Batata Movies – O Grande Segredo. Corrida Contra A Bomba Atômica.

Cloak and Dagger (1946) - Gary Cooper as Prof. Alvah Jesper - IMDb
Cartaz do Filme

Mais um filme “Noir” da fase americana de Fritz Lang. “O Grande Segredo” (“Cloak and Dagger”), de 1946, traz um thriller de espionagem, ou seja, um filme com uma temática um pouco diferente das analisadas aqui, e com a grande presença do consagrado ator Gary Cooper no papel principal. Com todos esses requisitos, o filme prometia muito. Para podermos conversar sobre essa película, os spoilers de setenta e seis anos estão liberados.

Win Fritz Lang's Cloak and Dagger on Dual Format - Entertainment Focus
Alvah Jesper, um cientista que vai se tornar um espião…

O filme fala do cientista Alvah Jesper (interpretado por Cooper), que é “convidado” pelo governo dos Estados Unidos a investigar porque alguns cientistas alemães usam determinadas substâncias químicas. Depois de uma análise preliminar, Jesper constata que essas substâncias têm relação com a construção de bombas atômicas. Nosso cientista terá então que trabalhar como um espião para que ele consiga entrar em contato com uma cientista que é obrigada a trabalhar para os nazistas. A ideia é resgatá-la e trazê-la para os aliados. Mas o plano é descoberto e ela é sequestrada pelos nazistas. O plano de resgate da cientista é um fracasso total e ela acaba sendo assassinada.

Gary Cooper's classic thriller Cloak and Dagger is coming to Blu ...
Uma missão, às vezes, pode dar errado…

Vai restar a Jesper ir atrás de outro cientista italiano (Polda, interpretado por Vladimir Sokoloff) que trabalha para os nazistas, mas ele não quer deixar o seu posto, já que sua filha foi praticamente tomada como refém. Jesper propõe a ele que sua filha também seja resgatada. Tal tarefa caberá a dois italianos da resistência. Enquanto eles resgatam a filha de Polda, Jasper fica num compasso de espera com outra membro da resistência, Gina (interpretada por Lili Palmer) e uma paixão desperta entre os dois. A tal filha é resgatada, mas no ponto de encontro ela se revela uma espiã nazista (a filha já havia morrido há seis meses) e o esconderijo da resistência estava cercado por alemães. Jasper, Gina e Polda conseguem fugir por uma saída secreta e levam o cientista para um avião à espera de Jasper e Polda. Gina decide não ir, pois há poucos membros da resistência e ela precisa ficar para lutar. Jasper promete que voltará para encontrar Gina.

Cloak and Dagger (Fritz Lang 1946) | another film blog
Jesper e Gina se aproximam…

O filme, apesar de nos apresentar um tema envolvente, tem uma certa descontinuidade no roteiro, pois começa com uma boa história de espionagem e vai nessa vibe até o momento em que será feito o resgate da filha de Polda, começando um romance entre Jesper e Gina. Não que esse romance não tenha tido lances interessantes como, por exemplo, a maior experiência em campo da guerrilheira, se desvencilhando de possíveis armadilhas dos nazistas, além de (e esse foi o momento mais interessante dessa sequência) presenciarmos as diferentes visões de mundo de um americano que não sofre as mazelas da guerra em seu solo pátrio e da membro da resistência que tem o seu continente arrasado pela batalha, com sua vida cotidiana totalmente destroçada, vida essa que lhe faz muita falta. Essa segunda parte mais romântica da película também não abandonou o suspense e tivemos aqui talvez a sequência mais violenta do filme, onde Jesper entrou em luta corporal com um dos agentes que vigiavam Polda, matando-, algo que abalou o cientista, conhecendo de vez a realidade de uma guerra, e sendo amparado por sua amante que tinha uma experiência mais profunda com tal mazela.

CZARADOX: CLOAK AND DAGGER (Lang, 1946) : Romance de ''capa e espada''
Sequência da luta corporal de Jesper. Talvez a mais impactante e violenta do filme.

Do ponto de vista dos elementos caros aos outros filmes de Lang, aqui tivemos espaço somente para algumas sequências mais escuras, consagrando o “Noir”. Não tivemos muito espaço para as “culturas primitivas” ou para alucinações e oníricos dessa vez.

Cloak and Dagger (1946) - Toronto Film Society
Gina conforta Jesper, que nunca havia matado…

Dessa forma, apesar da descontinuidade de um roteiro inspirado numa obra literária, “O Grande Segredo” ainda assim é um filme digno de atenção. Vemos uma história de espionagem onde missões podem dar errado e um bom suspense com um romance de intruso, mesmo assim um romance que mostra como americanos e europeus podiam ter diferentes visões da guerra, pois Jesper confessa que até pensou em ser espião numa fase de sua vida, quando tinha oito anos, mas precisou fazer isso na idade adulta onde a espionagem poderia até ser uma questão de sobrevivência para os europeus, empenhados em destruir o nazismo, o mal maior. E aproveitem o filme na íntegra abaixo.

https://www.youtube.com/watch?v=mYJr2r_RIy4

Batata Movies – Um Retrato De Mulher. Uma História Dentro De Outra.

Um Retrato de Mulher - 1944 | Filmow
Cartaz do Filme

Mais um filme da fase americana de Fritz Lang. “Um Retrato de Mulher”, realizado em 1944, traz vários integrantes do elenco de “Almas Perversas”, que seria realizado um ano depois. Outro elemento em comum nesses dois filmes foi o relacionamento entre um casal com diferença de idade, os elementos de sempre do “Noir” e do subjetivo. Mas as diferenças param por aí. O suspense volta com força total nessa película. Vamos novamente lançar mão de spoilers de setenta e seis anos.

Um Retrato de Mulher (Fritz Lang, 1945) | Cine Cafe
Uma mulher e seu retrato…

Vemos aqui a história do Professor Richard Wanley (interpretado por Edward G. Robinson), especializado em direito criminal. A sua esposa e filhos viajam e ele está sozinho numa espécie de clube com seus amigos. A conversa é amistosa e gira em torno de um quadro de uma moça jovem numa galeria próxima. Eles falam divertidamente de como seria um suposto amor entre um homem mais velho e uma moça mais nova (devemos nos lembrar que esse é um filme rodado em 1944, quando assuntos dessa magnitude eram considerados muito mais um tabu do que hoje em dia). Os amigos de Wanley vão embora e este começa a ler um livro, pedindo para o funcionário do clube avisá-lo quando for dez e meia da noite, enquanto lê um livro. Wanley adormece e é acordado pelo funcionário na hora pedida. Ao sair do clube, ele se depara com o quadro da jovem e uma mulher igual a do quadro começa a falar com ele na rua. Seu nome é Alice Reed (interpretada por Joan Bennett). Os dois começam uma amizade, vão para um bar e depois para a casa de Alice. Um homem entra na casa, aparentemente um amante de Alice e começa a estrangular Wanley. Este, para se defender, pega uma tesoura e dá nas costas do estranho, matando-o. Diante do problema, Wanley precisa se desfazer do corpo do estranho, levando-o para longe da cidade e jogando-o no matagal de um parque. Parecia a ocultação de cadáver perfeita. Mas um dos amigos de Wanley se interessa pelo caso, pois o tal estranho morto é um rico empresário. E acompanha as investigações da polícia, que se atém aos mínimos detalhes e vai encontrando as pistas para montar o quebra-cabeça que chega ao assassino. Tudo isso sob o olhar atônito de Wanley que jamais imaginou que uma investigação policial fosse tão minuciosa. Para piorar a situação, o tal empresário tinha um guarda-costas, Heidt (interpretado por Dan Duryea), um homem de má índole que vigiava todos os passos de seu patrão e percebeu que ele desapareceu na casa de Alice. Heidt vai começar a chantageá-la e a moça comunica o fato a Wanley, que bola um plano para matar o guarda-costas, colocando uma dose excessiva de tranqüilizantes numa bebida que será servida para o chantagista. Mas ele descobre o plano e cobra ainda mais dinheiro de Alice. Desesperada, ela liga novamente para Wanley, que não sabe o que fazer e ele mesmo toma a dose excessiva de tranqüilizantes para se matar. Só que Heidt é morto pela polícia e é tido como o assassino do empresário, já que ele pegou uma jóia com as iniciais de seu chefe na casa de Alice. A moça tenta, desesperadamente, avisar Wanley, mas este já se encontra morto. Ou melhor, dormindo, com o funcionário do clube avisando-lhe que são dez e meia da noite. Ou seja, toda a trama que vimos na película não passa de um sonho de Wanley, onde o empresário morto é o funcionário que guarda os chapéus e casacos do clube e o chantagista é o porteiro do clube. Na rua, Wanley se depara novamente com o quadro e uma moça fala novamente com ele. Se lembrando do sonho, Wanley, comicamente, sai correndo pela rua.

Um Retrato de Mulher - 24/02/2012 - Ilustríssima - Fotografia ...
Precisando encobrir um assassinato…

Confesso que quando vi esse filme, me lembrei de “O Gabinete do Dr. Caligari”, que tem essa mesma estrutura de uma história dentro da outra. Mas em Caligari, a história de dentro desafiava as autoridades alemãs e a história de fora tira esse peso, dizendo que todos os personagens que desafiavam a autoridade na história de dentro eram loucos de um hospício. Aqui, a história de fora restaura o happy end subtraído da história de dentro, que tem um desfecho trágico. Mas o mais interessante é que a história de dentro é totalmente onírica, um sonho mesmo. Ou seja, toda a trama principal do filme não passa de uma invenção da cabeça do protagonista, um sonho, uma alucinação, com um quê totalmente subjetivo. A história de dentro também é um suspense policial de mão cheia, onde a ironia fina está no fato de que um professor de direito penal vai ter obrigado a cometer um homicídio e a ocultar um cadáver. Ou seja, nosso protagonista vai ter que encarar, na prática, questões que ele encarava apenas teoricamente. E aí, o claro/escuro do “Noir” vem com toda a sua força, sobretudo nas cenas onde Wanley toma todos os procedimentos para ocultar o cadáver, seja apagando as luzes do apartamento de Alice, seja na ocultação do corpo em si, numa floresta à noite. A busca por pistas e as teorias sobre o assassinato elaboradas pelos investigadores nos mostram também um roteiro (diga-se de passagem adaptado) bem escrito.

Fritz Lang faz 125 anos | Veja todo o conteúdo audiovisual ...
Ameaçada por um chantagista…

A máscara externa de happy end estraga um pouquinho as coisas mas, pelo menos, o desfecho foi cômico, o que destoou completamente do filme todo e foi uma pequena surpresa agradável ao seu final.

CINEMATIKO: 2733 - UM RETRATO DE MULHER
Sem coragem para encarar uma mulher mais nova depois de um pesadelo…

Assim, “Um Retrato de Mulher”, é mais um bom filme da fase americana de Frritz Lang.  Um filme que repete elenco, as fórmulas do “Noir” e do subjetivo, dá mais uma boa história de suspense que não abriu mão do happy end, mas que teve um desfecho trágico na história de dentro. O desfecho trágico viria no filme seguinte, “Almas Perversas”.  E não deixe de ver o filme completo abaixo.

Batata Movies – Almas Perversas. Artes Plásticas, Golpe Do Baú, Assassinato E Arrependimento.

Almas Perversas - Limão Mecânico
Cartaz do Filme…

Mais um filme da fase americana de Fritz Lang. “Almas Perversas” (“Scarlet Street”, 1945) mostra novamente os elementos vistos aqui nos outros três filmes analisados do diretor: um claro/escuro bem ao gosto de um “Noir” com tons expressionistas, e um filme que expressa estados interiores da alma. A alusão a culturas africanas, asiáticas e da Oceania é, entretanto, deixado de lado um pouco aqui. Mas podemos ver um forte drama de tons levemente policiais mais ao final, indo um pouco diferente da vibe dos filmes anteriores, mais regados a um suspense. Vamos falar aqui do filme, lembrando que os spoilers de setenta e cinco anos estão liberados.

Almas Perversas / Scarlet Street – 50 Anos de Filmes
Christopher Cross, um homem solitário…

Qual é o plot dessa película? Vemos aqui a vida de Christopher Cross (interpretado por Edward G. Robinson), um bancário que gosta de pintar quadros nas horas vagas. Funcionário exemplar, Cross lamenta não ter tido um grande amor. Ele, para não ficar sozinho, casou-se com uma viúva que o tripudia constantemente. Um belo dia, ele encontra uma mulher sendo agredida por um homem na rua e vai defendê-la. O homem foge. Cross fica então sabendo que a moça se chama Kitty (interpretada por Joan Bennett) e começa uma amizade com ela, apesar da nítida diferença de idade entre os dois. O grande problema aqui é que o homem que agredia Kitty era Johnny (interpretado por Dan Duryea), o namorado da moça e um tremendo de um vigarista mau caráter. Ele vai combinar com Kitty de se aproveitar da amizade com Cross para arrancar dinheiro dele. Kitty, apesar de titubear em passar para trás Cross, também não é uma pessoa muito virtuosa e entra na jogada. Ela consegue fazer com que Cross alugue um apartamento para ela, onde ele também vai usá-lo como ateliê, já que sua esposa, na sua chatice insuportável, ameaça jogar seus quadros fora. Como se não bastasse, Johnny e Kitty conseguem vender seus quadros, que são reconhecidos como grandes obras de arte, a altos preços, com Kitty assumindo a autoria. Cross, sempre benevolente, aceita tudo isso. Até que o antigo marido da esposa de Cross retorna. Ele, que era visto como uma pessoa virtuosa, era também de um caráter duvidoso, e chantageia Cross para que ele não avise a esposa que está vivo.

Scarlet Street (1945)
Humilhado pela esposa…

Cross, que não aguenta mais a esposa, praticamente a entrega de mãos beijadas, para se casar com Kitty. Mas essa zomba das atitudes de Cross e o ofende tanto quanto a esposa dele o fazia. Cross, que passou a roubar dinheiro do caixa do banco para sustentar Kitty, e ainda aceitou que ela assumisse a autoria de seus quadros, entra em desespero e mata Kitty com um picador de gelo. O grande detalhe aqui é que, de acordo com todo o rumo dos acontecimentos, Johnny foi responsabilizado e incriminado pelo homicídio, sendo condenado à morte. A Cross restou perder o emprego, pois seu patrão descobriu o desfalque, mas não queria colocá-lo na cadeia pelos longos anos e por ter compreendido que Cross se perdeu por causa de uma mulher. Tudo parecia que ia acabar bem para Cross, à despeito da perda do emprego. Mas, numa viagem de trem, ele conversa com três pessoas e uma delas fala uma coisa que irá lhe martelar a cabeça: nenhum criminoso escapa de sua pena. Mesmo que ele seja julgado e inocentado, ou nem isso, a sua consciência irá lhe aplicar a punição. E é isso que acontece com Cross, que tem a sua vida completamente destruída por não suportar a culpa de ver o casal que tentava lhe aplicar um golpe acabar morto. E o desfecho da película é melancólico, com Cross vagando pelas ruas como um mendigo atormentado pelas vozes dos vigaristas mortos.

Scarlet Street – Wikipédia, a enciclopédia livre
Eis que entra Kitty em sua vida…

Uau! Se compararmos esse filme com os outros três analisados aqui, podemos começar realmente pelo fim, ou seja, aqui o happy end foi violentamente chutado para escanteio, ao contrário do que vimos em “Gardênia Azul”, “Maldição” e “O Segredo da Porta Fechada”. Edward G. Robinson, conhecido por filmes de gangster, aqui é a figura humana boa e sensível por excelência, expressa claramente em seu próprio nome Christopher Cross. Nosso protagonista foi sempre infeliz no amor, mergulhando num casamento humilhante justamente para não ficar sozinho. Ponto para a atriz Rosalind Ivan, que fez Adele, a esposa velha, feia e agressiva, que tripudiava de Cross o tempo todo e o obrigava a lavar a louça e botar avental, na sociedade ultramachista de 1945. Tentando escapar desse inferno, ele cai nas garras de Kitty, que o explora juntamente com Johnny, obrigando-o a roubar o caixa do próprio banco onde trabalhava com honestidade. Não é à toa que o título do filme em português é “Almas Perversas” (geralmente, os títulos em português que arrumam para os filmes aqui no Brasil não têm nada a ver com o título original; no nosso caso aqui essa receita se repete, já que o título original é “Scarlet Street”; entretanto, poucas vezes um título em português esteve tão adequado ao contexto do filme). Cansado de ser mal tratado por todos os lados, comete o homicídio e sai praticamente incólume dele.

1001 Classic Movies: Scarlet Street
As coisas não parecem ir muito bem…

Mas sua boa índole não consegue viver com o sentimento de culpa e provoca sua ruína. Aqui entra o Fritz Lang raiz, que transforma todo esse drama psicológico no obscuro do “Noir”. As alucinações de Cross, ouvindo as vozes de Kitty e de Johnny se dão num quarto escuro. E o fim de Cross é vagando nas ruas à noite, tido como louco e desacreditado em suas confissões de culpa. Mais uma vez o subjetivo aqui se estabelece, sendo que dessa vez de forma extremamente trágica, um fim bem expressionista que não se deixou contaminar pelo happy end americano como nos outros filmes examinados aqui.

Almas Perversas (Fritz Lang, 1945) – Análise Indiscreta
Um quadro que desafia um homem arrasado…

É interessante perceber também que o subjetivo aparece de uma outra forma, que é a visão do artista plástico e do valor das obras de arte, sobretudo quando Cross pinta uma florzinha bem ordinária num copo como algo fulgurante e vistoso. Aliás, os quadros desse filme são realmente grandiosos, sobretudo o autorretrato de Kitty, que desafia a decadência de Cross ao final da película, sendo o castigo final para esse personagem que apenas ousou ser feliz, mas que as almas perversas do mundo não o permitiram. Talvez as artes plásticas aqui façam o papel das culturas primitivas das quais Lang tanto gosta, sendo outra herança expressionista, já que temos aqui uma pintura bem moderna. Só para darmos a autoria dos quadros, elas são de John Decker, qe trabalharva na parte de arte de filmes.

Outra coisa da qual não podemos nos esquecer. Temos aqui um excelente roteiro, pois toda a sequência de eventos do filme, que tinham como objetivo desgraçar a vida de Cross, acabaram ajudando a inocentá-lo do crime que ele cometeu. A gente só percebe isso depois que vemos os depoimentos dos personagens do filme no processo contra Johnny. Ou seja, devemos dar créditos para os autores do romance no qual foi inspirado o roteiro, Georges de La Fouchardière e André Mouëzy-Ëon, além do roteirista Dudley Nichols.

Almas Perversas (Fritz Lang, 1945) | ''O cinema não tem fronteiras ...
DEsfecho melancólico e trágico…

Dessa forma, podemos dizer que o filme “Almas Perversas” pode ser encarado como uma obra-prima de Lang em sua fase americana, considerado pelo próprio diretor um de seus filmes preferidos. Mais um filme “Noir”, só que muito mais fundeado no drama psicológico e no subjetivo, sem direito a um happy end. Um filme memorável que você poderá assistir na íntegra logo aí embaixo.

Batata Movies – Gardênia Azul. A Alucinação Como Protagonista.

Dvd - A Gardênia Azul - ( The Blue Gardenia ) Fritz Lang - R$ 60 ...
Cartaz do Filme…

Mais um filme de Fritz Lang em sua fase americana. “Gardênia Azul”, de 1953, traz novamente o claro/escuro do “Noir” inspirado no expressionismo, os elementos das culturas chamadas “primitivas”, de que Lang tanto gosta, um suspense regado a alguns sustos aqui e ali, mas, principalmente, a alucinação como o elemento-chave do filme.

DIÁRIO DE UM CINÉFILO: A GARDÊNIA AZUL (The Blue Gardenia)
Norah, uma mulher que vai encarar um pesadelo…

O plot é relativamente simples. Três amigas que vivem juntas dividem suas confidências. Crystal (interpretada por uma carismática Ann Sothern) reata com o ex-marido. Sally (interpretada por Jeff Donnel) é uma mocinha engraçada que adora histórias policiais de suspense e assassinato, sendo um interessante alívio cômico para o filme. E Norah (interpretada por uma vistosa Anne Baxter) é a nossa protagonista, que trabalha como telefonista. Um pintor de calendários de mulheres sensuais, Harry Prebble (interpretado por Raymond Burr) foca na companhia telefônica azarando as telefonistas e consegue o telefone de Crystal. Norah recebe a carta de seu namorado, um soldado que está na Guerra da Coreia. Ao ler a carta, seu namorado diz que conheceu outra mulher e vai casar com ela. Desnorteada, Norah atende o telefone em casa. É Prebble atrás de Crystal. Norah, num impulso, se faz de Crystal e marca um encontro num night club chamado Gardênia Azul. Lá, sob a música cantada por ninguém mais, ninguém menos que Nat King Cole, Norah fala do que aconteceu para Prebble, que começa a servir deliberadamente uma bebida inspirada na Polinésia para Norah ficar bêbada. Prebble leva a moça para o seu apartamento e tenta pegá-la à força. Vemos que Prebble é assassinado e, tudo indica que foi Norah quem o matou. A moça, mergulhada em alucinações por causa da bebida, vai para casa e de nada se lembra. No dia seguinte, ela descobre que Prebble foi assassinado e que a polícia investiga o paradeiro da criminosa, pois foi encontrado um sapato feminino no local do crime. Desesperada, Norah busca escapar de ser apanhada. Para isso, ela vai contar com a ajuda do repórter Casey Mayo (interpretado por Richard Conte), que escreveu uma carta no jornal para a assassina pedindo que ela entrasse em contato com ele. E é o que Norah faz.

Yoshiwara´s World: Resenha de Filme - A Gardênia Azul.
Norah vai ter uma decepção com o namorado, combatente na Coreia…

Se compararmos esse filme de Lang com os outros dois analisados aqui, “O Segredo da Porta Fechada” e “Maldição”, esse é um “Noir” menos escuro. Temos momentos pontuais de escuridão no filme como, por exemplo, no momento em que Norah lê a carta do namorado e a cena do assassinato em si. A alusão à cultura da Polinésia no drink que embebeda Norah assinala bem essa característica de Lang de exaltar tais culturas. Em “O Segredo da Porta Fechada” vemos as máscaras na parede apenas, por exemplo. Mas aqui a questão da alucinação, tão ligada ao subjetivismo do expressionismo, é a mais presente dentre as características desses filmes de Lang “Noir” nos Estados Unidos. É a alucinação que encobre a cena do assassinato em que Norah está envolvida. É a alucinação que quase condena Norah e oculta sua inocência. Alucinação que foi tão cara ao expressionismo e atravessou o Oceano Atlântico juntamente com Lang.

Gardênia Azul - Filme - Cinema10.com.br
Prebble tenta pegar Norah à força…

Como Norah é inocente, fez-se a opção pelo happy end. Um fim que, inclusive, foi bem levinho, com o alívio cômico das três personagens protagonistas falando das táticas de se lidar com homens. Ou seja, se há a tensão do suspense, esse é um filme de Lang que tem elementos pontuais de humor que não vimos nos outros dois filmes analisados aqui. Humor que consegue conviver com o pesado do “Noir” de uma forma bem pertinente e com bom gosto, não sendo um elemento estranho à película.

The Blue Gardenia (Gardenia Azul) (1953) de Fritz Lang – Cinema ...
Casey Mayo vai ajudar (?) Norah…

Dessa forma, “Gardênia Azul” é mais um bom “Noir” da fase americana de Lang, que mantém os elementos expressionistas do diretor, o amor pelas culturas primitivas e um certo protagonismo das alucinações, que encobrem a cena principal do filme. O humor e o toque feminino caíram como uma luva nessa história pesada que tem um happy end regado a uma leveza bem coerente. Vale a pena a conferida abaixo.   

Batata Movies – Maldição. Assombrado Pelo Próprio Crime.

Maldição - 1950 | Filmow
Cartaz do Filme

Mais um filme de Fritz Lang. “Maldição” foi realizado em 1950, logo após “O Segredo da Porta Fechada” e segue a mesma pegada “Noir” e expressionista. Entretanto, aqui vemos uma história que pega mais para o policial e o suspense não sem usar o drama psicológico, tão caro ao subjetivismo do cinema expressionista. Para podermos falar desse filme, vamos lançar mão de spoilers de setenta anos.

Maldição 1950, clássico noir de Fritz Lang, filme completo e ...
Stephen assassina sua serviçal

O plot gira em torno do escritor Stephen Byrne (interpretado por Louis Hayward), um homem de pouquíssimo caráter que vai investir sexualmente contra Emily (interpretada por Dorothy Patrick), a serviçal de sua casa, que começa a gritar. Para silenciá-la, Stephen estrangula a moça até matá-la. Pouco depois que acontece o crime, chega o irmão de Stephen, John Byrne (interpretado por Lee Bowman), que descobre todo o ocorrido e, depois de alguma relutância, ajuda o irmão a esconder o corpo. Eles vão colocar o corpo da moça num saco para colocar lenha e vão jogá-lo no rio, amarrado a uma âncora. É claro que a relação entre os irmãos não vai ficar a mesma depois disso. Stephen, em todo o seu mau caratismo, vai conseguir escrever um grande romance sobre assassinato, totalmente baseado no seu crime e terá muitas vendas. Entretanto, a imagem de um peixe pulando no rio na hora em que eles ocultam o corpo irá atormentá-lo. Já John fica num descontrole emocional por ter participado da ocultação do cadáver. Para piorar a situação, o corpo se soltou da âncora, apareceu boiando no rio e o saco tinha o nome de John, já que ele o tinha emprestado ao irmão. O corpo foi descoberto pela polícia e houve um julgamento onde não havia provas para incriminar os irmãos, mas a opinião pública havia escolhido um culpado: John. Entre os dois irmãos estava Marjorie (interpretada por Jane Wyatt, a Amanda de “Jornada Para Babel” da série clássica de Jornada nas Estrelas; isso mesmo, caro leitor, a mãe do Spock fez um filme com o Lang em 1950!!!). esposa de Stephen, mas apaixonada por John, pois o mau caratismo do marido e a displicência com o irmão que era uma pessoa digna e correta, atraiu a moça cada vez mais para o cunhado. Isso desperta uma raiva em Stephen, que vai tomar uma atitude drástica para encobrir ainda mais a sua participação no crime. Mas…

Lee Bowman, Louis Hayward, 1950. News Photo - Getty Images
Dando um sumiço no corpo com a ajuda do irmão John…

Se fizermos uma comparação desta película com “O Segredo da Porta Fechada”, vemos que “Maldição” trabalha menos a questão do claro/escuro, mas ainda assim, ele está lá, principalmente nas cenas de interiores da casa e nas cenas noturnas do rio, onde a coisa era bem mais fantasmagórica. O psicológico também é bem menos trabalhado em “Maldição” mas ele vai ter um papel crucial no desfecho do filme, sendo as alucinações de Stephen o seu verdadeiro castigo para todo o seu mau caratismo. Esse é um filme onde o suspense policial toma contornos maiores, pois há um assassinato, uma ocultação de cadáver, uma investigação policial e até um julgamento. Mas crio que um dos elementos mais interessantes do filme foi a construção dos personagens dos irmãos, ligados ao crime, mas muito diferentes em caráter, com a personagem de Marjorie transitando entre eles. Os relacionamentos eram notadamente mais intensos e marcantes, o chamou muito a atenção para o talento dos atores principais que correspondeu à exigência dos papéis.

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Marjorie. Entre dois irmãos…

Dessa forma, “Maldição” é mais outro “Noir” expressionista de Fritz Lang que chama muito a atenção. Um filme onde claros/escuros e dramas psicológicos foram menos intensos do que em “O ASegredo da Porta Fechada”, mas que foram compensados pela pegada policial e pelos personagens bem construídos. Vale a pena uma visita.

Batata Movies – O Segredo Da Porta Fechada. “Noir” Com Gosto Expressionista Raiz.

O Segredo da Porta Fechada - 1947 | Filmow
Cartaz do Filme

Dia desses, fuçando no Youtube, encontrei essa pequena pérola. “O Segredo da Porta Fechada”, de 1947, é um daqueles filmes “noir” que nos impressiona, principalmente por suas ligações íntimas (eu diria até carnais) com o expressionismo alemão. E ninguém mais, ninguém menos do que o próprio Fritz Lang, que produziu e dirigiu o filme, para fazer essa ligação. Este é um filme onde vemos como toda a bagagem cultural do cinema alemão da década de 20 e 30 ajudou a enriquecer o cinema hollywoodiano do imediato pós-guerra. Para podermos falar da película aqui, vamos ter que lançar mão de spoilers, ainda que eles já tenham mais de setenta anos.

O Segredo da Porta Fechada - 1947 - filme completo e legendado ...
Celia se abre ao espectador logo no início do filme…

O plot é o seguinte. Vemos aqui Celia (interpretada por uma deslumbrante Joan Bennett), uma mulher que narra a película em primeira pessoa. Ela fala de suas visões e sentimentos mais íntimos numa conversa aberta com o espectador. Fala da perda do irmão, da proposta que recebeu de um homem e de como havia encaminhado um enlace matrimonial. Mas uma viagem ao Mèxico transformaria sua vida, quando ela conhece Mark Lamphere (interpretado por Michael Redgrave, pai de Vanessa Redgrave), o editor de uma revista falida, pela qual se apaixona instantaneamente, mergulhando de cabeça nessa relação e se casando ainda no México, dispensando o encaminhamento de casamento que havia feito antes de sua viagem. De volta aos Estados Unidos, Celia vai viver na casa da família de Mark, um lugar estranho e assustador. Mark tem um filho e uma irmã e ele não se dá bem com os dois. Sua antiga esposa morreu na casa. Celia fica um tanto desconfortável com aquele ambiente, mas por amor a Mark, ela encara todas as dificuldades. Entretanto, numa festa, ela descobre um macabro hobbie de Mark: reproduzir fielmente ambientes onde ocorreram assassinatos, lançando mão até de peças originais. Ele criou sete ambientes, sendo que o último deles é completamente vedado a qualquer pessoa, o que desperta a curiosidade de Celia. Esta vai arrumar uma artimanha para abrir a porta do sétimo ambiente e descobrir o seu segredo. O que ela veria a deixaria surpresa.

O Segredo da Porta Fechada - Filme - Cinema10.com.br
Celia se apaixonará de forma arrebatadora por Mark, um homem cheio de traumas…

Lang consegue articular com maestria dois pólos no filme, interagindo-os de forma muito competente. O primeiro deles é o sombrio claro-escuro que permeia toda a película. A escuridão nesse filme é tão pronunciada que qualquer vestígio de claridade se sobressai como um personagem. Esse detalhe estético realça demais o clima tenso que é descrito na narrativa do filme. O segundo pólo é a forte componente psicológica, ou seja, um subjetivismo que é visto de forma pronunciada nos dois personagens protagonistas. Inicialmente, Celia se abre de uma forma tão gratuita para o espectador, que mesmo o seu jeito tão formal e aristocrático de se portar não tira de nós o grau de intimismo para com ela. Já Mark, inicialmente uma presença arrebatadora, mas também estranha na vida de Celia, com o tempo vai se abrindo em todos os seus traumas passados, cuja superação é de fundamental importância até para a elucidação da trama. Essa tarefa caberá a Celia que, mesmo com a sua vida sob risco, não abandona Mark por seu amor infinito por ele. Ou seja, apesar do clima sombrio e tenso do filme, há uma força amorosa aqui que consegue superar essas barreiras e garantir um happy end para a película. Confesso que, nesse quesito, eu preferia um desfecho mais trágico. Enfim…

Cinemateca tem sessão dupla com filmes do cineasta Fritz Lang ...
Culturas “primitivas”. Uma marca registrada de Lang e de grupos expressionistas como o “Die Brücke”.

De qualquer forma, essa interação criativa entre o soturmo e o psicológico foi feita de um jeito poderoso por Lang. Sua preocupação com o psicológico é tão forte que, no momento em que Mark exibe seus ambientes para os convidados da festa, uma das convidadas especula o que aconteceria se os personagens envolvidos nos ambientes fizessem terapia. Devemos nos lembrar que claros, escuros e visões subjetivas eram temas caros também ao cinema expressionista alemão, contemporâneos de Lang quando este ainda vivia na Europa. Outro traço mais particular de Lang que aparece no filme a gente vê quando Celia chega à mansão da família de Mark e esta presencia máscaras de culturas “primitivas”. Não podemos nos esquecer que Lang fez viagens à África e Ásia que marcaram sua produção artística (é só nos lembrarmos das prostitutas de Yoshiwara em “Metrópolis”).

O Segredo da Porta Fechada – Um Suspense Psicológico Tolo e ...
Claro/Escuro. Personagem à parte, onde as sombras desempenham também o papel de personagem. Expressionismo puro no “Noir”…

Assim, “O Segredo da Porta Fechada” é um filme altamente recomendável de Lang, pois ele enriquece o cinema “Noir” produzido nos Estados Unidos com seus claros/escuros e elementos psicológicos e subjetivistas, tão caros ao cinema alemão da década de 20. Vale a pena dar uma conferida abaixo na película completa.

Batata Movies – A Rosa Azul De Novalis. Radiografando Uma Identidade.

A Rosa Azul de Novalis - Filme 2018 - AdoroCinema
Cartaz do Filme

Um documentário brasileiro no mínimo provocante. “A Rosa Azul de Novalis”, de Gustavo Vinagre e Rodrigo Carneiro, busca mapear a figura de Marcelo Diorio, um rapaz que é homossexual e HIV positivo, cuja trajetória de vida é bastante curiosa. Para podermos entender melhor o filme, vamos precisar de spoilers.

A Rosa Azul de Novalis (The Blue Flower of Novalis) - YouTube
Marcelo Diorio, um personagem curioso e inusitado…

Dando voz total ao protagonista, o documentário não faz qualquer leitura e deixa Marcelo bem à vontade para falar de si próprio. E ele o faz sem qualquer medo e com muita sinceridade. Com uma certa mágoa, Marcelo fala da difícil relação com sua família, segundo ele altamente conservadora, que não aceitava a sua sexualidade e uma revelação extremamente bombástica no enterro do irmão que deve ter azedado o clima entre nosso protagonista e a família de vez (não darei o spoiler aqui). Marcelo ainda fala de sua relação com o HIV e com os amantes com os quais ele tem relações, contando experiências inusitadas, como um conector USB com um cronômetro enfiado em seu cu por um desses amantes desvairados, gerando uma história inusitada e hilária. Mas a característica mais curiosa dessa película é o fato que Marcelo diz ter lembranças de outras vidas, tais como a de um corpulento general asiático na Idade Média e o poeta romântico alemão Novalis no século XIX, que buscava uma rosa azul. Mais inusitado, impossível.

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O enterro do irmão marcou sua vida…

O documentário também vai ser muito agressivo para os conservadores mais sensíveis, pois há encenações das experiências sexuais de Marcelo, com direito a vigorosas cenas de sexo oral.  E podemos também dizer, com o perdão do trocadilho, que esse é um cu de filme, não no sentido de ser uma película ruim, mas pelo fato da película começar e terminar com um close do cu do protagonista. E por que isso? Ao início, Marcelo toma sol em virtude de sua deficiência de vitamina D e, por mais estranho que isso possa parecer, ele precisa tomar sol no cu (não me perguntem por que, indicações médicas). E, ao final, numa postura e posição altamente desafiadoras, nosso protagonista fica nu, de quatro para a câmara, que faz uma viagem por suas entranhas depois dele fazer um monólogo onde exalta sua sexualidade (e seu cu), além de dizer que a película, até aquele momento, estava muito careta. Fico imaginando os mais conservadores vendo tudo isso. Eles, literalmente, iriam enfiar do dedo em seus cus e rasgar.

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Indicações médicas…

Brincadeiras à parte, esse é um documentário muito corajoso, sincero e importante, pois mostra, de forma bem natural, sem deixar de ser iconoclasta, o pensamento de Marcelo Diorio sobre si mesmo e sua sexualidade, pouco ligando se vai ser agressivo aos mais conservadores. Pela sua ousadia, é um filme muito importante para os momentos sombrios em que vivemos. Um filme sem papas na língua. Vale a pena dar uma conferida.

Batata Movies – Minha Irmã De Paris. Engraçadinho, Mas À Americana.

Minha Irmã de Paris
Cartaz do Filme

Uma comédia francesa engraçadinha à americana. “Minha Irmã de Paris” é um filme com o único objetivo de entretenimento. Protagonizado por Mathilde Seigner (irmã de Emmanuelle Seginer, esposa de Roman Polanski e que contracenou com Harrison Ford no já longínquo “Busca Frenética”), que faz dois papéis, o de uma atriz profissional sofisticada e metida à besta que busca recuperar sua carreira (Jullie) e uma cabeleireira de cidade de interior altamente alegre e comunicativa (Laurette), o filme consegue fazer rir mas também passa uma mensagem da importância de tratarmos bem ao próximo e fazermos a diferença na vida dos outros. Para podermos falar desse filme, vamos lançar mão de spoilers.

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Uma atriz desiludida com sua profissão, lê mais um trabalho…

Como Julie e Laurette, duas mulheres ao mesmo tempo tão diferentes e iguais irão se encontrar? A primeira está com sua carreira por um fio e seu empresário consegue um papel para ela com começo imediato. O problema é que a atriz fez preenchimento labial e teve uma reação alérgica, ficando com o lábio inchado. Dias antes da operação, Laurette se apresentou a Julie e seu empresário no restaurante, numa mostra de tietagem explícita, e deixou o cartão de seu estabelecimento de cabeleireira. Julie então irá contactar Laurette e pede para substituí-la nos primeiros dias de filmagem, até que ela se recupere de seu inchaço no lábio. Mas a natureza afável e amigável de Laurette conquista todos no set de filmagem, onde a moça cai como uma luva no papel de uma protagonista de comédia, algo impraticável para Julie, que faz filmes mais “cabeça”. O grande detalhe aqui é que Laurette e Julie são irmãs gêmeas que foram abandonadas num orfanato e, enquanto a atriz orgulhosa e metida à besta não sabe disso, Laurette tem plena consciência dos laços de parentesco. Está montado o cenário para várias situações hilárias ao longo da exibição da película.

Previsível, 'Minha Irmã de Paris' é típica comédia francesa sem ...
Uma transformação…

É um filme onde tudo depende muito de Mathilde Seigner, que conseguiu muito bem dar conta do recado. Ela realmente conseguiu dar vida a duas pessoas de características completamente diferentes, mesmo que as duas personagens tenham a mesma cara. O mais interessante é que a atriz consegue fazer rir com as duas personagens, por mais díspares que sejam suas características, numa prova de um bom trabalho de interpretação. E ainda, de quebra, conseguiu levar ao público uma lição de moral, pois Julie consegue aprender com Laurette que a petulância e a soberba machucam muito as pessoas, de forma que a diva desce de seu pedestal e desiste de sua carreira, havendo uma verdadeira troca de papéis entre as duas, onde a vida de uma agrada à outra. O grande barato do filme é que, até que esse desfecho seja alcançado, temos um roteiro que apresenta muitos desdobramentos e alternativas, que desenvolvem a história de uma forma engraçada, mas também instigante, onde torcemos pelo espírito alegre e cheio de compaixão de Laurette, mas também torcemos por Julie, pois ela é muito infeliz com seu trabalho e muito de sua soberba vem daí. Isso tudo sem falar que Julie precisa saber de sua história pregressa de órfã, um elemento a mais para trazer tensão ao roteiro.

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Trocando de ofício…

Dessa forma, “Minha Irmã de Paris”, se é uma comédia um tanto despretensiosa, ela cumpre a função de fazer rir, traz uma tocante lição de moral e o talento de uma atriz como Mathilde Seigner, que consegue fazer duas personagens com características muito diferentes, fazendo o público rir igualmente com as suas interpretações. Vale a pena para passar um tempinho agradável.