Batata Antiqualhas – Capitães. Relatos Comoventes.

             Cartaz do Filme

William Shatner brindou todos os fãs de “Jornada nas Estrelas” com o bom documentário “Capitães” no ano de 2011. Esse documentário teve como objetivo principal entrevistar todos os atores que interpretaram capitães nas então cinco séries de “Jornada nas Estrelas”, mais os longas de J. J. Abrams. O resultado foi um rosário de relatos comoventes e marcantes para todos os protagonistas, mas também para os fãs.

Conversas emocionantes com Patrick Stewart…

Shatner (Capitão Kirk, série clássica) entrevistou os seguintes “capitães”: Patrick Stewart (Capitão Picard, Nova Geração), Avery Brooks (Capitão Sisko, Deep Space Nine), Kate Mulgrew (Capitã Janeway, Voyager), Scott Bakula (Capitão Archer, Enterprise) e Chris Pine (o “novo” Capitão Kirk, da Kelvin Time Line de J. J. Abrams). Os devidos capitães foram apresentados e, depois, as entrevistas eram alternadas, de forma que nenhum capitão tivesse uma posição privilegiada com relação ao outro. Como o próprio Shatner era capitão e entrevistador ao mesmo tempo, parte do documentário foi usada para que o ator desse um relato de suas impressões pessoais e profissionais. Ainda, com relação à parte de Shatner, foi muito legal ver a entrevista que ele fez com Christopher Plummer, canadense como Shatner, e que foi substituído pelo nosso Capitão Kirk quando os dois trabalhavam juntos no teatro, antes ainda de “Jornada nas Estrelas” e Plummer ficou doente. Não é à toa que Plummer foi chamado para ser o general klingon Chang em “Jornada nas Estrelas 6, A Terra Desconhecida”.

                             … e Kate Mulgrew

O documentário teve outros lances interessantes. Falou-se da severa rotina de gravações dos episódios e de como isso afetou a vida pessoal dos atores. Isso, por exemplo, acabou com o casamento de Shatner e provocou uma turbulência na relação de Mulgrew com os filhos, que detestam “Jornada nas Estrelas” por esses problemas. Em outro momento muito curioso, Stewart, um ator shakespeariano, disse como levou a produção de uma série de TV como “Jornada nas Estrelas” a sério e criticava muito a falta de organização da produção na primeira temporada.

                                  Queda de braço com Chris Pine!!!

Shatner declarou, por sua vez que, depois de todo o sucesso de Spock, ele se sentiu secundário na série e se sentia magoado com o tom de galhofa com que era tratado em virtude disso. Isso fez com que ele renegasse um pouco o personagem Kirk. Só que, com as convenções, todos os chamavam de Kirk, algo que o irritava, pois ele era Shatner. O ator somente percebeu a força de seu personagem quando, ao pegar um jatinho para ir a Londres entrevistar Stewart, o presidente da companhia aérea Bombardier foi recebê-lo em pessoa no aeroporto para lhe dizer que começou a carreira de engenharia aeroespacial em virtude de Kirk e de “Jornada nas Estrelas”. Stewart, por sua vez, disse que aceita com naturalidade o fato de ser chamado de Picard, algo que soou como uma espécie de alívio para Shatner, já que ambos os atores têm uma identificação, pois começaram no teatro interpretando Shakespeare.

                               Brooks, o pianista

Se pudéssemos colocar uma espécie de ranking entre as entrevistas, eu diria que as conversas com Stewart e Mulgrew foram as mais emotivas e intimistas; a conversa com Bakula foi a que teve mais trocas de experiências pessoais; a conversa com Pine foi uma espécie de passagem de bastão do mestre para o discípulo, onde Shatner se derrete em elogios a Pine, e a conversa com Brooks foi a mais musical e um tanto estranha, até porque a personalidade de Brooks é um tanto excêntrica. De qualquer forma, foi legal ver Sisko ao piano cantando um jazz.

Boa conversa com Bakula. Troca de experiências…

Assim, o documentário “Capitães” é simplesmente um programa obrigatório para todos os trekkers de plantão. Ele está lá à disposição no Netflix. Se você já viu, reveja. Se ainda não viu, está intimado a ver, se divertir e se emocionar.

 

Batata Movies – Mark Felt, O Homem Que Derrubou A Casa Branca. Soturna Política.

              Cartaz do Filme

Um bom drama biográfico passa quase que despercebido por nossas telonas. “Mark Felt, O Homem Que Derrubou A Casa Branca”, escrito e dirigido por Peter Landesman, e que tem Ridley Scott como um dos produtores, reconstitui a história do vice-presidente do FBI que denunciou o caso Watergate à imprensa e ficou conhecido como “Garganta Profunda” por isso. O caso provocou a demissão de vários funcionários do primeiro escalão do governo americano no início da década de 70 e a renúncia do próprio presidente Richard Nixon. Para interpretar um personagem real tão cascudo assim, tivemos o bom ator Liam Neeson, que fez o papel com desenvoltura, numa ótima caracterização, onde a maquiagem o envelheceu bastante.

        Neeson como Felt. Boa caracterização

Esse é um tipo de filme em que não há cenas de ação e que exige muito do espectador, que deve ficar atento à trama o tempo todo para não perder o fio da meada. Mark Felt é uma figura e tanto na película, pois nunca foi presidente do FBI, mas ficou na retaguarda da figura do todo poderoso J. Edgard Hoover por muitos anos, conhecendo a fundo casos altamente confidenciais, o que despertava o medo de todos.

Sérios problemas familiares, apesar das      aparências

Com a morte de Hoover, ficava claro que o nome de Felt seria o imediato na sucessão da presidência do FBI, mas isso não ocorreu, muito provavelmente em virtude de todo esse temor que ele provocava. Felt fazia questão de frisar que o FBI era uma instituição austera e incorruptível, não sofrendo qualquer interferência de ninguém que fosse, nem da Casa Branca, para realizar suas investigações (o que, provavelmente, foi uma patriotada daquelas que a gente vê nos filmes americanos, pois é muito difícil uma instituição ser tão austera e incorruptível tal como o filme quer vender). Quando ele sentiu que o escândalo de Watergate iria ser abafado pela presidência, acabou botando a boca no trombone, mesmo que omitindo sua verdadeira identidade.

Procurando manter o FBI como uma instituição íntegra

Além da necessidade de atenção total do espectador na trama, podemos dizer que esse filme tem o tempo todo um clima altamente tenso e soturno, onde a política é a força motora. Ninguém vai ser morto, não haverá lances violentos, mas parece que eles nos espreitam a cada fotograma. E esse clima pesado envolve a gente, que já sabe o desfecho da coisa. Ou seja, o filme em si já é uma espécie de grande spoiler, por se tratar de um evento real. Por isso mesmo, o que importa aqui não é a conclusão, mas sim o desenrolar da história. Como foi essa denúncia? Como ela foi sendo construída ao longo do tempo por um personagem considerado tão austero? Para a coisa não ficar muito mecânica, esse clima tenso e soturno foi um elemento muito interessante no filme, justamente para dar uma componente um tanto dramática ao espectador e não somente ser algo descritivo e sem emoção.

                  Garganta Profunda em ação!!!

Além de Neeson, não podemos nos esquecer de Diane Lane no papel de Audrey, esposa de Felt, que sofria muito com as pressões que o marido sofria no emprego e nas constantes mudanças de cidade (e até de estado) que o cargo do marido exigia. Aliás, esse foi um lance interessante do filme, que mostrou a vida pessoal de Felt e todo o preço que ele acabou pagando por causa das responsabilidades de um emprego tão espinhoso, onde até a filha dele se distanciou e passou a fazer parte de um grupo que lutava pelos direitos civis, numa clara cisão familiar.

         O verdadeiro Mark Felt

Assim, “Mark Felt, O Homem Que Derrubou A Casa Branca” não é exatamente uma película espetacular, mas deve ser acompanhada com atenção pelo cinéfilo mais atento, pois é um bom trabalho de reconstituição política de um momento turbulento da História Política dos Estados Unidos. Neeson foi muito bem em seu papel e o clima sombrio de um filme embebido em tramas políticas é muito atraente. Vale a pena dar uma conferida.

https://www.youtube.com/watch?v=D77uJR53Apc

 

Batata Movies – Pickpocket. A Arte Da Mão Leve.

            Cartaz do Filme

No último dia 25 de outubro, tivemos uma palestra na Maison de France do Rio de Janeiro  com a pesquisadora de Cinema Luíza Alvim, que lançou seu livro “A Música No Cinema de Robert Bresson”. Ela fez uma apresentação de seu estudo que fala das relações entre imagem e música no Cinema. Nesse ponto, o cineasta francês Robert Bresson constitui-se de um caso especial, pois ele era extremamente cuidadoso em estabelecer essa relação não somente entre a imagem e a música, mas também entre a imagem e os ruídos do cotidiano. O cineasta faz essa relação com muito cuidado, pois ele teme, de uma certa forma, que a dramaticidade de uma música possa carregar a imagem de um significado que a última não tenha. Daí toda uma cautela em se relacionar música e imagem. Essa foi apenas uma das ideias que o trabalho de Luíza Alvim aborda e seu livro é digno de uma resenha que ainda será feita um dia por aqui. Por hora, vamos falar um pouco de um filme de Robert Bresson que foi exibido logo após a palestra de Luíza Alvim. Trata-se de “Pickpocket”, de 1959, exibido no cinema da Maison de France numa cópia de 35mm.

                           Michel, o gatuno…

No que consiste essa pequena película de 75 minutos? Vemos aqui a história de Michel (interpretado por Martin La Salle). Ele é um cara que vive de praticar pequenos furtos, ou seja, ele é um “pickpocket”, ou o popular “batedor de carteiras”. O filme mostra o cotidiano desse pequeno gatuno, que vive num apartamento muito do chinfrim e que precisa praticar seus pequenos furtos para sobreviver. Michel tem uma mãe que está doente, mas ele quase não vai à casa dela, apesar de amá-la muito (nosso protagonista parece meio que envergonhado de sua condição e não quer dar muito as caras por lá). Assim, ele aparece esporadicamente, deixa algum dinheiro nas mãos de Jeanne (interpretada por Marika Green) para entregá-lo à sua mãe e some no mundo novamente. Michel já foi preso, mas foi solto por falta de provas e mantém uma relação um tanto tensa com um policial e um amigo. Um dia, Michel conhece um outro ladrão que tem a arte da mão leve muito desenvolvida e os dois começam a trabalhar conjuntamente até o dia em que Michel é preso e fica definitivamente no xadrez. Será nessa hora que Jeanne vai aparecer para servir de amparo a nosso protagonista e o início desse relacionamento que a vida da rua evitava parece que vai dar a Michel um novo rumo em sua vida.

        Jeanne, um motivo para mudar de vida…

É um filme com excelente fotografia, pouquíssima música e muitos sons do cotidiano das ruas. Muita narração em off descreve o pensamento de nosso protagonista, como o seu medo em tentar afanar vítimas um pouco mais atentas ou o sentimento de superioridade quando conseguia executar com destreza a arte do furto. Para nosso personagem, a mão leve praticamente era uma forma de vida, uma arte para a qual ele se dedicava e que precisava de todo um preparo especial. A descoberta de outro gatuno expert na área somente reforçou essa impressão. Mas como o crime não compensa, ele acabou quebrando a cara. Muito interessante é também a justificativa de cunho mais social que ele tentou jogar para cima do policial com o qual tinha uma relação mais tensa, sendo esse mais um elemento que mostra como o ato de furtar era para ele não apenas uma luta pela sobrevivência, mas também um modo de vida. Os momentos em que a arte do furto é praticada são, de longe, os melhores do filme e justificam o anúncio de “Cuidado com os pickpockets” que vemos lá no elevador da Torre Eiffel.

                                 Metendo a mão…

A coisa da sonoridade cotidiana da rua no filme, mais a narração e interpretação desprovida de emoções parecem ser da intenção do diretor de se colocar a película mais dentro de uma visão realista, ao invés de toda uma dramaticidade de cunho mais hollywoodiano. Para isso, ajudava muito o semblante sereno e frio do protagonista que não demonstrava qualquer reação perante as situações que ele passava ao longo do filme, fossem adversas ou não. Toda essa letargia e frieza parecia às vezes um tanto forçada e até irreal.

Na cadeia, uma possível redenção com a amada…

De qualquer forma, “Pickpocket” é um filme muito interessante e merece ser visto, pois faz parte de um cinema altamente reflexivo em sua concepção e que busca criar novas convenções. Um cinema que está ali coladinho à nouvelle vague. Vale a pena procurar por aí em DVD ou talvez até no Youtube.

https://www.youtube.com/watch?v=j-5J5NiWFks

 

Batata Antiqualhas – Jornada Nas Estrelas 4. Radiografando Um Longa: A Volta Para Casa (Parte 2).

Como e quando usar as metáforas pitorescas?

Voltamos aqui a falar de “Jornada nas Estrelas 4: A Volta para Casa”. Por que esse é o melhor dos longas-metragens? Porque ele foi o mais fiel ao espírito da série. O primeiro longa foi altamente cerebral e artístico, fazendo uma ficção científica altamente intelectualizada. O segundo e o terceiro fizeram alusões a elementos da série (Khan e os klingons), além de abordar temas filosóficos como os efeitos da passagem do tempo na vida das pessoas, ou temas de história presente (para a época que os filmes foram feitos) como a Guerra Fria. Entretanto, os dois filmes estavam embebidos no clima de violência imperante nos filmes de ação da década de 1980, algo que o próprio Gene Roddenberry repudiava.

                         Elo mental com jubarte.

E o quarto filme? Este acertou na mão, pois em primeiro lugar, foi abandonado o manto de violência. Além disso, ele tratou de ser uma ficção científica considerando temas como viagem no tempo e as qualidades e defeitos da humanidade (algo muito explorado na série clássica, principalmente quando Spock criticava os defeitos da humanidade para exaltar seu lado vulcano). Mas o principal: a história trouxe um delicioso humor muito caro à série, onde aconteciam os debates acalorados entre McCoy e Spock, sempre engraçados. O filme tem muitas passagens hilárias, como Kirk xingando o motorista que quase o atropela, o ato de colocar os óculos “no prego” na loja de penhores (“100 dólares é muito?”), o fato de Chekov, um russo, perguntar a um guarda de rua onde ficam os navios nucleares em plena Guerra Fria (nessa cena, em meio aos figurantes, passava uma moça que, despercebidamente, participou do filme e deu a dica a Chekov e Uhura de que os navios estavam do outro lado da baía!), o uso das “metáforas pitorescas” (ou palavrões) por parte de Spock em momentos impróprios, ou a ótima cena do ônibus onde Spock põe um punk para dormir, pois ele fazia muito barulho com um rádio gravador cassete (lembra? Você teve um? Eu tive!). O detalhe é que o punk é um dos produtores associados do filme e foi um dos compositores da música que saía do rádio gravador. A cena do hospital com McCoy o comparando à Inquisição Espanhola também é sensacional! O filme está cheio de situações engraçadas. Mas não de um humor simplório e sim muito inteligente e refinado.

                                 Boa viagem!!!

O choque cultural entre a tripulação do século 23 e a vida no século 20 é outro detalhe digno de atenção e que deu um sabor especial ao filme. Kirk qualifica a cultura do século 20 como “primitiva e paranoica”. Spock identifica altos níveis de poluição na atmosfera como indício de que eles haviam chegado a 1986. As notícias de negociações fracassadas de redução de armas nucleares estampadas nos jornais renderam o comentário rabugento e irônico de McCoy: “É um milagre essas pessoas sobreviverem ao século 20”. Todas essas situações de estranhamento pelos olhos do outro nos ajudavam a identificar os absurdos do mundo daquela época, principalmente num dos temas chave do filme, que era a matança e extinção das baleias. Ao acabar com elas, o homem cavava sua própria extinção, realmente uma forma muito inteligente de falar sobre a questão da ecologia, tão em voga naquela época e que mostrava como o ser humano, por também fazer parte do ecossistema, pode sofrer  consequências se começar a destruir o meio ambiente. O mais triste é que alguns dos absurdos assinalados no filme ainda permanecem muito contemporâneos.

                                      Bye Bye.

As emoções de Spock são obviamente mais uma vez enfocadas. Desta vez porque ele foi reeducado dentro dos padrões vulcanos após “ressuscitar”. Ao fazer seus testes, ele responde simultaneamente várias questões sobre várias disciplinas (como se fizesse um multi enem!)  mas, ao ser perguntado pela máquina como se sentia, ele não entendia o sentido da pergunta. Sua mãe é que irá recolocá-lo no caminho das emoções ao lembrar ao filho o sacrifício de seus amigos humanos para salvá-lo, algo que foi contra todas as implicações lógicas. As situações que aparecem ao longo do filme, como a necessidade de resgatar Chekov do hospital, também auxiliam na forma como o vulcano volta a enxergar a importância das emoções e do sentido de companheirismo, ficando junto a seus amigos na cena corte marcial.

Definitivamente, esse é o melhor filme de todos. Todas as virtudes da série assinaladas. Inteligência e humor eram as características mais marcantes da série clássica. E também essas caraterísticas apareceram em “Jornada nas Estrelas 4: A Volta para Casa”.

Batata Movies – Festival Do Rio 2017 – Antipornô. Uma Visão Da Mulher Na Sociedade Japonesa.

Cartaz do Filme

Ainda sobre o Festival do Rio 2017. Na  Última Chance, teve-se a oportunidade de assistir ao filme “Antipornô”. Escrito e dirigido por Sion Sono, esse é o tipo da película em que a gente precisa captar o que quer ser dito bem lá nas entrelinhas. Eivado de um conteúdo bem surreal, o filme quer falar de aspectos da função da mulher na sociedade japonesa, sociedade essa que, segundo as más línguas, vê a mulher de uma forma bem preconceituosa e possessiva.

Uma ninfeta impiedosa

Mas, no que consiste a história? Vemos aqui uma ninfetinha muito sensual, Kioko (interpretada por Ami Tomite) numa espécie de ritual de autocelebração. Em trajes mínimos, com uma nudez mal disfarçada, a moça recebe uma visita sendo cultuada por uma equipe de produção muito exótica, com direito até a dominatrixes. Para se sentir muito poderosa, ela lança mão da humilhação pública à sua secretária particular, Noriko (interpretada por Mariko Tsutsui), uma mulher de meia idade totalmente submissa à sua jovem patroa, que pinta e borda com a secretária, obrigando-a a andar de quatro e a estimular a jovem sexualmente, isso quando não é obrigada a se deixar estuprar pela tal equipe exótica. O circo de horrores das humilhações à secretária permanece, até que vem a palavra “Corta!” invertendo completamente o contexto. Na verdade, víamos uma filmagem e agora é Kioko quem é humilhada por todos, principalmente por Noriko, que é uma atriz consagrada enquanto que a ninfetinha somente começa a dar os seus primeiros passos, sendo, portanto, desprezada com veemência, onde até a agressão física é utilizada. Esse é mais ou menos o fio narrativo  condutor da película, que acaba passando por vários momentos surreais de pura transgressão, com o intuito de alfinetar qualquer paradigma mais tradicional. Há uma clara intenção de atacar a moral e os bons costumes com uma retórica do absurdo de forte apelo sexual. Pouco a pouco, a narrativa vai perdendo a coesão até ficar totalmente fragmentada, guardando ainda em seu interior a ideia principal, que é a de que a mulher japonesa, apesar de viver numa sociedade teoricamente livre, civilizada e tecnológica, ainda assim é tratada com desdém e com repressão por uma componente masculina altamente machista. E a única alternativa para essa mulher é repudiar totalmente essa suposta “liberdade” de uma forma extremamente violenta, onde a liberdade reside em ser dona do seu próprio corpo e buscar um prazer sem limites. Ou seja, a verdadeira liberdade reside em ser uma verdadeira puta, que não tem limites para a sua transgressão.

Uma secretária submissa. Mas será sempre assim?

Com tal afirmação de cunho bem extremo, o filme se transforma numa sucessão de imagens onde o sexo explícito, a nudez, o sadomasoquismo e as fortes cores ditam o tom. Devo confessar que esse espírito transgressor extremado chega em alguns momentos até a ficar maçante, mas por outro lado, é muito curioso que haja essa explosão num produto cultural japonês, que consegue conciliar com maestria tradição e modernidade. Em “Antipornô”, por sua vez, a tradição é totalmente rechaçada e até ridicularizada, nas cenas de sexo explícito do casal conservador perante a mocinha de sensualidade a la Sailor Moon, ou seja, aquela coisa inocente, mas nem tanto. Sabemos que existe todo um fetiche em cima das adolescentes estudantes com roupa de marinheiro lá no Japão, algo que o patrulhamento ideológico de certos países subdesenvolvidos gritaria como pedofilia pura. Parece que o Japão não vê as coisas da mesma forma e se abre um pouco mais a esses fetiches, justamente num país com baixas taxas de natalidade se comparadas com as do nosso. Perversão? Válvula de escape? Que cada um tire suas próprias conclusões.

Quilos e quilos de surrealismo

É curioso também notar como a troca de papéis entre as duas protagonistas busca espelhar esse papel submisso da mulher na sociedade japonesa. A submissão de Kioko no mundo real é muito maior que a submissão de Noriko no mundo da fantasia. Esse último é um mundo de mulheres, onde a humilhação desvirtua a tradição, ao passo que o mundo real é mais um mundo de homens, onde a mulher e sua sensualidade é que são desvirtuadas. Logo, a humilhação acaba sendo muito mais forte nesse mundo real, definindo um contraponto altamente desproporcional.

O diretor Sion Sono

Dessa forma, “Antipornô” tem o grande mérito de destrinchar o papel da mulher na sociedade japonesa contemporânea, lançando mão de uma linguagem agressiva, onde a mensagem reside mais nas entrelinhas do que em qualquer outra coisa. O filme é agressivo e tem a nítida intenção de incomodar. Se você sai ileso de toda essa torrente irracional, você conseguirá detectar um discurso bem racional em seu interior. E é isso que dá grandeza à película, ou seja, uma pílula de bom senso mergulhada em litros de nonsense. Vale a pena procurar essa película por aí nos Youtubes da vida. Mas não se choque, por favor.

Batata Movies – Festival Do Rio 2017. Dedo Na Ferida. Desmistificando A Falácia Capitalista.

                               Cartaz do Filme

A Batata Espacial esteve no Festival do Rio 2017 e prestigiou oito filmes por lá. Vamos começar a nossa cobertura falando de um filme do grande cineasta brasileiro Silvio Tendler, que está de volta com um documentário de importância fundamental para se entender os tempos turbulentos pelos quais nós temos passado. “Dedo Na Ferida” vai abordar os aspectos relativos à crise mundial, desmistificando o discurso capitalista de austeridade e Estado mínimo, mostrando que a verdadeira culpa de tudo o que tem ocorrido em termos de crise mundial reside nas atitudes e desmandos do capitalismo financeiro, que inclusive ameaça as democracias das nações.

O cineasta Costa Gavras é um dos entrevistados

Esse documentário é repleto de trechos de falas de especialistas, do Brasil e do exterior, que analisam de forma profunda o que tem quebrado nações inteiras como Portugal, Espanha e Grécia, além das amargas soluções propostas pelo capitalismo financeiro especulativo, que funciona sem qualquer regulação ou freio por parte dos governos. Isso porque há gente do próprio capitalismo financeiro ditando as regras nos governos ou obrigando tais governos a obedecerem tais regras, sob pena de um estrangulamento econômico ainda maior. O documentário mostra a diferença entre uma economia produtiva, onde o crescimento depende da produção industrial, das vendas e dos lucros que conseguem abrir mais postos de trabalho e salários, e a economia financeira especulativa, onde uma dívida interna com altas taxas de juros é paga pelo governo com o dinheiro dos impostos dos contribuintes, economia financeira essa onde o capital não circula para as populações nem para o processo produtivo, circulando somente entre o empresariado. O mais chocante nisso é que presenciamos o mesmo quadro que existia no capitalismo pré-crise de 1929, onde os governos garantiam liberdade total para os grandes empresários sem qualquer freio em atividades especulativas e de risco.

Essa liberdade total dada ao capitalismo financeiro provoca graves problemas de ordem social e dão origem a um ultranacionalismo de direita que coloca toda a culpa da crise nos setores menos favorecidos da sociedade, como os pobres e negros no Brasil e os imigrantes da Europa, além de ajudarem a convencer o grande público de que políticas de austeridade são necessárias para acabar com a crise, sendo que a população deve abrir mão de seus direitos democráticos. Ou seja, com a Guerra Fria, o Welfare State e a classe média eram necessários para manter o capitalismo como um sistema bem visto perante o socialismo (ironicamente eram características do socialismo no capitalismo que mantinham o capitalismo bem na fita). Mas com o fim da Guerra Fria, o capitalismo não precisa mais desse artifício e a exploração se tornou bem mais desumana, com o liberalismo econômico extremado dos grandes grupos financeiros ameaçando a democracia, a autonomia e a soberania das nações, grupos financeiros esses que são uma grande ameaça à liberdade de todos hoje, pois uma atividade especulativa qualquer (as chamadas profecias autorrealizáveis) são capazes de destruir economias e governos de nações inteiras da noite para o dia. E o quadro é altamente sombrio quando falamos em previsões de como se virar esse jogo.

o ex-ministro das finanças da Grécia dá um importante depoimento

Dá para perceber como esse documentário é de uma importância absurda e de como o cinema cumpre nele sua função social de denúncia com grande maestria. Além dos depoimentos de especialistas em economia, que nos apresentam todo esse contexto numa linguagem bem simples e compreensível, o documentário também lançou mão do recurso da animação, onde situações expostas pelos especialistas eram explicadas de forma bem gráfica e com a narração de Eduardo Tornaghi. Talvez todo esse cuidado em se tornar a coisa bem didática tenha origem no mito de como o “economês” é algo de difícil compreensão para o grande público. E esse mito não parece somente pairar aqui sobre o Brasil. O filme “A Grande Aposta”, lançado há poucos anos e que justamente conta a história da bolha do mercado imobiliário americano que detonou toda essa crise econômica mundial mais recente, também lançava mão de explicações bem didáticas sobre questões econômicas, dadas por pessoas que não eram do meio econômico, tais como uma prostituta ou a cantora latina Selena Gomez.

                   Silvio Tendler

Assim, “Dedo na Ferida” é um daqueles filmes que a gente deve ver, ter e guardar. Esperemos que ele entre em grande circuito após o Festival do Rio deste ano e que seja lançado em DVD. Ter um documentário deste quilate e divulgá-lo em tempos tão sombrios de ignorância e tolerância chega a ser um dever cívico a meu ver.

Batata Movies – Blade Runner 2049. Replicantes Indo Além.

Cartaz do Filme

E estreou o tão esperado “Blade Runner 2049”. A ousadia em dar uma sequência a esse filme antológico da História do Cinema criou uma espécie de ideia geral de que a coisa não daria certo e estaria fadada ao fracasso. Essa é a maldição que os remakes e as sequências são obrigadas a passar: elas têm que ser, no mínimo tão contundentes quanto o filme original e o clima de descrédito é quem dita as regras iniciais, ou seja, o filme já começa condenado a largar atrás nessa insólita corrida de convencimento de público e crítica. Ainda mais com um filme do quilate de “Blade Runner”.

K. e Deckard. Em busca do filho de androide…

E qual foi o resultado? Essa película quilométrica, de cerca de duas horas e quarenta minutos, surpreendeu. Hampton Fancher e Michel Green, os roteiristas, e o diretor Denis Villeneuve conseguiram pegar o espírito da coisa e fizeram uma continuação à altura, tanto do ponto de vista estético quanto do ponto de vista narrativo. Mas, mais importante que isso, o filme tinha um clima de “Blade Runner” muito pronunciado, impactando o espectador como poucas vezes se vê hoje em dia. Para que a gente possa falar um pouquinho dessa boa continuação, os spoilers serão inevitáveis.

Sensualismo extremo de holografias nuas gigantes

Vemos aqui a história de K. (interpretado por Ryan Gosling), um androide que faz o mesmo papel que Deckard (interpretado por Harrison Ford) fazia: matar androides descontrolados. Mas, como assim? Depois do problema que os androides da Tyrell Corporation provocaram, a empresa acabou falindo, mas o espólio da empresa acabou sendo recuperado por outro megaempresário, Niander Wallace (interpretado por Jared Leto). Foram construídos novos androides obedientes aos humanos, mas os resquícios da linha anterior de androides permaneciam. Ao eliminar um deles numa fazenda, K. percebeu que havia um corpo enterrado por lá e que se tratava de uma androide fêmea, que tinha dado a luz!!! Ou seja, os replicantes conseguiram se reproduzir, algo que era incessantemente procurado por Wallace. Por uma coincidência de datas na sepultura da replicante e nos implantes de memória de K., ele passou a supor que era o tal filho perdido, embora tivesse nascido uma garota também que morreu em seguida. K., então, irá iniciar toda uma investigação para procurar o paradeiro do filho desaparecido, quem era a mãe e se o pai ainda estava vivo (o leitor mais atento já deve ter descoberto quem é esse pai e assa mãe).

Wallace. Sadismo com serenidade

O filme tem vários elementos interessantes. O principal deles é justamente a capacidade dos replicantes se reproduzirem. Ou seja, eles subiram um degrau no seu estágio de desenvolvimento e viraram a fonte de cobiça não somente de K. como também de Wallace. O mais curioso foi perceber como tal processo de reprodução ocorreu inteiramente ao acaso, sendo uma criação da natureza, ao invés de uma criação do homem, que corre atrás dela para estudá-la e procurar gerá-la artificialmente em laboratório. Esse era, pelo menos, o objetivo de Wallace, curiosamente um pesquisador cego que luta contra as limitações de sua pesquisa e de seus próprios sentidos. Por outro lado, a busca de K. já se revela em busca de identidade e de um passado perdido que pode aproximá-lo dos humanos, algo que o androide busca incessantemente, embora ele namore uma bela mulher virtual, Joi (interpretada pela lindíssima atriz cubana Ana de Armas) que também procura se tornar mais humana, o que é um sério problema, pois não há como se conseguir o prazer do toque. A introdução desses elementos novos já mostra como a agora franquia conseguiu ir além.

Claro/escuro mais expressionista que noir. Pessimismo latente

Mas foi dito acima que todo o clima de “Blade Runner” está lá. Os efeitos especiais conseguiram deixar todo o ambiente ainda mais soturno, onde a poluição e a chuva ácida davam o ar de sua (des)graça. É interessante notar que a Los Angeles de 2049 não é mais aquela metrópole homogênea que foi retratada no filme de 1982. Agora temos a cidade representada como uma espécie de enorme favela, mas há também fazendas, lixões e áreas descampadas, tudo com direitos a claros e escuros viscerais que lembravam menos o cinema “noir” (como o “Blade Runner” original lembrava) e muito mais um cinema expressionista, pelo forte contraste e pelo pessimismo latente impresso nas paisagens e imagens em geral. A coisa de se usar uma iluminação associada a um grande tanque d’água no escritório de Wallace deu um lindo efeito que potencializou o claro/escuro e aumentou o clima soturno da coisa. Ainda, dentro da estética vista em “Blade Runner 2049”, houve uma escolha muito feliz de não redesenhar a estética original. Assim, se por um lado tirou-se as japonesas dos telões de outrora e colocou-se imagens de sensacionais mulheres nuas holográficas (a tal namoradinha virtual de K.), por outro lado os anúncios da Atari e da Pan Am ainda estão lá, assim como a propaganda de uma escola de balé da União Soviética. Esse “Fan Service” ajudou em muito na aceitação do filme por parte dos fãs mais antigos de raiz (pelo menos no meu caso; e não devemos nos esquecer de que a versão de 1982 se passa no ano de 2019). Aliado a isso, não podemos nos esquecer de que algumas tomadas nesse novo filme faziam menção direta a tomadas do filme de 1982. O close do globo ocular está lá, assim como uma prostituta que lembra muito a Pris de Daryl Hannah. O convívio entre o velho e o novo também aparece vívido nessa nova versão. Assim, a modernidade dos patrocínios holográficos virtuais convive com os interiores antigos de casas, seja no apartamento de K., ou na cozinha da fazenda.

Fan Service no fotograma!!!

E os atores? A escolha de Ryan Gosling para protagonista foi boa, segundo as más línguas, pois ele faria muito bem o papel de um robô. Mas, brincadeiras à parte, sua interpretação não comprometeu, apesar de muito plana (quando ele deu uma explosão emocional, a coisa destoou um pouco do conjunto da obra). Ford também foi bem, embora fique o estigma de que um ex-protagonista já não possa fazer muito por causa da idade avançada. Foi bom rever Robin Wright, no papel da tenente Joshi, uma policial que conseguia ser uma chefe bem dura mas compreensiva com o subordinado K. Agora, na minha modesta opinião, quem deu um show de interpretação foi Jared Leto. A forma como ele conduziu seu personagem Wallace, com falas bem contidas e mansas, enquanto cometia as maiores barbaridades, foi de dar medo. É impressionante como a serenidade aliada ao sadismo produz um forte impacto. E Leto trouxe isso muito bem. Seu rosto angelical se encaixa perfeitamente bem nesses papéis mais psicóticos. E o ator parece ter plena consciência disso.

Atari de volta em 2049!!!!

É claro que todo filme tem seus problemas. Na minha modesta opinião, foram dois aqui. O primeiro foi a sua longa duração, que deixou a coisa muito maçante em alguns momentos. Um filme mais curto poderia ter contado a história com mais desenvoltura. O outro problema foi no teste que K. precisava fazer para provar a sua fidelidade de androide aos humanos. Ficar repetindo termos incessantemente não pareceu provar qualquer fidelidade aos criadores ou manter características supostamente humanas. Na versão antiga, a gente entendia quando o teste mostrava quando o androide era pego. Aqui, foi uma espécie de devaneio em que a gente não entendia como o androide era aprovado ou não, o que foi uma pena, pois essa parte no filme original era muito marcante e aqui não foi tão bem trabalhada assim. Pareceu algo jogado somente para a gente se lembrar de que havia testes na versão de 1982.

Não parece a Pris, interpretada por Daryl Hannah em 1982???

Assim, “Blade Runner 2049” é um feliz caso de continuação que deu certo. Se o filme não é perfeito em alguns pontos (como todo filme não o é), pode-se dizer que a película acertou em muitos pontos, mantendo o clima do filme original e ampliando a questão estética e narrativa. Novos elementos foram adicionados sem se esquecer do espírito do original. E essas coisas casaram muito bem. Se você é um grande fã de “Blade Runner”, esse é um programa obrigatório. E esse é o tipo do filme que eu vou comprar o DVD depois, até para poder fazer um estudo comparativo mais profundo. Não deixe de ver.

Batata Movies – Uma Mulher Fantástica. Homofobia À Chilena (Mas Poderia Ser Em Qualquer Lugar).

                  Cartaz do Filme

Um interessante filme chileno em nossas telonas. “Uma Mulher Fantástica” ganhou o Urso de Prata de melhor roteiro no Festival de Berlim e é o representante do Chile que tenta ficar entre os cinco finalistas para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro no ano que vem. Esse é mais um filme de temática LGBT que vai mostrar de forma nua e crua a questão da homofobia. Um tema que, apesar de já muito batido no cinema, torna-se ainda necessário de ser explorado, pois a intolerância continua muito grande por aí e sem data marcada para pelo menos arrefecer um pouco.

      Marina. Perseguida por tudo e por todos

No que consiste a história do filme? Vemos aqui um casal formado por um respeitável senhor, Orlando (interpretado por Francisco Reyes), que possui uma tecelagem, e Marina Vidal (interpretado por Daniela Vega), um jovem travesti. A vida dos dois passa por brancas nuvens num amor bem sincero, até o dia em que Orlando acaba morrendo de um mal súbito, não antes sem rolar pelas escadas do prédio em que mora e ficar com um ferimento na cabeça. Marina, temerosa de que a morte de seu parceiro se tornaria um escândalo em virtude de sua presença, deixa o hospital às pressas depois de comunicar a morte ao irmão de Orlando. Esse será apenas o pontapé inicial de uma sucessão de situações em que Marina será vista com extremo preconceito pela polícia e pelos familiares de Orlando, sofrendo muitas humilhações por conta da homofobia de todos.

                           Idílios com o amante

Pode-se dizer que, embora a homofobia seja o foco principal, sentimos que a mesma é alimentada por outras fontes de preconceito no filme. A questão do travesti ser o amante de Orlando coloca a família numa posição de guerra contra Marina, pois fica parecendo que ela pega um homem mais velho por pura questão de interesse financeiro, algo que poderia também acontecer com uma mulher. Mas a coisa fica bem mais pesada pelo fato de Marina ser um travesti, sendo vista como uma aberração pelos parentes de Orlando, que até a impedem de ir ao enterro do amado. É notável a posição de Marina em boa parte do desenrolar do filme, onde ela busca evitar os conflitos e poucas vezes afronta os preconceitos. Por isso mesmo, quando ela busca essa afronta, a situação fica bem tensa, pois o travesti sofre uma dura reação de seus algozes, mas também consegue ser bem duro contra esse tipo de reação em outros momentos.

Interessante alegoria na materialidade das imagens

A atuação de Daniela Vega, que interpretou Marina, é notável. Obviamente, todo o filme gira em torno dela. Por se tratar de um tema muito delicado e suscetível a muito preconceito, sentimos que a atriz optou por uma interpretação mais contida e serena, sendo mais explosiva pontualmente e nos momentos certos. A forma como a atriz  humanizou seu personagem fez com que o público ganhe muita empatia com ela. E a gente compra a ideia de todas as dores e humilhações pelas quais Marina passa, como se doessem em nós mesmos. Mais do que uma discussão de questão de gênero ou de homofobia, esse filme explora o lado humano de um personagem literalmente caçado por uma sociedade homofóbica insana.

         Às vezes, Marina sente-se sem saída

Assim, “Uma Mulher Fantástica” é um programa obrigatório e imperdível. Um filme que merece muito chegar entre os cinco finalistas a Oscar de Melhor Filme Estrangeiro no ano que vem. E, mesmo que não chegue, isso não diminuirá em nada seu brilho, já reconhecido internacionalmente no Festival de Berlim. Um filme essencial em tempos de intolerâncias tão sombrias pelas quais nosso país passa.