Batata Movies – Comeback. Retorno À Moda Antiga.

                   Cartaz do Filme

Nelson Xavier era um baita ator. Imortalizou-se como Lampião na tv, mas destilava seu talento também no cinema. É o que podemos ver aqui nesse “Comeback”, um filme sobre matadores e chacinas. Uma película que alguns críticos têm rotulado como uma espécie de homenagem ao faroeste. Pode até ser, embora eu creia que, antes disso, esse filme pode ser encarado de outras formas, onde a nossa realidade social brasileira se mostra de um jeito muito mais latente. Um filmão sobre o Brasil em si, com leve verniz de western, talvez.

Amador. Um homem que se vangloria de seu passado

Vemos aqui a história de Amador (interpretado por Xavier), um pistoleiro aposentado que coleciona um álbum de recortes de jornal, cujas chacinas lá noticiadas teriam sido obra dele. Amador tem uma vida difícil, trabalhando para um rico empresário que espalha suas máquinas de caça-níqueis em barzinhos da periferia. Cabe a Amador entregar estas máquinas. Ainda, uma equipe de filmagem procurou Amador para fazer entrevistas para um documentário sobre chacinas. Essa equipe insistiu que Amador providenciasse três metralhadoras para serem usadas nas filmagens. Só que Amador tem dificuldade em arrumar tais metralhadoras com o empresário para quem trabalha. Fica cada vez mais evidente que Amador perdeu o prestígio de outrora. Cansado de tantas pancadas na vida, Amador decidiu tomar uma atitude. Qual atitude foi essa? Chega de spoilers!

    Trabalhando para o dono da comunidade

O filme em si já é uma curiosidade na escolha do nome do personagem protagonista. A palavra Amador aqui é um paradoxo com o profissionalismo do personagem e com o fato de que uma “pessoa que ama” não cometeria chacinas. Foi uma feliz escolha esse nome. A película também atenta para um importante problema social: a violência e as chacinas, colocando-as como problemas de periferia, o que parece soar falso num mundo em que a violência adquire contornos cada vez mais globais. Também soou falso o fato de as chacinas pertenceram mais a um passado e serem menos prováveis hoje, mesmo que por imposição de uma liderança velada local.

A película adquire um tom de certa melancolia ao tratar o personagem principal como uma pessoa já sem qualquer fama e valor, que vive de um passado glorioso como pistoleiro. A glória e glamour do passado de Amador talvez aproxime o filme da referência ao western, mas é muito mais forte na película a referência ao ostracismo do protagonista e até as dúvidas de seu passado glorioso. Nesse ponto, podemos colocar “Comeback” próximo a um western como “Os Imperdoáveis” de Clint Eastwood. Contudo, o filme ainda nos remete mais aos violentos homicídios ocorridos no Brasil na época da ditadura e de suas perversas e tortuosas relações com membros de uma elite que governam suas áreas com mãos de ferro.

             Preparando um documentário…

O desfecho da película é daqueles que nos incomoda, pois tem a famosa cara de anticlímax, ficando a sensação de que a história está incompleta. Aqui, vou lançar mais uma vez a minha hipótese para uma situação dessas: o anticlímax ao final do filme atua como um choque de realidade, afastando-se do cinema como espetáculo (onde sempre é necessário algo de mirabolante e que traga um bom desfecho para o protagonista, lançando mão do happy end) e se aproximando mais do cinema como imitação da vida, onde as desventuras do dia-a-dia se fazem mais presentes e reais, tirando a oportunidade do protagonista de sorrir no final da história. É um final mais injusto e duro, mas também mais interessante e não tão fantasioso como o happy end que aqui cairia mal em virtude do clima sombrio da película.

Assim, “Comeback” é um filme obrigatório, até para nos despedirmos de Nelson Xavier, mas que também é atraente pela sua amargura. Um filme que, sim, lembra de leve o western mas que se remete muito mais à violência urbana da época da ditadura militar. E um filme que faz um convite à reflexão: até que ponto, em dias contemporâneos de violência global, a chacina pode ser considerada uma coisa do passado e um fenômeno isolado, restrito à periferia? O tal comeback procede? Ou as chacinas sempre estiveram por aí, escondidas de nossos olhos? Vale a pena conferir e refletir.

https://www.youtube.com/watch?v=SsFXL9z4kPs

Batata Movies – Pitanga. Lenda E Lendas.

Cartaz do Filme

Um notável documentário brasileiro passou em nossas telonas há alguns meses. “Pitanga”, cujo título já diz tudo, fala de nosso polivalente e multiversátil ator Antônio Pitanga. Os olhos preconceituosos de nossa sociedade podem até rotulá-lo de “marido da Benedita da Silva” ou “pai da Camila Pitanga”, além do já clássico preconceito já clássico da questão racial ou de suas preferências políticas, este último um tipo de preconceito que, aliás, divide cada vez mais nossa sociedade hoje em dia. Mas esse documentário consegue dar um duro golpe (epa!) em todos esses preconceitos e mostra o verdadeiro talento e, principalmente, a figura humana que é esse grande ator.

Foi Camila Pitanga quem dirigiu!!!

O documentário é montado de uma forma extremamente simples e muito feliz. Essa montagem consiste basicamente de Pitanga conversando com todo um rosário de pessoas que participaram de sua vida. E isso alternado com trechos de filmes que ilustravam as conversas. Assim, o próprio Pitanga se tornou o apresentador do documentário e falava de sua vida. Mas a coisa foi feita de um jeito tão informal que nem sentíamos isso. Aliás, parecia que nós, espectadores, estávamos também naquela conversa in loco, o que só ajudou a aumentar ainda mais o clima intimista com o ator.

“Affair” com Maria Bethânia

E quem conversou com a lenda Pitanga? Desde desconhecidos amigos dele até muitas personalidades e lendas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Paulinho da Viola, Maria Betânia (com quem teve um de seus muitos affairs), Sérgio Ricardo, isso somente para citarmos parte do meio musical. Mas Neville D’Almeida, diretor de cinema, também estava lá. Atrizes como Ítala Nandi e Tamara Taxman, responsáveis por momentos muito ternos da película, eram outras personalidades. Mas podíamos ver nos papos uma trinca Ney Latorraca, Pitanga e Jards Macalé, ou até uma conversa na casa de Tonico Pereira ou do saudoso Hugo Carvana. Dá para perceber com todas essas personalidades e pelo nível informal das conversas como esse documentário é muito bom.

Com José Celso Martinez Correia

E qual é a importância de Antônio Pitanga para o cenário artístico brasileiro? Essa é a grande joia do filme, que consegue mostrar isso de forma muito nítida, antes que algum incauto ainda critique Pitanga por puro preconceito. Sua carreira cinematográfica é destrinchada na película e podemos testemunhar que ela é excessivamente prolífica, onde o ator trabalhou com muitos diretores. Muitos de seus filmes abordavam questões raciais e sociais, onde os personagens que Pitanga interpretava eram muito fortes, fazendo o ator se transformar numa espécie de porta-voz dos excluídos. Mas Pitanga não fazia apenas personagens revoltados e ressentidos de sua condição social. Ele também usava um estilo corporal e performático que soava simultaneamente como um grito dos excluídos e uma grande exaltação pelo amor à vida. O homem corria, pulava, rodopiava, gritava palavras de forte impacto. Sua atuação altamente paroxista, sobretudo na parte final de “Câncer”, de Glauber Rocha, me faz lembrar de como o cineasta baiano era classificado de expressionista por Roger Cardinal, um estudioso do assunto. E, creio eu, Pitanga teve participação marcante nisso. Não podemos nos esquecer de sua forte participação em “Barravento” também.

Conversas alternadas com imagens de filmes. Aqui, Pitanga em “Barravento”, de Glauber Rocha

Uma coisa, que estava nas entrelinhas, incomodou um pouco: o estereótipo do afrodescendente como mito sexual. É interessante perceber como uma sociedade racista cria tal mito (a gente viu uma coisa parecida recentemente com Omar Sy no filme “Intocáveis”), algo que acontece tanto com homens quanto com mulheres afrodescendentes. E aí, fica a pergunta: esse mito deve ser encarado com lisonja ou como uma transformação do afrodescendente num mero objeto sexual pelo olhar racista de uma sociedade branca? E, para botar um bom tempero baiano apimentado nessa discussão: o escravo não era um objeto que era comprado e vendido (opa!)? Uma pena que isso não tenha sido questionado, ainda mais porque o documentário nos ajuda a perceber como Pitanga não foi somente importante no meio artístico, mas também na questão social e racial.

Assim “Pitanga” vale muito a pena ser visto, pois ele ajuda a desmistificar estereótipos sobre um ator que tem uma grande importância artística e social em nosso país. E, ainda, é um documentário feito com muito amor e carinho, transpirando ternura em vários momentos. Esse é para ver, ter e guardar.

 

Batata Movies – Feito Na América. O Supersafo.

                 Cartaz do Filme

Tom Cruise está de volta (como esse cara trabalha!), desta vez em “Feito na América” (“American Made”). Esse é mais um daqueles filmes que se baseia numa história real e, nesse caso, nos remete a algumas lembranças do passado, sobretudo no que tange ao que víamos no noticiário internacional dos telejornais lá da década de 80, quando temas altamente espinhosos como o Cartel de Medelín e os escândalos no governo americano que apoiava secretamente os contras da Nicarágua estavam na ordem do dia. Para quem vivenciou a época, esse filme é uma espécie de viagem no tempo, tornando-o muito atraente.

                             Seal, um cara safo

Mas no que consiste a história? Barry Seal (interpretado por Cruise) é um piloto comercial da TWA que tem uma vida pacata, fazendo, volta e meia, algumas coisas, digamos, pouco ortodoxas, como dar um sacolejo num avião de passageiros e alegar turbulência somente para quebrar a monotonia. Para ganhar um troco por fora, Seal contrabandeava charutos cubanos. Um belo dia, ele é sondado por Monty Schafer (interpretado por Domhnall Gleeson), um funcionário da CIA que, percebendo como o nosso protagonista era muito safo, o convoca para uma missão secreta do governo americano: fotografar movimentos guerrilheiros na América Central que recebiam armamento soviético (sim, a Guerra Fria ainda bombava naqueles anos). Seal aceitou a missão, largou uma vida confortável na TWA e partiu para essas missões, digamos, arriscadas. Foi o pontapé inicial para a vida do aviador entrar numa torrente de complicações que ele mesmo arrumou, pois se envolveu com traficantes colombianos que futuramente iriam compor o Cartel de Medelín (Pablo Escobar, inclusive), além de ser forçado pela CIA a enviar armas para os contras da Nicarágua, com o intuito de derrubar o governo sandinista, alinhado com a União Soviética. Ou seja, o homem trabalhava, simultaneamente, para traficantes de drogas e para o governo dos Estados Unidos, ganhando muita, muita grana. O problema é que essas coisas não se encaixavam muito bem… E aí, nosso simpático protagonista poderia se enrolar, e muito. Mas chega de spoilers por aqui.

                          Envolvido com a CIA…

A reconstituição de época do filme está ótima. Figuras como Escobar e o General Oliver North ficaram muito bem caracterizadas na película. Foram hilárias as menções ao presidente Ronald Reagan, onde pudemos ver, inclusive, trechos de filmes onde o ator presidente trabalhou, numa montagem muito engraçada que explicava o contexto em que o presidente tomou posse e suas atitudes de cowboy como o homem mais poderoso do planeta. Essa, sem a menor sombra de dúvida, foi a melhor parte do filme. Mas a coisa não parou por aí. As sequências de voos, onde víamos Seal transportando para lá e para cá armas e drogas, foram muito bem feitas. E, desta vez, Tom Cruise recebeu um papel que cai como uma luva para ele: a do carinha cafajeste, com um sorriso canalha no rosto, ao melhor estilo do “vou armar para me dar bem”. Rolou por aí até uma comparação entre esse filme e “Top Gun”, pelo fato de Cruise pilotar novamente aviões. Mas a comparação para por aí, pois se Maverick era o garotão da Força Aérea em “Top Gun”, ele não era 171 como Seal é agora em “Feito Na América”, alías um título de filme muito apropriado no contexto, quase uma espécie de declaração de mea culpa em virtude das estripulias que os Estados Unidos fazem com o resto do mundo. E devemos nos lembrar de que esse título em português é uma tradução literal do título original, algo que é muito raro de se ver e mais uma prova de que o título do filme cai como uma luva.

                         … e o Cartel de Medelín

Assim, “Feito na América” é mais um bom filme de Tom Cruise. Se algum cinéfilo mais purista acha Cruise um mau ator (categoria na qual não me enquadro), pelo menos uma coisa somos obrigados a admitir: sua prolífica carreira está recheada de filmes de temáticas bem interessantes, indo desde o blockbuster mais convencional até filmes com um pouco mais de conteúdo como este. Por isso é que vale a pena acompanhar o trabalho deste ator, ainda mais porque ele não vai tentar te convencer a seguir a cientologia em seus filmes (pelo menos espero eu). Brincadeiras à parte, não deixe de assistir a “Feito na América”.

Batata Movies – Punhos de Sangue. O Rocky Balboa Real.

                  Cartaz do Filme

Você gosta de pugilismo? Então “Punhos de Sangue” é uma película que pode te atrair mesmo que o boxe seja apenas um pano de fundo. Esse filme, acima de tudo, fala sobre a condição humana e de como sofremos quando tomamos decisões erradas em nossas vidas. Mais um daqueles filmes que nos faz refletir. Mas que, desta vez, tem toda uma referência especial.

       Chuck. Apanhando da vida e de si mesmo

Vemos aqui a história de Chuck Wepner (interpretado por Liev Schreiber), um pugilista profissional que é o campeão local de sua cidade. Existia uma grande chance de Chuck poder lutar contra o campeão mundial de pesos pesados, George Foreman. Entretanto Foreman foi derrotado por Mohammad Ali no Zaire, o que, aparentemente, tinha enterrado as chances de Chuck. Só que, numa reviravolta sensacional, o empresário de Ali, Don King, decidiu fazer uma luta que fosse mais uma questão racial, onde Ali espancaria impiedosamente um lutador branco azarão, no caso o nosso protagonista. A luta durou todos os quinze rounds e terminou com nocaute técnico para Ali. Mas nosso Chuck não cairia no esquecimento, pois ninguém mais, ninguém menos que Sylvester Stallone usou a história de vida de Chuck para desenvolver o personagem Rocky Balboa. E aí, nosso protagonista se sentiu uma verdadeira celebridade. Entretanto…

         Tomando um nocaute técnico de Ali

Basicamente, o filme tem duas camadas. A mais externa é toda a ligação da história do protagonista com o personagem de Rocky Balboa, que é o que atrai o espectador para o cinema. Mas, abaixo desse verniz mais espetaculoso, está o drama do personagem protagonista em si. Um cara que, apesar de não ter muito, tinha o suficiente para viver: emprego, uma esposa apaixonada, uma filha. Só que o camarada se perdeu, maravilhado pelos holofotes da fama. Optou-se por colocar o processo de decadência do nosso protagonista de uma forma um tanto quanto tragicômica, transformando-o num palhaço irresponsável, num idiota. Creio que isso não ficou de bom tom no filme, que tratou com galhofa um assunto que deveria ser visto mais seriamente. Assim, mostrou-se pouco respeito com uma boa história a ser contada, o que foi uma pena.

                       Problemas com a mulher

No mais, podemos falar de atores. Liev Schreiber, que fez o protagonista, atuou relativamente bem, convencendo como o verdadeiro trouxa que era o seu personagem. Alguns momentos cômicos eram constrangedores e os momentos mais dramáticos eram angustiantes, numa prova de que o ator foi bem. Marcantes, também, foram as atuações das atrizes que fizeram as mulheres realmente importantes na vida de Chuck. Elisabeth Moss fez uma esposa que podia ser extremamente brincalhona e amável, mas também furiosa de uma forma muito convincente. Já Naomi Watts fez uma bartender que não se dobrava de jeito nenhum aos galanteios de Chuck, o que deu muito carisma à personagem. Morgan Spector, o ator que interpretou Sylvester Stallone, convenceu com sua atuação, embora ele flertasse com o caricato em alguns momentos.

                           Encontro com Stallone

Assim, “Punhos de Sangue” é menos um filme de boxe e mais um filme sobre a condição humana. Uma história real que é uma verdadeira lição para os otários de plantão. Mas também um filme que errou na mão, ridicularizando o seu personagem principal, o que ficou um pouco feio. Poderia ter sido um drama mais doloroso do que uma tragicomédia morna. Enfim… se você gosta de pugilismo e de Rocky Balboa, ainda vale a pena. Procure lá nos DVDs da vida…

Batata Movies – Lady Macbeth. A Mulher Na Sociedade Conservadora.

                 Cartaz do Filme

Um intrigante filme passou em nossas telonas. “Lady Macbeth”, inspirado na obra de Nicolai Leskov, é uma daquelas películas que, apesar de contar uma história que muito entretém o espectador, traz novamente o convite à reflexão, sobretudo no que se refere ao papel da mulher na sociedade inglesa conservadora do século XIX. Esse é o tipo de história em que precisamos procurar o que está nas entrelinhas, onde tudo pode parecer uma coisa, mas acabar sendo outra.

                             Uma moça recatada

Qual é o enredo dessa intrigante trama? Katherine (interpretada Florence Pugh) é a esposa de um dono de mina. O homem comprou uma fazenda junto com a mulher dentro e a odiava mortalmente, a ponto de sequer querer encostar nela para ter um filho. E isso ainda deixava a moça malvista pelo sogro, que dizia que ela não cumpria as obrigações de esposa, não gerando uma criança. Um belo dia, o marido partiu para as minas e Katherine, que nem sair de casa podia, começou a andar pela propriedade. Nisso, ela se envolveu com um dos empregados da fazenda, Sebastian (interpretado por Cosmo Jarvis) tendo tórridas noites de sexo. Cansada de toda aquela opressão, Katherine passou a lutar contra tudo isso, usando métodos, digamos, pouco ortodoxos e, por que não, diabólicos até. Paremos aqui com os spoilers.

O que mais perturba nesse filme? É justamente a forma como Katherine se rebela contra o conservadorismo da sociedade em que vivia. Ela não teve qualquer tipo de escrúpulo, não diferenciando mais o certo do errado, no melhor estilo “os fins justificam os meios”. Inicialmente, suas ações atingiam em cheio seus algozes e víamos os atos como uma manifestação libertadora, achando até graça de alguns desfechos trágicos. Mas, com o tempo, a gente vai percebendo que Katherine ou pirou na batatinha de vez, ou é perversa e inescrupulosa demais e não mais passamos a apoiar seus movimentos. Fica então a questão: se a moça enlouqueceu, ela pode ser vítima da sociedade ultramachista e conservadora em que vivia; mas se Katherine fez tudo de forma fria, calculista e deliberada ela, além de não ser uma vítima, ainda foi demonizada a ponto de corroborar a visão ultramachista de perfídia feminina. Agora, qual direção a história deliberadamente toma? Prefiro deixar isso nas mãos do espectador, embora eu tenha a desconfortável sensação do uso da segunda opção por parte do autor, o que é uma pena.

                       Uma serviçal aniquilada

Uma personagem que muito chama a atenção é uma das serviçais da casa, interpretada por Naomi Ackie. Negra e totalmente submissa, ela se transformou numa espécie de joguete nas mãos de sua patroa. Se num primeiro momento, Katherine a usava para desafiar as rígidas convenções sociais da época, por exemplo, convidando sua serviçal para jantar à mesa junto com ela, a empregada também acabou sendo vítima de sua falta de escrúpulos. Ou seja, se o filme e a sua história pode fazer movimentos na direção de uma maior libertação da mulher, a película, por outro lado, não rompe com a hierarquia de classes. Katherine ainda é uma patroa que tem a vida de seus subalternos nas mãos, inclusive a de seu amante, um dos empregados da fazenda. O livro no qual se inspira o filme pode tomar ou um viés conservador ou um viés altamente crítico do conservadorismo, ao mostrar explicitamente todos os males que esse conservadorismo provoca, embora eu deva repetir que as atitudes de Lady Macbeth totalmente imorais do ponto de vista ético, ainda perturbem muito.

No mais, o filme tem boas virtudes técnicas, sobretudo a boa fotografia e boas tomadas externas (a paisagem é realmente muito bonita) e um lindo figurino de nossa protagonista que, quando não está nua (e eu não reclamo em nada das generosas formas da atriz!), veste um lindo vestido azul que é um álibi perfeito para o seu papel de esposa recatada.

                     A patroa e o empregado

Assim, “Lady Macbeth” (não é à toa que a referência a Shakespeare é altamente oportuna) é uma película muito intrigante que permite mais de uma interpretação. Desafia ou não desafia o machismo? Mas uma coisa parece ser certa: as classes sociais devem ficar em seu devido lugar. Vale a pena dar uma conferida em DVD.

https://www.youtube.com/watch?v=Ui8se5pwnMs

Batata Movies – Paterson. Poesia E Cotidiano.

Cartaz do Filme

O diretor Jim Jarmusch está de volta, em parceria com o “Kylo Ren” Adam driver, trazendo o bom filme “Paterson”. Um filme sobre escrita e poesia. Mas também um filme sobre cotidiano, regado a pequenas e quase imperceptíveis alterações de rotina. Uma verdadeira aula de como você deve lidar com o dia-a-dia e os problemas que eventualmente surgem em sua vida.

A história em si é muito simples. Vemos aqui a trajetória de Paterson (interpretado por Driver), um motorista de ônibus que vive numa cidadezinha que tem o seu nome e que fica em New Jersey. Nosso protagonista acorda todos os dias em torno das seis e dez da manhã, troca uns beijinhos com sua esposa Laura (interpretada pela estonteante Golshifteh Farahani), vai para seu emprego, dirige o ônibus o dia inteiro, volta para cada, janta com sua esposa, leva o cachorro para passear e para num bar. De segunda a sexta, essa é a rotina de Paterson, que é quebrada em poucos momentos. Nem sempre a conversa no bar é a mesma, diferentes passageiros têm diferentes conversas no ônibus e Paterson, atento a tudo, as registra em sua memória. Mas a principal quebra de rotina na vida de Paterson é o ato de escrever suas poesias. Poesias que não rimam, é verdade, mas que pegam pequenas coisas do cotidiano (uma caixa de fósforos, por exemplo) e as transformam em objetos de arte com grande lirismo por parte do escritor. A esposa de Paterson é outro ponto importante na quebra dessa rotina. Cheia de manias, ela quer, simultaneamente, ser artista plástica, abrir uma empresa de cupcakes ou até mesmo ser uma cantora country, colocando Paterson eventualmente em maus lençóis financeiros. Mas o amor do motorista escritor por sua esposa é tanto que ele é altamente compreensivo com as doideiras dela, que também o apoia muito em sua carreira de escritor. E assim, a vida dos dois vai seguindo ao longo da semana. Só que um acontecimento inesperado quebraria violentamente essa rotina.

                     Paterson, um carinha legal…

O grande barato desse filme está justamente na questão da rotina e da sua quebra, com a poesia atuando como ponte entre esses dois pólos. É do cotidiano que Paterson tira inspiração para escrever seus versos e estrofes. Ou seja, de um local aparentemente estéril em termos de criatividade (a rotina do cotidiano) é de onde sai para Paterson todo um terreno para ele pôr em prática a sua fértil visão de mundo. Somente um artista refinado e sensível consegue tal proeza. E vamos percebendo isso paulatinamente na película, onde nosso protagonista começa a criar seus versos um pouco antes de sair com o seu ônibus, quando tem o raciocínio cortado pelo despachante pessimista da empresa, e o retoma na hora do almoço, quando tem mais tempo para escrever.

Com a esposa, doidinha, mas muito amável…

É claro que não é apenas a repetição do cotidiano que dá material para Paterson escrever. As conversas dos passageiros no ônibus trazem elementos novos para o motorista. Uma conversa de dois homens contando suas paqueras, um papo de estudantes anarquistas sobre uma importante figura anarquista do passado da cidade, ou até a importância do filho ilustre Lou Costello para a cidade de Paterson, todos estes são elementos que tiram o filme da rotina e trazem novos pontos de reflexão para o escritor, que é apaixonado por um famoso escritor local, William Carlos Williams. Existem até outros elementos que eu poderia mencionar à respeito da quebra de rotina, elementos esses relativamente interessantes, mas chega de spoilers por hora.

E os atores? Golshifteh Farahani foi muito bem numa personagem que, de tão lúdica, beirava o caricato. Ela segurou o rojão bem e comprou a ideia. Convenhamos que sua beleza hipnotizante ajudou bastante, mas a moça é talentosa, não vamos desmerecer a sua atuação em função de sua beleza. Já Adam Driver fez um personagem excessivamente calmo e compreensivo, que eventualmente saía de seu estado letárgico em situações engraçadas do bar. Apesar da excessiva passividade de Paterson, Driver fez a gente gostar do cara, o que é sinal de uma boa atuação.

Situações inesperadas quebram o cotidiano

Assim, “Paterson” é um bom filme, que tem um ritmo lento por viver em função do cotidiano e da rotina, mas cativa e prende a atenção pelos personagens, pelos atores e pela poesia bem escrita, talvez a grande vedete do filme. Vale a pena dar uma conferida em DVD.

https://www.youtube.com/watch?v=4U-mELmrR6M

Batata Movies – Bingo. O Rei das Manhãs. Bozo’s Biography.

                         Cartaz do Filme

Um curioso filme brasileiro está nas telonas. “Bingo. O Rei das Manhãs” fala da trajetória de um artista inspirado no personagem real de Arlindo Barreto, que ficaria conhecido como o palhaço Bozo. Barreto fez muito sucesso na antiga TVS (atual SBT) encarnando o palhaço americano e conseguiu bater até a poderosa Rede Globo em audiência. Mas a vida do artista não foi um mar de rosas e ele acabou entrando num período de franca decadência, onde o vício em cocaína foi apenas o primeiro degrau para o buraco. A película falará das meteóricas ascensão e queda de Arlindo de uma forma bem biográfica e direta, não deixando ponto sem nó.

                   Boz… Bingo está de volta!!!

E quem interpreta o palhaço nessa empreitada? Vladmir Brichta, que estava simplesmente sensacional no papel de Augusto Mendes. Foi notável ver como o ator conseguiu dar um grande carisma ao personagem, mostrando a firmeza e obstinação de Augusto em conseguir o papel e depois conseguir dobrar o empresário americano que trouxe um formato de programa dos Estados Unidos que não se encaixava à realidade brasileira. Foi Augusto/Arlindo que, na base do puro improviso, com uma baita presença de espírito, conseguiu reestruturar todo o programa e torná-lo um sucesso de audiência, não sem muita pressão em suas costas, algo que ele levou numa boa. Se Brichta conseguiu ir muito bem nessa faceta do personagem, ele foi igualmente perfeito na fase negra de Augusto/Arlindo, mergulhando em doses profundas de desespero e de decadência. Esse é o tipo de papel que é um verdadeiro presente para a carreira de um ator, pois pode valorizar em muito a sua carreira.

            Gretchen em programa infantil!!!

Mas esse presente tem uma faca de dois gumes e deve ser muito bem aproveitado. E Brichta não brincou em serviço. A gente realmente fica impressionado com sua atuação. Um outro destaque é a presença de Leandra Leal, que também conseguiu mostrar muito talento, fazendo o papel de Lúcia, a diretora do programa de TV, que aparentemente tem mais idade que a atriz. Leal foi notável em sua interpretação de mulher mais velha, sendo um verdadeiro deleite vê-la atuando com Brichta. Só esses dois detalhes já justificam o ingresso do filme. Mas a película tem mais atrativos, pois ela está cheia de referências afetivas para nós que vimos o programa do Bozo naquelas manhãs da década de 80 e que estamos na faixa dos quarenta a cinquenta anos. Isso sem falar da trilha sonora da época, carregada de um Rock Nacional com músicas que também tocavam fundo em sua alma, tanto quanto o Opala SS do palhaço. Ou seja, uma reprodução de época muito perfeita e bem cuidada.

          Leandra Leal impecável como Lúcia…

Assim, se você cresceu vendo o Bozo na TVS, esse filme é um programa imperdível. E se você não teve a oportunidade de vivenciar aqueles anos, agora tem uma oportunidade ímpar de saber o que perdeu. E ainda há a atuação ótima de Brichta e Leal, assim como uma química entre atores poucas vezes vista em nosso cinema. Não deixe de prestigiar esse grande filme, que vai te fazer rir e chorar. Só não vale falar “Ah, que peninha” no final…

Batata Movies – Sepultura Endurance. Documentário Convencional.

Cartaz do Filme

Um documentário brasileiro passou rapidamente por nossas telonas. “Sepultura Endurance” fala sobre a banda de trash metal brasileira que em trinta anos de carreira se tornou uma das mais importantes no cenário mundial de seu segmento. Nos cem minutos de duração do filme, pudemos ver um documentário altamente convencional, sem voos mais ousados. A ideia foi pura e simplesmente retratar não somente o cotidiano atual da banda, como também de traçar um histórico da mesma.

Os caras!!!

Muitas entrevistas e trechos de shows eram alternados com depoimentos dos músicos, assim como filmagens de ensaios e gravações. Foi muito interessante testemunhar a gênese do Sepultura, onde jovens moleques simplesmente se divertiam fazendo shows e popularizando sua imagem no exterior atraves de cartas escritas aos lendários fanzines. A distância que a América do Sul tinha perante ao mundo dito desenvolvido, numa época em que não havia internet e a comunicação era feita basicamente por carta, deu uma dimensão mítica ao Sepultura lá fora, o que somente aumentou a curiosidade sobre a banda. Outro elemento que chama muito a atenção é a grande admiração dos músicos estrangeiros pelo Sepultura, maravilhados pela forma hábil como os integrantes da banda aliaram harmoniosamente músicas de origem indígena com a violenta batida do trash metal.

No início, tudo era festa…

A jornada estafante das turnês pelo mundo afora e as querelas com os irmãos Cavalera (que não quiseram participar do documentário) são também abordadas, assim como a introdução do novo vocalista, Derrick Green, que foi num primeiro momento rechaçada por alguns. Sei não, confesso que sou um leigo no tema, mas a introdução de Green como vocalista a meu ver deu muito mais carisma ao grupo, pois a sua presença é muito forte, maior que a de Max Cavalera. Já musicalmente não tenho condições de avaliar alguma coisa. Mas só sei que gosto muito de ver Green no grupo.

Depois. intermináveis turnês…

Assim, “Sepultura Endurance” é um bom documentário sobre a famosa banda de trash metal brasileira, que busca produzir um material para os fãs com uma linguagem bem simples e convencional, embora isso não signifique que o documentário seja ruim, pelo contrário. Só é de se lamentar que muito poucas músicas tenham passado na íntegra ao longo do filme.