Batata Movies – La La Land: Cantando Estações. Os Musicais Agradecem.

Cartaz do Filme

E já estreou em nossas telonas o grande vencedor do Globo de Ouro este ano. “La La Land: Cantando Estações”, escrito e dirigido por Damien Chazelle (o mesmo que escreveu e dirigiu o fantástico “Whiplash”) ganhou sete prêmios: melhor filme (musical ou comédia); melhor ator (musical ou comédia), para Ryan Gosling; melhor atriz (musical ou comédia), para Emma Stone; melhor diretor para Damien Chazelle; melhor roteiro, também para Damien Chazelle; melhor canção; e melhor trilha sonora. “La La Land: Cantando Estações” ganhou todas as sete categorias que disputou no Globo de Ouro e deve vir forte no Oscar. Mas, o que esse filme tem de tão bom? Em primeiro lugar, trata-se de um musical, um gênero que raramente dá as suas caras no cinema hoje em dia. Só isso já faz aumentar a atenção e interesse pelo filme. E, como foi feito esse musical? Pudemos presenciar aqui uma grande homenagem aos antigos musicais da RKO e da Metro, com toda uma estética altamente retrô e que homenageava os grandes filmes da Hollywood de outrora. Isso foi um deleite para qualquer cinéfilo de plantão, constituindo-se numa espécie de um rosário formado por “Easter Eggs”. Para todos os lados, havia sempre um cartaz de filme antigo ou fotos de divas da Hollywood antiga. Mas esse ambiente saudosista era mesclado com nossos dias atuais, o que deu um efeito interessante.

Mia e Sebastian. Um casal muito dançante

Assim, podíamos ver um número musical com tremenda cara de “Cantando na Chuva” sendo interrompido por um toque de celular, por exemplo. Ou carrões antigos andando na rua junto com os carros de hoje em dia, promovendo uma verdadeira mesclagem entre tradição e modernidade. Tal mistura também é vista na narrativa do filme. Sabemos que os antigos musicais surgiram mais como uma espécie de distração para o grande público se esquecer das mazelas da crise econômica iniciada em 1929. O que mais importava nesses filmes eram os imponentes números musicais. As histórias desses filmes eram muito simplórias e até bem bobinhas, apenas um pretexto para podermos presenciar figuras eternamente amadas como Fred Astaire, Gene Kelly, Frank Sinatra, Cyd Charisse, Donald O’Connor, Ginger Rogers ou Debbie Reynolds cantarolando e dançando. Em “La La Land”, a película começou com a mesma cara desses musicais antigos: uma moça, Mia (interpretada por Stone), tentando a carreira de atriz em Los Angeles, e um rapaz, Sebastian (interpretado por Gosling), amante do jazz e que quer abrir sua casa de shows para apenas tocar jazz antigo e tradicional, para não deixar essa arte morrer. Os dois se conhecem num desentendimento e gradativamente se apaixonam. E os muitos números musicais ocorrendo enquanto o casal se tornava mais íntimo. Mas, a partir da segunda metade do filme, houve um foco maior na história dos dois, e curiosamente, os números musicais desapareceram, dando origem a um drama convencional, mais antenado com o cinema dos dias atuais. Ou seja, o toque de magia e fantasia dos musicais desaparece numa certa parte do filme, e o choque de realidade nos atinge em cheio, para uma volta maior do lúdico mais ao final da película. Alguns podem achar isso uma descontinuidade no roteiro do filme. Mas eu prefiro acreditar que tivemos um roteiro excepcional aqui, mostrando que o debate entre a tradição e a modernidade não se dava apenas no campo estético, mas também no campo narrativo.

Lindos números musicais

E os atores que fizeram os protagonistas? Ryan Gosling deve estar elevando as mãos aos céus até agora. Depois de aparecer bem em alguns filmes, o ator decidiu dirigir um filme e a crítica foi impiedosa com ele, colocando-o em baixa. Podemos dizer que “La La Land” o ajudou a dar uma monumental volta por cima. Entretanto, mesmo ganhando o prêmio de melhor ator no Globo de Ouro, sua boa presença era meio que ofuscada por Emma Stone, essa sim muito bem no filme. Ela cantava bem mais que Gosling, por exemplo. E foi bem melhor na parte mais dramática da película, quando os números musicais desapareceram. Gosling, por sua vez, ficou mais com aquela cara meio abatida de quem parece que acabou de tomar um fora. Mais melancolia e menos expressividade. Já Stone parecia estar com os nervos à flor da pele nos momentos dramáticos mais intensos. Agora, vamos combinar: no número de sapateado, os dois eram bem ruinzinhos. Deu para sentir que fizeram uma coreografia bem simplória para os dois não se enrolarem muito. De qualquer forma, valeu pelo esforço. E não dá para se exigir dos dois um padrão Fred & Ginger.

Ryan Gosling e Emma Stone colhendo os louros da vitória no Globo de Ouro

Assim, se você é fã da Hollywood antiga, mais precisamente da fase dos grandes musicais, “La La Land: Cantando Estações” é simplesmente um programa imperdível e o filme pelo qual você irá torcer no Oscar esse ano. Alguns números musicais são claras homenagens a números que já foram vistos em filmes como “Cantando na Chuva” ou “Sinfonia de Paris”, levando os mais sensíveis às lágrimas (como foi meu caso). Mas também é um filme que faz um divertido jogo entre tradição e modernidade, seja do ponto de vista estético, seja do ponto de vista narrativo. É um filme para se ver, ter e guardar.

https://youtu.be/uGOaZezEi4Q

Batata Movies – O Apartamento. Teatro E Trauma.

Cartaz do Filme

O cineasta iraniano Asghar Farhadi, que ganhou o Oscar de Melhor Filme estrangeiro com o ótimo “A Separação”, está de volta. Ele dirige e assina o roteiro do não menos ótimo “O Apartamento”, um filme que mexe com o público até o íntimo de sua alma. Um daqueles filmes do que o cinema iraniano tem de melhor, e que é muito mal compreendido por algumas pessoas que estão por aí. Ah, e antes que eu me esqueça, “O Apartamento” ganhou os seguintes prêmios: melhor ator, para Shahab Hosseini e melhor roteiro, para Asghar Farhadi, tudo isso em Cannes em 2016. E foi indicado ao Globo de Ouro deste ano para melhor filme estrangeiro, além de ter sido nomeado para a Palma de Ouro em Cannes ano passado.

Emad, um pacato professor…

A história fala de um casal, Emad (interpretado por Shahab Hosseini) e Rana (interpretada por Taraneh Alidoosti), que precisa fazer uma mudança às pressas de seu apartamento depois que uma obra ao lado do prédio provoca rachaduras que podem fazer o edifício desabar (!). O casal pertence a um grupo de teatro e um de seus amigos providencia um apartamento para Emad e Rana. A antiga inquilina, porém, tinha deixado suas coisas trancadas num quarto do apartamento, e foi decidido arrombar o quarto, deixando as coisas da moça no terraço, o que a deixou muito revoltada. Mas esse era apenas o menor dos problemas, pois a antiga inquilina recebia homens no apartamento e Rana acabou sendo atacada por um deles, depois de ter aberto a portaria do prédio pelo interfone, por pensar que era seu marido. Emad, um pacato professor e ator de teatro, vai então começar uma investigação por conta própria para descobrir quem foi que atacou sua esposa, com o agravante de que Rana ficou traumatizada e não quer ficar mais sozinha, e ainda com todo o peso da visão de mundo da sociedade islâmica, que não conseguia entender como Rana deixou um homem desconhecido entrar em sua casa.

Rana, uma mulher que sofre um forte trauma

Farhadi conseguiu escrever mais um roteiro brilhante e, dessa vez, até relativizando a alta religiosidade do Irã, já que havia algumas críticas veladas aos paradigmas e convenções impostos pela religiosidade, mas também o pensamento religioso não foi criticado de todo, pois Rana implorou a Emad que ele não tomasse certa atitude e percebemos como estava implícito ali que essa atitude ia claramente contra uma convicção religiosa. Havia pouca discussão em questões religiosas (“A Separação” teve um conteúdo maior nisso), mas elas apareciam, sobretudo, nas entrelinhas.

A tragédia de Rana implodia paulatinamente seu casamento. E isso mesmo num casal aparentemente esclarecido, que desempenhava um ofício transgressor como o teatro, o que mostra como o peso de certas tradições pode deixar qualquer um vulnerável ao conservadorismo, por mais progressistas que sejam suas mentes. Esse é um outro exemplo de como o discurso tradicionalista estava no filme, embora ele não aparecesse explicitamente.

A parte progressista da história ficou na encenação do teatro. Mostrar todo esse meio de manifestação artística é algo que eu não me lembro de ter visto no cinema iraniano, onde uma das atrizes aparecia muito bem maquiada e elegantemente vestida, com uma boca vermelhíssima de batom e um vestido igualmente vermelho. Ah, sim, e um chapéu estrategicamente colocado na cabeça para não despertar escândalos de uma cabeça nua. É de se notar que, em contrapartida, a maquiagem colocada em Rana para a peça, ao contrário de embelezá-la, a envelhecia, como se o diretor quisesse dizer que a maquiagem no teatro não é algo para se despudorar as mulheres, mas apenas um recurso para construir uma personagem.

O diretor Asghard Farhadi (centro) rodeado por Shahab Hosseini e Taraneh Alidoosti. Mais um filme iraniano de muito sucesso!!!

Infelizmente, os “spoilers” não me deixam falar mais do filme, mas sua melhor parte está em seu desfecho, que nos dá margem para uma grande reflexão sobre a condição humana. Só uma dica rápida: essa reflexão nos coloca a questão de até onde abrimos ou não mão das convenções sociais a que estamos impostos em prol de um comportamento mais humano e solidário, sendo essa questão muito difícil de ter uma resposta única ou fácil.

Assim, “O Apartamento” é mais um filme imperdível do cinema iraniano e de Asghar Farhadi. Um filme que ainda critica o conservadorismo da religiosidade muçulmana mas que também sabe reconhecer virtudes nessa religiosidade. E um filme que fala, acima de tudo, do que estamos dispostos a ceder para sermos mais humanos. Não deixem de ver essa excelente película. E não deixe de ver o trailer abaixo.

Batata Movies – Eu, Daniel Blake. Uma Previdência Imprevidente.

Cartaz do Filme

E chegou o dia da estreia do grande vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2016. “Eu, Daniel Blake”, de Ken Loach, foi exibido no Festival do Rio ano passado, mas a procura pelo filme foi muito grande e não consegui assistir naquela época. Como a película foi laureada pelo grande prêmio do cinema na França, eu tinha certeza de que ela estrearia cedo ou tarde em circuito comercial por aqui. E foi o que aconteceu. Me despenquei para o Net Rio 5, assim que o filme entrou em circuito. E as expectativas sobre esse grande filme se confirmaram. É uma grande obra-prima que analisa muito bem a covardia pelas quais as pessoas passam quando elas dependem de serviço de Previdência Social. E isso porque estamos falando da Inglaterra.

Daniel Blake. Lutando por seus direitos

A história é sobre o Daniel Blake em questão (interpretado magistralmente por David Jones), um carpinteiro que sofre um ataque cardíaco e é impedido de trabalhar pela médica. Na hora de receber uma espécie de salário que vai cobrir seus meses de inatividade, a inspeção médica o declara apto para o trabalho e lhe corta o benefício. Blake, então, vai ter que recorrer a outra ajuda da Previdência Social inglesa, mas esbarra numa burocracia irritante, bem daquelas ao estilo que a gente conhece aqui no Brasil quando precisa resolver problemas semelhantes, e sua vida se torna uma via-crucis para tentar resolver esses problemas. No meio disso tudo, ele conhece Katie (interpretada pela fofíssima Hayley Squires), uma jovem mãe solteira, com um casal de filhos e que passa também por imensas dificuldades financeiras e problemas com a Previdência Social inglesa. Blake e Katie vão iniciar uma grande amizade para enfrentarem todas as dificuldades por que passam juntos e, ainda por cima, lutarem por seus direitos.

União comovente com Katie

Esse filme de Loach nos dá uma ideia de como é a situação dos menos favorecidos num país de Primeiro Mundo como a Inglaterra. Sentimos como existe toda uma burocracia que desmotiva as pessoas a lutarem por seus direitos. E isso num país onde foi desenvolvida a ideia de que o Estado nasce de um acordo entre os indivíduos e que a função dele é proteger os direitos e a vida das pessoas. Ou seja, a ética capitalista mais uma vez mostra aqui as suas garras, onde as pessoas precisam competir umas com as outras por trabalho em virtude da carência de empregos, assim como elas são maltratadas por instituições governamentais por não estarem na parcela produtiva da população. Loach consegue ser bem incisivo nessa crítica e nos faz sofrer com aqueles personagens, pois a identificação entre o público e eles é muito rápida. Quem já não ficou escutando aquela maldita musiquinha do autoatendimento pelo telefone, esperando ser atendido? Ou quem não já saiu por aí distribuindo seus currículos de porta em porta, somente ouvindo nãos? E, em casos mais extremos, já não ouvimos casos de quem precisa furtar coisas do supermercado para sobreviver à falta de grana ou até de ter que fazer coisas piores? Isso sem falar dos jovens mais safos que vendem produtos contrabandeados para se livrar da humilhação de um emprego que cobra muito trabalho e paga muito mal? Só não podemos nos esquecer de que tudo isso que é mostrado no filme não é apenas mérito de Loach. Também devemos bater palmas para roteirista Paul Laverty pela ótima forma com que ele conseguiu espelhar todas as situações dos menos favorecidos para simplesmente sobreviver.

O diretor Ken Loach (centro) rodeado por David Jones e Hayley Squires. Vencedores em Cannes!!!

Assim, “Eu, Daniel Blake”, é uma película fundamental, digna do prêmio que recebeu em Cannes ano passado. É mais um filme de denúncia, onde o cinema cumpre sua função social de gritar contra as injustiças. Mas isso não é nenhuma surpresa quando falamos de um diretor como Ken Loach, que sempre manteve olhos abertos para as questões sociais. Não deixem de assistir. Programa imperdível!!! E não deixe de ver o trailer abaixo…

Batata Movies – Invasão Zumbi. Na Coreia, O Papo É Outro.

Cartaz do Filme

Uma interessante produção da Coreia do Sul em nossas telonas. “Invasão Zumbi” (“Train to Busan”), escrito e dirigido por Sang-ho Yeon, é um filme de terror que, a princípio pode imitar o já batidíssimo gênero de terror com o subtema dos zumbis. Mas o filme vai além e ele revela na verdade alguns aspectos da condição humana.

Woo. Viagem insólita

O filme tem como protagonista Seok Woo (interpretado por Yoo Gong), um homem ligado ao mercado financeiro, de pensamento individualista e sem escrúpulos. Ele tem uma filhinha, Soo-an (interpretada por Soo-an Kim), que quer a atenção do pai e, ao mesmo tempo, quer fazer uma viagem de trem para rever a mãe. Depois de muito insistir, Soo-an consegue fazer o pai levá-la para a tal viagem. Mas essa viagem terminaria numa jornada de horror onde zumbis querem atacar as pessoas e infectá-las com sua doença.

Zumbis irados!!!

Até aí, nada de muito diferente. Então, o que diferencia esse filme dos demais filmes de zumbi? Em primeiro lugar, é um filme que aborda sérias questões sociais. Nosso protagonista é frio, calculista e pensa em si próprio. Mas a situação de ser perseguido por um monte de mortos-vivos vai fazer com que Woo comece a ver as coisas de outra maneira. Outros passageiros do trem vão manter essa visão individualista e irão até agir com preconceito contra outras pessoas que, acredita-se, estejam contaminadas. Ou seja, o filme levanta essa questão: numa situação de terror e pressão extremos, até onde vai a solidariedade humana? Essa é a grande questão da película. Outro tema trabalhado é o do tempo perdido. Woo nunca deu muita bola para a filha. E agora, parece que tudo vai cair por terra e ele não terá mais nenhum momento com ela. Fugir dos zumbis também será uma forma de recuperar um pouco do tempo perdido.

Interpretação convincente!!!!

É interessante perceber como parece que o filme bebeu de outras fontes. Apesar do gênero terror, a película também lembra filmes catástrofe americanos da década de 70, sobretudo a série “Aeroporto”, onde passageiros e tripulantes de aviões precisavam superar acidentes aéreos. Os filmes dessa época sempre tinham irmãs de caridade ou soldados entre os passageiros. Agora, a gente via um time de beisebol de uma escola de ensino médio. E, ao invés do avião, o filme se passava num trem que, a cada estação, uma surpresa estava por vir, fora os zumbis que já povoavam os vagões. Um terror recheado de suspense ao melhor estilão do cinema americano.

Porrada nos zumbis!!!

Um destaque especial deve ser dado aos nossos zumbis. A forma esquálida, rápida e poligonal de seus movimentos chamou muito a atenção e em alguns momentos, despertou muitos risos (como um bom filme de terror deve fazer, diga-se de passagem). Tal coreografia aliada ao uso de lentes de contato de cor leitosa produziram um efeito muito interessante e os mortos-vivos ficaram bem convincentes. Se eles foram cômicos, não foram menos assustadores.

Assim, “Invasão Zumbi” é um filme que vale a pena ser assistido. Mesmo que o leitor não goste do gênero de terror (como eu não gosto), esse filme tem um algo a mais que se distancia dos filmes de terror americanos convencionais. As discussões de caráter social são um fator que chama muito a atenção. A forma como os coreanos conceberam os zumbis também é muito interessante. E o filme ainda se aproxima um pouco do gênero de cinema catástrofe, ao contextualizar tudo numa viagem de trem. Vale muito como curiosidade. E não deixem de ver o trailer abaixo

Batata Movies – BR 716. Uma Comédia De Tempos Que Se Repetem.

Cartaz do Filme

Domingos de Oliveira está de volta com sua nova película “BR 716”. O filme traz velhos elementos já vistos em outros filmes do diretor. Mas também traz algo de novo. O que mais importa é que foi um bom filme dessa vez, pois Oliveira consegue emplacar boas histórias contadas alternadas com algumas nem tão cativantes.

Felipe, o alter ego do diretor

Vemos aqui a história de Felipe (interpretado por Caio Blat), uma espécie de “bon vivant” que tem um gigantesco apartamento na rua Barata Ribeiro, 716 (daí o título do filme), que foi herdado do seu pai (interpretado por Daniel Dantas), um homem falido, mas com seu nome limpo na praça. O problema é que Felipe dá festas homéricas em seu suntuoso apartamento, regadas a muito álcool e porralouquices. Felipe, inclusive, tem o sonho de ser roteirista, mas sua natureza, que é emocionalmente instável (um verdadeiro alter ego de Oliveira), faz com que ele tenha sempre obstáculos para concluir seu projeto. Ao perder a namorada para o melhor amigo, o homem cai em depressão e só consegue se esquecer um pouco dela com as tradicionais noitadas em seu apartamento, que aumentam cada vez mais a conta pendurada no bar da rua do seu prédio. Mas a trama não gira somente em torno do protagonista. Os muitos frequentadores das festas do apartamento também são personagens inusitados, divertidos e tragicômicos. Temos o caso da psicóloga e sua paciente que têm um relacionamento homossexual altamente violento (por parte da paciente), uma ninfeta (maravilhosamente interpretada por Sophie Charlotte), que quer ser cantora ou atriz, e sabe lançar mão de sua beleza para conseguir o que quer, ou o escritor e jornalista que joga cantadas altamente inconvenientes para as mulheres da festa (muito bem interpretado por Pedro Cardoso, embora sua presença tenha sido pequena na tela). Personagens um tanto loucos em festanças insanas. Mas toda a farra terminaria de forma um tanto melancólica, onde a chegada da ditadura militar seria o anticlímax para o clima de euforia.

Sophie Charlotte, imponente

Qual seria o elemento antigo do filme, muito presente em outras películas de Oliveira? A tremenda cara de comédia de costumes dos filmes do diretor, retratando a vida de uma elite de Zona Sul, que pode se dar ao luxo de ter crises existenciais e produtivas. Devo confessar que incomoda um pouco o fato do bairro de Santa Cruz ser tratado como outra galáxia no filme. Tudo bem que ele seja muito longe da Zona Sul e a mobilidade entre essas duas partes da cidade na década de 60 fosse muito pior que hoje, mas o filme abordou essa questão com uma relativa segregação social, principalmente em algumas piadas sob a ótica de quem vive na Zona Sul. Por outro lado, o filme trouxe algo novo que foi a força de vários personagens carismáticos. Embora as outras películas de Oliveira tenham vários personagens interessantes, dessa vez a coisa foi diferente, pois o clima altamente festivo e explosivo fez com que cada personagem tivesse uma diversidade toda própria, sempre trazendo um elemento novo, regado com muito carisma. Não foi um filme de um protagonista com coadjuvantes. Todos eram protagonistas, pois eram personagens muito intensos, tal como a grande festa que era o BR 716 fosse o real personagem coletivo, formado pelas individualidades dos demais personagens. Claro que o personagem de Blat era o mais importante, mas o filme não girava totalmente em torno dele e isso tornou a película muito atraente.

Felipe, numa de suas muitas crises

Outro fator que chama a atenção é a situação de instabilidade política que tomou conta do filme com a proximidade do golpe militar de 1964, que é um tanto semelhante com a situação de instabilidade política de hoje, aliada a uma gama altamente autoritária que está no ar. As festas no BR 716 eram uma espécie de ilha de bom senso, paradoxalmente formada por festeiros bêbados, em meio ao clima de autoritarismo existente. O apartamento, inclusive, passou a ser visto como uma bolha protetora contra os dias do golpe militar e ninguém arredou o pé de lá por dias, com medo dos tempos sombrios que viriam. Tal situação de insegurança e medo com relação ao futuro está bem viva também nos dias de hoje.

Oliveira e Charlotte

Dessa forma, “BR 716” foi um bom filme de Domingos de Oliveira que, se de um lado ele se repetiu em sua comédia de costumes, por outro lado ele mostrou uma gama de personagens todos interessantes, onde não havia propriamente a figura do coadjuvante. Para que isso funcione, o diretor contou com um bom elenco de atores que cumpriram muito bem os seus papéis. Vale a pena dar uma conferida neste filme.

Batata Movies – Animais Noturnos

 

Cartaz do Filme

 

A belíssima atriz Amy Adams está de volta num filme que podemos dizer que mistura um drama psicológico com suspense e violência. “Animais Noturnos”, escrito e dirigido por Tom Ford, ainda pode ser classificado como um filme que tem uma história dentro de uma história. E uma película, acima de tudo, inquietante e angustiante.  E o filme tem o pedigree de ter vencido o Festival de Veneza.

Susan, uma mulher atormentada

Vemos aqui a história de Susan Morrow (interpretada por Amy Adams), uma mulher que trabalha com exposições de arte e galerias, que tem uma vida aparentemente estável mas muito estéril. Sua filha e marido vivem distantes dela e a moça sofre muito com isso. Um belo dia, ela recebe um manuscrito de um livro de um antigo ex-marido, Tony (interpretado por Jake Gyllenhaal), pedindo o seu parecer. Susan, então, começa a ler a história, que se desenvolve paralelamente à ação do filme, e o espectador ganha o brinde de assistir a duas histórias ocorrendo juntas. O livro de Tony tem o título de “Animais Noturnos” e é dedicado à Susan. A trama do livro é muito pesada (uma família é achacada por uma quadrilha durante uma viagem pelo oeste do Texas). Susan fica recorrentemente chocada com a violência explícita à medida que lê o manuscrito, mas acha a história muito boa. O mais interessante é que as duas histórias se relacionam, pois o fim do casamento entre Tony e Susan aconteceu de forma atribulada e toda a violência de “Animais Noturnos” dedicada a Susan tem um gostinho de vingança. Paremos por aqui com os “spoilers”.

Edward, um homem atormentado…

Pois é. “Animais Noturnos” nos traz um monte de aspectos interessantes. A questão da história dentro da história é altamente instigante e a forma como essas duas histórias se relacionam tem uma tremenda cara de charada que se descortina aos poucos no filme, exibindo o tom de drama psicológico da película, que é a grande virtude dessa produção. A violência da história interna meio que funciona como o combustível que cria a relação com a história externa e alimenta o drama psicológico.

Mike Shannon arrebentou!!!

Toda essa engenhosidade só pode ser levada a cabo com a boa atuação dos atores. Amy Adams foi muito bem em seu papel dramático, sendo o alvo principal da relação entre as duas histórias. Sua natureza levemente errática com picos de angústia à medida em que lia o livro deu um sabor peculiar ao filme. Isso sem falar que sua beleza ajudou muito a tornar cativantes suas expressões confusas. Jake Gyllenhaal foi soberbo, pois teve muito mais trabalho, já que ele apareceu nas duas histórias, como Tony, o ex-marido de Susan, e como Edward, o chefe da família atacada na estrada da história do livro. Ambos os papéis tiveram forte conteúdo dramático e o ator deu conta do recado, sendo muito exigido. Mas não podemos deixar de falar de mais uma ótima atuação de Michael Shannon (o grande General Zod!!!) como o policial texano Bobby Andes, que ajuda Edward a caçar os criminosos. Shannon arrebentou no papel e mostra que pode fazer um vilão interplanetário, o Rei do Rock ou um policial provinciano de forma altamente competente e convincente. Esses três atores conseguem segurar o filme e dão credibilidade à complexa estrutura pretendida pelo roteiro.

Em Veneza

Assim, “Animais Noturnos” é um filme altamente recomendado, pois tem uma estrutura narrativa que foge um pouco do convencional, relaciona violência, suspense e drama psicológico nas medidas certas e ainda traz um grande elenco que sabe dar bem conta do recado. Uma boa estreia para esse fim de semana da virada do ano.

https://youtu.be/MA4wBYcgEUQ

 

Batata Movies – A Chegada. Linguagem E Visões De Mundo.

Cartaz do Filme

Um excelente filme de ficção científica em nossas telonas. “A Chegada” trata do já batidíssimo tema da invasão alienígena ao Planeta Terra, mas desta vez a coisa foi um pouco diferente, pois o filme abordou a questão de como a comunicação entre humanos e alienígenas pode não ser tão trivial assim, como vemos em alguns filmes por aí.

O filme tem como protagonista Louise Banks (interpretada por Amy Adams), uma linguista que já havia sido requisitada pelo exército americano para decifrar língua persa de grupos terroristas. A moça tem um grande trauma que foi a perda de sua filha. Só que sua vida de professora universitária seria transformada com a chegada de doze OVNIs ao planeta. Louise é procurada pelo Coronel Weber (interpretado por Forest Whitaker) para decifrar alguns sons alienígenas captados pelo exército. Louise aceita ajudar desde que ela possa se comunicar diretamente com os ETs. Ao chegar ao OVNI, ela se depara com seres que têm uma linguagem e forma de comunicação totalmente diferentes das que existem na Terra. Caberá a Louise, juntamente com Ian Donnelly (interpretado por Jeremy Renner) decifrar esse enigma. Mas o tempo é cada vez mais curto, pois a demora em se estabelecer uma comunicação mais efetiva faz com que aumente o medo de uma invasão e as pessoas no mundo inteiro exigem uma postura mais enérgica, o que pode levar até a uma guerra com os ETs.

Louise. Fazendo o difícil contato com os alienígenas

Os filmes de ficção científica mais simplórios não têm uma preocupação profunda com a questão da comunicação entre terráqueos e ETs. Alguns alienígenas falam até inglês às vezes. Mas os filmes mais sérios podem complexificar um pouco mais tal discussão. Em primeiro lugar, as condições em que a espécie humana se formou não são necessariamente um padrão para os demais planetas e isso influencia diretamente na forma como os humanos se comunicam. Ou seja, aqui a linguagem tem que estar totalmente adaptada aos nossos sentidos, caso contrário não há a comunicação. Mas, como uma espécie alienígena se comunicaria? As condições do planeta desses aliens desenvolveriam os mesmos sentidos que os terráqueos? Os ETs teriam visão, audição, olfato, tato e paladar? Ainda, a linguagem das duas espécies não teria o mesmo sistema de signos, pois foram forjadas em duas realidades diferentes. Mesmo que houvesse uma comunicação, sob quais parâmetros os signos alienígenas seriam decodificados para os nossos? Por incrível que possa parecer, todas essas questões são abordadas de uma forma ou de outra nesse filme, o que mostra que essa película optou por fazer uma ficção científica muito mais reflexiva, ao invés de um filme de ação ao estilo blockbuster.

Ian vai ajudar Louise…

Como se não bastasse essa discussão sobre comunicação pouco convencional em filmes de ficção científica (um filme que chegou um pouco mais perto disso, mas de forma até um tanto superficial foi “Jornada nas Estrelas IV, a Volta Para Casa”), a película ainda levanta outra questão: quando estudamos uma língua estrangeira, podemos sofrer alterações em nossas visões de mundo. Isso acontece quando passamos a entender rimas ou trocadilhos em outros idiomas. Agora, como seria essa alteração da visão de mundo se aprendêssemos uma língua alienígena? Paro por aqui, pois atrelada a essa reflexão vem um baita de um “spoiler” que, a meu ver, foi o que deu o toque de graça, fantasia e a cereja do bolo da história. Uma boa ficção científica com um toque especial de lúdico, mas um lúdico que muito nos intriga, pois tem o poder de subverter o nosso raciocínio linear.

O coronel Weber não aprovará algumas atitudes de Louise…

E os atores? O diretor Denis Villeneuve (de “Sicario”) fez basicamente um filme para a Amy Adams. A atriz cumpriu bem o seu papel e foi até legal que isso acontecesse, para apagar aquela impressão de coadjuvante de luxo em “Batman vs. Superman”. Só é de se lamentar que Jeremy Renner e, principalmente, Forest Whitaker, tenham sido pouco aproveitados. Poderiam ter aparecido mais, a meu ver. A relação entre os três poderia ter sido um pouco mais conflituosa. Havia espaço para isso.

De qualquer forma, “A Chegada” é um daqueles filmes que merecem uma chegadinha ao cinema, desde o fã de ficção científica até o cinéfilo mais tradicional. É uma boa história contada com um bom elenco, para agradar aos gostos mais conflitantes. Uma ficção científica com uma pitada de drama e mais com cara de cinema alternativo do que blockbuster. Não esperem tiros de laser. E não deixem de ver o trailer abaixo

Batata Movies – Elis. Arrasando Corações.

Cartaz do Filme
Cartaz do Filme

Eu até hoje me lembro do dia em que Elis Regina nos deixou. Isso porque, um pouco antes de seu falecimento, houve um programa sobre a mulher na TV e havia muitos depoimentos de uma mulher séria e de cabelo curto, que falava de várias coisas. Confesso que não me recordo mais do que ela dizia, mas aquilo foi altamente impactante. Sua morte foi algo mais violento ainda. Todos falavam dela. Seu velório teve muitas pessoas. Havia um programa de TV na Globo na época chamado TV Mulher e me recordo de Marília Gabriela, a então apresentadora do programa, chorando copiosamente. Foi a primeira vez que eu vi alguém chorar a morte de outra pessoa ao vivo na TV. Marília Gabriela, que participou do mesmo programa em que a mulher séria falava. Todos esses eventos acabaram sendo um choque. E, mesmo tendo acontecido lá no início da longínqua década de 80, ainda ficam bem vivos na alma.

Andréa Horta. Trabalho notável
Andréia Horta. Trabalho notável

Por isso mesmo que, quando eu vi o trailer do filme “Elis” no cinema, dirigido por Hugo Prata, fiquei instantaneamente interessado por aquela película. Por que aquela mulher tão séria e de olhar decidido tinha sucumbido tão jovem? Essa película esclareceria as minhas dúvidas. E lá fui eu para o Estação Net Rio 3 assisti-la.

E quais são as impressões do filme? Ele conta a história maravilhosamente bem. Tem uma narrativa simples, clara e objetiva, que prende a nossa atenção do primeiro ao último minuto. Nem percebemos o tempo passar no transcorrer da película. Toda a trajetória de Elis Regina está ali, desde a sua chegada ao Rio de Janeiro vinda do Sul, passando pelos bares da bossa nova, onde conhece Miele e Ronaldo Bôscoli, a relação conturbada entre este último e a cantora, que acabou rendendo um filho, a carreira em São Paulo, os problemas gerados pela ditadura militar, as indecisões com os rumos da carreira, a queda no vício do álcool e das drogas.

Júlio Andrade no papel de
Júlio Andrade no papel de Lennie Dale

Agora, o que mais chamou a atenção na película? Definitivamente a atriz que interpreta Elis, Andréia Horta. Caramba, o que era aquilo? A mulher simplesmente arrebentou! Nós não vimos um bom trabalho de caracterização de uma personagem. Nós vimos a ressurreição de um mito. Horta conseguiu ser simplesmente perfeita. A gente acreditava que via Elis Regina viva, bem diante de nossos olhos. Ela conseguiu reproduzir a cantora em tudo: nos trejeitos, na forma de falar, nos sorrisos, nas performances musicais. Mais ao final da película (me desculpem o “spoiler”), a cantora dá uma entrevista para uma rádio e eu pude rever em todas as suas matizes aquela mesma mulher séria do programa de TV que eu vi quando era criança, de tão perfeita que a coisa foi. Chega a ser assustador o resultado, a eficiência do trabalho dessa grande atriz que é Andréia Horta, a grande atração do filme. O problema é que ela foi tão bem, mas tão bem, que ofuscou todo o resto do elenco. A mulher colocou todo mundo no bolso. Os atores do elenco que mais se destacaram foram um irreconhecível Júlio Andrade, no papel do homossexual Lennie Dale, Zé Carlos Machado, que interpretou Romeu, o pai de Elis, e Caco Ciocler, que interpretou César Camargo Mariano, numa ótima atuação.

Lúcio Mauro Filho, no papel de Miele
Lúcio Mauro Filho, no papel de Miele

Dessa forma, “Elis” é um ótimo trabalho dirigido por Hugo Prata, que conseguiu revelar uma ótima atriz, Andréia Horta, contou a trajetória da famosa cantora de uma forma bem didática e conseguiu reproduzir todo o impacto de sua morte, tal como ocorrido na época. Um filme que merece muito a olhadinha do público.