Batata Movies – O Cidadão Ilustre. Exumando Cadáveres No Cemitério.

Cartaz do Filme. Mais uma vez o cinema argentino se faz presente

O cinema argentino é muito bom. É claro que nem sempre apresenta filmes de qualidade. Mas o faz na maioria das vezes. A gente se acostumou sempre com a cara de Ricardo Darín nas películas. Mas Darín não é a única faceta do cinema argentino, sabemos muito bem disso. E, dessa vez, podemos desfrutar do talento de outro grande ator portenho, Oscar Martínez, no filme “O Cidadão Ilustre”.

Daniel Mantovani, um grande escritor

Mas, do que consiste a história do filme? Martínez interpreta um grande escritor argentino, Daniel Mantovani, que até o Nobel de literatura já ganhou. Mantovani, por ser uma enorme celebridade, e por já ter tido todo o seu talento reconhecido, não sabe mais quais rumos pode tomar na sua carreira. Sua condição de celebridade o faz não mais aceitar todos os convites que recebe para eventos ou homenagens. Mas, um belo dia, ele recebe um convite de sua cidadezinha natal no interior da Argentina para receber um reconhecimento público. Num primeiro momento, o escritor declina do convite. Entretanto, depois de pensar bem, aceita a oferta e parte para seu país e sua cidade natal, que abandonou há trinta anos para viver na Europa, e nunca mais ter retornado. Ao chegar à sua cidade, inicialmente tudo aparentava estar bem. Reviu os antigos amigos, recebeu muitos afetos e amabilidades, matou grandes saudades. Entretanto, com o tempo, um clima de animosidade entre o escritor e a cidade foi crescendo, em virtude de pequenas rusgas do passado e de questões mal resolvidas que o escritor deixou para trás. E isso virou uma bola de neve cada vez mais perigosa para Mantovani.

Voltando à cidade natal. Tudo ia bem…

O filme foi classificado pela imprensa especializada como comédia dramática. Pode-se dizer que ambos os gêneros não andaram de mãos dadas do início ao fim. A comédia passeou mais pela película no começo do filme até, mais ou menos o seu meio. Entretanto, a carga dramática, com uma pequena dose de suspense já dava alguns sinais na primeira metade do filme, tornando-se gritante mais para a parte final. Havia um clima de constrangimento provocado não somente pelas situações cômicas, mas também por situações mais dramáticas e pesadas também, que sentíamos que, mais hora, menos hora, iriam explodir. Essa química altamente volátil é o que ajudava a prender mais a atenção no filme.

… mas as coisas começaram a ficar muito esquisitas…

O clima de ressentimento entre os habitantes da cidade e o escritor era o que mais constrangia, já que alguns moradores acreditavam piamente de que o escritor construiu toda a sua fama em cima de histórias que ele produzia se baseando em situações desmoralizantes de sua cidade natal. Assim, alguns moradores acreditavam que Mantovani se enriqueceu às custas de falar mal da cidade.

O desfecho do filme, apesar de ser um pouco previsível, não deixou de causar um certo impacto, com, digamos, duas camadas, e ajudou a tornar a coisa mais atraente para o espectador.

Logo, o ressentimento aflorou…

Assim, “O Cidadão Ilustre” é mais um bom filme argentino que chega às nossas telonas e que mostra mais uma vez o talento de Oscar Martínez, numa prova de que o cinema argentino não é somente Ricardo Darín e que devemos continuar de olho nas boas películas portenhas. Vale muito a pena dar uma conferida.

https://youtu.be/0raD8Z_mKWU

Batata Movies – Una. Dividida?

Cartaz do Filme

Um filme curioso está em nossas telonas. “Una” é dirigido por Benedict Andrews e escrito por David Harrower, baseado em sua peça “Blackbird”. É uma história sobre trazer um negro passado à tona. E de como isso afeta os protagonistas desse passado hoje. Um drama psicológico muito bem refinado e elaborado que tem um sabor todo especial: traz Ben Mendelsohn e Riz Ahmed no elenco. Já se esqueceram desses nomes? Pois é. Eles são, respectivamente, o diretor Krennic e o piloto de carga Bodhi de “Rogue One”, o spin-off de “Guerra nas Estrelas” que passou nos nossos cinemas ao final do ano passado. Como se não bastasse essa grata surpresa, o filme ainda conta com a presença da deslumbrante Rooney Mara.

Uma relação complicada

Mas, do que se trata esse filme? Vemos aqui a história de Una (interpretada por Rooney Mara), uma mulher atormentada pelo seu passado. Ela, quando tinha apenas treze anos, se envolveu com um homem mais velho, ou seja, ela sofreu um abuso num caso de pedofilia. O homem em questão é Ray (interpretado por Mendelsohn), que foi preso e julgado por seu crime, pagando uma pena de quatro anos de prisão. Mas Una ainda sofre com as lembranças do passado e vai atrás de Ray. Não tivemos aqui apenas um caso de abuso sexual. A moça também se envolveu amorosamente com o homem mais velho e, agora que está adulta, quer encontrá-lo para não somente tirar as suas diferenças com o passado, mas também porque ela o ama. E esse relacionamento um tanto destrutivo vai se desenvolvendo ao longo do filme, onde os dois conversam no refeitório da fábrica onde Ray trabalha.

Mas a menina cresceu…

Ufa, dá para perceber que esse vai ser um filme de diálogo bem tenso mas, ao mesmo tempo, também muito intenso (me desculpem o trocadilho infame). O filme se foca principalmente em Mara e Mendelsohn, que estavam ótimos. O ator esqueceu aquela afetação que o diretor Krennic tinha em “Rogue One” e foi bem mais contido, com as devidas explosões emocionais no tempo certo. Era muito marcante a sua preocupação em deixar bem claro para Una que ele não era uma figura pervertida e que não houve mais nenhum caso com outra menor de idade, ou seja, Una foi a única ninfetinha a passar pelas mãos de Ray, numa prova um tanto doentia de amor entre os dois nessa relação para lá de conturbada. Já Rooney Mara foi muito bem e todas as suas explosões de dramaticidade convenceram bastante, embora ela tivesse momentos onde ficava totalmente estática, com um olhar perdido, cujos closes ajudaram muito na construção da melancolia que a cena exigia.

Riz Ahmed também está no filme

Agora, podemos imaginar como toda essa história encucou a cabeça de nossa protagonista, fazendo com que a moça ficasse com atitudes erráticas e tendo várias oscilações de comportamento, o que curiosamente entra em conflito com o próprio nome da personagem. Assim, nossa Una está mais para uma bipolar do que para qualquer outra coisa.

O único detalhe que destoou da construção do filme foi justamente o seu desfecho, que teve uma tremenda cara de anticlímax. Foi um pouco de desperdício e até uma certa falta de respeito com o bom trabalho dos atores que interpretaram os protagonistas. Mas, toda a vez que existe um desfecho com esse anticlímax, faço aqui a pergunta: foi a intenção do roteirista dar um choque de realidade no espectador, não fornecendo um desfecho tão espetaculoso? De qualquer forma, ficou a impressão de que esse final caiu mal (mais um trocadilho).

Assim, “Una” é uma película que vale a pena ser assistida, em primeiro lugar pelo interessante drama psicológico de um casal que teve uma relação pedófila que ficou muito mal resolvida, em segundo lugar pelas boas atuações de Rooney Mara e Ben Mendelsohn e, em terceiro lugar pelo fato de presenciarmos dois atores de “Rogue One” trabalhando num filme totalmente diferente do Universo de “Guerra nas Estrelas”, onde podemos testemunhar as variações de seus talentos. Vale a pena dar uma conferida.

https://youtu.be/UgiN35SC-hM

Batata Movies – O Filho De Joseph. Paternidade Emprestada.

 

Cartaz do Filme

Sempre gostei muito de Maria de Medeiros. Já tirei foto com ela, comprei CD, pedi para autografar, dei caixa de bombom. Tietagem explícita mesmo que beira o ridículo. Ah, mas que se lasque. “Star System” é para isso mesmo. Por isso que, dentre as dezenas de filmes disponíveis para assistir na cidade que a nossa falta de tempo não consegue acompanhar, acabei indo ao Estação Botafogo 2 para assistir a “O Filho de Joseph”, justamente porque a minha diva lusitana estava na película. O filme em si? Bom, eu confesso que não estava muito preocupado com isso. Queria mais era ver a Maria de Medeiros. Infelizmente, ela apareceu somente em duas sequências, fazendo mais uma participação especial do que qualquer outra coisa. Mas deu para matar um pouquinho a saudade.

Um rapaz atormentado e uma redenção

De qualquer forma, ainda temos um filme a analisar. E do que tratava a história? Temos aqui Vincent (interpretado por Victor Ezenfis), um adolescente atormentado pela falta do pai. O jovem hostiliza sua mãe Marie (interpretada pela bela Natacha Régnier), pois ela fez de tudo para que o adolescente não conhecesse o pai. Um belo dia, Vincent mexe nas coisas da mãe e descobre que ela escreveu cartas ao pai que o identificam. Ele é Oscar Pormenor (interpretado por Mathieu Amalric), um famoso editor que tem pouquíssimos escrúpulos e nenhum caráter. Ao ir escondido a uma das festas organizadas pelo pai, Vincent conhece Violette Tréfouille (interpretada por Maria de Medeiros), uma crítica literária de hábitos fúteis e ela o confunde com uma jovem promessa na literatura. Vincent continua a investigar a vida de seu pai e vai descobrindo aos poucos a falta de caráter de seu progenitor. Assim, o garoto tomará uma medida drástica e impensada. Mas ele conhecerá um homem que irá mudar a sua vida (no bom sentido, é claro). Quem é esse homem? Chega de “spoilers”!

Uma mãe solitária

À primeira vista, temos o velho clichê do filho revoltado porque não conhece o pai. Mas, pelo menos, o filme não caiu nesse lugar comum e desenvolveu um pouco mais a história. A desmistificação da figura paterna por parte de Vincent foi um interessante elemento adicionado à película e, mais, o garoto toma uma atitude com relação a isso.

Um pai cruel e uma diva que amo…

Mas a grande graça da coisa está nas descobertas que ele faz com a nova amizade que surge de uma forma muito insólita (em tempo, esse amigo é interpretado pelo ótimo ator Fabrizio Rongione, dono de um dos mais elegantes closes do cinema moderno). Vincent realmente entra nos trilhos com essa nova amizade, mudando até de postura com a sua mãe, tratando-a com mais carinho e respeito. Vale ressaltar aqui que as descobertas de Vincent com sua nova amizade transitam muito pela poesia e pela música erudita, o que deu todo um charme especial ao filme. Infelizmente, volta e meia Vincent fazia umas piadinhas muito infames, sendo que a única que ainda foi um pouco mais engraçada dizia: “Você sabe como se chama um naturista revolucionário? Sans-Culotte”. E essa piada ainda tem graça somente para historiadores especializados em Revolução Francesa.

O autor desse artigo e Maria de Medeiros

Só é de se reclamar de algumas condições ruins da exibição. O Estação Botafogo 2 vem de uma reforma, com a sala mais espaçosa e confortável, mas o ar condicionado estava bem fraquinho. Ainda, a cópia da película estava um bocado escura, o que foi uma pena.

Alguns momentos hilários…

Assim, “O Filho de Joseph” começa com um clichê mas se salva no bom elenco, na redenção do personagem rebelde e, obviamente, nos poucos momentos em que Maria de Medeiros apareceu. O filme não é lá grande coisa, mas também não é de se jogar fora. Uma diversão com certa classe que entretém, mas que não será marcante. Pelo menos, essa é a impressão de agora.

https://youtu.be/7dBrFSeKml8

Batata Movies – Armas Na Mesa. Corrupção Não É Só Aqui.

 

Cartaz do Filme

Um interessante filme pairou em nossas telonas. “Armas na Mesa” (“Miss Sloane”) é uma película que fala de poder e corrupção, mostrando que esta última não é um privilégio de terras tupiniquins. Um filme um tanto barra pesada. Mas também um grande jogo de xadrez.

Miss Sloane, a marrenta

Vemos aqui a história de Elisabeth Sloane (interpretada por Jessica Chastain), a mais bem sucedida e requisitada lobista de Washington. Ela não mede esforços para alcançar suas vitórias políticas, ao bom estilo “os fins justificam os meios”, sendo uma mulher para lá de marrenta. Mas essa mulher aparentemente fria e calculista sofre de uma insônia crônica que a faz ficar dependente de remédios, escondendo uma instabilidade emocional. Um belo dia, o chefe da empresa em que trabalha organiza uma reunião com um senador que é de um movimento pró-armas. Sloane decide não decide fazer o lobby para o tal senador, o que irrita o seu chefe. Ao mesmo tempo, é convidada a trabalhar numa empresa rival, fazendo justamente um lobby anti-armas. Isso será apenas o início de uma briga de cachorro grande, onde ela lançará mão de todos os artifícios inescrupulosos para conseguir chegar aos seus objetivos, o que também a deixará vulnerável a seus inimigos.

Lutando contra antigos colegas

Esse é o tipo do filme em que o espectador deve ficar ligado o tempo todo, para não perder o fio da meada, pois a coisa fica toda focada no diálogo dos personagens e temos que acompanhar tudo com atenção, pois há muitos personagens envolvidos na trama. Todo o falatório torna o desenrolar da película um tanto enfadonho (algumas pessoas desistiram no meio da exibição e foram embora), mas quem aguentou até o final foi bem recompensado com o desfecho. O mais interessante aqui é como as duas empresas lançavam mão de todos os recursos (muitas vezes um tanto que sorrateiros, imorais ou até ilícitos) para chegarem aos seus objetivos de conquistar os senadores que votariam a favor ou não das armas. Nossa protagonista é uma espécie de anti-herói típica, onde sua marra e suas atitudes inescrupulosas nos despertavam antipatia e até uma certa revolta em alguns momentos.  Mas sua fragilidade como figura humana também nos despertava uma certa pena. E sua inteligência em mover as peças do xadrez na hora certa e de forma correta, principalmente ao desfecho do filme, nos despertou admiração. Todos esses sentimentos despertados pela interpretação magistral de Jessica Chastain, que se mostra uma eficiente atriz, que não só se escora em sua beleza para conseguir papéis. Ainda falando em atores, foi muito legal ver novamente John Lithgow no cinema, interpretando um senador que quer ferrar com a Miss Sloane, e Sam Waterson, no papel do primeiro chefe de Sloane. Para quem não se lembra, Waterson fez a série “Lei e Ordem”.

Prestando explicações à justiça

Assim, “Armas na Mesa” pode até ter um ritmo lento e exigir muita atenção do espectador, mas ele premia todos aqueles que se dedicam a ele, por contar uma boa história com um bom desfecho. O filme ainda traz a boa presença de atores mais antigos e a boa interpretação de Chastain, que era o foco principal do filme. Vale a pena dar uma conferida.

https://youtu.be/TZLWM-pMT4Q

Batata Movies – A Cidade Onde Envelheço. Buscando Seu Porto Seguro.

Cartaz do Filme

Uma co-produção Brasil-Portugal passou em nossas telonas. “A Cidade Onde Envelheço” fala de dúvidas e incertezas. Fala do medo dos caminhos que você toma na vida. Para onde devo ir? Será que o rumo que dou ao meu futuro é o melhor? Devo seguir em frente ou voltar atrás e buscar o antigo caminho? Ou tentar uma terceira solução? Dúvidas, dúvidas e dúvidas.

Duas amigas num país estranho

O filme fala de duas amigas portuguesas, Francisca e Tereza (interpretadas, respectivamente por Elisabete Francisca e Francisca Manuel), que vieram tentar a vida no Brasil, mais especificamente na cidade de Belo Horizonte. Francisca já está há algum tempo no Brasil e Tereza é uma recém-chegada que irá dividir o apartamento da amiga. Francisca tem seu círculo de amizades, com pessoas frequentando seu apartamento, mas não consegue se adaptar ao Brasil, sendo um pouco mais mal-humorada. Já Tereza é bem mais alegre e extrovertida. Mesmo que as duas amigas se entendam bem, Francisca já deixou claro que prefere morar sozinha. Mas as duas amigas portuguesas são bem unidas e enfrentam o dia-a-dia de se estar num país com hábitos e comportamentos diferentes.

Amizades não tão profundas

O filme tem um ritmo relativamente lento e é um tanto enfadonho, mas aborda uma interessante questão: como um estrangeiro convive num novo país e consegue ou não se adaptar? No caso de nossas amigas portuguesas, a gente via que elas, de alguma forma, conseguiram se adaptar e formar um círculo de amigos, entretanto não dava para dizer que aquelas eram amizades profundas, a ponto de se fincar raízes por aqui. Isso ficou bem claro num choro de Tereza que, aparentemente, não tinha qualquer motivo, mas sentíamos nas entrelinhas que a moça (lindíssima por sinal) estava com saudades da “terrinha”. Ainda assim, fica no ar a dúvida para nossas protagonistas: é melhor tentar a sorte no Brasil ou voltar para seu país natal? O próprio turbilhão de incertezas quando da permanência no Brasil (Vai se ter um emprego? Haverá dinheiro para o aluguel? E se precisar de alguém para dividir as despesas?) tornam as decisões ainda mais difíceis.

Poucos momentos de descontração

Assim, “A Cidade Onde Envelheço” é um filme que inaugura uma série de co-produções Brasil-Portugal esse ano e dá a nós o olhar do imigrante português perante o Brasil. Um filme com duas atrizes eficientes que nos dá um leve sopro de como é difícil se fincar raízes em terras estrangeiras, pelo menos para as novas gerações, e que, acima de tudo, mostra como é enorme a incerteza de quais rumos podemos dar a nossas vidas. Vale a pena dar uma conferida.

 

Batata Movies – Marguerite E Julien. Um Amor Incestuoso.

Cartaz do Filme

Um filme curioso e polêmico que passou somente lá no Cine Joia, de Copacabana. “Marguerite e Julien”, da diretora Valérie Donzelli,  trata de uma história real que já aconteceu há muito tempo (na virada do século XVI para o XVII), mas que desperta uma polêmica e tanto até os dias atuais: o amor incestuoso entre dois irmãos. Um filme que é feito com muita delicadeza para justamente não ser tão agressivo aos moralistas mais sensíveis.

Irmãozinhos muito ligados desde a infância

Vemos aqui a história dos dois irmãos, Marguerite (interpretada por Anaïs Demoustier) e Julien (interpretado por Jérémie Elkaïm). Desde cedo, os dois irmãozinhos eram muito ligados. A coisa na infância era altamente idílica, com brincadeiras infantis e trocas de carinhos, sem muitas maldades. Mas, ao entrar na escola, o casalzinho de irmãos foi notado pelo professor (e padre), alertando o pai de que os irmãos deveriam ser separados, o que de fato aconteceu, com Julian sendo mandado para outra escola, ficando vários anos longe dos pais e da irmã. Mas Julian retornaria, já rapaz feito e reencontraria Marguerite já moça e prometida. Não é preciso nem dizer o que acontece daí para a frente, com os dois querendo engatar um namoro e desafiando todas as rígidas convenções sociais da época, que consideravam o incesto um crime passível de ser punido com a morte.

Mais tarde, formarão um casal desafiador

O grande barato desse filme é que, apesar de ser uma história que já se passou há séculos, vemos toda uma estética propositalmente anacrônica. Assim, uma hora parece que os irmãozinhos estão no século XIX, outra hora no século XX, quando Marguerite é presa e levada por um helicóptero, e assim vai. Nós nunca sabemos em que época exata a real história aconteceu a não ser no fim do filme, quando um intertítulo nos diz como foi o desfecho do verdadeiro casal. O filme também tem uma curiosidade interessante. Em dois momentos, é preparada toda uma cena em que os protagonistas ficam totalmente estáticos e a câmara passa por eles em “travelling”, tal como se fizéssemos um passeio em 3D numa pintura ou algo do tipo. Depois dessa pequena “viagem”, os personagens ganham vida e se movimentam, dando sequência à narrativa.

Apesar de ser um drama e falar de um tema muito polêmico, o ritmo do filme flui muito bem, pois a impressão que nos dava era a de que víamos um grande filme de romance e  aventura, onde o herói apaixonado salva a mocinha das garras de homens maus que querem desposá-la. Ainda, deve ser mencionado que esse roteiro foi originalmente escrito para François Truffaut rodá-lo lá na década de 70. Coube à diretora Valérie Donzelli e ao ator Jérémie Elkaïm adaptá-lo para os dias atuais, colocando os já citados elementos anacrônicos. Em tempo: Truffaut não o filmou já que ele estava envolvido em muitos projetos.

Em Cannes (2015): Jeremie Elkaim, a diretora Valerie Donzelli e Anais Demoustier

Assim, “Marguerite e Julien” é um daqueles filmes que trata de um tema altamente polêmico, mas consegue colocar um frescor de aventura de capa e espada para dar uma aliviada na barra. A colocação de uma estética fora de época e o uso de tomadas onde os atores apareciam totalmente estáticos trazem um elemento de novidade, apesar desses estratagemas já terem sido utilizados no passado. Como não vemos essas coisas todos os dias por aí, a revisitação é válida. Pena que só passou no Joia e não esteve disponível em outras salas, o que mostra a carência de salas em nossa cidade.

https://youtu.be/dpComL7Dg-A

Batata Movies – Toni Erdmann. Salvando A Filha.

Cartaz do Filme

Mais um filme candidato ao Oscar em passou nossas telonas. “Toni Erdmann”, vindo diretamente da Alemanha, é uma comédia que tem sido agraciada pela crítica como favorita ao Oscar de melhor filme estrangeiro. É um daqueles filmes que envolvem pai e filha, inicialmente distantes e que, pouco a pouco se aproximam. Ou seja, um clichê clássico. Mas o que tinha feito o filme tão especial a ponto de pintar como favorito ao Oscar?

Papai Conradi. Hábitos pouco ortodoxos

Vemos aqui a história de Winfried Conradi (interpretado por Peter Simonischek), um distinto senhor alemão que tem uma vida, digamos, inusitada. Ele adora fazer piadas com as pessoas e interpretar personagens para pessoas em peças beneficentes de teatro. Seu comportamento é altamente anárquico e fora dos padrões. Winfried tem uma filha, Ines (interpretada por Sandra Hüller), que é o oposto do pai. Sisudona, a moça trabalha para uma empresa que tem a difícil missão de escolher pessoas a serem demitidas, pois, a tal firma fez um acordo com uma empresa maior que quer cortar gastos. Essa tarefa consome Ines, que precisa ser altamente formal com grandes executivos extremamente cruéis e insensíveis com a vida das pessoas. E aí, o paizão Winfried decide fazer uma viagem para ficar mais próximo da filha e fazê-la levar a vida mais na flauta, como se diz por aí. É claro que isso não acontecerá sem muitas situações curiosas e um tanto divertidas.

Tentando salvar a alma da filha, mergulhada na dureza do capitalismo

Esse filme tem uma ideia ótima, que é pegar um velho clichê (o difícil relacionamento de pai e filha) e atrelá-lo à situação de crise econômica mundial atual, onde a visão lúdica e terna do pai busca salvar a filha totalmente inserida no contexto do capitalismo. E, ainda por cima, tudo isso regado à humor. Entretanto, o filme tem um sério problema. Tudo isso é feito dentro da ótica da cultura alemã, que, cá para nós, não tem muito jeito para a comédia. Não que o filme não tenha despertado até boas risadas em alguns momentos, mas a forma muito sisuda e racional de interpretação dos alemães aos nossos olhos não ajuda muito a fazer rir. E a gente percebe que, em alguns momentos do filme, um alemão até riria de uma determinada situação que passou despercebida por nós em termos de humor.  A  peruca e dentadura que Winfried usava para fazer o papel do tal Toni Erdmann soava mais constrangedora do que engraçada em alguns momentos, e essa impressão era reforçada pelas pessoas que comentavam às suas costas coisas do tipo “Viu só? Que tipo de homem é esse?”, em vez de aproveitar para jogar mais uma piada nessa fala. Ou seja, temos aqui um caso de choque cultural típico, onde nossa noção de humor é muito diferente da alemã. Apesar disso, devo repetir que a ideia do filme é muito boa e ele até mereceu a indicação para o Oscar. Mas acabou perdendo, com justiça, para “O Apartamento”.

Parece que ela vai ceder…

Assim, se “Toni Erdmann” tem o problema do choque cultural, onde não estamos acostumados com o humor alemão, ainda assim o filme traz uma boa ideia de interagir um tema particular (o clichê do difícil relacionamento entre pai e filha) com um tema mais geral, que é o desemprego provocado pelo contexto da crise econômica geral. Apesar de seus mais de 160 minutos (outro fator que dá uma certa morosidade ao filme), vale a pena dar uma conferida.