. O próprio comportamento de María, que simulava as conversas que ia ter com Endre, usando saleiros como personagens ou até mesmo os bons e velhos playmobils, fazia a gente ter uma afeição com a personagem (quem nunca foi inseguro em matérias de relacionamento amoroso, que atire a primeira pedra). E aí, na hora da conversa mesmo, alguma coisa sempre dava errado. Quer tema mais universal do que esse? Eu creio também que, a interpretação dos atores ajudou muito. O casal de atores conseguiu uma interpretação contida e suave, sem a aparência robótica que os povos do leste europeu nos passam. Esse, também, foi um grande trunfo para o filme.

                                     Encontros furtivos em sonhos

Assim, se você não viu “Corpo e Alma”, vale a pena dar uma corridinha aos cinemas antes da noite da premiação do Oscar, pois essa é uma daquelas películas que valem bastante à pena. Uma história inusitada, surreal, engraçada, e com a qual nos identificamos, mesmo vindo de uma cultura tão distante para nós como a húngara. É legal dar uma conferida.

 

Batata Movies – The Square, A Arte Da Discórdia. O Que É Arte E Qual É O Seu Papel Na Sociedade?

                   Cartaz do Filme

E chegou o grande vencedor de Cannes do ano passado em nossas telonas. “Square, a Arte da Discórdia”, escrito e dirigido por Ruben Östlund, também recebeu uma nomeação para o Globo de Ouro deste ano (melhor filme em língua estrangeira). É uma película que, apesar de muito exótica e altamente inusitada, consegue manter um fio narrativo mais tradicional e, ao mesmo tempo, gera toda uma fábrica de reflexões. Um filme que justificou sua premiação com a Palma de Ouro. E um filme que trabalha uma série de pormenores muito bem amarrados.

                          Um diretor de museu…

Vemos aqui a história de Christian (interpretado por Claes Bang), um homem que é responsável por organizar exposições para um renomado Museu de Arte da Suécia. Um belo dia, o museu recebe a proposta de organizar uma exposição de uma artista argentina, onde ela imagina um quadrado de quatro metros quadrados, onde quem se coloca ali tem todos os direitos e deveres de um cidadão comum, sendo obrigado a ajudar a quem precisa.

                                    Um quadrado…

Para promover uma exposição de ideia tão simples, uma equipe de marketing é contratada e ela propõe uma campanha que transforme essa temática em um verdadeiro espetáculo midiático para chamar a atenção. A partir daí, o filme mostra todo um rosário de situações que questionam se realmente cumprimos ou não esse papel mais humanista na sociedade em que vivemos, assim como qual é o papel da arte numa sociedade.

                         O que é arte para você???

O filme consegue ser muito engraçado em alguns momentos e muito tenso em outros. Seu humor é altamente mordaz, sobretudo quando se refere ao significado de algumas peças de arte contemporâneas, qual é o papel de um curador de museu que tem muito poder, mas é obrigado muito mais a seguir parâmetros econômicos do que artísticos ou então momentos muito surreais, como o de manter um macaco (grande) dentro de casa, ato que espelha todo o inusitado dos valores da arte contemporânea. A tensão se manifesta nas performances altamente ousadas e iconoclastas que chegam a um momento extremo numa determinada passagem do filme. Mas a película, acima de tudo, mostra como as pessoas tratam a proposta da artista argentina como uma verdadeira falácia, já que ninguém assume uma postura mais solidária com os mais necessitados, principalmente os que estão mais envolvidos na montagem da exposição e convivem diariamente com essa ideia de solidariedade. O mais interessante é que quando alguém se propõe a ajudar, é mal visto pelo pedinte, ao bom estilo “quando pede a mão, quer o braço”, como se ser solidário levasse a uma punição nos dias de hoje. Muito curioso também é ver como a estratégia de marketing da exposição e seus desdobramentos podem ser encarados de diversas formas, indo desde o eticamente imoral com os mais pobres até o eticamente imoral com a liberdade de expressão, mas sempre eticamente imoral.

                      O filme conta com a fofíssima Elisabeth Moss

Assim, “The Square, a Arte da Discórdia”, é um filme que deve ser acompanhado com atenção, pois ele aborda dois temas muito caros: qual é o papel da arte contemporânea na sociedade e qual é o nosso papel na sociedade. Ao exibir situações muito variadas ao longo do filme, ele escapa de pólos muito extremos, embora tenha coragem também de analisar situações bem agudas. Pela sua riqueza, o filme chega a dar um pequeno nó na cabeça, mas vale muito a pena passar por essa experiência. Programa imperdível para esse início de ano.

Batata Movies – O Jovem Karl Marx. Socialismo Científico, Socialismo Utópico E Porrada Na Burguesia.

                  Cartaz do Filme

Uma co-produção alemã, francesa e belga em nossas telonas. “O Jovem Karl Marx” fala dos anos de juventude do famoso pensador socialista, justamente na época em que ele conhece Friedrich Engels e os dois começam a tocar o projeto de desenvolver o socialismo científico, em detrimento ao socialismo utópico.

                             Dupla Dinâmica!!!

Temos aqui uma dupla preocupação no roteiro. A primeira é mostrar a vida pessoal desses dois pensadores, tanto no âmbito dos relacionamentos familiares dos dois quanto no próprio relacionamento entre os protagonistas. Vamos ver aqui como Karl Marx teve uma vida, digamos, mais proletária, vivendo de seus textos considerados subversivos que mais colocavam ele na cadeia e no exílio do que lhe rendiam alguma grana.

               Proudhon, um socialista utópico…

Ainda, Marx tinha uma esposa de origem mais burguesa. Por outro lado, Engels vinha de família rica e trabalhava na fábrica do pai, um implacável empresário capitalista, tendo um difícil acesso à classe trabalhadora, conseguindo depois de muito insistir. Isso lhe dava uma visão mais ampla de como viviam a burguesia e o proletariado. Se Marx teve uma esposa burguesa, Engels, por sua vez, se casou com uma proletária. As duas origens diferentes dos pensadores também influenciavam em seus comportamentos. Marx era mais impetuoso e combativo; já Engels era mais contido e diplomático.

                     Filme trabalha vida pessoal dos protagonistas…

Mas o filme é, também, uma discussão de teorias, sendo essa a segunda preocupação do roteiro. Pudemos ver os protagonistas interagindo com vários pensadores em meados de 1830, 1840: Proudhon, Bakunin, Weitling, etc. A principal crítica de Marx aos seus pensadores contemporâneos era a de que eles criavam ideias um tanto abstratas, sem uma base teórica mais coesa e científica. Por isso mesmo, tais pensadores ficaram conhecidos como socialistas utópicos. O filme deixa a entender que os socialistas utópicos estavam na vanguarda do pensamento socialista na Europa e, de repente, dois jovens um tanto arrogantes aparecem trazendo um novo modo de se ver as coisas, justamente pautados nessa teoria mais científica e coesa que analisaria a fundo a sociedade e as relações de produção. O filme mostra, com maestria e interesse, como foi para Marx e Engels penetrar nesse clube dos socialistas utópicos e, pouco a pouco, mostrar a importância de um socialismo mais científico.

                     … mas não se esquece das discussões teóricas…

Só é pena que o filme vá até o Manifesto Comunista, escrito numa linguagem de mais fácil entendimento para o proletariado, e não se aprofunde um pouco mais no desenvolvimento da teoria do socialismo científico. Isso seria uma espécie de cereja do bolo que é o filme. Mas, mesmo com essa pequena e incômoda ausência, tivemos ainda um filme altamente inteligente e instigante, onde o trabalho dos dois atores que interpretaram os protagonistas (August Diehl interpretando Marx, e Stefan Konarske interpretando Engels) esteve sublime. Diehl nos deu um Marx altamente simpático, que sabia ser enérgico, mas também bem humorado e divertido. Já Konarske nos deu um Engels delicado, refinado, muito compreensivo e diplomático. Essa dupla teve uma excelente química e ajudou muito a colocar o espectador em sintonia com as discussões teóricas presentes na película.

       Os verdadeiros Engels (esquerda)  e Marx, com suas esposas…

Assim, “O Jovem Karl Marx” é um filme imperdível, que nos ajuda a entender melhor o que os pensadores socialistas do século XIX desenvolviam e, com isso, diminui um pouquinho o nó na cabeça das pessoas de hoje em dia, que tem falado coisas tão abomináveis por aí por pura falta de um entendimento mais aprofundado das coisas. Esse é um tipo de filme que deveria ser mais acessível a todos e vale muito a pena ter uma cópia e guardar, pois se constitui numa opinião um tanto diferente da veiculada nos círculos da grande mídia. Programa imperdível para cinéfilos e historiadores, seja de qual ideologia eles seguirem.

Batata Movies – Com Amor, Van Gogh. Os Últimos Dias De Um Gênio.

                   Cartaz do Filme

Passou recentemente em nossas telonas um filme bem curioso. “Com Amor, Van Gogh” busca cobrir os últimos dias do famoso pintor Vincent Van Gogh, onde pudemos testemunhar todo um rosário de suas desventuras e desesperos, até culminar em sua morte. Um filme que fala da sensibilidade de um homem totalmente atormentado por si mesmo, mas também por pessoas que não entendiam que ele era uma figura que precisava de ajuda.

                      Um artista atormentado…

O enredo do filme vai se desenrolar a partir do pedido que o carteiro de Van Gogh, Joseph Roulin (interpretado por Chris O’Dowd) faz ao seu filho, Armand (interpretado por Douglas Booth) de entregar uma carta de Vincent ao seu irmão, Theo.

               Um carteiro barbudo e seu filho…

Inicialmente, Armand não estava nem aí para tal tarefa, mas seu pai consegue convencê-lo a fazer uma viagem para entregar a carta. A partir daí, Armand vai mergulhar numa espécie de investigação sobre o que aconteceu com o artista desde quando ele decide começar a  pintar até o fim de sua vida. Num momento da película, dá-se a entender que Armand suspeitou que Van Gogh poderia ter sido assassinado. Mas, à medida que o filho do carteiro se inseria mais e mais nesse curioso mundo, a certeza do suicídio do artista somente crescia.

      Reprodução de quadros do artista no filme…

Esse é um filme de andamento muito lento, com a busca do filho do carteiro beirando o enfadonho. O que era realmente curioso era a reconstituição dos passos do pintor e sua vida altamente depressiva até o seu momento final. Claro que toda essa reconstituição se dava quando o filho do carteiro ia entrevistando as pessoas que tiveram algum tipo de contato com o artista e víamos os momentos atormentados de sua vida em flash-back. Mas esse não foi o grande destaque do filme e sim o fato de que a película foi pintada à mão, onde dá-se a impressão de que temos uma animação à óleo acontecendo, onde são reproduzidos muitos quadros do pintor, ficando a sensação de que vemos uma verdadeira obra de arte em movimento. O filme ainda tem a grande característica de, ao seu final, fazer uma espécie de inventário de todos os personagens (reais) que apareceram ao longo do filme e tiveram uma participação na vida de Van Gogh. Ou seja, o filme tem um quê altamente descritivo e possuir uma cópia dele é altamente justificável se você deseja ter detalhes da biografia desse grande artista.

    Pessoas que fizeram parte da vida do artista…

Assim, “Com Amor, Van Gogh” pode até ter um roteiro um tanto arrastado e chato, se a gente se prender à toda a intenção do filho do carteiro de investigar um suposto assassinato do artista, mas, por outro lado, o efeito de animação é altamente interessante e instigante, tornando a película algo bonito de se ver, sem falar na descrição detalhada da biografia de Van Gogh e das pessoas que o cercavam. Vale a pena dar uma olhada nesse quando do lançamento do DVD, pois infelizmente o filme já saiu de cartaz.

 

Batata Movies – Verão 1993. Idílios E Vírus.

                   Cartaz do Filme

Um filme espanhol falado em catalão e premiado no Festival de Berlim já paira há algum tempo em nossas telonas. Trata-se do curioso “Verão 1993”, uma película um tanto idílica escrita e dirigida por Carla Simón, que fala de uma menininha chamada Frida, uma garotinha que tem aparentemente uma boa vida, mas que seu passado guarda um trágico acontecimento. E aí, a mocinha mal sabe do porquê de sua guinada na vida.

Frida. Uma menina que perdeu seus pais…

Frida morava na casa dos avós paternos. Tanto o seu pai quanto sua mãe haviam morrido de uma forma misteriosa. Com o tempo, Frida irá morar na casa do tio, que tem uma esposa e uma filhinha chamada Anna, que será a sua amiguinha. A casa dos tios fica no campo e ela terá uma vida idílica com sua nova família. Por um bom intervalo de tempo no filme, vemos duas menininhas (uma na casa dos seis anos e outra na casa dos três anos) brincando e se divertindo no quintal de uma casa cercada por florestas por todos os lados, algo que pode ser muito maçante e que te coloca uma dúvida na cabeça do porquê desse filme ter sido tão bem falado num festival de importância como o de Berlim. Entretanto, com o desenvolver da película, a gente vai começando a perceber a sua importância, quando sabemos que o pai e a mãe de Frida morreram de um “vírus” (agora fica óbvio o que os matou) e de como a menina passa a ter dificuldades de relacionamento com seus tios e com a priminha, já que ela foi criada com muito mimo pelos avós em virtude de sua situação trágica e sua postura pode, inclusive, levar a algumas situações um tanto perigosas, o que vai provocar sérias dificuldades de relacionamento e mostrar que a vida idílica no campo pode não ser tão idílica assim.

                   Brincadeiras de criança…

Mesmo que o filme seja em grande parte muito arrastado, esses pequenos elementos nos despertam a curiosidade e nos chamam a atenção. Agora, creio que o que mais chamou a atenção na película foi o seu desfecho (que, infelizmente, não posso contar aqui), pois ele destoou totalmente de toda a situação de anticlímax da película e bombardeou o espectador com uma explosão emocional, marcando uma espécie de “fim de infância”. Nesse momento, o espectador é sacudido da letargia que entorpecia todo o filme para uma postura mais comovida, vindo em seguida, o fim abrupto, deixando quem assistia suspenso no ar na cadeira, sem saber muito o que fazer com o que via. Obviamente, uma situação de grande impacto.

               Com Anna, sua nova amiguinha…

Assim, se “Verão 1993” é um filme em sua grande parte lento e letárgico, alguns pequenos elementos que são introduzidos em seu desenrolar fazem com que o espectador prenda sua atenção na tela e o final totalmente destoante de toda a sua execução fisga com maestria a todos que o assistem. Esse pode ser o segredo de todos os louros de sua premiação, não sem constatar que a película tem os seus valores, tais como um retorno aos dias de infância. Vale a pena dar uma conferida, apesar da letargia.

https://www.youtube.com/watch?v=tbkfqwV6AAQ

 

Batata Movies – Suburbicon: Bem Vindos Ao Paraíso. Doce Utopia Distópica.

              Cartaz do Filme

Os irmãos Ethan e Joel Cohen voltam a atacar e assinam o roteiro, juntamente com George Clooney (que também é o responsável pela direção) do bom filme “Suburbicon: Bem Vindos ao Paraíso”. Mais uma vez temos o (des) prazer de constatar como algumas estruturas consideradas muito arcaicas na sociedade estadunidense ainda se fazem presentes, principalmente quando vemos alguns discursos de ódio proferidos por alguns grupos por aí. Tais grupos já não deveriam ter um mínimo de voz, mas parecem que estão cada vez mais poderosos e atuantes, pois o discurso retrógrado de um filme que se passa em tempos pretéritos soa ainda muito familiar.

                          Um pai exemplar…

O filme em si se passa em meados da década de 50, quando o “American Way Of Life” institucionalizou a vida paradisíaca nos subúrbios, longe da agitação das grandes cidades, formando comunidades isoladas e um tanto autossuficientes, com serviços próprios de comércio, bombeiros, hospitais, etc., tudo para que os moradores desses supostos “Édens” paradisíacos não necessitem sair de seu bairro isolado do resto da humanidade. Suburbicon será o paradigma ideal desses bairros de subúrbio. Mas a coisa muda um pouco de figura quando um casal negro vai morar no bairro, o que provoca o afloramento de um racismo num lugar onde nunca ninguém sequer teve a leve intenção de escondê-lo. Duas irmãs gêmeas que eram vizinhas do casal negro (ambas interpretadas por Julianne Moore) induzem o menino da casa a brincar com o filho do casal negro para quebrar um pouco o gelo. À noite, a casa será invadida por dois homens que irão usar clorofórmio nas irmãs, no chefe da família (interpretado por Matt Damon) e no menininho. Todos irão parar no hospital e uma das irmãs morrerá, pois ela era tetraplégica e era mais fraca que os demais. Essa irmã tetraplégica é mãe do menininho e esposa do chefe da casa. A partir daí, o filme se desenrolará numa sucessão de tramas onde o racismo é apenas a ponta do iceberg e o menor dos problemas.

                           Uma titia boa pinta…

Esse é um filme, acima de tudo, sobre como uma comunidade aparentemente austera como a branca americana pode produzir algumas células desajustadas aqui e ali, embora toda a motivação do crime seja mais um caso particular que quer se espelhar como geral. Ou seja, os artífices de um crime bem peculiar não necessariamente devem ser encarados como um produto da sociedade (nem todos da sociedade WASP cometeriam tal delito), mas, por outro lado, o filme alerta como tal manifestação um tanto psicótica pode acontecer nas melhores famílias. Como a sociedade de Suburbicon está mais preocupada em execrar a família negra, ela mal percebe que toda uma trama diabólica provocada por seus vizinhos de bem acontece bem debaixo de seu nariz. Mas essa sociedade aparentemente etérea e não psicótica pode tomar atitudes bem desprezíveis ao atacar com violência a família negra. Nesse ponto, podemos dizer que há uma doença em nível social.

             Um investigador inescrupuloso…

Dá para perceber, pela descrição acima, que a coisa não é muito trivial. Não é à toa que a película toma direções um tanto absurdas em alguns momentos, o que ajuda muito a prender a nossa atenção. Todo esse absurdo destoa completamente daquela sociedade altamente utópica e nos lança dentro de uma distopia e de uma psicose total.

Os atores estiveram muito bem. Moore teve a competência de interpretar dois papéis um tanto diferentes. Damon, ao fazer o pai íntegro, consegue conduzir bem o jogo da trama, que vai se desabrochando aos poucos, atraindo a atenção do espectador. Tivemos, também, a ótima presença de Oscar Isaac, como um corretor de seguros que investiga falcatruas de seus clientes, sendo simpaticamente cínico e perigoso, numa mostra de que ele não deve apenas ser lembrado como o Poe Dameron de “Guerra nas Estrelas”. Mas devemos dar um destaque todo especial ao ator mirim Noah Jupe (que também está no filme “Extraordinário”) que fez o papel do filho da família protagonista. Foi ele que começou a perceber que o crime praticado em sua casa tinha um rumo um tanto diferente do que parecia que ia tomar. E o menino convenceu bastante ao ficar indefeso nas mãos de um monte de adultos sem escrúpulos.

            Um menino que percebe uma fria…

Assim, “Suburbicon” é mais um daqueles filmes dignos de nota, pois ele nos ajuda a pensar sobre questões do cotidiano como o conservadorismo, o racismo e de como um verniz de utopia pode ser algo muito frágil ao esconder uma distopia total. Um crime que toma rumos um tanto inesperados que passam despercebidos numa sociedade cega por suas convenções retrógradas. Um filme que abraça o inusitado e o absurdo, tornando-o mais interessante do que uma película meramente reflexiva. Um filme imperdível.

https://www.youtube.com/watch?v=P6BnHrdRCUM

Batata Movies – Lumière, A Aventura Começa. Uma Linda Homenagem.

                 Cartaz do Filme

Esse final de ano nos brindou com um excelente documentário. Eu diria mesmo um grande presente de Natal. “Lumière, A Aventura Começa”, é um deleite para os olhos de qualquer fã de cinema. Realizado de forma muito simples por Thierry Frémaux e contando com a presença mais que ilustre de Bertrand Tavernier e Martin Scorsese, esse singelo documentário é uma homenagem aos irmãos Lumière, que são considerados os pais fundadores do cinema moderno.

    O famoso filme da saída da fábrica Lumière

O filme consiste basicamente em apresentar 108 dos cerca de 1400 filmes dos irmãos Lumière, com a narração de Frémaux. Essas 108 películas de cerca de cinquenta segundos cada uma foram divididas em vários assuntos. Tivemos a oportunidade de ver a famosa saída dos trabalhadores da empresa Lumière, considerada o primeiro filme de cinema, e saber que houve várias versões desse filme. Outras películas onde apareciam crianças da família dos irmãos cineastas já ensaiavam os primeiros closes.

            Dando tchauzinho para a câmara…

O documentário também deixa claro que, apesar dos filmes terem a intenção, na maioria das vezes, de registrar a vida cotidiana, os irmãos Lumière sempre os faziam com alguma encenação, mesmo que fosse mínima. O filme que mostrava a demolição de uma parede teve a curiosidade de ser rebobinado numa sessão com a luz do projetor acesa, o que provocou grande espanto do público ao ver a parede sendo “remontada”.

              Um dos primeiros filmes de humor…

Outra curiosidade foi o fato de que os dois cineastas começaram a viajar pelo mundo para tirar “vistas” de outros países considerados mais exóticos aos olhos dos europeus, como o Egito. Mas tomadas da Inglaterra, Estados Unidos e do próprio sul da França também estão entre essas tomadas “estrangeiras”. Os irmãos Lumière também fizeram filmes de enredo, geralmente comédias, onde sempre aparecia uma pessoa rindo da situação para mostrar de que se tratava de um filme cômico que terminava, na maioria das vezes, em cenas de pancadaria deliciosamente simulada. Era muito interessante ver que existia ainda toda uma preocupação em se mostrar alguns tipos de trabalho ou então detalhes da modernidade que assolava aqueles dias do fim do século 19 ou também alguns esportes como o ciclismo. Um filme em específico choca bastante: duas ricas francesas, na Indochina, às risadas, jogando moedas para uma população local faminta e desesperada por algum dinheiro que pudesse amenizar sua pobreza.

Uma das salas de cinema dos Lumière na Inglaterra

Frémaux é categórico ao dizer que esse filme hoje é um documento ícone do neocolonialismo francês na Ásia. Mas, cá para nós, isso também não lembra uma situação muito específica que vemos num programa de TV de um país sul-americano cujo nome começa com “B” e não é a Bolívia?

                                     Os caras!!!

Assim, “Lumière, A Aventura Começa” é um programa obrigatório para todos os cinéfilos de plantão, pois descortina com maestria parte da prolífica produção dos irmãos Lumiére, sendo um testemunho do nascimento do cinema e uma fonte histórica inestimável de tempos muito antigos, mas nem por isso, menos interessantes. É o tipo do filme para ver, ter e guardar.

 

Batata Movies – Professor Marston E As Mulheres Maravilhas. A Gênese De Uma Heroína.

                  Cartaz do Filme

Um filmaço em nossas telonas. “Professor Marston e as Mulheres Maravilhas” conta a história real de William Moulton Marston, um professor universitário de psicologia que ficou conhecido por desenvolver um tipo de detector de mentiras e por conceber a famosa heroína Mulher Maravilha dos quadrinhos. O filme tem todo um charme especial, até porque a vida de nosso professor Marston foi extremamente singular, ainda mais para a época em que ele viveu (ali pela década de 20, 30, 40…). Singular eu digo por ele ser um homem à frente de seu tempo, desafiando de peito aberto as convenções rígidas da sociedade americana e caretíssima da época, embora ele não tenha feito isso sozinho.

                    Um professor e sua esposa…

Pois bem, nosso professor Marston (interpretado por Luke Evans, que as pessoas lembram mais por seu papel na mais recente versão de “Drácula”) criou uma teoria em psicologia que ele queria usar para compreender as relações humanas. Marston vivia com sua esposa Elisabeth (interpretada por Rebecca Hall), outra pesquisadora formada que tentava, sem sucesso, seguir sua carreira acadêmica, pois não era aceita nos doutorados da vida por ser mulher. Ambos observavam as pessoas no campus da universidade e observavam o comportamento delas para suas pesquisas. Até que um dia surgiu uma jovem lourinha muito bonita de nome Olive (interpretada pela fofíssima Bella Heathcote) que logo interessou ao casal, que queria trabalhar em especial com a moça. Esse singular relacionamento a três foi sendo balizado e dilapidado pelo detector de mentiras que Marston havia desenvolvido, chegando a algo muito inusitado para a época e servindo de inspiração para Marston conceber a Mulher Maravilha posteriormente. Mas não entrarei em mais detalhes por causa dos spoilers.

                   Uma aluna muito atraente…

O filme surpreende principalmente aqueles que não conhecem o universo dos quadrinhos da Mulher Maravilha, pois a heroína foi concebida originalmente de uma forma bem diferente da apresentada hoje em dia. Entretanto, já podíamos presenciar na película muitos elementos que reconhecemos hoje na Mulher Maravilha: os braceletes, a roupa apertada e curta, a tiara, a influência da cultura grega antiga, o laço que forçava as pessoas a falar a verdade, etc. Fica bem claro que a personagem foi fortemente inspirada nas duas mulheres que faziam parte da vida de Marston, ou seja, Elisabeth e Olive.

                 Um relacionamento singular…

Esse também é um filme que fala do assunto de superar tabus e preconceitos numa sociedade com um conservadorismo extremamente indócil, onde as pessoas acham que podem ditar o seu modo de vida, desvalorizando e perseguindo aqueles que não rezam por sua cartilha. O professor Marston, Elisabeth e Olive enfrentaram juntos situações muito escabrosas em vários momentos, levando a contenda de cabeça erguida em alguns episódios, mas fraquejando em outros, o que despertava um sofrimento enorme, e que nos ajudava a lembrar de que se tratava de seres humanos ali, independentemente de suas escolhas de vida e de convenções sociais.

Os três atores protagonistas estiveram muito bem. Não conheço toda a carreira de Evans, mas dos filmes que vi, esse foi disparado o que teve a sua melhor atuação. Rebecca Hall estava simplesmente primorosa, no seu papel da forte e, ao mesmo tempo, frágil Elisabeth. A belíssima Bella Heathcore não chegou ao nível dos dois atores já descritos aqui, mas ela emocionava muito nos momentos mais dramáticos. Ou seja, eles formaram uma trinca de respeito que vendeu bem a ideia principal do filme, que é a de ser feliz, não importa o que seu entorno diga de sua felicidade e de seu modo de vida. Outro grande barato da película foi ver algumas páginas de quadrinhos originais da Mulher Maravilha, tal como ela fora concebida pelo Professor Marston. Esse pequeno detalhe já é motivo suficiente para justificar o preço do ingresso do filme para os amantes dos quadrinhos.

                  Busca por novas experiências…

Assim, “Professor Marston e as Mulheres Maravilhas” é um filmaço que deve ser assistido por todos. Pelos amantes dos quadrinhos, pelos amantes de um bom filme que reflete sobre os avanços e retrocessos da mentalidade de uma sociedade e pelos amantes do chamado empoderamento feminino que circula por aí hoje, cuja gênese foi formada há várias décadas e da qual a Mulher Maravilha é o seu maior ícone. Esse é o caso clássico do filme que é para ver, ter e guardar. Programa imperdível.