Martin Scorsese, no livro “Conversas Com Scorsese”, disse que sempre teve o desejo de fazer um filme sobre o cristianismo no Japão e a perseguição que essa religião sofreu por lá no século XVIII. Pois bem, depois de 28 anos de tentativas, o filme “Silêncio”, baseado no romance de Shusaku Endo, escrito em 1966, está pronto, com lançamento previsto para dezembro. Ele é estrelado por Andrew Garfield (“Espetacular Homem Aranha”), Adam Driver (o Kylo Ren, de “Guerra nas Estrelas”) e Liam Neeson (que dispensa apresentações). Garfield e Driver fazem dois missionários que vão ao Japão procurar seu mestre (intepretado por Neeson), numa época em que o cristianismo era proibido no Japão, pois os japoneses não deixaram que os portugueses e espanhóis impusessem sua cultura por lá na época das Grandes Navegações. Vejam o trailer abaixo
Categoria: Cinema Alternatvo
Batata Antiqualhas – Furyo, Em Nome Da Honra. Multiculturalismo Em Campo De Prisioneiros.
Falemos sobre os filmes de Nagisa Oshima, um diretor japonês que ficou muito conhecido aqui em meados da década de 70, 80, com a película erótica “Império dos Sentidos”. Hoje vamos analisar a ótima película “Furyo, em Nome da Honra” (“Merry Christmas, Mr. Lawrence”), realizada em 1983. Vemos uma crítica ácida de Oshima à sociedade japonesa, tomando como pano de fundo a Segunda Guerra Mundial. A história conta a rotina de prisioneiros ingleses num campo de trabalhos forçados japonês na Ilha de Java em pleno ano de 1942.
Um dos prisioneiros, o coronel John Lawrence (interpretado por Tom Conti), é um admirador da cultura japonesa e mantém relações, digamos, cordiais, com seus detentores, sendo uma espécie de intérprete entre os japoneses e os prisioneiros. Ele é chamado pelos japoneses para tomar conhecimento de uma relação homossexual entre um soldado japonês e um soldado holandês. O soldado japonês deverá cometer harakiri (suicídio através de uma espada enfiada dentro do ventre) para não viver na vergonha. O quartel é comandado pelo capitão Yonoi (interpretado por Ryuichi Sakamoto) com mão de ferro. Mas o comportamento do capitão sofrerá drásticas alterações quando chega um novo prisioneiro, o major inglês Jack Celliers (interpretado por ninguém mais, ninguém menos que David Bowie). Yonoi se sentirá fortemente atraído por esse oficial inglês que também tem tendências homossexuais. Mas Celliers é altamente insolente e atrevido, lançando mão de uma postura muito desafiadora contra os japoneses, o que vai lhe render muitas punições. E Celliers sabe dos interesses de Yonoi para com ele, o que vai provocar situações um tanto inusitadas no decorrer da história.
O grande atrativo desse filme, apesar do papel protagonista de David Bowie, recai no personagem John Lawrence, que funciona como uma espécie de ponte entre as culturas japonesa e inglesa. Por causa desse fato, ele é incompreendido tanto do lado dos ingleses quanto do lado dos japoneses. A questão dos motivos que levam ao culto suicida do harakiri é apresentada e relativizada. Mas, ao mesmo tempo, existe uma crítica à cultura japonesa no que tange à devoção excessiva ao Imperador e aos antigos deuses dessa cultura, e isso pareceu uma incursão agressiva de Oshima contra os hábitos ancestrais japoneses. Embora o personagem de Lawrence seja de grande relevância para a história, em alguns momentos a coisa pareceu uma forçada de barra, pois, mesmo com seu bom relacionamento entre os japoneses, ele tomava umas bambuzadas. E, depois, ele criticava abertamente algumas atitudes dos japoneses, até com uma dose de sarcasmo, e não tomava nem uma pauladinha. De qualquer forma, essa visão multiculturalista num local tão improvável disso acontecer quanto um campo de trabalhos forçados japonês na Segunda Guerra Mundial foi altamente válida, mesmo que a cultura japonesa tenha sido vista com relativa vilania.
Igualmente válido foi abordar a questão do homossexualismo no campo de prisioneiros. Se o capitão Yonoi, num primeiro momento, ordena que seu subordinado homossexual cometa Harakiri para não viver na vergonha, o próprio capitão também tinha atitudes homossexuais escondidas, sendo um alvo fácil para as investidas de Celliers, outro homossexual. E aí, o preconceito contra a cultura japonesa ficou meio que latente, já que Celliers era visto pelos japoneses como uma alma maligna que enfeitiçava seu valoroso capitão, tal como uma cultura “primitiva” que endeusa homens.
E o que falar da atuação de David Bowie? Plana? Caricata? Talvez… Foi hilária a sequência em que ele literalmente comia flores para desafiar as ordens de Yonoi, que colocou todos os prisioneiros ingleses em 48 horas de jejum. Seu olhar desafiador para o capitão japonês despertou mais risos do que espanto. Mas o momento em que talvez Bowie precisasse ser mais intenso foi justamente a hora em que sua interpretação ficou mais contida, que foi a cena dos dois beijos que ele deu nas bochechas de Yonoi, perante todos os prisioneiros ingleses e soldados japoneses, onde estes últimos encararam Celliers como um mau espírito que envenenava Yonoi. O beijo de Celliers em Yonoi provocou uma espécie de “tilt” em todo mundo e, talvez aqui, Bowie pudesse ter sido um pouco mais dramático. Mesmo assim, a presença de Bowie não deixa de ser uma curiosidade e atrai mais atenção do público para a película. E não devemos ser muito exigentes com o astro do rock, que não está inserido em sua verdadeira área quando atua para o cinema e tem a coragem (ou cara de pau?) suficiente para encarar tal empreitada…
Assim, “Furyo, Em Nome da Honra”, é mais um filme altamente recomendável de Nagisa Oshima, pois nos traz a presença de David Bowie em seu elenco e, principalmente, busca fazer uma discussão multiculturalista entre as culturas japonesa e ocidental, ainda que caia, muito provavelmente de forma proposital, em alguns preconceitos contra elementos culturais japoneses. E aí, o dedo de Oshima está bem presente. Não deixe de ver o trailer abaixo.
Batata Antiqualhas – Fome de Viver. Terror Com Requinte.
Por Carlos Lohse
Imagine um filme de terror com Catherine Deneuve, David Bowie e Susan Sarandon. Pois é, isso aconteceu lá no início dos anos 80 (mais especificamente 1983) onde as atrizes estavam fulgurantes e muito joviais. Um contraste com o ambiente sombrio e pesado apresentado na trama. “Fome de Viver”, de Tony Scott, é uma estranha e estimulante combinação. Vamos analisá-la aqui.
A história nos conta a vida de um casal, John Blaylock (interpretado por Bowie) e Miriam Blaylock (interpretada por Deneuve), que aparentemente gosta de noitadas, arrumando outro casal nas danceterias da vida, para a prática de swing. Mas o que parecia uma noite de prazer termina com o assassinato das vítimas atraídas, com direito a muito sangue e consumo dele. Com o tempo, descobrimos que este casal tem uma espécie de vida imortal e que precisa se alimentar com o sangue das pessoas. A imortalidade aparece evidente no lar dos dois, com uma mobília recheada de móveis e objetos antiquíssimos e originais. Inclusive o pingente do colar de Miriam é um símbolo egípcio original da imortalidade, usado justamente como arma para ceifar as vidas de suas vítimas. Miriam, na verdade, é a que detém a imortalidade. Ao escolher seus amantes, ela, vampirescamente, dá uma mordidinha no corpo do eleito (ou eleita) e contamina o sangue da pessoa com o seu, criando um vínculo e lhe prometendo vida eterna.
Mas essa vida é obtida às custas de um envelhecimento muito rápido e o moribundo, totalmente deformado pela velhice, não morre. Nesse momento, Miriam descarta seu amante e o coloca num caixão, depositando o pobre infame vivo num sótão onde há outros caixões com outros antigos casos amorosos na mesma condição, num verdadeiro museu de amantes esquecidos. Isso aconteceu com John, mas antes ele procurou a doutora Sarah Roberts (interpretada por Susan Sarandon), que realizava pesquisas médicas para reduzir os efeitos de uma estranha doença que provocava rápido envelhecimento (por sinal, a mesma doença que acometia John). Por intermédio de John, Sarah conhece Miriam, que a escolhe como próxima amante. A partir daí, cria-se todo um ambiente de tensão no ar, onde veremos ou não se Miriam consegue atingir suas mórbidas intenções.
O filme tem detalhes muito interessantes. Um início numa danceteria algo gótica, algo dark, prenunciando o clima sombrio da trama. Logo após, vemos a casa do casal, num ambiente leve, aristocrático e agradável, cheia de antiguidades, espelhando a longevidade dos personagens. Cenas de amor muito suaves e tocantes, contrastando com assassinatos muito violentos e sanguinários, inclusive um infanticídio. Contraste esse realçado na cena de amor entre Miriam e Sarah, onde o homossexualismo é colocado de forma leve e não contundente (pudera, estamos em 1983, o que já deve ter sido muito desafiador para a época!), com cenas muito delicadas, contrabalançadas por uma violência, ainda que leve, de mordidas em braços que arrancam sangue. Aliás, Miriam e Sarah são o que de melhor tem o filme. Duas belezas angelicais que simbolizam o diabólico e o racional. Deneuve já apresentando os traços da idade, mas lindíssima e poderosíssima, ainda mais quando soltava seus longos cabelos louros. Sarandon com uma beleza de menina, embora aquele penteado curto não ajudasse muito. A gente se delicia muito com a beleza e delicadeza daquelas duas. Mulher e cinema são, decididamente, duas artes que se combinam e se completam.
E o Bowie? Bom, dentro de seu aspecto multimídia, ele também buscou uma carreira cinematográfica, interpretando papéis também em filmes como “Labirinto” e “Basquiat”. Quanto à “Fome de Viver”, não sei, pode ser que eu esteja de implicância, mas suas falas me pareceram planas e áridas, desprovidas de emoção como um deserto sem vento e dunas. É aquela velha piada: como ator, Bowie é um ótimo cantor. Um último comentário deve ser feito quanto à maquiagem dos moribundos. O que achávamos um barato na década de 80 hoje parece algo muito artificial e pesado. Ao presenciarmos os cadáveres vivos e deformados, é impossível não nos lembrarmos de “Thriller”, de Michael Jackson, de “A Hora do Espanto” e coisas mais obscuras como “A Volta dos Mortos Vivos”. Uma pena, pois o que, ao meu ver, até ficou um bom filme de arte, acabou se contaminando um pouco com as características de um blockbuster de circuitão por causa da maquiagem. Mas, paciência, eram as limitações da época.
Por essas razões, “Fome de Viver” é um filme muito interessante, que estimula nossa curiosidade e aguça nossos sentidos, seja pelas situações de terror, seja pela delicadeza e beleza das atrizes. E não deixem de ver o trailer abaixo.
Batata Movies – De Palma. A Trajetória de Um Incompreendido.
Por Carlos Lohse
Pois é, o Festival do Rio 2016 acabou, mas ainda houve a rebarba da “Última Chance”. Esse ano, um dos cinemas onde pudemos ter um gostinho extra do Festival após o seu término foi o Roxy, de Copacabana. E lá tivemos a oportunidade de se assistir o excelente documentário “De Palma”, sobre o conhecido diretor de cinema norte-americano. Esse filme, dirigido por Noel Baumbach (de “Francis Ha”) e Jake Paltrow, tem uma estrutura muito simples. Vemos o próprio Brian De Palma narrando toda a sua trajetória desde a infância, passando por sua família, pelas primeiras experiências cinematográficas, chegando até ao estrelato de diretor consagrado, mas muito contestado e, por que não, um pouco maldito.
O documentário é uma joia para os amantes do cinema em geral, pois Brian De Palma é de uma geração de cineastas que engloba Coppola, Spielberg, Lucas, Scorsese e por aí vai. Ainda, o início da carreira cinematográfica do diretor coincide com o início da carreira cinematográfica de Robert de Niro. É exibido no filme trechos dos primeiros filmes em que eles trabalham juntos, tornando-se uma grande curiosidade dessa película. Mas há muito mais. Ele fala de detalhes da produção e curiosidades de filmes como “Carrie, a Estranha”, “Scarface”, “Vestida para Matar”, “Dublê de Corpo”, “Os Intocáveis”, “O Pagamento Final”, “Pecados de Guerra”, “Missão Impossível”, etc., sendo essa a parte mais deliciosa do filme. É falado também da repulsa, por parte do público e da crítica, a seus filmes, que tinham às vezes um conteúdo muito violento e chocavam muito. Reclamava-se muito de cenas onde mulheres eram vítimas de uma violência extrema ou então de conteúdos altamente eróticos, coisas que sacudiam na cadeira os tradicionais WASPs americanos.
Sua veia iconoclasta e desafiadora não tinha limites e De Palma chegou a fazer teste com uma atriz pornô para um filme que falava de uma prostituta, o que deixava indignados os executivos dos grandes estúdios. Foi ainda lembrado no documentário que Brian De Palma fez parte de uma geração de diretores que experimentou um breve momento de autonomia e liberdade com relação aos grandes estúdios, o que acabou levando à produção de grandes filmes. Só que logo os estúdios retomaram o controle da situação e impuseram sua vontade novamente, para a decepção do diretor, que muito reclama da interferência dos grandes estúdios em seus filmes, em virtude de seu viés altamente polêmico.
Outro ponto interessante dessa película é que De Palma, ao falar sobre seus filmes, falava também das influências de outros diretores e outros gêneros cinematográficos, como Hitchcock ou a Nouvelle Vague, sobretudo Godard. E aí, a montagem do documentário é primorosa, pois imagens de seus filmes são comparadas com imagens de suas influências, como no caso de “Os Intocáveis”, onde a sequência do tiroteio na escadaria da estação de trem é comparada com a sequência da escadaria de Odessa de “Encouraçado Potemkim”, de Sergei Eisenstein, influência direta e confessa do diretor em suas próprias palavras.
Assim, o documentário “De Palma” só confirma que o Festival do Rio deste ano conseguiu manter a sua tradição de trazer ao público excelentes documentários sobre os mais variados temas. E a coisa torna-se mais atraente ainda quando o documentário fala justamente do grande amor de provavelmente boa parte do público do Festival, que é o cinema. Um programa imperdível. Torçamos para que esse documentário seja lançado comercialmente por aqui. E não deixe de ver o trailer abaixo.