Batata Movies – Redemoinho. Boas E Más Companhias.

 

Cartaz do Filme

Um bom filme brasileiro, que prometia muito, passou em nossas telonas. “Redemoinho” vem com um bom elenco global e é uma história que fala de recordações sobre um passado distante e traumático, tradição e modernidade, em movimentos de idas e vindas, bem ao estilo do que o título do filme sugere.

Vemos aqui a história de dois amigos. Luzimar (interpretado pelo sempre eficiente Irandhir Santos) sempre viveu na sua cidadezinha de interior, Cataguases, e trabalha numa tecelagem, onde o forte som das máquinas o deixou um pouco surdo, sendo obrigado a usar um aparelho auditivo. Já Gildo (interpretado por Júlio Andrade) preferiu arriscar a sorte na cidade grande, em São Paulo. Numa véspera de Natal, Gildo retorna à sua cidade de interior para levar um presente para a mãe, uma televisão, e reencontra Luzimar. Ele, então, convida o amigo para tomar umas cervejas em sua casa. Mas Luzimar precisa ainda visitar a mãe e ir para a sua casa, passar o Natal com a esposa, Toninha (interpretada por Dira Paes). O problema é que Gildo não deixa que Luzimar retorne a sua casa de jeito nenhum e, ainda por cima, revolve o passado dos dois, que possui lances muito nebulosos, que pouco a pouco vão se descortinando no filme.

Gildo e Luzimar. Saudades e conflitos

O filme, como podemos perceber, possui um baita elenco. Irandhir Santos estava muito bem, espontâneo como sempre. Júlio Andrade, explosivo e repulsivo. Tínhamos raiva de seu personagem Gildo, que assolava como podia seu amigo de infância Luzimar. Dira Paes, essa linda e maravilhosa atriz, interpretou de forma elegante e contida. E ainda tivemos a participação de Cássia Kis Magro como Marta, a mãe de Gildo, que era uma mãe submissa à empáfia do filho. Boa parte da qualidade do filme se ampara no grande talento de seus atores.

Mas o filme tem outras virtudes. A ideia do Redemoinho, expressa pelo diretor José Luiz Villaramim, e pelo roteirista George Moura, era muito presente, do ponto de vista estético e narrativo. Esteticamente, o redemoinho se expressava sobretudo pelas idas e vindas de um som cíclico, seja na corredeira do rio, seja no ensurdecedor barulho das máquinas da tecelagem. E, do ponto de vista narrativo, presenciamos um movimento cíclico entre dois pólos, que se manifestam em Luzimar (o campo, a tradição, o caráter), e em Gildo (a cidade, a modernidade, a amoralidade). Uma interação entre os amigos que pode ser, em alguns momentos amistosa, mas, em outros momentos, bem conflituosa. Uma interação que também revolve o passado, mas se fala no presente. Essas idas e vindas cíclicas permeiam toda a película e são a estrutura básica da ideia que se quer apresentar nesse filme.

Grande atuação de Cássia Kis Magro

Mas a película também tem seus problemas. O filme mostra a cidade de Cataguases como extremamente minúscula, um ovinho em que todo mundo se conhece. E, sabemos que a verdadeira Cataguases, apesar de ser uma cidade de interior, é bem maior que isso. A gente pode até se perguntar se o filme não se passa num passado um pouco mais distante, mas essa especulação logo cai por terra ao percebermos elementos bem modernos como os carros que aparecem na película e a tecelagem. Assim, o filme mostra uma visão um pouco distorcida da Cataguases de hoje em dia. Pelo menos, quando os amigos estavam no antigo campinho onde batiam uma bolinha quando crianças, e se lembraram da escalação do time, havia dois jogadores estrategicamente colocados lado a lado, Humberto e Mauro.

Dira Paes, o diretor José Luiz Villaramime Irandhir Santos (direita)

O segundo problema do filme é o seu desfecho, que ficou com uma tremenda cara de anticlímax, apesar da boa nova que Toninha trouxe a Luzimar. De qualquer forma, pode ser até que o melhor desfecho para o filme fosse de anticlímax mesmo, expressando da melhor forma possível o ritmo da vida no campo, na cidade do interior, nas tradições que são imutáveis.

Assim, “Redemoinho” é um bom filme brasileiro, por dois motivos principais. Pelo bom elenco e pela forma eficiente que se expressa uma ideia tanto do ponto de vista narrativo quanto estético. Um filme que vale a pena dar uma conferida.

Batata Movies – Eight Days A Week. Beatles Na Visão De Ron Howard.

Cartaz do Filme

Ron Howard está de volta em mais um filme muito bem feito, como somente ele sabe fazer. “Eight Days a Week: The Touring Years” é um documentário que nos mostra a trajetória dos Beatles bem ao início de sua carreira, quando eles fizeram várias apresentações ao vivo nos anos de 1963 a 1966.

Eles estão de volta!!!

O que esse documentário tem de tão especial? Ele nos mostra as primeiras fotos dos integrantes do grupo, quando ainda eram muito jovens, e Ringo Starr ainda não havia se integrado à banda. Os primeiros shows ao vivo ainda na Inglaterra também são registrados, assim como o momento em que eles atingiram o primeiro lugar nas paradas americanas, o que foi o sinal verde para eles fazerem uma viagem aos Estados Unidos e começarem uma pequena turnê por lá. A partir daí, muitos shows foram agendados (cerca de 250!!!), e a procura era tão grande que os teatros tiveram que ser substituídos por estádios, onde milhares de pessoas assistiam simplesmente ensandecidas e aos berros, o que praticamente tornava inaudível o show de música. O próprio Ringo Starr dizia que tocava sua bateria acompanhando as batidas dos pés de John Lennon e Paul McCartney no palco, assim como de que jeito suas bundas se mexiam, tamanho era o barulho dos gritos das fãs e a precariedade dos equipamentos de som, que tornavam impossível eles escutarem o que eles mesmos cantavam. Alguns trechos de shows ao vivo mostram ainda a grande curiosidade de se ver o próprio Ringo cantado algumas músicas. O documentário mostra, também, como os integrantes do grupo conseguiam cativar a todos, tendo um comportamento totalmente irreverente e debochado que não ofendia a ninguém, pelo contrário, somente os tornava cada vez mais simpáticos aos olhos de todos. Outro detalhe mencionado no filme era a quantidade de músicas que o grupo gravou, sobretudo de autoria de John Lennon e Paul McCartney, cerca de 800 ao longo de toda a carreira. Somente os compositores clássicos e eruditos como Mozart, Bach ou Schubert eram tão prolíficos.

Mais um bom filme de Ron Howard

Mas nem tudo são flores na carreira dos garotos de Liverpool. Com o tempo, a maratona de shows se tornou extenuante e eles precisaram parar com isso, pois não aguentavam mais. A produtividade musical deles estava em xeque e era hora de se fazer uma pausa para retornar aos estúdios, não sem antes dar uma paradinha nas Bahamas para gravar um filme. O grupo já tinha rodado duas películas: “A Hard Days’ Night” e “Help”, mas a terceira não saiu. O que rolou muito nas gravações desse malogrado filme foi um baita consumo de maconha que deixou os quatro muito doidões. De qualquer forma, a parada nos shows foi frutífera, pois o grupo gravou o álbum “Sargent Peppers”, que foi um estrondoso sucesso.

Ringo e Paul na estreia do filme

Assim, se você quer sentir um pouco o que foi o início da carreira dos Beatles e essa incrível maratona de shows, não pode perder esse documentário que, infelizmente, já saiu de cartaz. O jeito é ficar de olho no lançamento em DVD, pois esse filme é daqueles de se ver, comprar e guardar. Imperdível.

Batata Movies – Paraíso. Russos Que Protegem Judeus.

Cartaz do Filme

Uma coprodução Rússia-Alemanha chega às nossas telonas. “Paraíso”, vencedor do Leão de Prata para diretor em Veneza para Andrei Konchalovsky, vai abordar a questão da proteção dada pelos russos aos judeus na França ocupada pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial. É um filme que vai falar sobre esse tema a partir de três pontos de vista diferentes que interagem ao longo da película.

Uma princesa prisioneira

Vemos aqui a história de três personagens: um oficial da polícia francesa que caça judeus a mando da Gestapo, uma princesa russa emigrada que acobertava judeus e, por isso, vai parar num campo de concentração, e um oficial da SS proveniente da aristocracia alemã. Cada um desses personagens dá o seu depoimento como se estivesse sendo interrogado e esses depoimentos são ilustrados com cenas de flash-back. Esses personagens também interagem. A princesa russa, por exemplo, é interrogada pelo oficial de polícia e, mais tarde, tem um envolvimento amoroso com o oficial da SS que, antes da guerra, já havia flertado com a moça numa reunião da alta aristocracia. Todos esses três depoimentos rodeavam em torno da questão da proteção que os russos emigrados deram aos judeus para que eles não fossem capturados pelos nazistas e caíssem em campos de concentração.

Negociando sexo com policial francês para escapar da tortura

Dentre esses três personagens, sem dúvida a princesa russa foi a mais interessante, pois além de ser interrogada, foi prisioneira do campo, interagindo com outras prisioneiras e, ainda por cima, tornando-se amante e faxineira do oficial nazista. Isso a tornou multifacetada, sendo que ela assumia vários atores sociais ao longo do filme. O policial francês teve uma participação muito pequena e o oficial da SS só não foi pouco interessante, pois percebeu como o nazismo foi uma ruína, embora ainda não desse o braço a torcer no estranho interrogatório a que esses três personagens eram submetidos.

Revendo passado idílico com oficial nazista

Esse filme, que foi rodado em preto e branco, e que ficou com uma tremenda cara de documentário antigo, sobretudo nos interrogatórios, ajudou a expor algumas facetas da guerra não muito exploradas como, por exemplo, como era o cotidiano nos dormitórios dos campos de concentração. Não havia a menor solidariedade entre as prisioneiras do campo. Quando uma delas caía morta, havia uma batalha pelos seus pertences. Uma das prisioneiras era escolhida como capataz das demais presas pelos nazistas, o que despertava uma situação de ódio e antipatia generalizada. A corrupção entre os nazistas, com roubos sistemáticos de objetos de valor dos judeus, ao invés de ficarem de posse do Estado, e desvios até de comida para os presos foram citados ao longo do filme. Nosso oficial da SS, que investigava todos esses casos, relatava tudo a Himmler, que mandava executar os oficiais corruptos. Mas, ao final da guerra, isso não mais acontecia e esses oficiais saíam impunes, numa prova de que todo o regime já implodia. Foi muito interessante notar esse aspecto pouco explorado da guerra no cinema, cuja Segunda Guerra Mundial tem uma filmografia vastíssima.

O diretor Andrei Konchalovsky (direita, de óculos), junto com o diretor mexicano Amat Escalante. Premiados em Veneza

Assim, “Paraíso” é mais um filme que fala da Segunda Guerra Mundial, embora faça isso de uma forma diferenciada, ou seja, usando o depoimento e as visões de mundo de três personagens que interagem entre si como base, além de mostrar aspectos pouco conhecidos do ambiente de campos de concentração como a interação tensa entre os próprios prisioneiros do campo e a corrupção dos oficiais nazistas alemães no desvio de bens confiscados dos judeus e até dos alimentos dos prisioneiros. Quem interrogava os personagens??? Vá e veja!!! Não deixem de dar uma conferida.

Batata Movies – A Criada. Filme Em Camadas.

Cartaz do Filme

Ultimamente, muitos filmes da Coreia do Sul têm aparecido por aqui, sendo alguns bem interessantes, outros nem tanto. Desta vez, assisti em pré-estreia no Joia, lá em Copacabana, a película “A Criada”, dirigido por Chan-Wook Park, que foi um filme bem interessante. Sua principal característica é a de que ele conta a sua história em camadas que vão se interagindo no transcorrer da exibição.

Vemos aqui a história de Sook-Hee (interpretada pela belíssima Tae-ri Kim), uma moça de origem pobre, filha de uma lendária ladra, que juntamente com um colega de trapaças (interpretado por Jung-woo Ha) vai dar um golpe numa família rica composta por Kouzuki, um velho que era aficionado por histórias obscenas (interpretado por Jin-Woong Jo) e sua sobrinha, Hideko (interpretada por Min-Hee Kim). O plano é o comparsa de Sook-Hee vir como um conde que ensina Hideko a desenhar e pintar, seduzindo-a para casar com a moça e aproveitar sua instabilidade emocional para interná-la num hospício. Sook-Hee seria a criada de Hideko. Quanto ao tio depravado, ele seria convencido a viajar para o Japão, país pelo qual tinha muita admiração. Na primeira parte do filme, vemos o golpe sendo colocado em execução e a história é contada do ponto de vista de Sook-Hee. Só que o término da primeira parte não acaba como o planejado e tem um desfecho surpreendente. É hora de tomarmos conhecimento da segunda parte do filme, onde todos os acontecimentos da primeira parte são vistos agora pelo ângulo de Hideki. E a terceira parte do filme é vista mais em terceira pessoa.

Um quarteto e tanto

Por que o filme chama a atenção? Porque essa estrutura narrativa, contada em três capítulos, sendo que os dois primeiros capítulos contam a mesma história do ponto de vista de duas personagens diferentes, é algo que pode até não ser muito novo e original, mas não vemos todo dia por aí. E isso torna a trama mais interessante, sendo contada em camadas que, tais como as peças de um quebra-cabeça, acabam completando a narração da história, quando vamos para a terceira e última parte, que dá todo o desfecho da história. Esse detalhe ajuda a prender a atenção do espectador e torna a história mais deliciosa de se assistir.

Dois vigaristas

O filme tem outras características que chamam a atenção, sobretudo nos temas de forte conteúdo erótico, com tórridas cenas de sexo entre Sook-Hee e Hideko. O caso amoroso entre as duas ajuda, inclusive, a colocar a história de pernas para o ar e deixar a trama mais imprevisível. É interessante perceber como a carga de erotismo do filme podia ser mais delicada e agradável em alguns momentos (como as cenas de sexo das amantes) e altamente agressivo em outros (como nas cenas onde Hideki narrava histórias de cunho masoquista para uma plateia masculina convidada por seu tio). O filme também primava por uma fotografia e figurino deslumbrantes. Mas, aliada a essa parte de maior plasticidade e sensualidade, o filme também mostrou um certo conteúdo de violência que, se não incomodou no transcorrer da película, ficou mais forte ao final. E, ainda, tivemos a oportunidade de ver algumas cenas engraçadas ao longo do filme, embora não possamos classificá-lo propriamente como uma comédia, mas serviram como bom alivio cômico.

Forte conteúdo erótico

Dessa forma, “A Criada” é um curioso filme da Coreia do Sul que já está em nossas telonas e que tem as características de mesclar de forma eficiente erotismo, violência e humor, além de possuir uma estrutura narrativa em camadas, diferente das narrações convencionais que vemos por aí. Definitivamente, é uma película que não vai te deixar indiferente e uma boa experiência cinematográfica. E não deixe de ver o trailer abaixo.

https://youtu.be/7I4YjeZnNj0

Batata Movies – Sete Minutos Depois Da Meia Noite. Um Monstro Para Uma Situação Monstruosa.

Cartaz do Filme

Um interessante filme com cara de blockbuster paira em nossas telonas. “Sete Minutos Depois da Meia Noite” (“A Monster Calls”), dirigido por J. A. Bayona e baseado no livro de Patrick Ness, que também é um dos roteiristas, parece um daqueles filmes juvenis com ares de fantasia. Mas ele consegue ser mais do que isso. É uma película que, acima de tudo, é uma lição de vida.

Conor, um menino atormentado

Vemos aqui a história de Conor (interpretado por Lewis MacDougall), um menino cuja realidade é altamente cruel. Sua mãe (interpretada por Felicity Jones) sofre de uma grave doença, o pai (interpretado por Toby Kebbell) vive em outro país e ele não tem um relacionamento bom com a sua avó (interpretada por Sigourney Weaver). Na escola, ele é o típico “outsider”, sofrendo constantes “bullyings” dos colegas. Um belo dia, um enorme monstro em forma de árvore (cuja voz é interpretada por Liam Neeson) invade seu quarto e lhe diz que vai contar três histórias e, depois, o próprio Conor terá que contar uma história à árvore monstro. O menino não entende nada e aquela árvore passa a ser uma presença constante em sua vida, enquanto ele precisa lidar com os muitos problemas de seu dia-a-dia.

Pois bem. Dá para perceber que a chave de toda a trama do filme está nessas três histórias contadas pela árvore ao garoto e que Conor desenvolverá a sua história a partir da relação entre as histórias da árvore e da sua vida. A princípio, o menino não entende muito qual o sentido das histórias que não seguem um padrão formal como, por exemplo, mocinhos totalmente bons ou vilões totalmente ruins, mas, pouco a pouco Conor vai percebendo como aquelas histórias se encaixam perfeitamente nas situações reais pelas quais ele passa e com seus dolorosos pesadelos, ajudando-o a encarar a dolorosa perda iminente da mãe. Entretanto, esse processo não será feito sem violentos percalços que surgem a partir da violenta reação do garoto às adversidades da vida, reações essas que aparecem quando ele está em contato com a árvore.

Ele terá que se acostumar com sua árvore monstro

Mais do que uma fantasia para o público adolescente, o filme mais se aproxima de um pesado drama psicológico para o público adulto. Não é uma historinha bonitinha, cheia de magia, mas sim uma forte dor do inconsciente de um menino altamente atormentado, que atinge ao público em cheio.

Explosões de raiva!!!

No mais, podemos falar um pouco dos atores. O garoto Lewis MacDougall, que interpreta Conor, foi muito bem e segurou o rojão de fazer um papel muito complicado onde o choro, o desespero e a raiva eram constantes. Felicity Jones, depois do sucesso de “Rogue One”, aparece menos no filme, mas proporcionou ternos momentos com o MacDougall. Foi um barato ver Sigourney Weaver de volta às telas, agora como avó. O desentendimento com Conor proporcionou boas sequências onde a atriz mostrou bastante carga dramática, sobretudo no momento em que Conor destrói um quarto inteiro, motivado pelo monstro. Ali foi um dos melhores momentos do filme. Weaver olhava estarrecida para toda aquela destruição com um misto de dor, ódio, tristeza, surpresa, decepção, não dizendo uma palavra sequer, o que somente mostra o grande talento dessa atriz.

Foi bom rever Sigourney Weaver

Assim, “Sete Minutos Depois da Meia Noite” pode até não ser um filme que, a princípio chame muito a atenção, por parecer mais um filminho adolescente de férias. Mas com certeza, essa película tem mais conteúdo do que isso. Ela nos remete a um forte drama psicológico recheado de metáforas, que se unem como as peças de um quebra-cabeças à vida de Conor ao longo do filme. E o desfecho tem um ar lúdico, que consegue compensar um pouco a forte carga negativa que vemos ao longo da exibição. É uma experiência curiosa ver essa película. E não deixe de ver o trailer abaixo.

https://youtu.be/7oceCE4VjqI

Batata Movies – Assim Que Abro Meus Olhos. Liberdade E Censura.

Cartaz do Filme

Uma co-produção Tunísia, França, Bélgica e Emirados Árabes estreou em nossas telonas. “Assim Que Abro Meus Olhos”, uma produção de 2015 dirigida por Leyla Bouzid, é um grande filme sobre a perda da inocência, liberdade e repressão. Um filme que consegue te deslumbrar e, ao mesmo tempo, chocar. Um filme que exerce a função social do cinema de denúncia em toda a sua plenitude.

Farah, uma menina que ama a liberdade

Vemos aqui a história da jovem Farah (interpretada pela fofíssima Baya Medhaffer), uma menininha tunisiana muito sapeca que leva uma vida regada à muita liberdade. Ela namora intensamente, perde sua virgindade, faz parte de uma banda que canta desde músicas mais tradicionais até um rock pesado, cujas letras são uma reflexão com relação à situação autoritária pela qual seu país passa. Seu sonho é ser cantora e fazer musicologia na faculdade. Mas ela também passou pelos exames para medicina, algo que dá mais futuro que a música, ideia geral essa seja na Tunísia, seja por aqui. A moça tem muitos conflitos com a mãe, que reprova sua vida boêmia e musical e, ao mesmo tempo, quer que ela faça medicina, para ter um futuro mais garantido. Seu pai é obrigado a trabalhar longe de casa e somente conseguirá uma transferência se ele se filiar ao partido do governo, que exerce uma ditadura com mão de ferro, algo que ele rechaça completamente. Outro problema é que a polícia está de olho no grupo de jovens que faz música de contestação, e eles podem ser presos a qualquer momento.

Seu amor é livre

Nem é preciso dizer que tal filme é um produto cultural da já não tão recente Primavera Árabe, quando vários países questionaram seus regimes autoritários, cujo exemplo mais dramático ainda é a guerra civil da Síria. O filme empolga muito pelas belas músicas e letras do grupo de jovens que tem muito a dizer de seu país. Mas os ranços do governo ditatorial estão sempre próximos, ameaçando o grupo de pós-adolescentes e retirando-os paulatinamente de um estilo de vida mais sonhador e utópico, mergulhando-os nas amarguras do mundo real. Amarguras que os pais de Farah já conhecem de longa data e cuja juventude foi também de muita contestação. O mais interessante foi perceber como a mãe, pautada nas tradições da cultura árabe e muçulmana, inicialmente age de forma repressora com a filha, algo que nada adianta, mas com o passar do tempo, o autoritarismo do Estado inverte completamente o papel da mãe que se torna compreensiva e acolhedora com a moça. O personagem do pai também é muito curioso, pois sua natureza pacata vai contra a representação do homem no filme, que é a do ser machista e opressor. O pai, em virtude de seu passado libertário, é muito compreensivo, mas não sem saber ser firme nas horas certas, talvez para que o personagem não caísse no ridículo perante o próprio público. Ou seja, o homem nesse tipo de sociedade pode até ser doce e compreensivo, mas não muito.

Músicas que contestam o regime

Outro detalhe que chama a atenção é que, apesar de ser um filme feito numa sociedade muçulmana e extremamente machista, não vemos mulheres com burkas e a influência da cultura ocidental, com jovens se vestindo como roqueiros e cenas de nudez, é muito presente. Isso ajuda a mostrar que os países islâmicos não possuem uma cultura uniforme, imposta de cima para baixo pela religião. Se há países onde o fundamentalismo é mais presente em várias áreas, ao mesmo tempo, existem países com um grau de secularização um pouco maior, onde a religião nem sempre dita totalmente o dia-a-dia das pessoas.

A relação com a mãe tem altos e baixos

Assim, “Assim Que Abro Meus Olhos” é um daqueles excelentes filmes que cumprem a função social de denúncia do cinema. Um filme que fala de liberdade e autoritarismo. Mas, sobretudo, um filme que fala da perda da inocência. Programa imperdível! E não deixe de ver o trailer abaixo.

https://youtu.be/sjsRqOKyOvc

 

Batata Movies – O Homem Que Caiu Na Terra. Um Alienígena Afogado Em Agonia.

Cartaz do Filme

David Bowie nos deixou em janeiro do ano passado. E para se fazer a recordação de um ano de sua morte, os cinemas exibem “O Homem Que Caiu Na Terra”, um filme muito louco, mas que aborda questões muito pertinentes. Confesso que nunca achei David Bowie um grande ator. Para mim, sua melhor performance foi em “Furyo”. Em “O Homem Que Caiu Na Terra”, sua fala mansa e jeitão bem pacato (como ele era, realmente), fizeram com que sua atuação fosse um contínuo de inexpressividade, intercalado com raros momentos de explosão dramática, que acabaram soando artificiais. O ambiente esquisitão do filme, dirigido por Nicolas Roeg em 1976, também não ajudou muito nas coisas. A única certeza era a de que Bowie realmente parecia um alienígena… um alienígena muito delicado, por sinal.

Um alienígena delicado

Mas, no que consiste a história? O tal alienígena interpretado por Bowie chega a Terra, pois seu planeta natal passa por uma enorme carência de água, tanto que o extraterrestre sempre está bebendo um copinho do precioso líquido. Não fica claro no filme se ele vai levar água para seu planeta, mas ele consegue enriquecer através do registro de muitas patentes que irão torná-lo o empresário da mais importante multinacional do mundo, que controla todos os setores que existem. Com esse dinheiro, ele quer construir uma nave para retornar ao seu planeta, mas é enganado pelos humanos e mantido como uma espécie de cobaia pelo resto da vida. Ao mesmo tempo, mantém um relacionamento um tanto destrutivo com uma mulher que o ama perdidamente. Por se tratar de um alienígena, ele não envelhece na mesma velocidade dos humanos e vê todos à sua volta passando pelo peso da idade, enquanto que ele permanece jovem, o que dá uma sensação de infinitude ao seu cárcere na Terra e aumenta a impressão de agonia. E o extraterrestre só reage com falas altamente melancólicas e inexpressivas, dizendo que não guarda mágoas ou que não sabe odiar, que se um terráqueo fosse para seu planeta o mesmo aconteceria, etc., tudo com uma fala mansa que é letargia pura. Eu estaria muito revoltado em seu lugar. Cadê a pistola de raios desse extraterrestre para sair desintegrando quem o sacaneou?

Sua real aparência. Credo!!!

O relacionamento do alienígena com a camareira que se apaixona perdidamente por ele é igualmente agônico. Candy Clark, a atriz que fez a camareira, foi muito bem no filme e pudemos sentir toda a sua dor com o sofrimento que sentia ao não se relacionar bem com o alienígena que tinha planos mais amplos em mente do que levar uma vida amorosa a dois aqui em nosso planeta. Seu temperamento hermético fazia com que a moça sofresse bastante. Como se não bastasse, a descoberta de que o amor de sua vida era um alienígena foi algo bastante traumático, sendo esses momentos os de maior carga dramática do filme.

Relacionamento destrutivo com terráquea

Uma forte sexualidade e erotismo também permeiam o filme. Muitas cenas de nu frontal e de sexo devem ter sido muito agressivas para um filme inglês da década de 70, embora não choquem tanto hoje em dia. Talvez a parte mais agressiva tenha sido a cena de sexo entre o alienígena e sua esposa, onde eles estão cobertos de fluidos corporais por todo o lado, algo que aconteceu também com nossa camareira ao fazer sexo com Bowie no estado totalmente alienígena, sendo que nem todo o amor do mundo foi suficiente para ela aguentar todos aqueles fluidos. Argh!!!

Muitas tvs para saber o que acontece no planeta

É interessante notar como o magnetismo do alienígena em apaixonar a camareira e o sexo explícito no filme lembram muito detalhes da biografia do próprio Bowie que, apesar de sua bissexualidade e androginia, conseguia fazer com que muitas mulheres se apaixonassem por ele, com seu jeito delicado e doce, o que lhe rendeu muitas mulheres em sua cama. Mas o filme também é uma crítica ao (mau) caráter humano, onde uma empresa pode controlar tudo e apunhalar pelas costas seu próprio dono, a ponto de transformá-lo numa cobaia para experiências. Era humilhante e degradante ver o alienígena ser submetido a toda uma bateria de exames para encontrar semelhanças e diferenças entre ele e os humanos.

Uma nave espacial muito louca!!!

Dessa forma, “O Homem Que Caiu Na Terra” é um daqueles filmes que chamam a atenção por conter várias curiosidades. Em primeiro lugar, é um filme estrelado por David Bowie que, mesmo não sendo lá um grande ator, chama muito a atenção. É, também, um filme que agride muito por sua sexualidade exacerbada e situações agônicas. E, por esses motivos, uma película pouco convencional e transgressora para a sua época, que é a década de 70. Sem dúvida, uma boa curiosidade e uma homenagem a David Bowie. E não deixe de ver o trailer abaixo.

Batata Movies – Passageiros. Ficção Científica E Drama Amoroso Como Panos De Fundo.

Cartaz do Filme

A nova queridinha da América, Jennifer Lawrence, está de volta em uma ficção científica um tanto híbrida com um drama amoroso. “Passageiros”, também estrelado por Chris Pratt (de “Guardiões da Galáxia”), é um filme que trabalha um tema um tanto batido em ficção científica: o das hibernações em viagens espaciais que duram muitos anos. Só que procurou-se dar um molho especial à história, abordando-a por um outro viés que mais se aproxima de uma questão moral.

Jim e Aurora. Viagem que é pano de fundo para uma questão moral

A viagem em questão dura cerca de 120 anos e é realizada pela espaçonave Avalon para um planeta colônia chamado Homestead II, pertencente a uma empresa privada. Cerca de cinco mil pessoas viajam em hibernação, quando a nave atravessa uma nuvem de asteroides, colidindo com um bem grande, o que vai provocar um defeitinho na nave que, inicialmente, apenas desligará uma das câmaras de hibernação e vai despertar seu ocupante, Jim Preston (interpretado por Pratt), que acordou noventa anos antes de a nave chegar a seu destino, ou seja, ele foi condenado a passar o resto de sua vida sozinho pela nave, embora tivesse uma única companhia, o robô Arthur (interpretado por Michael Sheen, que nada tem a ver com Martin ou Charlie Sheen). Nem é preciso dizer que Jim pirou na batatinha. Depois de cerca de um ano, ele reparou numa moça em hibernação e se sentiu atraído por ela. Ao checar seus dados no sistema, ele descobriu que ela se chamava Aurora Lane (interpretada por Lawrence) e era escritora. Quanto mais Jim conhecia a vida e a personalidade de Aurora, mais ele se apaixonava por ela. Até que ele tomou a decisão de tirá-la da hibernação para iniciar um relacionamento amoroso com a moça, algo de sérias implicações morais. A partir daí, vemos uma linda história de amor que pode sofrer uma terrível reviravolta, mas chega de “spoilers”.

Amor e ódio

Pois é, ficou a impressão de que a ficção científica aqui foi o pano de fundo para uma história de amor que, por sua vez, serviu como pano de fundo para discutir uma questão de ordem ética. A ficção científica até retorna com mais força ao fim do filme, mas para novamente servir de escada à historinha de amor que podia ser um pouco menos trivial. Mas como é Hollywood e não é cinema europeu, sobretudo o francês, que é mais realista e menos sonhador, somos obrigados a engolir obviedades, o que é uma pena.

Uma coisa que foi meio inquietante foi a variação de sentimentos da personagem Aurora. Eu sei que o cinema é a arte do ilusório, que na tela grande o amor vence todas as adversidades (quando na vida real é justamente o contrário), mas o comportamento de Aurora me pareceu pouco digno para algo tão imperdoável. E foram dadas chances de redenção para toda a complexidade da questão que foram simplesmente descartadas, o que foi uma pena, pois seria um desfecho pelo menos mais honroso para os personagens. Esse era o tipo do filme que se tornaria muito mais interessante se o  “happy end” fosse abolido e seria algo totalmente compreensível, dado o contexto da trama.

Andy Garcia. Aparição meteórica

Além das aparições de Lawrence e Pratt como protagonistas, tivemos uma rápida, mas muito boa presença de Laurence Fishburne como Gus Mancuso, um membro da tripulação que também é retirado da hibernação, e uma meteórica aparição de Andy Garcia bem ao final do filme. Sempre acho muito lamentável essas aparições muito rápidas de atores consagrados. Fica uma impressão muito amarga de decadência para com artistas de que gostamos muito.

Dessa forma, “Passageiros” é um filme que, acima de tudo, trabalha mais uma questão moral, mas todo esse discurso foi jogado no lixo em prol de um final feliz hollywoodiano. A ficção científica e o drama amoroso? Apenas panos de fundo. Uma pena. Mais uma impressão de boa ideia que foi desperdiçada.