Batata Movies – Os Mil Olhos Do Dr. Mabuse. Um Mabuse Moderno.

Os Mil Olhos do Dr. Mabuse - 1960 | Filmow
Cartaz do Filme

Dentro das análises dos filmes da fase alemã de Fritz Lang e, encerrando nossa maratona dos quatro filmes do Dr. Mabuse, vamos falar de “Os Mil Olhos do Dr. Mabuse” (“Die 1000 Augen des Dr. Mabuse”, 1960). Depois de dois filmes na década de 20 e um filme em 1933, o maligno personagem volta agora em plena década de 60, renovado e repaginado, interagindo com a tecnologia da época. Para podermos falar desse filme, vamos liberar os spoilers de sessenta anos.

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O Comissário Kras terá que investigar uma série de crimes…

O filme começa com o assassinato de um repórter que será investigado pelo Comissário Kras (interpretado por Gert Fröbe). As investigações levam ao Hotel Luxor, que tem toda uma ligação com uma série de crimes e assassinatos onde os envolvidos têm alguma relação com o Hotel. Nesse hotel, vive um homem que herdou as práticas do Dr. Mabuse, usando circuitos internos de câmeras e TV para controlar todo o Hotel, com uma rede de capangas o ajudando. O Comissário Kras investiga três suspeitos que podem ter alguma relação com todos esses crimes: uma jovem suicida, Marion Mehil (interpretada por Dawn Addams), Cornelius, um cego vidente (interpretado por Wolfgang Preiss), e Hyeronimous Mistelzweig, um corretor de seguros (interpretado por Werner Peters). Temos, ainda, o americano Henry Travers (interpretado por Peter van Eyck), um milionário dono de usinas nucleares, que se apaixona por Mehil. Dentre as investigações de Kras, vemos tentativas de assassinato ao Comissário, explosões de usinas nucleares, e muito uso da tecnologia eletrônica da época para a espionagem, ocorrendo um verdadeiro jogo de gato e rato em torno desses três suspeitos principais, com direito a plot twists aqui e ali, até que descobrimos o herdeiro de Mabuse, que é Cornelius, mas também o médico particular de Marion, ou seja, mais uma vez a questão dos disfarces de Mabuse, que acaba morrendo depois que seu carro cai de uma ponte num rio durante uma perseguição policial.

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Cornelius, um dos suspeitos…

Esse é um filme que retoma o espírito dos filmes anteriores, com uma trama policial intrincada, onde a quadrilha do gênio do crime age de forma mais oculta. Somente um dos capangas de Mabuse se revela desde o início do filme. Os outros são personagens secundários do filme que somente se revelam capangas nos momentos derradeiros da película.

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Ocultismo volta como referência…

É curioso ver como esse Mabuse da década de 60 lança mão de toda a tecnologia da época para cometer seus crimes. Ele usa um hotel com toda uma parafernália eletrônica para controlar todo o ambiente, além de usar uma arma de última geração criada pelo exército americano para cometer seus assassinatos. Mabuse também tem novos alvos nesses tempos modernos: as usinas nucleares, capazes de estragos muito mais apocalípticos. Ou seja, se a tecnologia traz possibilidades de muitos progressos, o mau uso delas também traz muitas possibilidades de destruição. O filme também deixa claro que os crimes de Mabuse caíram no esquecimento em virtude de um motivo muito pertinente: os horrores do nazismo, que foram muito maiores que os tentáculos de Mabuse.

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Mídia querendo saber de uma tentativa de suicídio…

Falemos dos personagens principais. Quanto ao chefe policial que investiga o caso, o Comissário Kras, este não tem o estilo fanfarrão de Lohman em “O Testamento do Dr. Mabuse”, embora não tenha uma lisura total de um Wenck. Talvez ele esteja numa espécie de meio termo entre os outros policiais das outras películas de Mabuse. A parte ocultista e expressionista ficou por conta de Cornelius que, antes de se revelar Mabuse, impressionava por seus dons premonitórios e seus hipnotizantes olhos brancos. Já Mistelzweig se destaca por sua inconveniência e Mehil, por seu passado misterioso, assumiu uma postura ambígua, transitando entre a vítima da quadrilha ou uma possível cúmplice. Talvez o personagem menos interessante seja justamente o mocinho do filme, Travers, que serve como uma espécie de escada para toda a trama.

Um detalhe sobre o roteiro. Parece ingênuo um chefe do crime tão inteligente concentrar todas as suas atuações num hotel, o que supostamente facilitaria as investigações da polícia. Mas o hotel do filme tem toda uma simbologia, pois foi erguido pelos nazistas em 1944 e construído de forma a facilitar as atividades de espionagem. Mabuse então usaria esse aparato perfeito para as suas atividades criminosas. Como “O Testamento do Dr. Mabuse” foi proibido pelos nazistas na Alemanha em 1933, agora em 1960, Lang tem a liberdade total de associar seu chefe do crime ao nazismo e ele não perde a possibilidade.

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Lang confessa que esse filme foi mais uma pressão caça-níquel do produtor…

Dessa forma, “Os Mil Olhos do Dr. Mabuse” conseguem dar um desfecho digno a essa série de quatro filmes sobre o gênio do crime, sobretudo pelo uso de uma trama que deu certo nos outros três filmes, acrescida de uma modernização tecnológica e de uma herança nazista (realmente hotéis do tipo que vemos no filme, com aparatos de espionagem, foram construídos pelos nazistas. É incrível como alguns elementos permeiam esses quatro filmes de épocas diferentes, sobretudo o ocultista e expressionista, constituindo-se numa espécie de personagem à parte. E não deixe de ver o filme na íntegra abaixo, legendado em português.

https://www.youtube.com/watch?v=xFJrKOYV_28

Batata Movies – O Testamento Do Dr. Mabuse. Uma Continuação Fraca, Mas Proibida.

O Testamento do Dr. Mabuse – Wikipédia, a enciclopédia livre
Cartaz do Filme…

Dando sequência às nossas análises de filmes de Fritz Lang, vamos falar de “O Testamento do Dr. Mabuse” (“Das Testament Des Dr. Mabuse”, 1933), continuação da saga do vilão que assolou o cinema alemão mudo. Esse filme foi proibido de passar na Alemanha, sendo somente autorizada sua exibição no país de origem em 1951. Um filme que, agora, se confundia com o ideário nazista, daí a sua proibição. Para podermos falar um pouco mais desse filme, vamos liberar os spoilers de oitenta e sete anos.

Das Testament des Dr. Mabuse – O Testamento do Dr. Mabuse [1933 ...
Mabuse, internado num manicômio, ainda assusta…

O plot é o seguinte. Mabuse (interpretado por Rudolf Klein-Rogge) está internado num manicômio. Ele escreve em folhas de papel coisas aparentemente desconexas, mas que com o tempo, vão adquirindo significados, sempre dentro daquela vibe destruidora de Mabuse com relação à humanidade, cheia de defeitos, que deveria ser destruída pelo terror e pela violência. Ou seja, o testamento do Dr. Mabuse em si. O médico que cuidava de Mabuse, o Professor Baum (interpretado por Thomy Bourdelle) acaba sendo hipnotizado pelo paciente e coloca em curso suas práticas criminosas, criando uma quadrilha que espalha o caos com crimes e atos terroristas, como a explosão de uma fábrica de gás. Caberá ao inspetor Lohman (interpretado por Otto Wernicke), juntamente com Kent (interpretado por Gustav Diessl), investigar e desbaratar a rede criminosa. Quando o Professor Baum é descoberto como o chefe da quadrilha, tem-se início a uma perseguição automobilística frenética, que termina com um enlouquecido Baum, assim como Mabuse, que já está morto.

O Testamento do Dr. Mabuse (1933) – MUBI
Um expressionismo fantasmagórico…

Se fizermos uma comparação com os Mabuses da fase muda, “O Testamento do Dr. Mabuse” é uma película mais fraca, com até alguns lances cômicos que partem principalmente de Lohman, um inspetor que parece estar um nível abaixo do de Wenck, visto nas películas anteriores. Todo o discurso apocalíptico de Mabuse pareceu cair como uma luva na ideologia nazista, tornando, portanto, o filme proibido na Alemanha. Alguns críticos consideram “O Testamento do Dr. Mabuse” como o primeiro filme realmente “Noir” de Lang.

O Testamento do Dr. Mabuse (1933) - Cinema Clássico
De dar medo…

Pode até ser. O personagem ambíguo Kent, as metódicas regras que os criminosos devem seguir e as intensas cenas de tiroteio no momento da prisão da quadrilha caminham muito nessa direção. Mas os elementos expressionistas ainda parecem bem mais fortes, principalmente no quesito alucinações, com a face fantasmagórica de Mabuse hipnotizando Baum, com direito a dois horripilantes e gigantescos olhos postiços. O expressionismo também se vê presente na frenética perseguição automobilística mais ao final do filme, onde o back-projection de uma sinistra floresta noturna dá um tom todo especial. Assim, o expressionismo da década de 20 consegue pulsar muito nesse filme falado da década de 30.

Guia Pelo Expressionismo Alemão - Metafictions Parte 11 - Metafictions
Alucinações dão momento de grande plasticidade às imagens…

Dessa forma, “O Testamento do Dr. Mabuse” é uma sequência não tão intensa ou maligna quanto os Mabuses anteriores, mas ainda assim impressiona, muito mais pela estética expressionista regada à alucinações e enlouquecimentos provocados pela hipnose do que por uma trama policial. Só é curioso ver como o filme foi proibido pelos nazistas em 1933, quando duas películas da mesma temática não foram interditadas na década de 20. Típico caso de se vestir a carapuça. Não deixem de ver o filme na íntegra legendado em português abaixo.

https://www.youtube.com/watch?v=PVzNcAAcRLE

Batata Movies – Dr. Mabuse, O Inferno Do Crime. Violência Desmedida.

DR. MABUSE PARTE 2: O INFERNO DO CRIME - Fritz Lang - DVD
Cartaz do DVD…

Dando sequência às análises da fase alemã de Fritz Lang, vamos falar de “Dr. Mabuse, O Inferno do Crime” (“Dr. Mabuse, Der Spieler – Inferno: Ein Spiel von Menchen Unserer Zeit”, 1922), sequência do filme “Dr. Mabuse, o Jogador”. Se o primeiro filme mostrou um Dr. Mabuse manipulador da mente e sinistro, que cometia seus crimes e hipnotizava jogadores de cartas de uma elite alemã decadente, a segunda película de Dr. Mabuse é muito mais violenta, onde o vilão mostra em cores vivas toda a sua personalidade maligna. Para podermos falar do filme, vamos precisar liberar os spoilers de noventa e oito anos.

Dr. Mabuse, the Gambler (1922) directed by Fritz Lang • Reviews ...
Uma condessa sequestrada…

O Conde Told, depois da vergonha de ter sido flagrado trapaceando, vaga pelas ruas chuvosas à noite, sendo acolhido por Wenck. Depois de uma conversa, o conde Told decide procurar tratamento psicológico e vai procurar justamente Mabuse, que o hipnotizou para fazer a trapaça. Mabuse recomenda que Told se isole e não converse com ninguém, para que o sequestro da condessa seja encoberto. Como esta se nega terminantemente a se entregar para Mabuse, este decide induzir o conde ao suicídio. Wenck procura convencer Carozza a ajudar a polícia, mas esta se nega. Mesmo assim, Mabuse infiltra um de seus capangas na polícia para que este entregue um veneno para que Carozza se suicide, algo que ela obedece e faz prontamente. Um outro capanga de Mabuse é preso pela polícia e, antes que ele fale alguma coisa, é assassinado por Mabuse,enquanto é transferido da delegacia para um presídio, depois que Mabuse incita as massas mais pobres a parar o carro de polícia, alegando falsamente que um líder comunitário estava sendo preso. Mabuse ainda consegue colocar uma bomba dentro do escritório de Wenck, quase matando-o. Ou seja, o Doutor nesse filme toma atitudes bem mais perigosas e mortíferas. Depois de perguntar ao mordomo de Told sobre as circunstâncias da morte de seu patrão, Wenck escuta do criado sobre Mabuse e começa a investigar o Doutor, que o recomenda a ir a um show de um adivinho, Weltmann (uma das faces de Mabuse). No show, Wenck é hipnotizado e induzido a Mabuse a dirigir numa estrada nas montanhas à toda velocidade, mas seus ajudantes o salvam. Somente ai, Wenck chegará à conclusão de que o criminoso procurado è Mabuse. A polícia, com a ajuda do exército, vai invadir o esconderijo de Mabuse e resgatar a condessa. Mabuse foge pelos esgotos e chega a um outro esconderijo onde seus capangas fazem cédulas de dinheiro falsas. Lá, Mabuse começará a ter alucinações dos capangas que morreram para protegê-lo e o Doutor enlouquece, sendo finalmente preso por Wenck.

Dr. Mabuse Teil 1 - Der große Spieler - Festival do Rio
Hipnotizando Wenck…

O segundo filme, como vimos, é bem mais violento que o primeiro. Além disso, a primeira película abordou temas de ordem mais social, como a decadência de uma elite que gasta seu dinheiro na cocaína e no jogo, geralmente fazendo as suas atividades ilícitas em locais escondidos no seio de onde vivem os menos favorecidos. Já o segundo filme mostra mais os estados da alma, saindo do social e indo mais para o subjetivo. Temos dois suicídios aqui. O de Carozza foi menos explorado, com a ingestão de uma pastilha de veneno num gesto de obediência cega (ou, talvez, até com algum medo inserido) de Carozza ao amado Mabuse. Já o suicídio do conde Told foi bem mais explorado na questão dos tormentos da alma, onde o conde perambula pela sua sombria mansão, cheia de motivos de culturas orientais, bem ao gosto de Lang, e tendo alucinações de si mesmo trapaceando, o que o leva a se matar com uma navalha. Mais expressionista do que isso impossível. Mas as alucinações não ficaram por aí. O processo de enlouquecimento de Mabuse (um tanto falso, devemos admitir, já que o Doutor não tinha o menor remorso em ver seus capangas morrerem ao colocar seus maléficos planos em execução) é eivado dessas mesmas alucinações, com a fina ironia de que Mabuse enlouquece perante seus empregados falsários cegos, que não o podem alertar sobre seus delírios, pois nada veem. Some-se a tudo isso o show de Weltmann com as manipulações das mentes de membros da plateia e temos uma sequência onde os estados da alma e do subjetivo falaram mais alto frente à pegada de ordem mais social do primeiro filme.

Dr. Mabuse, der Spieler – Teil 2: Inferno, ein Spiel von Menschen ...
Enlouquecido ao final…

Assim, “Dr. Mabuse, O Inferno do Crime”, é uma sequência que dá um bom desfecho aos dois filmes de Mabuse. Muito mais violenta, muito mais expressionista, muito mais ligada à questão do subjetivo e das alucinações. Não perca a oportunidade de ver, em sequência, os dois filmes abaixo.

https://www.youtube.com/watch?v=BFLvgfwzz4g&t=209s

Batata Movies – Dr. Mabuse, O Jogador. E Hipnotizador.

Dr. Mabuse, der Spieler (1922) VOSE | Cinéma, Film, Personnage
Cartaz do Filme

Dando sequência às análises de filmes de Fritz Lang, vamos hoje começar a nossa maratona do Dr. Mabuse. São quatro películas realizadas ao longo do século XX sobre esse criminoso intrigante. Nesse primeiro filme, “Dr. Mabuse, O Jogador” (“Dr. Mabuse, Der Spieler – Der Grosse Spieler: Ein Bild der Zeit”, 1922), vemos a apresentação do vilão, magnificamente interpretado por Rudolf Klein-Rogge, no papel que o imortalizou, sem a menor sombra de dúvida. Para podermos falar desse filme, vamos liberar os spoilers de noventa e oito anos.

Power and the Mythic Gaze in Fritz Lang's Dr. Mabuse, der Spieler ...
Dr. Mabuse, um dos grandes vilões da História do Cinema…

Mas, quem é Mabuse? Ele é um psicólogo que consegue hipnotizar as pessoas, manipulando-as em jogos de cartas, para poder-lhes arrancar dinheiro, assim como roubou um contrato comercial entre a Holanda e a Suíça, provocando uma baixa nas ações da bolsa, momento em que ele as comprou por uma ninharia. Mabuse também tomou todas as providências para que o contrato fosse reencontrado, aumentando o preço das ações que havia comprado. O inspetor Norbert Von Wenck (interpretado por Bernhard Goetzke) vai procurar investigar os passos de Mabuse, que também é um mestre dos disfarces. Wenck sabe que há um grande criminoso atuando e roubando as pessoas, mas não consegue estabelecer a sua identidade. Wenck agirá em conjunto com Hull (interpretado por Paul Richter), que foi hipnotizado e roubado por Mabuse, mas o vilão colocará Cara Carozza, da sua quadrilha (interpretada por Aud Egede-Nissen) para seduzir Hull e manipulá-lo. Mesmo assim, Wenck e Hull seguem na investigação. Carozza alerta Mabuse de quanto é perigoso Wenck, mas o vilão faz pouco do alerta, até que, numa rodada de jogo de cartas, Wenck, disfarçado, consegue resistir ao hipnotismo de Mabuse. Este, enfurecido, consegue armar uma armadilha para Wenck e intoxicá-lo com gás venenoso, embora ele não morra. Numa outra tentativa de Wenck e Hull de prender Carozza para interrogá-la, Hull acaba assassinado, mas a moça é capturada. Wenck pede ajuda a condessa Dusy Told (interpretada por Gertrude Welcker), que acha a vida entediante e quer algo a mais para lhe dar emoção. Wenck propõe a ela que se faça de presa para tentar tirar algo de Carozza. Mas esta somente lhe diz que está apaixonada pelo criminoso que somente a usa em suas atividades criminosas. Ao final do filme, Mabuse faz outra investida, desta vez na casa da condessa, onde ela hipnotiza o seu marido, o conde Told (interpretado por Alfred Abel) para induzi-lo a trapacear durante o jogo de cartas, provocando a ira de seus convidados, que abandonam a festa dada pelo conde, desmoralizando-o. A condessa não aguenta tal cena com o marido e desmaia, sendo sequestrada por Mabuse.

ACTION-IMAGE [IMAGEM-AÇÃO] - Dr. Mabuse, der Spieler, Fritz Lang ...
Um mestre dos disfarces…

Como dito acima, esse é um filme de Rudolf Klein-Rogge, que consegue fazer um magnífico vilão e múltiplas caracterizações, onde não somente a maquiagem e o figurino dão um show, mas também a própria interpretação do ator, que consegue dar uma vida única a cada caracterização. Talvez o único que possa se aproximar de Klein-Rogge no filme seja Bernhard Goetzke, que interpreta Wenck, o antagonista de Mabuse, que, curiosamente, também se disfarça assim como o vilão. O dom que Mabuse tem da hipnose é uma espécie de personagem à parte, pois ele consegue manipular os jogadores de cartas a seu redor, que pertencem a uma elite que busca prazeres em jogos de azar, festas e cocaína, em contraposição às camadas mais baixas, que vivem em bairros destroçados e escuros, ao bom estilo expressionista. É curioso notar que muitas dessas noitadas dos figurões são às escondidas da polícia, feitas justamente nos bairros mais proletários, numa mescla de elite com pobreza. A condessa Told é uma expressão dessa elite enfadonha que não tem nada para fazer e se lança aos prazeres fúteis. Ou seja, o filme, ao mostrar essas disparidades sociais, acaba refletindo um pouco a situação da República de Weimar da época.

Dr. Mabuse, der Spieler - Film im Puschkino : Kino in Halle ...
Ocultismo é um dos temas do filme…

Dessa forma, “Dr. Mabuse, O Jogador” é mais um interessante filme da fase alemã de Fritz Lang e um bom cartão de visitas do grande vilão da História do Cinema Alemão. Mas esse seria somente o primeiro filme. A segunda película apresentaria elementos ainda mais intrigantes. Vamos colocar os dois filmes completos e legendados em português na postagem da sequência de “Dr. Mabuse”.

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Um vilão que hipnotizava suas vítimas…

Batata Movies – Os Nibelungos, Parte 2, A Vingança De Cremilda. Desfecho Trágico Trazido Pela Vingança.

Die Nibelungen: Fritz Lang 1924 - WAGNER & HEAVY METAL
Cartazes dos dois filmes…

Dando sequência às nossas análises de filmes da fase alemã de Frit Lang, falemos hoje de “Os Nibelungos, Parte 2: A Vingança de Cremilda” (“Die Nibelungen, Kriemhulds Rache”, 1924). Esse filme dá sequência à “Os Nibelungos, Parte 1: A Morte de Siegfried”, quando o herói teutônico fora assassinado por Hagen Tronje (interpretado por Hans Adalbert Schlettow) e sua esposa Cremilda (interpretada por Margarete Schön) jurou vingança. Nesse filme, a aura sombria sobre a vingança já pairava quando vimos a morte de Brunilda, que exigia o assassinato de Siegfried. Agora, o tema da vingança volta à baila, tomando contornos bem maiores e catastróficos. Para podermos falar sobre esse filme, vamos precisar liberar os spoilers de noventa e seis anos.

Die Nibelungen, Part 2: Kriemhild's Revenge (1924, Fritz Lang) [EN ...
Uma Cremilda sombria, mas sofredora…

O plot é o seguinte. Rüdiger Von Bechlarn (interpretado por Rudolf Rittner) é um vassalo de Átila, o Rei dos Hunos (interpretado por Rudolf Klein-Rogge) e vai à Burgúndia comunicar que seu rei quer pedir a mão de Cremilda em casamento. Esta ainda está muito revoltada com a perda de Siegfried e exige que seu irmão, o rei Gunther (interpretado por Theodor Loos) puna Hagen Tronje, o assassino de Siegfried. Mas, pelas relações de fidelidade feudal, Gunther se recusa a fazer isso, já que Hagen sempre foi muito fiel a ele. Para piorar a situação, Hagen joga no fundo do rio todo o tesouro dos nibelungos, alegando que assim o ouro do tesouro não poderá ser usado para a construção de armas. Cremilda diz a Rüdiger que, na Burgúndia não havia garantias de que a desonra que ela sofreu seria reparada. Rüdiger garante que, se casada com Átila, ela seria devidamente honrada e que as desonras contra ela seriam reparadas.

Die Nibelungen – Part II : Kriemhild's Revenge” (1924, dir. Fritz ...
Manipulando Átila, o rei dos hunos…

Ela aceita a proposta de Átila e vai embora da Burgúndia, não querendo se despedir ou falar com seus familiares. Ao chegar ao reino de Átila, Cremilda estranha os hunos, achando o seu comportamento excessivamente bárbaro. Mas escuta de Átila o juramento de que ele restaurará a sua honra. Tempos depois, o filho de Átila nasce, é dada uma festa e Cremilda pede que seus parentes da Burgúndia sejam convidados. Quando estes chegam à terra dos hunos, Cremilda exige de Átila que Hagen seja morto, mas Átila, alegando ser um homem do deserto, diz que é muito importante tratar bem os convidados. Às escondidas, Cremilda oferece ouro ao hunos em troca da morte de Hagen. Quando temos a grande festa, estoura a guerra, com os hunos atacando o castelo de Átila para atacar os burgúndios. Hagen mata o filho de Átila e Cremilda,  o que vai fazer Átila permitir o ataque dos hunos. Entretanto, os hunos, mesmo sendo em maior número, não conseguem derrotar os burgúndios, que ficam sitiados no palácio de Átila. Cremilda, então, exige que Rüdiger ataque os burgúndios. Rüdiger, de origem burgúndia e cuja filha se casou com um dos irmãos de Cremilda, reluta mas é obrigado a atacar os burgúndios, o que provoca a morte do seu genro. Mas Hagen permanece vivo, juntamente com Gunther e mais alguns nibelungos. Enfurecida, Cremilda ordena que os hunos incendeiem o palácio. Todos os Nibelungos serão mortos, exceto Gunther e Hagen, que são trazidos à presença de Hagen. Gunther é decapitado e Cremilda mata Hagen com uma espada, mas é morta por um vassalo de Rüdiger. Átila pede que o corpo de Cremilda volte para a Burgúndia para ser enterrado ao lado de Siegfried, seu grande amor.

Die Nibelungen, part II. | German postcard. Ross Verlag, No.… | Flickr
Um casamento que será destruído pelo ódio da vingança…

A parte 1 de “Os Nibelungos” foi mais lúdica e decorativa, com o assassinato de Siegfried e a vingança e morte de Brunilda mais ao final do filme. Em “A Vingança de Cremilda”, o decorativo também aparece em alguns momentos na Burgúndia, mas o foco do filme é maior no reino dos hunos, muito mais sombrio. Um reino considerado bárbaro pelos europeus (o estranhamento na face de Cremilda é evidente quando ela chega ao reino dos hunos, com Átila colocando sua manta no chão para ela passar por cima de uma poça de lama dentro de seu próprio palácio). Mas, para Cremilda, vale tudo para executar sua vingança. Aliás, sua indumentária é curiosa nessa película. Se no primeiro filme, Cremilda tinha roupas claras e douradas, aqui prevalece mais o negro do luto, mas com alguns detalhes em branco, como se a Cremilda do primeiro filme estivesse ali no fundo da Cremilda possuída pelo ódio e sentimento de vingança. Ela conseguia ser extremamente implacável e obcecada pela morte de Hagen, mas sofria quando via seus irmãos sofrendo nessa sua empreitada. Ou seja, mais uma vez o duplo. Ao final, o filme confirma a lição da primeira parte:a vingança, além de não levar a nada, ainda provoca a destruição, respingando até em pessoas próximas. Se a família de Cremilda foi desmantelada, incluindo a própria, Átila perdeu seu herdeiro e seu castelo, além da morte de muitos hunos. O que impressiona aqui é toda a importância dada à fidelidade feudal dos irmãos de Cremilda para com Hagen. Durante a Idade Média, o pacto de fidelidade feudal era estabelecido quando um senhor feudal fazia um favor para um segundo senhor feudal, sendo que esse segundo senhor feudal era obrigado a retribuir o favor, passando a obrigação de retribuição para o primeiro senhor feudal e assim sucessivamente. A quebra de tal pacto era considerado algo tão imoral que o senhor feudal que quebrasse o pacto era desprezado por todos os demais, ficando sem ajudas quando precisasse de um favor, o que poderia significar a sua ruína (geralmente os favores eram de ordem militar, quando um senhor feudal emprestava o seu exército a outro para se defender de um ataque). A fidelidade entre esses homens não dava espaço para Cremilda executar a sua vingança, algo que ela fez não somente usando a sua inteligência e capacidade de manipulação dos homenes (leia-se Rüdiger e Átila), mas também com uma sagacidade de dar inveja a muitos varões. Entretanto, tudo fora em vão, pois Cremilda provocou a destruição total em seu ódio. Como diz sabiamente Lang: “A morte nunca é uma solução”.

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Uma Cremilda irredutível levará a catástrofe…

Dessa forma, “Os Nibelungos, Parte 2: A Vingança de Cremilda”, perde o lúdico da primeira parte da saga épica e mergulha no sombrio e na destruição provocados pela sede de vingança. Uma lenda teutônica que comprova a máxima de que “a vingança é a arma do otário”. E não deixe de ver o filme na íntegra abaixo.

https://www.youtube.com/watch?v=hIxFtJ57C_Y

Batata Movies – Os Nibelungos, Parte 1, A Morte De Siegfried. A Lenda, O Lúdico, O Decorativo.

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Cartaz do Filme

Dando sequência às análises de filmes de Fritz Lang, chegamos a “Os Nibelungos, Parte 1, A Morte de Siegfried” (“Die Nibelungen, Siegfried”, 1924). A obra ainda conta com ma segunda película, “A Vingança de Kremilda”, que será analisada posteriormente. “Os Nibelungos” deram um bom sucesso comercial, o que fez com que a produtora UFA desse a Fritz Lang carta branca para fazer uma superprodução que geraria “Metrópolis”. Esse é um filme baseado numa lenda medieval alemã, e dedicado a todo o povo alemão, como podemos ver no início da película. Para podermos analisar esse filme, vamos liberar os spoilers de noventa e seis anos.

Die Nibelungen: Siegfried (1924) directed by Fritz Lang • Reviews ...
Siegfried, um grande herói teutônico…

O filme gira em torno do herói Siegfried (interpretado por Paul Richter), filho do rei Siegmund, que aprendeu a forjar uma espada com seu mestre e não tinha mais o que aprender. De alguns aldeões tomou conhecimento do Reino da Burgúndia e da bela Cremilda (interpretada por Marguerete Schön). Irmã do rei Gunther (interpretado por Theodor Loos). Siegfried, em todo o seu heroísmo (e uma certa arrogância) viaja para a Burgúndia. No caminho, enfrenta um terrível dragão e o mata. Ao provar o sangue do dragão, entende a língua dos animais. Um pássaro o orienta a se banhar no sangue do dragão, o que vai deixar seu corpo invencível. Mas uma folha de tília cai caprichosamente sobre seu ombro enquanto se banha e aquela será a única região vulnerável de seu corpo. Siegfried ainda consegue tomar o tesouro dos nibelungos durante a viagem.

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Claro/escuro. Um personagem à parte…

Ao chegar a Worms, sede do reino burgúndio, Siegfried faz um acordo com o rei Gunther: em troca da mão de Cremilda em casamento, Siegfried, com seu manto mágico que o torna invisível, ajudará Gunther a desposar Brunilda (interpretada por Hanna Ralph), que só aceitará o homem que a vencer em três provas: arremesso de pedra, salto em distância e arremesso de lança. Mas Brunilda, depois de derrotada, descobrirá a farsa, quando ela desafia Cremilda e esta lhe conta do acordo entre Siegfried e Gunther, apesar de seu voto de silêncio. Cremilda diz o segredo, pois foi desafiada por Brunilda, sendo chamada por esta de “a mulher do vassalo”, já que essa era a posição de Siegfried com relação à Gunther. Brunilda, enfurecida, exige a morte de Siegfried e diz a Gunther, de forma mentirosa, que foi desvirginada por Siegfried. Hagen Tronje (interpretado por Hans Adalbert Schlettow) se oferece para mater Siegfried e, de forma sorrateira, diz a Cremilda que quer proteger o marido dela, perguntando onde é o seu ponto fraco para protegê-lo. Cremilda costura na roupa de Siegfried uma cruz onde fica seu ponto fraco. Numa caçada, Hagen finge apostar uma corrida com Siegfried até uma fonte e o atinge bem em seu ponto fraco com uma lança, matando-o. Brunilda também morre (ela se suicida) e Cremilda promete vingança a Hagen. Está pronto o terreno para a sequência, “A Vingança de Cremilda”.

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A luta com o dragão…

O filme tem tons de superprodução, a começar pelo dragão mecânico, de realismo realmente incrível para a sua época. Mas o que mais impressiona são os cenários e o figurino, fortemente decorados, atuando como personagens à parte, junto ao pronunciado claro/escuro expressionista. Escudos medievais ornados com motivos geométricos, as indumentárias obscuras e com asas de pássaros em Hagen e Brunilda, que contrastavam com o claro dourado das indumentárias de Siegfried e Cremilda, chamavam muito a atenção do espectador. Cenários gigantescos, como a grande silhueta sombria do castelo, ou a enorme escadaria frente à Igreja, onde as pessoas se dispunham em formas geométricas perfeitas mostram as características altamente decorativas do filme e são de forte impacto visual, sendo uma atração à parte e engrandecendo o filme, que, se trabalha o lúdico dentro da lenda medieval alemã, acaba sendo uma história de assassinato e vingança.

Fritz Lang's Nibelungen | Journey to Perplexity
Figurino altamente decorativo…

Hagen será o algoz perfeito de um SIegrfried heróico mas que também se investiu de uma arrogância desmedida, invadindo um reino e tomando suas posses (o tesouro dos nibelungos, o sangue do dragão e a mão de Cremilda) lnçando mão de um acordo com o rei Gunther para conquistar, pela força, a viril Brunilda. Brunilda, que, conquistada, e sabendo da farsa arquitetada por Gunther e Siegfried, exigiu a morte deste último. Brunilda, que foi consumida pelo próprio sentimento de vingança, caindo morta perante o corpo de Siegfried. Uma tragédia em torno da vingança que já seria uma espécie de aviso premonitório no que viria na segunda parte do filme. Mas, mesmo assim, Cremilda buscaria sua vingança, assim como ela promete para Hagen ao final do filme. A luminosa, dourada e ingênua irmã de Gunther, agora, consumida pelo ódio, assume tons sombrios em sua face e em seu espírito. Mais uma vez, o duplo aparece na obra de Lang, num presságio da tragédia que se vislumbra no horizonte.

Pin on film
Visual de Hagen impressiona…

Dessa forma, “Os Nibelungos, Parte 1, A Morte de Siegfried” pode ser considerado como uma das grandes obras da fase alemã e expressionista de Lang. Um filme onde o decorativo e o claro/escuro funcionam como personagens à parte, espelhando uma lenda medieval alemã que trabalha os temas do assassinato e da vingança. Vale a pena dar uma conferida no filme legendado em português na íntegra abaixo.

https://www.youtube.com/watch?v=HH1BjSZYJ-w

Batata Movies – A Morte Cansada. Uma Morte Blasé.

A Morte Cansada - 30 de Janeiro de 1922 | Filmow
Cartaz do Filme…

Mais um filme da fase alemã de Fritz Lang. “A Morte Cansada” (“Der Müde Tod”, 1921), é um clássico do expressionismo alemão e mostra uma curiosa faceta daquela que ninguém consegue evitar. Permitam-me uma pequena observação pessoal, mas essa é a minha personificação da morte preferida, batendo até a de “Sétimo Selo”, de Ingmar Bergman. É uma morte legal, embora um tanto blasé. Para podermos falar do filme, vamos ter que liberar os spoilers de noventa e nove anos.

Mostra traça panorama do cinema alemão com sessões gratuitas em ...
A morte. Sinistra, mas complacente…

O plot é o seguinte. Um jovem casal (interpretado por Lil Dagover e Walter Janssen) chega a uma cidade numa carruagem juntamente com um estranho homem. Ele compra um terreno público que seria usado como a extensão do cemitério local para fazer um jardim, que tem um muro intransponível. O casal e esse homem estão numa espécie de bar. A moça se retira momentaneamente e, quando volta, não vê mais seu amado nem o estranho homem. Depois de procurar, chega ao tal muro e encontra o estranho homem que é a morte (interpretado por Bernhard Goetzke). A moça implora para ter seu amado de volta, mas a morte diz que a hora dele chegou. A morte ainda diz que está cansada de fazer valer a vontade de Deus e de ser tão mal falada pelas pessoas. A morte conduz a moça a uma sala cheia de velas, algumas compridas, outras curtas, dizendo que cada vela representa a vida de uma pessoa e a duração da vida da mesma. Compadecida do sofrimento da moça, a morte mostra três velas que representam três pessoas de diferentes épocas que estão à beira da morte e, que se ela conseguir evitar uma dessas mortes, tem o seu amado de volta. Uma das velas é a de um francês que namora a irmã de um califa; outra é a de um amante de uma mulher prometida a um nobre da Veneza do século XVII e outra é a de um namorado de uma moça que é cobiçada por um Imperador da Antiga China. Nas três histórias, a moça falha em evitar a morte de seu amado. A morte lhe concede uma última chance, onde a moça terá uma hora para convencer alguém a substituir seu amado e morrer  no lugar dele. É claro que ela não logrará êxito. Mas, num incêndio, ela tenta pegar uma criança que está presa no fogo e, na hora de entregá-la à morte, ela desiste, entrega a criança pela janela à mãe, e volta para dentro da casa em chamas, sendo levada pela morte para seu amado, sacrificando-se, pois a vida solitária sem o amado não tem sentido.

Ciclo o Expressionismo Alemão: A Morte Cansada (1921) | Assim Era ...
Sala das velas. Imagem de grande plasticidade…

O que podemos falar desse filme em primeiro lugar? Deve ter sido uma produção um tanto complicada, já que três ambientes históricos tiveram que ser reproduzidos, exigindo muito do figurino e de uma quantidade razoável de figurantes. As histórias árabe e chinesa parecem ter sido as mais dispendiosas, ao passo que vimos algo um pouco mais econômico na história sobre a Veneza do século XVII, onde a interpretação de Rudolf Klein-Rogge (sempre ele!) como o futuro marido ao qual a personagem de Lil Dagover foi prometida foi primorosa. O filme ainda tem uma estética expressionista marcante, seja nas atuações de Lil Dagover, mesmo que elas tenham sido um pouco contidas em alguns momentos, seja no uso bem competente do claro/escuro, tanto nas locações externas quanto internas. A cena da sala onde estão as velas foi a de maior plasticidade e contraste do filme. Se Lil Dagover foi a protagonista e já nos brindou com sua competência, fazendo vários papéis no filme, além de ter mostrado seu talento camaleônico em “Harakiri” e “As Aranhas”, chama muito a atenção a morte de Bernhard Goetzke, onde sua face sinistra abriga, na verdade, uma morte piedosa e complacente, pois ela já está cansada de fazer a vontade de Deus e de ser mal falada por isso. Ou seja, entra um questionamento aí dos desígnios de Deus no filme que desperta a nossa curiosidade. E aí, o fato da morte dar algumas chances para a personagem de Lil Dagover tentar trazer seu amado de volta à vida pode soar como uma espécie de rebelião a esses desígnios divinos, como se a morte quisesse se isentar de provocar tanta tristeza e assinalar o verdadeiro responsável pelo fim da vida das pessoas, no caso Deus. Talvez ´possamos enquadrar a morte de facce sinistra e comportamento complacente de Bernhard Goetzke como mais um dos duplos expressionistas que povoam a filmografia de Lang.

All Classics: A Morte Cansada - Der Müde Tod
Cansada de cumprir os desígnios de Deus e ser amaldiçoada por isso…

Dessa forma, “A Morte Cansada” é uma grande película de Fritz Lang, seja pela estética das imagens em claro/escuro, seja pelas interpretações notáveis de Dagover e Goetzke, seja pela morte duplamente sinistra e complacente que não aguenta mais cumprir os desígnios de Deus e ser responsabilizada por isso. Um filme com três histórias dentro da história principal que primam pelos figurinos, excesso de figurantes e cenários. Não deixe de ver o filme na íntegra legendado em português abaixo.  

Batata Movies – Harakiri. Mergulho Na Cultura Oriental.

Harakiri (1919) - IMDb
Cartaz do Filme

Falemos de mais um filme da fase alemã de Fritz Lang. “Harakiri” (1919) é um mergulho total na cultura oriental, bem ao estilo do gosto do diretor, onde ele dá a sua leitura para “Madame Butterfly”. Para podermos falar desse filme, vamos liberar os spoilers de cento e um anos.

Harakiri (1919, Alemania), Fritz Lang. - YouTube
O-Take-San, uma mulher perseguida por um monge…

O plot fala de O-Take-San (interpretada por Lil Dagover), a filha de um Daimyo, Tokuyama (interpretado por Paul Biensfeldt), um nobre japonês entusiasta dos hábitos do Ocidente. Ao voltar de uma viagem, Tokuyama é repreendido por um monge budista (interpretado por Georg John), que diz que o Daimyo deve se apegar às tradições de seu povo e obriga O-Take-San a participar de um ritual a Buda. Devido aos seus hábitos ocidentais e a dizer que, para ele, O-Take-San tem a liberdade de participar ou não do ritual budista, Tokuyama é chamado à atenção pelo Imperador (influenciado pelo monge) e é obrigado a cometer harakiri para restaurar sua honra. O-Take-San conhece o oficial da marinha holandesa Olaf Anderson (interpretado por Niels Prien, quando este invade o jardim sagrado onde O-Take-San é mantida pelo monge. Mas O-Take-San é retirada à força de lá para se tornar uma gueixa, e vai para o prostíbulo de Yoshiwara, onde reencontra Olaf. O dono de Yoshiwara diz que, se Olaf quer ficar com O-Take-San, ele deve permanecer casado mil dias com ela. Se isso não tiver acontecido ao final dos mil dias, O-Take-San volta a ser uma gueixa. Olaf se casa com O-Take-San, a engravida e volta para a Europa, prometendo voltar antes dos mil dias. Mas se casa com uma europeia e deixa O-Take-San com um filho e um aluguel a pagar depois de três anos. Enquanto isso, o príncipe Matahari (interpretado por Meinhart Maur) se apaixona por O-Take-San, a protege das investidas do monge e do dono da casa alugada onde ela vive, mas mesmo assim O-Take-San insiste no seu amor por Olaf. O oficial europeu volta ao Japão com sua esposa. O-Take-San, que passava os dias na praia esperando as embarcações vindas da Europa, se entusiasma e prepara a casa com muitas flores, mas Olaf não aparece. Sua amiga vai falar com Olaf, que se nega a ir. A esposa de Olaf decide ir. Quando O-Take-San descobre que Olaf está casado, ela se sente desonrada e a única alternativa a ela é o harakiri. A esposa de Olaf pega o filho de O-Take-San e leva junto para criar com o pai que não honrou seu compromisso.

Harakiri (1919 film) - Wikipedia
Paixão por Olaf…

É uma história trágica, sem dúvida. Mas devemos ver aqui como Lang a trabalhou. Esse é um filme onde a cultura japonesa foi exaltada em sua plenitude. Se o monge japonês lançava mão da tradição para oprimir O-Take-San, também fica claro no filme que ele o fazia com interesses escusos, como se Lang quisesse dizer que não era a cultura a culpada pelo sofrimento de O-Take-San, mas sim a perversidade do monge. A questão da honra e da fidelidade ao amado por parte de O-Take-San, a ponto de se recusar a ter uma vida confortável com um príncipe, mostra a virtuosidade da personagem que não abre mão de sua honra quando vê seu amor desmoronar, cometendo o harakiri. Lang enfatiza bem que, para o japonês, é impossível viver sem a sua honra, com a morte sendo a única alternativa para restaurá-la, enquanto que o europeu Olaf, ao abandonar O-Take-San grávida, casada e esperançosa de uma promessa a ser cumprida, jogava a sua honra no lixo com um simples dar de ombros.

TeleCineBrasil: Harakiri - Madame Butterfly - Fritz Lang - 1919
Filme tem grande preocupação com a decoração e o figurino…

O filme tem momentos de muitas plasticidade das imagens. A festa na casa de Tokuyama, onde vemos um lago com muitos barcos, é de grande beleza, num filme que prima muito pela decoração dos interiores e figurino. As cenas de O-Take-San na praia, com olhar perdido no horizonte, à espera do amado, são de uma melancolia muito tocante. Não é à toa que o nome de Lang foi pensado para a direção de “O Gabinete do Dr. Caligari”, mas o produtor Erich Pommer preferiu usar o diretor para a sequência de “As Aranhas”.

Harakiri (aka, Madame Butterfly) (Fritz Lang, 1919) – Offscreen
O-Take-San opta pelo harakiri à desonra…

Dessa forma, “Harakiri” é um filme de Lang que exalta de uma certa forma a cultura oriental, mencionando o extremo do ritual do harakiri como uma prova da preocupação dos japoneses com a honra. Além disso, o filme de Lang tem grande plasticidade nas imagens, com preocupações em decorações, figurino, mas também com uma imagem de O-Take-San na praia, carregada de sentimentos de melancolia. Vale a pena ver o filme abaixo, com intertítulos em espanhol.